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1 Curso Online de Filosofia Olavo de Carvalho Caderno de Curso Volume I Aulas 1 a 100 Mário Chainho 2 Índice Aula 1 …………….……………………………………………………………………………………………… pp. 11 1. Os primeiros deveres dos alunos | 2. Duração do curso | 3. Amizade | 4. Exercício do Necrológio | 5. Inspiração dada pela pessoa de Sócrates | 6. Santo Agostinho e a confissão | 7. O método da confissão | 8. O obscurantismo moderno | 9. O compromisso assumido ao entrar no Curso Online de Filosofia | 10. A busca da confiabilidade máxima | 11. Leituras iniciais | 12. Conhecimento objectivo e autoconhecimento | 13. A delimitação do terreno da filosofia por Sócrates, Platão e Aristóteles | 14. A seriedade da busca filosófica | 15. A importância da capacidade expressiva | 16. A literatura e as funções da linguagem | 17. Gramática Latina | 18. Conhecimento e solidão Aula 2 ……………………..……………………………………………………………………………………….. pp. 16 19. A nossa circunstância | 20. A importância do testemunho | 21. A absorção de elementos culturais | 22. A fidelidade à experiência e a literatura | 23. A verdade | 24. Contacto com o filósofo | 25. Sensibilidade auditiva | 26. A profissão do génio | 27. A lógica como mundo da possibilidade | 28. Exercício da aceitação total da realidade | 29. O símbolo e a escala de poder das personagens literárias | 30. Conhecimento e comunicação Aula 3 ……………………..……………………………………………………………………………………….. pp. 19 31. O fundamentalista e a crença em palavras | 32. Voto de abstinência em matéria de opinião | 33. Exercício do Testemunho (Louis Lavelle) | 34. O entendimento na leitura Aula 4 ……………………..……………………………………………………………………………………….. pp. 21 35. Continuação do Exercício do Testemunho | 36. Os novos inimigos da alma | 37. A instrumentalização do cristianismo pelo Estado | 38. O ódio ao conhecimento | 39. O diálogo em solidão | 40. Reportório de ignorância | 41. A qualidade da leitura de obras de ficção | 42. Exercícios de adestramento do imaginário Aula 5 ……………………..…………………………………………………………………………….………….. pp. 24 43. A dialéctica do entendimento | 44. A lógica usada como camuflagem da experiência real | 45. A camuflagem na ciência moderna | 46. A validação da experiência comum | 47. Os universais abstractos | 48. O conteúdo dramático da tese filosófica | 49. A busca da unidade do conhecimento na unidade da autoconsciência | 50. As diferentes concepções da fé | 51. Exclusão e superação | 52. Evocação das experiências do filósofo | 53. Exercício da Presença no Universo Aula 6 – Especial curso “Introdução à filosofia de Eric Voegelin” ……………… pp. 28 54. Principais influências de Eric Voegelin | 55. Percurso intelectual de Eric Voegelin | 56. Representação e modelos de ordem | 57. “Israel e a revelação” (Ordem e História I) | 58. “O mundo da polis”, “Platão e Aristóteles” (Ordem e História II & III) | 59. Cristianismo e modernidade (Ordem e História IV & V) | 60. Continuação do programa de estudos de Eric Voegelin 3 Aula 7 ……………………..…………………………………………………………………………….………….. pp. 32 61. O mundo virtual | 62. A ampliação do mundo virtual | 63. A imitação como instrumento de aquisição de meios expressivos | 64. Escritores de língua portuguesa recomendados | 65. O movimento modernista brasileiro e a impotência da vivência “naturalista” | 66. O amor ao trabalho como dever de bondade | 67. Aprendizagem de línguas estrangeiras Aula 8 ……………………..…………………………………………………………………………….………….. pp. 35 68. Os quatro blocos de adestramento prévios à prática filosófica | 69. Montagem da estrutura de um problema | 70. A técnica filosófica | 71. Conhecimento por presença | 72. A crítica literária Aula 9 ……………………..…………………………………………………………………………….………….. pp. 37 73. O domínio dos instrumentos de pesquisa | 74. O estudo da filosofia por temas | 75. A falsidade existencial da “suprema beatitude do entendimento” | 76. A confissão como antídoto contra a auto-divinização | 77. Recomendações bibliográficas sobre as motivações da acção humana | 78. História da Literatura Ocidental (Otto Maria Carpeaux) Aula 10 …………………..…………………………………………………………………………….………….. pp. 39 79. O ocaso da classe letrada | 80. O carácter sistémico da inteligência | 81. Exercício de leitura lenta | 82. Exercícios da Presença do Ser (Louis Lavelle e Narciso Irala) | 83. A transmissão cultural | 84. A experiência musical Aula 11 …………………..…………………………………………………………………………….………….. pp. 42 85. Três tipos de educação | 86. Como refazer a educação Aula 12 …………………..………………………………………………………………………….….………….. pp. 44 87. A influência do ambiente | 88. Dialéctica entre “poder” e “autoridade” | 89. O processo científico moderno: da perda do facto concreto ao subjectivismo moderno Aula 13 …………………..…………………………………………………………………………….………….. pp. 47 90. Lista de exercícios e práticas recomendadas | 91. Exercício da Biblioteca Imaginária | 92. Exercício do Amor ao Próximo Aula 14 …………………..…………………………………………………………………………...………..….. pp. 49 93. A questão da verdade | 94. A lógica de Aristóteles e a investigação da verdade | 95. A forma inteligível | 96. A ilusão iluminista Aula 15 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 52 97. O raciocínio intuitivo (experiência com as cartas de baralho) Aula 16 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 54 98. A alta cultura vista como um círculo de convivência humana | 99. O uso da memória 4 Aula 17 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 56 100. Os vários sentidos da palavra “ciência” | 101. A função da alta cultura Aula 18 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 58 102. Aristóteles pedagogo: categorias, predicáveis, causas, forma e matéria Aula 19 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 60 103. O que é conhecer algo (Exercício Descritivo) | 104. Exercício de rastreamento da origem dos objectos Aula 20 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 62 105. Leitura de um texto de filosofia (O Ponto de Partida da Metafísica) | 106. A impregnação na alta cultura Aula 21 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 65 107. O papel e o funcionamento da imaginação | 108. A construção da pessoa moral Aula 22 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 68 109. Mapeamento da situação mundial | 110. O poder, a ciência e os movimentos revolucionários | 111. As promessas bíblicas da ciência moderna Aula 23 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 71 112. A cultura moderna como abolição da natureza e do homem (Bernanos) | 113. A voz do coração Aula 24 – Especial curso “Conceitos Fundamentais da Psicologia”..………….. pp. 73 114. O que é a psique? | 115. O desenvolvimento da psique | 116. O método dialogal em psicologia | 117. A relação entre a psique e o “eu” | 118. O trauma da emergência da razão | 119. O horizonte de consciência | 120. Pensar, meditar e contemplar Aula 25 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 77 121. Análise de texto | 122. Cepticismo e paralaxe cognitiva Aula 26 …………………..…………………………………………………………………………….………..… pp. 80 123. A consciência, o mundo onírico e a especulação do possível | 124. A lógica intrínseca aos objectos | 125. A percepção do círculo de latência Aula 27 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 81 126. A unidade do real | 127. A longa convivência com os problemas Aula 28 …………………..………………………………………………………………..………….………..…. pp. 83 128. O exemplo da melhor educação medieval (a inveja dos anjos) Aula 29 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 85 129. A cultura superior como processo de desaculturação 5 Aula 30 …………………..……………………………………………………………………..…….………..…. pp. 87 130. A logica brasiliensis | 131. O progresso da ignorância | 132. O reconhecimento da verdade nas coisas mínimas Aula 31 …………………..…………………………………………………………………………….………..….pp. 88 133. Os patamares da filosofia | 134. Distinção entre forma e matéria e distinção entre distinções | 135. Filosofia e abertura para a eternidade | 136. O instinto da verdade (Wilfred Bion) Aula 32 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 90 137. Exercício de Relaxamento em Consciência | 138. A jaula existencialista | 139. Os esforços filosóficos de Olavo de Carvalho Aula 33 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 95 140. A obra literária e o produto filosófico | 141. O estudo da filosofia | 142. Didascalicon e o senso da eternidade Aula 34 …………………..…………………………………………………………………………….………..…. pp. 98 143. O papel central da consciência | 144. A responsabilidade colectiva dos alunos do Curso Online de Filosofia Aula 35 …………………..…………………………………………………………………………….……….. pp. 101 145. O estudo como uma sucessão interminável de aberturas | 146. A formação da guerra cultural Aula 36 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 103 147. Nova ordem mundial, tipos dominantes de personalidade e democracia totalitária | 148. Exercício de Classificação | 149. O falso debate da modernidade Aula 37 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 106 150. O pólo como símbolo do vice-regente de Deus na Terra (Suhrawardi) | 151. A noção de forma em Aristóteles Aula 38 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 109 152. O perdão como lei constitutiva do universo | 153. Superação (Nicolae Steinhardt) Aula 39 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 112 154. A restauração da linguagem | 155. O elemento moral implicado na vida intelectual Aula 40 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 113 156. As inversões revolucionárias em Karl Marx Aula 41 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 118 157. A tradição primordial e a escola tradicionalista 6 Aula 42 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 121 158. O papel interventor dos alunos do Curso Online de Filosofia na sociedade | 159. Os problemas do conhecimento científico | 160. O método confessional e o testemunho Aula 43 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 123 161. A diferença entre ciência e tecnologia | 162. A proposta da filosofia Aula 44 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 126 163. A acumulação de registos | 164. O peso da ignorância | 165. Exercício do Mapeamento da Ignorância Aula 45 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 128 166. Características específicas da cultura brasileira Aula 46 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 130 167. As bases do aprendizado | 168. O conhecimento como confissão Aula 47 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 132 169. A estrutura da meditação | 170. Dois tipos de abstracção Aula 48 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 133 171. Preceitos para a entrada na lógica clássica Aula 49 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 136 172. Percepção e cepticismo | 173. O papel civilizacional da narrativa Aula 50 …………………..………………………………………………………………………….………..…. pp. 138 174. A simples apreensão e as percepções adicionais | 175. A noção de juízo Aula 51 …………………..………………………………………………………………………….………..….. pp. 140 176. Da simples apreensão de essências à formação de conceitos | 177. A formação de juízos e os problemas da substancialidade | 178. O senso de infinitude Aula 52 …………………..………………………………………………………………………….…….…..…. pp. 143 179. Ciências do conhecimento | 180. As limitações da perspectiva lógica- matemática | 181. Cosmologia antiga e ciência moderna | 182. Ciência e poder | 183. Res cogitans e res extensa | 184. Extensão e compreensão de um termo Aula 53 …………………..…………………………………………………………………….…….………..…. pp. 147 185. As distinções aplicadas à ciência | 186. A tensão entre o finito e o infinito como residência da inteligência Aula 54 …………………..…………………………………………………………………….…….………..…. pp. 150 187. Exercício do Necrológio, mortalidade e evolução dos modelos de conduta 7 Aula 55 …………………..…………………………………………………………………….…….………..…. pp. 152 188. Problemas na interpretação de autores antigos e medievais | 189. Conhecimento intuitivo Aula 56 …………………..…………………………………………………………………….…….………..…. pp. 154 190. A verdadeira identidade do ser humano | 191. A concepção moderna de fé Aula 57 …………………..…………………………………………………………………….………….…..…. pp. 157 192. Consciência de imortalidade Aula 58 …………………..………………………………………………………………………….….……..…. pp. 160 193. A ciência ao longo dos tempos | 194. Ciência como projecto de poder Aula 59 …………………..………………………………………………………………………….………...…. pp. 165 195. Música e alma imortal | 196. As várias modalidades do eu | 197. Fenomenologia do acto sexual Aula 60 …………………..………………………………………………………………………….………...…. pp. 167 198. Adultério e pecado original | 199. Antepredicamentos | 200. Da burocratização da sociedade ao Movimento do Potencial Humano | 201. Psique, alma e espírito Aula 61 …………………..……………………………………………………………………..….………….…. pp. 170 202. Experiência de imortalidade | 203. Imortalidade, ciência e filosofia | 204. Ezra Pound sobre a função da literatura Aula 62 …………………..………………………………………………………………………….………..……pp. 174 205. Preliminares essenciais à lógica | 206. Conhecimento, solidão e socialização | 207. O caminho de volta do conceito à experiência | 208. Ontologia de senso comum Aula 63 …………………..………………………………………………………………………….………..….. pp. 177 209. Juízo e proposições | 210. Hayek e os estereótipos sobre o conhecimento medieval | 211. O facto concreto e a alma imortal Aula 64 …………………..………………………………………………………..………………….………….. pp. 181 212. Consciência meta-corporal e modalidades do “eu” Aula 65 …………………..…………………………………………………………….…………….………..…. pp. 185 213. Hegel e o desenvolvimento do pensamento filosófico | 214. O problema da verdade na filosofia moderna (Dardo Scavino) | 215. Reavaliação da linha de pensamento filosófico dominante Aula 66 …………………..…………………………………………………………….…………….………..…. pp. 190 216. A crítica linguística ao conhecimento objectivo (Dardo Sacavino) | 217. O paradoxo da ciência moderna e a mentalidade revolucionária Aula 67 …………………..……………………………………………………………….………….………..…. pp. 196 218. A influência da alta cultura na sociedade 8 Aula 68 …………………..……………………………………………………………….………….………..…. pp. 198 219. Os objectivos de longo prazo do Seminário de Filosofia | 220. A hipnose de Wittgenstein | 221. A linguagem e a cultura como jaulas existenciais (Dardo Scavino) | 222. Filosofia como história da filosofia (Dardo Scavino) | 223. A falsa oposição entre fé e conhecimento Aula 69 …………………..………………………………………………………………….……….………..… pp. 206 224. Notas sobre o movimento revolucionário | 225. A natureza da filosofia Aula 70 …………………..………………………………………………………………….……….………….. pp. 210 226. A filosofia pós-moderna (Dardo Scavino) | 227. Sobre o poder Aula 71 …………………..…………………………………………………..……………….…….………...…. pp. 215 228. O sentido da admiração | 229. O pensamento filistino (Zinoviev) de Wittgenstein | 230. Os requisitos da busca filosófica Aula 72 …………………..………………………………………………………………………….………...…. pp. 220 231. O predomínio das regras comunais (Zinoviev) | 232. A insuficiência da análise estrutural de texto em filosofia Aula 73 …………………..………………………………………………………………………….………...…. pp. 227 233. Alta cultura e o senso de hierarquia | 234. Do verbalismo à atitude contemplativa | 235. A preparação de uma nova elite intelectual Aula 74 …………………..………………………………………………………………………….………...…. pp. 229 236. As influências de Olavo de Carvalho | 237. A natureza teleológica da individualidade (Josiah Royce) | 238. Pseudomundos criados pela linguagem | 239. Hegemonia socialista (Ernesto Laclau e Chantal Mouffe) | 240. O progresso da ignorância e o conflito de culturas Aula 75 …………………..………………………………………………………………………….………...….pp. 239 241. Estudo de um filósofo em profundidade | 242. A diferença entre a perspectiva religiosa e a perspectiva filosófica | 243. Religião e ideologia Aula 76 …………………..………………………………………………………………………….………...…. pp. 242 244. Máscaras de Descartes (Étienne Couvert) Aula 77 …………………..………………………………………………………………………….………...…. pp. 250 245. A mentalidade prática imediatista | 246. A emoção | 247. A busca da coerência | 248. As consequências da filosofia de Descartes (Maxime Leroy) Aula 78 …………………..………………………………………………………………………….………...…. pp. 256 249. Questões essenciais nas ciências sociais | 250. Fenomenologia do poder | 251. O sujeito da História 9 Aula 79 …………………..………………………………………………………………………….………...…. pp. 261 252. Implicações da consciência de imortalidade na compreensão da História e da sociedade política | 253. A falta de entendimento sobre o que é um princípio Aula 80 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 265 254. O surgimento de teorias de conteúdo mutável e a arrogância universal Aula 81 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 268 255. Filosofia e ortodoxia católica | 256. Condições da investigação filosófica | 257. O problema da existência do mal no mundo Aula 82 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 271 258. O discipulado filosófico | 259. Uma visão de conjunto da filosofia de Olavo de Carvalho Aula 83 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 279 260. A adaptação às situações da anormalidade | 261. Exercício das Camadas da Personalidade | 262. O papel da virtude na vida intelectual (Sertillanges) Aula 84 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 286 263. A perspectica escatológica e a visão substâncial do processo histórico Aula 85 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 289 264. A expressão de impressões | 265. A filosofia administrada (Gustavo Bueno) Aula 86 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 293 266.Engenharia social e agentes de transformação Aula 87 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 299 267.O processo educacional como conquista da transparência Aula 88 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 305 268. O aprendizado fonético e forma literária | 269. As condições para o falhanço do planeamento centralizado | 270. Os limites da influência ambiental Aula 89 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 310 271. Filosofia, cosmovisão e apologética | 272. Do nominalismo à perda da confiança na ciência moderna Aula 90 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 316 273. Imortalidade e vivência intuitiva da morte | 274. Dois tipos de mutação social | 275. O papel da ciência nas mutações sociais | 276. A imposição da ciência como autoridade pública | 277. A criação de uma segunda realidade pela ciência moderna Aula 91 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 325 278. Os sistemas metafísicos encarados como símbolos | 279. Filosofias abertas e filosofias fechadas | 280. O impacto da ciência na sociedade (Bertrand Russel) 10 Aula 92 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 332 281. Principais itens da filosofia de Olavo de Carvalho | 282. Algumas investigações de Olavo de Carvalho Aula 93 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 339 283. O testamento filosófico de Ravaisson Aula 94 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 342 284. O testamento filosófico de Ravaisson (cont.) | 285. A perspectiva do filósofo face à perspectiva do agente político Aula 95 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 346 286. A importância do elemento biográfico na compreensão da obra filosófica Aula 96 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 348 287. A poesia lírica e a transição do discurso poético para o discurso filosófico | 288. As relações entre linguagem e realidade Aula 97 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 352 289. Leituras formativas essenciais para os alunos do Curso Online de filosofia | 290. Autores tidos como desconhecidos | 291. A busca da verdade Aula 98 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 357 292. Clubismo intelectual e cultura verbal (“gostosão intelectual”) | 293. A estrutura narrativa da realidade Aula 99 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 360 294. Leituras formativas sobre o projecto socrático | 295. Entidades com acção histórica | 296. Substância, essência, natureza e arquétipo Aula 100 …………………..……………………………………………………………………….………...…. pp. 365 297. A constância da tradição pitagórica na História ocidental | 298. Conhecimento do simbolismo numérico pitagórico (Mário Ferreira dos Santos) | 299. O fim da alienação moderna e os novos riscos | 300. Arte e moral 11 [Aula 1] 1. Os primeiros deveres dos alunos Depois das transcrições das aulas, o segundo dever dos alunos – por ordem de exposição – é ter um caderno de curso para resumir não só as aulas mas também para colocarmos as nossas ideias, dúvidas, questões, indicações bibliográfica. Tal é a função destes apontamentos. Com este caderno pretendo traçar a linha expositiva central do Curso Online de Filosofia, tal como a consegui entender. Muitas das indicações práticas dadas ao longo do curso não são aqui tidas em conta, uma vez que já foram compiladas no volume “Exercícios e Indicações Práticas”. α1 2. Duração do curso O Curso Online de Filosofia tinha uma duração prevista, inicialmente, de 4 ou 5 anos, depende da apreciação do professor. Mas são necessários muitos mais anos para poder acompanhar o trabalho de um filósofo. Quem pratica uma arte sabe que é algo que se entra para o resto vida ou não se entra realmente. Mesmo quando o aluno supera o mestre, ele sabe de onde veio e a quem “tudo” deve. Querer confrontar o mestre e “cortar o cordão umbilical” é coisa de quem não superou os desafios da adolescência e depois tenta lança-los no “lugar” errado. α1 3. Amizade Idem velle, idem nolle, este é o conceito de amizade segundo São Tomás de Aquino, que remete para uma comunidade de valores, mas é também importante ter por amigos aqueles que rejeitam as mesmas coisas. É fácil formar um grupo só com base no “ódio” ou no “amor”, mas isso é desbalancear a nossa pessoa, que fica ou demasiado amolecida ou demasiado presa à acção violenta, ainda que apenas mentalmente. Os amigos são para todas as ocasiões, e jamais são aqueles que vendem a sua afeição à custa da de abandonarmos aquilo que é mais próprio em nós. Aristóteles já dizia que a sociedade política só era possível com base nos grupos unidos pela amizade, que começa por ser um dos pilares da nossa personalidade. α1 4. Exercício do Necrológio Fazer o Exercício do Necrológio, com sinceridade, é um sinal da nossa disposição em entrar na vida intelectual, tal como entendida no Curso Online de Filosofia. Continuar a refazê-lo continuamente atesta a nossa perseverança em nos mantermos nessa via, remodelando-a ao longo do tempo. Neste exercício contamos a nossa própria vida, que supomos ter terminado, como se fosse um amigo a fazê-lo. Relatamos a nossa vida ideal a um terceiro, que não nos conheceu. Não importa os cargos que pensamos um dia ocupar mas quem realmente queremos ser. Isto não apenas deve corresponder a uma profunda ambição pessoal mas a algo que é também louvável aos olhos de terceiros. Sem dúvida que este é um instrumento poderoso para obtermos uma imagem que nos orienta ao longo da vida – fornecendo também um critério para julgarmos as nossas acções, sem o qual teremos por juiz o falatório geral ou um complexo de medos e preconceitos –, desde que não seja visto como http://www.seminariodefilosofia.org/system/files/COF_Exercicios_e_Indicacoes_Praticas_Bookmarks.pdf http://www.seminariodefilosofia.org/system/files/COF_Exercicios_e_Indicacoes_Praticas_Bookmarks.pdf 12 um mero exercício. Apenasa nossa melhor parte, aquela que se expressa no necrológio, pode falar com Deus. α1 5. A inspiração dada pela pessoa de Sócrates O Curso Online de Filosofia inspira-se naquilo que a pessoa de Sócrates tem de exemplo fundamental. Não perseguimos a filosofia como uma profissão, dado que isso nos prenderia a exigências burocráticas, assim como ficaríamos presos à vaidade de pertencermos a um clube restrito, que muitos esforços exigiria da nossa parte. A filosofia começou de forma auto-consciente como uma espécie de clube de aficionados em redor de Sócrates e depois continuou como um projecto legado por este, que foi modernamente esquecido mas que tentamos resgatar aqui de alguma forma. Sócrates insistia numa vida examinada: os seus interlocutores eram constantemente instados a olhar para a sua verdadeira situação social e política, sendo este é o ponto de partida das meditações. Nunca o académico moderno vai examinar a sua situação sociológica, constatando como isso o limita ou beneficia. É algo que não faz parte do seu teatro; é como se ele partisse do princípio que aquele ambiente universitário é o lugar natural para o conhecimento acontecer e tudo o resto não passa de diletantismo. Sócrates mostrou como a sociedade pode tomar consciência de si mesma. Nele confunde-se o conhecimento objectivo e universal das coisas com o autoconhecimento, o que exige uma pessoa real, não um mero desempenhar de papéis sociais. Isto já indica o que deve ser a técnica filosófica: uma conversão de conceitos gerais em experiência existencial efectiva e vice-versa. α1 6. Santo Agostinho e a confissão Santo Agostinho retomou à via socrática porque percebeu que a sua inteligência não conseguia abordar com clareza as grandes questões. Antes disso era necessário limpar a sua personalidade, como ele exemplificou nas Confissões. George Misch mostra, na História da Autobiografia na Antiguidade, que isto foi uma novidade. Não encontramos na antiguidade uma voz verdadeiramente pessoal. Agostinho já foi buscar o autoconhecimento dentro do contexto da confissão cristã, onde tudo é exposto. Não há orgulho e nem vergonha, muito menos especulação masoquista, apenas há a sinceridade mais profunda que nos é possível naquele momento. Aqui se articulam o conhecimento almejado, a individualidade concreta – com sua miséria, ignorância, esquecimento e auto-enganos – e a narrativa que nos coloca diante do observador omnisciente. α1 7. O método da confissão Agostinho faz-nos chegar ao método da confissão. Contamos para Deus a nossa vida, mas Ele sabe mais do que nós, então, a nossa sinceridade é recompensada e obtemos um pouco mais de conhecimento. Isto parece a descrição de uma prática mística a que poucos poderão aceder, mas na realidade é algo quase impossível de não acontecer. Quando falamos ou escrevemos sobre algo, usando toda a sinceridade, na sequência vem à nossa consciência algo que antes não sabíamos, pontos se esclarecem, caminhos se abrem. Muitos vivem escondidos, mesmo se exibidos publicamente, não tendo um lugar onde se expõem sem restrições e sem condições, por isso não têm esta experiência tão simples quanto profunda, sempre nova, revigorante. α1 13 8. O obscurantismo moderno O obscurantismo moderno consiste em repetir os ditames do politicamente correcto com toda a convicção, ainda que se trate de uma cretinice auto-contraditória. O engajamento nestas coisas, por vezes motivado apenas por oportunismo, tem frequentemente efeitos irreversíveis. Toda uma cosmovisão pode ter que ser refeita à volta de um absurdo com o qual nos comprometemos, e se esse absurdo é compartilhado por muitos – especialmente quando tem o selo de aprovação da universidade – acaba por passar por senso comum. Quando as instituições estão corrompidas, querer um diploma desta proveniência não é apenas vaidade fútil, é já querer fazer parte da corrupção. A aprovação deve vir de quem realmente sabe, dos verdadeiramente qualificados, e também são estes que podem colocar em causa o nosso trabalho. α1 9. O compromisso assumido ao entrar no Curso Online de Filosofia O nosso compromisso com o mestre Olavo, de levarmos o curso até ao fim, prende-se com a importância de recuperar a alta cultura no Brasil – e desta forma poder melhorar o estado geral de coisas –, algo que não é possível fazer em mais nenhum lugar. No meu caso, comecei por ser alguém de fora, a partir de Portugal, sem ter uma responsabilidade tão directa de “salvar” o Brasil, mas com o dever de retribuir um pouco por tudo aquilo que de precioso que aqui tenho recebido. α1 10. A busca da confiabilidade máxima O objectivo da filosofia não é propriamente a obtenção de certezas mas a busca da confiabilidade máxima, que feita através do exame dos nossos conhecimentos. Pode ser a busca de uma “prova” mas é essencialmente a procura algo que sirva para fundamentar as decisões da nossa vida. A ciência moderna quer ter autoridade pública mas não estuda a realidade, apenas um conjunto de fenómenos seleccionados com base numa certa uniformidade interna (procedimento tautológico). Esta actividade pode ter muitos méritos, e certamente que é muito profícua em termos de promoção do desenvolvimento tecnológico, mas tem o perigo de constituir uma alienação da realidade. α1 11. Leituras iniciais Não importam muito as leituras no início do curso, porque o fundamental não é obter cultura filosófica mas desenvolver a atitude filosófica. Sócrates não dialogava infindavelmente sobre minudências, nem tinha a pretensão de fazer uma acumulação quantitativa de conhecimentos, antes tentava que os seus interlocutores tomassem consciência de assuntos que eles, afinal, já conheciam. É este recentramento da personalidade que temos de começar por operar, para depois as leituras serem feitas a partir deste eixo, que começamos a definir com o Exercício do Necrológio [4]. α1 14 12. Conhecimento objectivo e autoconhecimento Sócrates buscava um conhecimento mais fundamentado do que a mera opinião, algo que valesse pela sua autoridade intrínseca e não pela posição ocupada pelo seu portador ou pelo seu poder de convencimento sobre as massas. Mas era um conhecimento que não se podia destacar friamente da sua pessoa e Sócrates tinha, como pessoa concreta, que poder acreditar naquilo. O intelectual moderno pode acreditar numa coisa totalmente diferente daquilo que diz a sua disciplina académica, e apenas é exigido dele que desempenhe um papel social diante dos alunos ou dos pares, e se as suas acções na vida pessoal estão em desacordo com isso, ele é criticável apenas moralmente mas não cientificamente. Mas em filosofia, a totalidade da nossa pessoa tem que ser sincera na admissão do conhecimento. Só daqui poderá advir uma autoridade intrínseca para julgar os outros conhecimentos, onde poderemos encontrar um “ponto arquimédico”, que para Mário Ferreira dos Santos era algo com uma credibilidade máxima, onde uma verdade é tão óbvia e patente que nunca a podemos esquecer. Quem julga não é a academia ou o professor, tem que ser o nosso juiz interior. A filosofia é a busca de uma capacidade interna de discernir a verdade dentro da máxima medida humana possível. Em termos de confissão, a parte que se arrepende é hierarquicamente superior, não por ser diferente mas por ser mais abrangente, levando em conta o conjunto da nossa personalidade e a complexidade da situação. O arrependimento não pode ser uma coisa deprimente, o que nos fragmentaria ainda mais, tem de ser algo que nos integre, juntando e elevando todos os elementos da nossa alma e da nossa vida. α1 13. A delimitação do terreno da filosofia por Sócrates, Platão e Aristóteles Sócrates, Platão e Aristóteles delimitaram o terreno da filosofia. Eles são o chão em que se baseou a filosofia posterior, daí as contribuições dos outros filósofos serem vistas, porvezes, como notas de rodapé, que apenas desenvolvem temas levantados pelos “patriarcas”. Claro que podemos corrigi-los, mas impugná-los significa destruir a própria filosofia, é querer fazer outra coisa, que já não poderia tomar o nome de filosofia. Não apenas não podemos desprezá-los como devemos seguir o caminho que vai de Sócrates a Aristóteles, passando por Platão, começando pela observação da própria alma, fazendo especulações de ordem moral e política, até chegarmos a um edifício sólido de conhecimentos. α1 14. A seriedade da busca filosófica “Só valem as ideias dos náufragos”, dizia Ortega y Gasset. Esta é uma boa imagem da seriedade que temos de colocar na nossa busca filosófica. Isto nada tem a ver com o “pensamento crítico”, que é a busca de um rigor lógico alheio à realidade da experiência. A filosofia não consiste em aprender a pensar, consiste em saber, começando por aqueles conhecimentos imediatos e que estão em nós mas que permanecem mudos. O pensamento serve para provocar a intuição, como dizia Aristóteles. E a intuição é uma percepção directa, a que a dialéctica tem por objectivo chegar quando as coisas revelam o que são numa espécie de salto qualitativo da nossa percepção. α1 15 15. A importância da capacidade expressiva A sinceridade tal como a seriedade ficam comprometidas se a nossa capacidade expressiva for débil, o que conduz a muitas confusões e a opiniões erradas. A experiência não pode ser pensada directamente, tem que entrar na memória e ser convertida em conceitos. Mas se a nossa expressão verbal é inadequada vamos acabar por trocar a experiência original por um conceito distante. Mais concretamente, o conhecimento humano começa como percepção, depois passa a memória e imaginação, e só depois pode se estabilizar em conceitos verbalizáveis, que podem entrar nos raciocínios. Aquilo que se conserva na memória não é o que vimos mas uma sua forma esquemática, que pode depois receber um nome, e nós raciocinamos sobre o conceito implícito (ou sobre a definição explícita). Isto é problemático, não só porque a definição pode estar errada como nenhum ente real pode ser englobado integralmente numa definição. Então, o método filosófico exige o desenvolvimento do senso do concreto e do abstracto, sem o qual corremos o risco de tirarmos conclusões a partir de frases acreditando falarmos ainda sobre a realidade. α1 16. A literatura e as funções da linguagem Para a nossa forma mental preservar a experiência tanto quanto possível, temos de obter domínio da linguagem. A literatura é a expressão mais directa e completa do imaginário e termos de nos valer dela – da grande literatura, porque aquilo que existe hoje já não acompanha a realidade – para podermos descrever a nossa experiência e os nossos estados interiores. A linguagem pública degradou-se muito e cumpre somente uma função apelativa, de influência do outro, nos termos de Karl Bühler. Este falava em três funções da linguagem, sendo a função a mais pobre de todas. As outras duas são: a função nominativa (dar nomes às coisas e descrever a realidade); e a função expressiva (expressar sentimentos e experiências). O escritor (poeta, romancista, dramaturgo) tem por tarefa transformar a experiência individual em moeda de troca. A partir desta primeira, mais simples e imediata síntese podemos construir conceitos. Então, só é possível restaurar uma discussão filosófica séria restaurando primeiro a linguagem, o que não consiste em desenvolver uma cultura literária livresca mas em aprimorar a linguagem expressiva e o imaginário que lhe corresponde. α1 17. Gramática Latina Para além do contacto com as grandes obras de literatura, é preciso também termos um contacto mais material com a língua, sendo o latim é adequado para isso, especialmente quando visto desde a perspectiva da Gramática Latina, de Napoleão Mendes de Almeida. As primeiras lições desta obra introduzem os elementos fundamentais das orações, tal como o latim convida a fazer, dado que nesta língua a leitura e a análise sintáctica confundem-se. Não iremos estudar esta gramática para nos tornarmos experts em latim mas para compreendermos melhor o português (assim como qualquer outra língua). A estrutura gramatical conduz à estrutura lógica, e só desta podemos partir para a percepção da realidade (assim como podemos fazer também o percurso inverso), mas se não temos domínio da linguagem, nada podemos fazer. Também necessitamos de um mínimo de latim e grego para captarmos alguns conceitos filosóficos. α1 16 18. Conhecimento e solidão Conhecer é ficar a saber algo que os outros não sabem. Eventualmente, alguns poderão saber, mas em geral o conhecimento deixa-nos isolados, especialmente quando os outros se empenham em não saber. Um bom teste para sabermos se queremos realmente o conhecimento é imaginar que não o poderemos partilhar com ninguém e tentar perceber se, ainda assim, o queremos obter ou se é a vaidade ou o desejo de aprovação que nos motiva. α1 [Aula 2] 19. A nossa circunstância As circunstâncias da nossa vida puxam-nos para vários lados e, em geral, não existem para ajudar ou para atrapalhar, embora a conjectura actual seja muito opressiva. Mesmo os factores adversos podem ser trabalhados em nosso favor, como mostra a vida de Viktor Frankl. Mas se não tivermos um plano para unificar o nosso caminho – a imagem delineada no Exercício do Necrológio [4] –, iremos andar “à toa” (como se costuma dizer nas grandes empresas: “Ou tens um plano ou fazes parte do plano de alguém”). Ortega y Gasset ajuda-nos também nisto, não só com o seu dito famoso “yo soy yo y mis circunstancias” mas também quando diz que “a reabsorção da circunstância é o destino concreto do ser humano”. Só escolhemos uma parte do que somos, o resto recebemos de fora, o que inclui a nossa carga hereditária, que provoca certas tendências na nossa personalidade que nos são estranhas. Szondi dizia que “as figuras dos nossos antepassados pesam diante de nós, exigindo que repitamos os seus destinos”. Muitas escolhas (ambições, tendências, desejos, impulsos) que fazemos são influenciadas pelas figuras dos nossos antepassados em nós, que podem fazer exigências contraditórias e temos não apenas de reconhecê-las mas de criar uma voz soberana que se sobreponha a todas. O Exercício do Necrológio [4] pretende criar um factor unificante, que nos permita trabalhar com vários materiais heterogéneos e, ainda assim, construir algo que os transcenda, integrando o antagonismo. No final, poderemos concordar com Goethe quando este disse que não podemos experimentar nada de melhor do que a personalidade. α2 20. A importância do testemunho A filosofia exige um duplo preliminar: o adestramento da linguagem (expressão, imaginário, literatura, [15] e [16]) e o adestramento do testemunho. A filosofia é ao mesmo tempo uma tradição e uma prática através da qual essa tradição é restaurada, algo que vai muito além da transmissão de conhecimentos. O fundamental é o trabalho feito na nossa consciência, onde tomamos uma posse cada vez maior de nós mesmos como portadores de conhecimento. O testemunho individual e solitário – aquele em que não podemos depender de mais ninguém, não sendo por isso necessariamente subjectivo – torna-se fundamental. Em última análise, todo o conhecimento depende de inúmeros testemunhos individuais em que confiamos, porque não vamos repetir todas as experiências para os confirmar, além de que há campos, como a história, em que os factos são irrepetíveis. Nos diálogos platónicos, Sócrates adestra os seus interlocutores a serem testemunhas de si mesmos, sendo esta a base 17 onde a filosofia pode florescer. Para isso, é necessário ir além da linguagem pública e das frases feitas, que reflectem um universo de crenças, ideias e percepções que podem nada ter a ver com o que pretendemos. α221. A absorção de elementos culturais Um terceiro preliminar à filosofia (ver em [20] a referência aos anteriores) prende-se com a absorção de elementos culturais, porque a filosofia parte de questões públicas. Ainda que estas não sejam questões filosóficas, serão experiências humanas, crenças colectivas, símbolos incorporados na linguagem. Os vários elementos terão que ser trabalhados até formarem questões filosóficas, o que é facilitado numa cultura pungente, com uma boa literatura, mas num ambiente de caos cultural temos de fazer quase tudo desde o zero. Se formos trabalhar a experiência individual, sensorial mesmo, temos de ter consciência de que na sua verbalização e, até antes, no trabalho de memória a seu respeito já intervém um elemento colectivo (cultural), que nos ajuda a reter as coisas por analogia mas que também nos pode desviar da experiência originária quando o nosso repertório de elementos culturais é pobre. Temos de ter sempre em conta a tensão e o afastamento existente entre aquilo que vimos e aquilo que a cultura nos ajudou a reter. α2 22. A fidelidade à experiência e a literatura Conseguir ser fiel à experiência directa depende de termos adquirido uma linguagem pessoal propícia a uma actividade confessional, da testemunha que relata para si mesma fielmente o mundo inteiro da sua experiência. A experiência genuína é preciosa, só ela nos permite perceber claramente a diferença entre receber uma informação e criá-la. Essa experiência pode parecer, por vezes, algo muito fora da normalidade, mas não a vamos apagar. Queremos expressar a nossa experiência na sua singularidade mas de forma a ela ser ainda reconhecível por outros. Este esforço ainda se enquadra dentro da actividade literária, sem a qual não há filosofia. Uma experiência literária rica cria um imaginário forte, com galerias de personagens que nos permitem identificar, por analogia, a nossa própria experiência a partir de uma mistura de elementos de várias proveniências. Por isso, é importante a absorção do legado literário – os grandes escritores transfiguram a experiência genuína nos seus equivalentes culturais mais exactos e legítimos – e artístico. Não podemos tratar filosoficamente a realidade bruta e menos ainda a figura que esta toma na cultura de massas (a não ser que estejamos a estudar a própria cultura de massas, mas nunca podemos assumir que o tratamento que esta dá aos assuntos é válido), que até parece estar falando da realidade mas que tem fins bastante específicos. α2 23. A verdade A verdade é aquilo que pode ser dito e que é confirmado pela realidade da experiência. A verdade deve ser buscada na realidade e não na busca em sentenças gerais, que traduzem sobretudo um afã de crença. A filosofia começou precisamente quando as crenças da antiga religião grega já não eram suficientes para orientar as pessoas. α2 18 24. Contacto com o filósofo Caso não sejamos daquelas raras pessoas que conseguem aprender sozinhas, só podemos aprender filosofia com alguém que personifica uma tradição vivente, ou seja, com um filósofo que nos mostra como se faz filosofia. Isto acontece muito nas artes, em que podemos até ver alguém executar, mas se o mestre não exemplificar especificamente para nós e confirmar que percebemos, apenas vamos conseguir fazer uma imitação vazia. Mas nas artes há um fruto que permite aferir os resultados, ao passo que o filósofo deixa apenas alguns escritos ou gravações, que revelam somente uma pequena fracção da sua filosofia, sendo registos enganadores para quem não os saiba descodificar. Acresce que o filósofo passa aos alunos sempre uma série de coisas indizíveis, matérias de estilo, coisas que só são absorvidas pela convivência pessoal. α2 25. Sensibilidade auditiva A sensibilidade auditiva é importante porque sem ela vamos encobrir a experiência real de estar falando, pelo que o conteúdo acaba por ficar deslocado. A musicalidade da língua está muito afectada pelas influências ango-saxónicas, pelo que é melhor, no início, apostar no contacto com as línguas latinas (em termos puramente literários, já que o inglês é fundamental para o aprendizado). Quando desaparecer o intervalo entre a nossa experiência real e o nosso modo de falar, aí encontramos a nossa própria voz. O deslocamento pode estar na forma, no conteúdo ou na própria voz física. α2 26. A profissão do génio “Génio é aquele que inventa a sua própria profissão”, dizia Ortega e Gasset, pelo que devemos cultivar em nós um certo aspecto do génio. α2 27. A lógica como mundo da possibilidade A lógica lida apenas com o mundo da possibilidade, não nos fornece conhecimento. Se for colocada no início do aprendizado irá viciar os alunos num abstratismo vazio, onde se torna impossível qualquer contacto com a realidade. Antes do estudo da lógica é necessário um aprendizado relativo à memória, à imaginação e à expressão, um aprendizado artístico, por assim dizer, assim como é importante nos adestrarmos em sermos testemunhas fidedignas [20]. Isto é a busca de um “estilo” verdadeiramente pessoal, de uma voz própria. α2 28. Exercício da aceitação total da realidade Na realização do Exercício do Necrológio [4] pode ser difícil sabermos o que realmente queremos ser, talvez porque queremos demasiadas coisas; temos desejos violentos e podemos nos iludir de que no meio de uma confusão de desejos exista um fundo que realmente procuramos, quando ali reside apenas um vício que nos suga. Um exercício que nos ajuda a nos situarmos neste caos é o da aceitação total da realidade, o que implica colocar a realidade acima de qualquer um dos nossos desejos. A ideia é aceitar totalmente o que nos acontece, sem levantar objecções e sem qualquer reclamação, tendo sempre em conta 19 que o real tem uma primazia extraordinária, dado que ele é a sede da verdade. Obviamente que isto é importante para a própria objectividade intelectual (respeitante à moralidade da investigação da verdade), mas também ajuda a definir o sentido do nosso necrológio, porque acalma os nossos desejos vãos e fará surgir, gradualmente, as nossas ambições mais profundas, a nossa vocação, que para alguns é um chamado de Deus, mas também podemos ver como uma vontade que nos quer nela. α2 29. O símbolo e a escala de poder das personagens literárias Diz Susanne Langer “o símbolo é uma matriz de intelecções”. Isto é fácil de esquecer devido à coisificação do símbolo. Qualquer candidato a filósofo deve se preparar para ser fecundado por Platão para o resto da vida, e sempre será obrigado a dizer: “ainda não compreendi”. A literatura mais uma vez é uma base, porque sem a abertura para a possibilidade da experiência humana que ela provoca, a descompactação do símbolo fica muito pobre e provinciana. Daí a importância da escala de Aristóteles / Northrop Frye, que gradua o poder das personagens: a) Deus omnipotente; b) personagens mitológicas ou com poderes divinos; c) personagens sem poderes divinos mas com altíssima qualidade humana; d) pessoas comuns; e) idiotas abaixo da situação. α2 30. Conhecimento e comunicação Termos uma voz própria aumenta a nossa comunicabilidade, mas o mesmo não ocorre à medida que obtemos um conhecimento cada vez maior e mais profundo. Precisamos de ter consciência de que a ascensão na pirâmide do saber corresponde também a enfrentar o seu afunilamento. α2 [Aula 3] 31. O fundamentalista e a crença sem palavras Fundamentalista é aquele que acredita em frases como se estas fossem realidades, segundo Eric Voegelin. Um conceito como “democracia integral” é um flatus vocis, mas é perfeitamente possível raciocinar logicamente em cima dele. Isto já é pensar, mas a filosofia consiste em pensar a realidade (sempre os pensamentos retroagem à realidade). Será que este procedimento é apenas um detalhe? Isto fica respondido se pensarmos que a filosofiaoriginou erros que mataram quase 200 milhões de pessoas, nomeadamente através das modernas ideologias de massas. Não são os pares que podem corrigir uma falta de consciência moral de base, por isso, o testemunho solitário [20] tem que ser um hábito para nós. α3 32. Voto de abstinência em matéria de opinião 20 O voto de abstinência em matéria de opinião começa logo por ser um questionamento da importância de termos opiniões: As nossas opiniões vão mudar o estado de coisas em algum sentido? A opinião inútil é sempre de evitar. É impossível desenvolver um testemunho sincero se temos o vício opinativo. Mesmo a opinião idiota pode nos condicionar: vamos querer defendê-la apenas por a termos proferido e a sentirmos como nossa. E nunca podemos esquecer que o nosso direito de emitirmos opiniões tem o correspondente direito dos outros em não querer escutá-las. Também devemos nos abster da opinião sem suficiente lastro cultural e de experiência pessoal. Já dentro da esfera intelectual, torna-se importante levantar o status quaestionis do assunto sobre o qual pretendemos opinar ou nem sequer sabemos de onde surgiram as questões. α3 33. Exercício do Testemunho Diz Louis Lavelle – numa passagem que é a base para o Exercício do Testemunho – (do livro De l’Intimité Spirituelle): «Há na vida momentos privilegiados nos quais parece que o universo se ilumina, que a nossa vida nos revela sua significação, que nós queremos mesmo o destino que nos coube, como se o tivéssemos escolhido. Depois, o universo volta a fechar-se: tornamo-nos novamente solitários e miseráveis, já não caminhamos senão tacteando por um caminho obscuro onde tudo se torna obstáculo aos nossos passos. A sabedoria consiste em conservar a lembrança desses momentos fugidios, em saber fazê-los reviver, em fazer deles a trama da nossa existência cotidiana e, por assim dizer, a morada habitual do nosso espírito». Todos nós temos uma vida individual e concreta, onde caminhamos como cegos, mas também temos uma dimensão universal, que se revela quando “o universo parece que se ilumina”. É a partir desta dimensão que temos de conceber o necrológio [4]. A ideia da morte faz-nos questionar sobre quem somos face ao Absoluto, quando tivermos a nossa forma acabada, porque sem ideia da morte não pode haver a noção de chegar a ser. A vida filosófica também consiste no resgate cotidiano desta universalidade pessoal e não abstracta, onde conseguimos aceitar profundamente o nosso destino. Isto também nos ajuda a fazer a ponte entre as regras morais universais e abstractas (o mesmo se aplica às virtudes) e as situações humanas, sempre concretas e particulares. A mediação é feita pela imaginação, em que o bom ou o louvável são imaginados na nossa pessoa concreta, ainda que estejamos longe de poder verbalizar isto. A imaginação depende da nossa “colecção de figurinhas”, e se esta for rica e bem organizada na nossa memória, temos a porta de entrada para a genialidade. Hoje em dia temos imagens em excesso, temos a psicose informática, pelo que temos de coleccionar imagens “modelares” que se sobreponham à cacofonia. Vemos demasiadas coisas e habituamo-nos a ver pouco e a logo esquecer, mas temos que contrariar isto relativamente às imagens realmente marcantes. O próprio “eu ideal” do necrológio funciona como um âncora, que define um eixo e uma hierarquia que impedem a dispersão e a fragmentação . A descrição do exercício continua em [35]. α3 21 34. O entendimento na leitura Quando Jorge Luis Borges diz que “para entender um livro é preciso ter lido muitos livros” ele já alude a uma das principais dificuldades em adquirir alta cultura. Um bom livro fala do mundo, da História, do espírito, pelo que só o compreendemos se estas coisas já estiverem de alguma forma despertas em nós, nomeadamente através da leitura de outros livros. Não só temos de ler muitos livros como temos que reler alguns várias vezes para começarmos a entendê-los, pela acumulação de pontos de comparação. α3 [Aula 4] 35. Continuação do Exercício do Testemunho Prossegue Lavelle [33]: «Não há homem que não tenha conhecido tais momentos, mas ele os esquece depressa como um sonho frágil, pois ele deixa-se capturar quase imediatamente por preocupações materiais ou egoístas que ele não consegue atravessar ou ultrapassar, porque ele pensa reencontrar nelas o solo duro e resistente da realidade. Mas aquilo que é próprio de uma grande filosofia é reter e reunir esses momentos privilegiados, mostrar como são janelas abertas para um mundo de luz cujo horizonte é infinito, do qual todas as partes são solidárias e que está sempre oferecido ao nosso pensamento e que, sem jamais dissipar as sombras da caverna, nos ensina a reconhecer em cada uma delas o corpo luminoso do qual ela é a sombra». Existe uma dialéctica entre aqueles momentos em que todos os dados que captamos da realidade aparecem-nos como plenos de sentido – unificados de algum modo, em que desaparece o hiato entre realidade e idealidade –, e o momento seguinte, em que tudo se fragmenta e a nossa consciência deixa de conseguir unificar o mundo dos factos, especialmente nas situações opressivas, em que apenas o antagonismo nos parece ser o “solo duro da realidade”. Nestes momentos de obscurecimento deixamo-nos ali guiar pelo medo e depois justificamos as nossas escolhas a partir dessa nossa covardia não assumida, dizendo que abandonamos o mundo ilusório dos sonhos para abraçarmos a dura realidade. Mas toda a situação é externa e passa, não é nenhum “solo duro” a não ser o que se revela naqueles momentos especiais em que o “universo se ilumina” mas, como não os conseguimos reter facilmente, parecem-nos uma coisa fugidia e até ilusória, quando é ali que se encontra tudo o que nos é mais próprio, íntimo e verdadeiro. Fazer o culto da situação externa – opressiva ou sedutora – afasta-nos do centro da nossa consciência e, logo, da filosofia, que aqui entendemos como a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice- versa. Louis Lavelle ensina-nos aqui como devemos perseverar em nós mesmos, não num ensimesmamento mas numa abertura para o universal concretizado na nossa pessoa, que deve ser vista à luz da morte, que nos mostra qual é a nossa verdadeira forma. A morte é aqui encarada como o fim das transformações, quando já não é possível corrigir mais nada. O 22 sempre oportuno Georges Bernanos dizia que “o risco que corremos não é o de morrer mas o de morrer como imbecis”. α4 36. Os novos inimigos da alma O mundo dos desejos já não pode ser visto como o principal inimigo da alma, como acontecia na Idade Média. Basta ver que hoje há muito mais gente motivada pelo medo e pela necessidade de aprovação do que pela cobiça ou pela luxúria: estamos demasiado alienados para sermos movidos pelos desejos. Desde logo, ocorreram profundas alterações no meio social, que hoje é terrivelmente pressionante. Mesmo estando nós, nas democracias ocidentais, cobertos de direitos, a nossa liberdade é imensamente coarctada por factores económicos, pela organização física das cidades e por outras condicionantes que quase sempre nos obrigam a trabalhar longe de casa. Os serviços que foram disponibilizados às populações a partir da Revolução Industrial, em número cada vez mais impressionante, trouxeram junto um enorme conjunto de pressões e exigências. Existe a nova (em termos históricos) pressão dos horários, algo que antigamente só os monges tinham, porque era benéfico para o seu modo de vida, mas que seria uma tortura para qualquer outro tipo de pessoa da altura. Hoje também fazemos uma separação rígida entre trabalho e lazer. A nossa natureza não está preparada para lidar com estes novos factores mas, se nos quisermos subtrair a eles, vamos nos isolar da sociedade, algo que também não conseguimos lidar com facilidade.Os problemas antigos, como doenças ou insegurança, pesavam sobre toda a comunidade, mas os problemas modernos essencialmente opõem o indivíduo à comunidade, e isso explica grandemente a génese do romance. Não podemos vencer a sociedade materialmente, mas Lavelle aponta como podemos impedir que ela nos destrua: temos de aceitar totalmente o nosso destino ou não teremos qualquer domínio sobre a nossa existência. α4 37. A instrumentalização do cristianismo pelo Estado O cristianismo surgiu num contexto em que os mais fracos não tinham qualquer protecção, existia pedofilia, escravatura. Os valores cristãos vieram a incorporar-se na legislação, contudo, imediatamente tornou-se impossível o perdão e o cristianismo "judicializado” tornou-se numa nova forma de pressão e alienação. Cometer adultério pode hoje destruir uma vida. A própria “família” foi uma conquista cristã para todos, mas o casamento civil universalizou-se e, logo, o Estado passou a mediar até as relações amorosas, que deixaram de ser verdadeiramente pessoais. Então, a família tornou-se num factor alienante. Sempre pesa a ameaça de algum dos seus membros recorrer à justiça para fazer valer os seus direitos. François Mauriac mostra como o meio burguês – criado nominalmente sob valores cristãos mas onde se misturam de outra ordem – sufoca a verdadeira alma cristã e, por vezes, a única solução para romper com isto é transgredir a norma social. Mas não basta partir para uma transgressão com base no sexo livre ou nas drogas, levando toda a falsidade consigo, porque no final acabamos por nos tornarmos ainda mais artificiais. Existe o desejo de querer superar a sociedade, como se fosse possível nos colocarmos fora e acima dela, mas o que temos de vencer é a “sociedade que está dentro de nós”, caso contrário acabaremos por nos colocar numa posição ainda mais falsa e alienada. Goethe salientava a 23 importância de cumprirmos todas as nossas obrigações para com a sociedade, porque se consentirmos que ela nos marginalize seremos escravos dela. α4 38. O ódio ao conhecimento Existe uma pressão terrível voltada contra o conhecimento, que desperta inveja, desprezo, gozação. Mas não são apenas as pessoas de fora que querem o nosso fracasso, temos também em nós estes antagonismos, que formam uma voz que advoga em favor do diabo. Por isso, a nossa capacidade de estudo deve ser graduada pela força moral que adquirimos. Se assim não for, o próprio conhecimento pode se transformar num instrumento de alienação e o estudo num mecanismo de emburrecimento. Alguns livros podem nos ajudar a ter uma ideia mais clara desta situação: O Feijão e o Sonho, de Orígenes Lessa, e Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto. α4 39. O diálogo em solidão Ouvindo os discursos de muitos religiosos, parece que eles falam com Deus com a maior das facilidades, como se fossem como o padre Pio. Serão todas gracejadas pelo dom da fé ou é apenas um diálogo imaginário com uma falsa imagem de Deus? Diz Antonio Machado: “Quién habla solo, espera hablar con Dios un día”. O diálogo em solidão tem de preceder uma verdadeira conversa com Deus. α4 40. Repertório de ignorância Qualquer coisa que seja possível de conhecer tem um coeficiente de ignorância que não nos é possível vencermos, é algo que faz parte da estrutura da sua realidade. Existe outro aspecto que ignoramos da coisa mas que é possível conhecer. É a partir desta distinção que elaboramos o nosso repertório de ignorância: a lista daquilo que precisamos de saber para compreender algo, e que se torna num programa de estudos. Para compreender aquilo que sabemos e desconhecemos, torna-se importante diminuirmos o número de opiniões que temos. Depois, temos de saber graduar os nossos conhecimentos: certeza absoluta; alta probabilidade; crença verosímil; mera possibilidade. α4 41. A qualidade da leitura de obras de ficção As leituras de obras de ficção são feitas com qualidade se delas conseguimos tirar símbolos que nos ajudem a interpretar as situações reais. Vamos precisar de muitas leituras para que os pontos de comparação se tornarem mais precisos, dado que no início serão muito genéricos. Também é importante pegar nas grandes obras, que têm maior vitalidade e as descrições saem directo da experiência, o que não acontece com as obras menores, que são cópias de cópias e reflectem apenas experiências secundárias, literárias apenas. α4 42. Exercícios de adestramento do imaginário 24 Existem alguns exercícios – simples ou complexos, dependendo da dimensão que lhes quisermos dar – bons para desenvolver o imaginário e a própria capacidade expressiva. Um deles consiste em imaginar a vida de pessoas que conhecemos como um romance, o que nos obriga a perceber as tensões que elas efectivamente viveram, como lidaram com ambições, expectativas, etc. Outro par de exercícios consiste em fazer um roteiro de filme a partir de um livro e, por outro lado, fazer uma narrativa a partir de um filme. Estes exercícios podem ser muito trabalhosos se colocados por escrito, mas podem ser feitos imaginativamente com relativa facilidade. Não só nos aproximam das situações reais que as pessoas vivem como nos colocam em contacto com as dificuldades encontradas pelos ficcionistas. Obviamente que são uma boa forma de usarmos a imaginação de uma forma menos usual e mais vívida, útil para filosofia. α4 [Aula 5] 43. A dialéctica do entendimento Diz Benedetto Croce (Lógica como Ciência do Conceito Puro): «O pressuposto da actividade lógica são as representações ou intuições. Se o homem não representasse coisa alguma, não pensaria. Se não fosse espírito fantástico, não seria também espírito lógico». Qualquer investigação lógica é feita, originariamente, a partir de experiências humanas de realidade (sensações, intuições, representações) e não de pensamento, porque é dessa forma que o mundo nos chega e não como uma estrutura lógica. Mas esta elaboração inicial perde-se quando as próximas gerações têm apenas acesso ao discurso lógico. Então, idealmente deve ler-se um livro de filosofia puxando uma série de experiências da exposição lógica, que não têm que ser absolutamente idênticas às do filósofo, basta que sejam análogas (o suficiente para reflectir as ideias expressas). Hoje praticamente só existe “troca de ideias”, ou seja, uma verbalização sem substância de realidade. Mas nós temos que pegar nas obras filosóficas e fazer delas “um sonho acordado dirigido”, tal como definia Paul Claudel uma peça de teatro. A partir daqui tiramos uma série de dados, que para serem discutíveis terão que ser traduzidos novamente em linguagem filosófica. A compreensão dá-se nesta alternância entre discurso abstracto e consciência de experiências reais. α5 44. A lógica usada como camuflagem da experiência real A linguagem lógica pode ser usada deliberadamente para esconder a experiência real, tentando assim induzir-nos a uma espécie de hipnose em que ficamos enredados em esquemas lógicos. Por exemplo, o autor pode usar uma metáfora ou outra figura de linguagem mas apresenta-as como descrições objectivas da realidade ou de estados de facto, como fez Descartes com a sua dúvida radical. Esta dúvida é impossível de vivenciar, pelo que percebemos que ele devia estar se reportando a um estado de dúvida muito grande, atemorizante – os sonhos com o génio mau –, e que tentou usar a lógica para gradualmente recuperar as certezas e ultrapassar o temor, o que obviamente não foi bem-sucedido e ele 25 acabou por ter que apelar para Deus. Apenas retroagindo das palavras às experiências podemos descobrir estes erros ou manipulações. Descartes apresentou uma análise lógica para camuflar uma experiência e Kant fez algo idêntico. Por este tipo de razões, as filosofias modernas estão estruturalmente erradas, ainda que apresentem descobertas de pormenorgeniais, ao passo que Platão e Aristóteles têm filosofias com muitos erros de detalhe mas que mantêm a sua estrutura intacta. α5 45. A camuflagem na ciência moderna A filosofia da época de Descartes é marcada pela camuflagem. Não por acaso, esta foi a época do surgimento da ciência moderna, que pretende transpor todas as discussões para um terreno neutro, onde tudo é idealmente resolvido através de observações, medições e raciocínios matemáticos. Porém, os novos cientistas eram fervorosos ocultistas, magos, alquimistas, gnósticos, mas queriam apresentar uma linguagem, perante o grande público, despida de experiência humana, apenas norteada por uma fria objectividade, mas que funcionava como uma forma de manipulação dos incautos, e que depois veio a introduzir toda uma cultura do pensamento deslocado da realidade. Newton falava do movimento eterno, mas isto é auto-contraditório porque o movimento necessita de uma referência temporal e a eternidade não pode ser medida desta forma. α5 46. A validação da experiência comum A primeira coisa que o filósofo deve fazer é validar a experiência comum e geral, sabendo que nunca irá superá-la, apenas a pode tornar mais inteligível e somente em relação a um número muito reduzido de pontos, tendo em relação aos restantes que aceitar os conhecimentos de senso comum porque não terá tempo para verificar tudo. Ele não pode começar pelo estado de dúvida integral ou ficaria bloqueado e não sairia dali. O mesmo erro que faz com que algumas pessoas camuflem certas experiências para as transportarem para um terreno frio, mensurável (a linguagem académica impressiona muito o jovem universitário, que pensa que, entrando numa nova comunidade “superior, pode desprezar a linguagem vulgar e “subir” para uma linguagem empostada, onde o mundo da experiência pode ser desprezado), pode ser usado no sentido oposto, por exemplo, para negar a própria experiência sensível, como aconteceu com Spinoza. α5 47. Os universais abstractos É frequente na ciência história ou na sociologia aparecerem explicações que fazem recurso aos universais abstractos, por exemplo, fazendo do “capitalismo” um agente histórico. Quando não se sabe (ou se quer esconder) quais são os verdadeiros agentes e as suas acções concretas, é muito cómodo recorrer aos universais abstractos. Trata-se de um raciocínio metonímico – na metonímia há troca de um termo por outro de alguma forma relacionado –, onde se oculta o verdadeiro agente. Não há problema em usar a metonímia como figura de linguagem quando isso fica evidente, mas em ciência a metonímia é usada quase que inconscientemente e as pessoas acreditam ainda tratar-se de uma descrição objectiva da realidade. Também aqui precisamos da imaginação para fazer sobressair a substância de realidade. Mesmo se não tivermos possibilidades de saber o que realmente aconteceu, podemos sempre imaginar possíveis alternativas onde sobressaiam os agentes 26 humanos e não cair na tentação de apelar a meras tendências gerais. O próprio historiador é obrigado a articular dramaticamente as acções e as falas dos personagens, assim como tem de conceber hipóteses para tapar lacunas nos documentos. α5 48. O conteúdo dramático da tese filosófica O dramatismo também está presente na exposição filosófica, ainda que isso não seja logo evidente. Benedetto Croce dizia que apenas compreendemos uma filosofia quando sabemos contra quem ela se levantou polemicamente. E Julian Marías dizia: «A fórmula da tese filosófica não é: “A = B” mas “A não é B e sim C”». Há aqui uma oposição mas não apenas de ideias. Por vezes, rastreando as experiências que estão por trás das doutrinas, podemos até encontrar um material de base muito idêntico escondido por uma polémica exterior muito acirrada. A reconstituição da filosofia antiga (trabalho de doxografia), da qual restaram apenas fragmentos, necessitou de muita imaginação para conceber hipóteses e também para levantar outras através de oposições que tinham sido feitas às filosofias. Havia um conflito de pessoas reais, cujas doutrinas apenas expressam parcialmente as suas experiências. E há um núcleo imaginário que foi compartilhado por quase todos os filósofos, composto pela Bíblia, pela mitologia grega e pelo teatro grego. Mesmo a linguagem técnica mais elaborada foi criada sobre a linguagem comum e sobre a linguagem poética, além de haver constantes referências culturais para fora da linguagem técnica. α5 49. A busca da unidade do conhecimento na unidade da autoconsciência Só existe unidade do conhecimento na unidade da autoconsciência em Deus, e a filosofia busca conquistar e manter um pouco disto. O esquecimento vai sempre nos perseguir e na nossa personalidade tem que ser cavado um sulco que corresponda ao senso do papel da ignorância na nossa investigação filosófica. Muitos cientistas famosos falam como se o domínio que têm numa área especializada lhes desse autoridade para opinar sobre qualquer assunto, pelo que ignoram até a situação real a partir da qual escrevem, mostrando que se deixaram capturar pela capacidade abstractiva e entraram em alienação, ou seja, passaram a ignorar a estrutura da realidade e lançaram-se na acção cognitivamente irresponsável – hipnótica e auto-hipnótica –, num teatro mental criado por eles. Dizia Chesterton que a diferença entre o poeta e o louco é que o poeta mete a cabeça no mundo e o louco mete o mundo na cabeça. Não inventamos o mundo, nunca o iremos abarcar, apenas podemos nos abrir a ele e deixar que a realidade nos ensine. Mas a pressa em chegar a conclusões pode fechar o círculo e também por isso é importante o voto de abstinência em matéria de opinião [32]. α5 50. As diferentes concepções da fé A fé é entendida hoje como a crença numa doutrina. Porém, durante séculos os cristãos não tinham qualquer doutrina, só uma narrativa de factos. Alois Dempf (La Concepción del Mundo en la Edad Média) mostra como a doutrina católica só lentamente foi sendo elaborada, de forma fragmentária e pelo motivo de conseguir responder às objecções que se faziam à narrativa, tendo só adquirido unidade com as sumas, mais de mil anos depois 27 do advento de Cristo. A doutrina não passa de um conjunto de pretextos intelectuais elegantes para sustentar a confiança na pessoa de Cristo, mas isto não impediu que tivessem existido muito teólogos heréticos ou que das explicações não continuassem sempre a surgir novas objecções. Nada pode substituir a fé original, entendida como confiança. A narrativa não é nem racional e nem irracional, só podemos considera-la verdadeira ou falsa. α5 51. Exclusão e superação A exclusão não obriga ninguém a ser fraco, pelo contrário, é um estímulo para o indivíduo ser forte e duro. Este estímulo em geral falta àqueles que nasceram em “berço de ouro” e que acabam frequentemente por destruir a fortuna da família. A ideia de que a exclusão legitima a fraqueza e a covardia é, obviamente, ideia de pessoas fracas e covardes (que assim justificam os seus falhanços pessoais por uma suposta exclusão), mas se for suficientemente difundida entre os excluídos pode acabar por se tornar numa profecia auto- realizada. Há na literatura brasileira alguns exemplos de superação em situações de extrema dificuldade, como em A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de João Guimarães Rosa, ou em Os Sertões, de Euclides da Cunha. α5 52. A evocação das experiências do filósofo Quando lemos um filósofo – o comentário também é válido para a leitura de qualquer opinião – o importante é nos colocarmos num ponto de vista em que a ideia que ele transmite nos pareça verosímil. Então, vamos imaginar uma posição ou situação humana a partir da qual conseguimos ver o mesmo que aquela pessoa. Para isso, temos que começar pela suspensão da descrença, de que falava Samuel Coleridge. Pode ocorrer que aquilo que o autor diz não sejapossível de experienciar, o que indica que ele está a fazer uma camuflagem de algo. Não devemos ter medo de sermos influenciados, nem vamos negar o grau de simpatia e de co-participação ao autor, qualquer que ele seja, que permita vivenciar a experiência dele até ao limite do possível. No que ele escreveu nunca estará a última palavra, outras leituras trarão outras influências. α5 53. Exercício da Presença do Universo Algum dia teremos de fazer isto: ir para um lugar descampado, sem ninguém, deitar, sentir a densidade da terra por baixo e a infinitude do céu em cima. E vamos perceber que estamos ali realmente, sem a nossa rede de contactos sociais, sem o nosso universo linguístico. Este exercício visa a tomarmos consciência não-verbal da nossa presença física no universo ilimitado e a desenvolvermos o senso da presença maciça da realidade, face à qual os nossos pensamentos não podem absolutamente nada. Não é um exercício de sensibilização para sentir mais coisas no corpo, é deixar que a realidade inteira da situação se manifeste, incluindo o nosso corpo e os nossos pensamentos, em que cada coisa terá o seu modo de presença. Por maior que seja o universo, ele não nos chega como um caos mas surge terrivelmente organizado, tudo com uma certa perspectiva (visual, sonora, táctil). Trata-se de aceitar a realidade e não ir atrás dela. Não é necessário fazer um esforço para bloquear os pensamentos, basta perceber que estamos pensando neste lugar e que os pensamentos se desenrolam aqui, nesta situação precisa. Eric Voegelin dizia que a experiência da realidade é, em si mesma, transcendente, abrindo-nos para o infinito, e nós percebemos isso em situações 28 de grande perigo, onde as nossas ideias não contam para nada. A partir daqui também conseguiremos perceber intuitivamente a diferença entre uma crença infundada, que só vale pela repetição, e uma evidência intuitiva. A realidade é enorme e provoca espanto, thambos, no dizer de Aristóteles, mas não temos de a temer e sim que nos abrirmos a ela. α5 [Aula 6 – Especial curso “Introdução à filosofia de Eric Voegelin”] 54. Principais influências de Eric Voegelin Eric Voegelin recebeu inicialmente influências de Hans Kelsen (que tentou “purificar” o Direito, considerando-o apenas como a estrutura formal da lógica normativa) e de Othmar Spann (que valorizava uma concepção “holística” da sociedade, em que a totalidade se sobrepõe à independência das partes). No livro The Form of the American Mind, ao referir-se à sociedade nacional como uma forma, Eric Voegelin já estava a dizer que esta sociedade realmente existe para além do aglomerado dos indivíduos, embora não chegue a ter uma substancialidade no sentido aristotélico. O método de trabalho de Voegelin – reconhecível desde início e que iria ser usado por ele para o resto da vida – não parte dos dados brutos mas começa logo por usar documentos teoréticos, auto-expressivos. Este procedimento faz lembrar Aristóteles, que partia da “opinião dos sábios”, mas também reflecte a influência que Eric Voegelin recebeu de Eduard Meyer, que fazia a interpretação dos factos históricos a partir da auto-interpretação que os vários agentes do processo tiveram, desde que já elaborada teoreticamente. Esta metodologia permite diminuir o volume de trabalho a um nível praticável e também é útil para identificar linhas de significado (continuidade de um processo mental ao longo do tempo). Voegelin recebeu ainda uma influência significativa de Paul Friedländer, um grande estudioso de Platão que usava o método de remeter as ideias e as concepções filosóficas para as experiências reais que as tinham inspirado. α6 55. Percurso intelectual de Eric Voegelin Voegelin já tinha passado vários anos a escrever um manual de história das ideias políticas, tendo escrito milhares de páginas, quando percebeu que não havia continuidade entre ideias políticas a não ser ressaltando o fundo de onde emergiram essas ideias. Assim, as próprias doutrinas políticas teriam de ser investigadas como testemunhos auto-expressivos e não como doutrinas. Então, abandonou este trabalho e começou a redigir a sua grande obra, Ordem e História. Esta nova busca acabaria por entroncar com o interesse prévio que Voegelin tinha mostrado pelas ideologias de massas (fenómeno que ele assistiu de perto em Viena), e que o tinham levado a escrever dois livros sobre a ideia de raça (Race and State e The History of the Race Idea). Ele descobriu que a doutrina racista só se tornou possível com o surgimento do conceito biológico de raça, e que um discurso sobre a raça alheia não diz nada sobre as raças mas reflecte a identidade do grupo ideológico a partir do qual ele é proferido. Voegelin estudou neste período obras de autores tomistas e neo-tomistas, como Hans Urs von Balthazar e Henri de Lubac, tendo este último escrito A Crise do Humanismo Ateu, onde mostra que em autores como Nietzsche e Marx não há tanto uma rejeição de Cristo mas sobretudo uma inveja e uma vontade de tomar o Seu lugar. Isto iria ter um peso na ligação que Voegelin faria mais tarde entre as ideologias de massa e a heresia gnóstica. No livro The Political Religions, Voegelin faz uma primeira tentativa de estudo abrangente das 29 ideologias de massas. Ele via os movimentos de massas como uma espécie de religiões substitutivas, mas a analogia que logo lhe parece demasiado forçada, embora a ideia tenha se tornado influente. α6 56. Representação e modelos de ordem Depois de ter acumulado uma enorme quantidade de material sobre formas mentais (mente americana, ideia de raça, ideias políticas), Eric Voegelin buscou um terreno comum para investigar estas diferenças. Cada forma mental foi por ele encarada como um modelo de ordem, como uma tentativa de ordenar a vida humana a partir de um determinado factor. Surgiu, assim, o projecto de escrever uma história dos modelos de ordem, começando por abordar as grandes civilizações cosmológicas do oriente (Mesopotâmia, Egipto), que foram as primeiras a terem documentos auto-expressivos. Ele identificou nestas sociedades uma ordem cósmica, não porque as sociedades imitassem a ordem vislumbrada do cosmos mas porque se consideravam integradas nesta ordem, ao ponto de se considerar que a própria ordem do cosmos teria de ser preservada por rituais sociais. Trata-se de um modelo fechado, em que nada se encontra fora da sociedade, e outras ordens concorrentes teriam de ser incorporadas ou representariam apenas o caos. Estas ideias foram usadas na Nova Ciência da Política, em que Eric Voegelin estuda o fenómeno da representação. Ele percebe que não existe apenas uma representação política, através de pessoas, mas existe também uma representação existencial, em que a ordem como um todo representa a sociedade e fornece- lhe, retroactivamente, os critérios de julgamento. Então, cada ordem cosmológica considera que incorpora a verdade total e que o que está fora dela não tem uma existência legítima, porque é falsa. α6 57. “Israel e a Revelação” (Ordem e História I) A revelação hebraica (tratada no primeiro volume de Ordem e História, juntamente com as civilizações cosmológicas) constitui um segundo modelo de ordem, onde se evidencia uma ordem divina muito acima da ordem cósmica. Contudo, esta ordem abria-se em primeiro lugar apenas para alguns indivíduos, tendo estes depois a função de ordenar a sociedade em torno a partir da própria ordenação das suas almas. O profeta obtinha uma ordem interna, que reflectia a sua relação com o Deus transcendente, e assim tornava-se juiz e reordenador da sociedade. Mas é uma tarefa sempre incompleta, as pessoas podem não obedecer ao profeta e podem mesmo recusar a revelação, como na história de Jonas (onde reaparece um resíduo do simbolismo cosmológico), pelo que Israel estava permanentemente em crise. É uma ordem muito mais exigente, depende
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