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Processo: 0802007-89.2018.8.12.0001 Tema: Ação de Reintegração de Posse / Tipo de Audiência: Justificação 1. DA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE ANALISADA A audiência aqui relatada e discutida trata-se de uma audiência de justificação realizada pela vara cível da Comarca de Campo Grande - MS em ação de reintegração de posse, cujo processo tramita sob o número 0802007-89.2018.8.12.0001. A ação constituía-se na reintegração de posse à autora, Viviane, que alegava ter adquirido o imóvel, através de um contrato de compra e venda, de Cleuza, antiga proprietária, no ano de 2014, tendo nele morado desde então com sua família até meados de 2016. Tempo este em que, devido a mudanças em seu local de trabalho, mudou-se, deixando a cunhada, Andressa, de posse do imóvel, sob seu consentimento, para nele residir com seus filhos. Porém, segundo a autora, em meados de 2017 o imóvel foi tomado por uma infestação de morcegos que obrigou sua cunhada, possuidora direta do bem naquela ocasião, a abandona-lo. Não podendo arcar com as custas da reforma, necessária no combate à praga de morcegos que havia condenado o forro de madeira do imóvel, a autora o deixou inabitado até o início do ano de 2018, quando foi informada pelos vizinhos sobre uma invasão no imóvel por parte da ré, Rafaela, que ali passou a morar, sem consentimento da autora, com seu filho. Não tendo a instrução inicial acompanhada de documentos comprobatórios que não deixassem dúvida quanto a concessão do mandado liminar de reintegração de posse, o juízo optou por realizar a justificação, intimando assim também a parte ré e as testemunhas arroladas na petição inicial pela parte autora. 2. DA AUDIÊNCIA PRESENCIADA Iniciada a audiência, o juiz identificou todos os presentes, tendo comparecido a autora, juntamente de seu patrono e das duas testemunhas arroladas na inicial, e a parte ré apenas representada por seu patrono, pois, em decorrência dos estágios finais de gravidez, não pode comparecer. Questionada pelo juiz, a autora, Viviane, confirmou sua versão dos fatos, repetindo o narrado na inicial e respondendo às dúvidas do juiz quanto ao ocorrido. Trazida logo em seguida, a testemunha, Cleuza, que estabeleceu perante o juízo seu compromisso com a verdade ao testemunhar, declarou não possuir qualquer grau de parentesco com quaisquer das partes e confirmou que havia de fato vendido o imóvel à autora em 2014 e entregue de imediato a posse para a mesma. Dispensada a testemunha, foi chamada a depor a cunhada da autora, Andressa. Sendo óbvia a sua ligação com autora, que se beneficiaria ou não de seu depoimento, foi recebida apenas como informante pelo juízo, não tendo sido estabelecido com esta o compromisso com a verdade. Em seu depoimento, a informante confirmou que havia morado no imóvel com consentimento da autora, tida por ela como proprietária, entre meados de 2016 e agosto de 2017, quando de fato se mudou em virtude da infestação de morcegos. Colhidas as provas testemunhais o juiz permitiu que os patronos fizessem suas alegações finais antes que emitisse sua decisão. O patrono da autora relatou brevemente os fatos ocorridos na audiência e, por fim, reiterou o pedido para o mandado liminar de reintegração de posse. O patrono da ré, relatando gastos realizados pela ré no imóvel e reiterando sua condição de iminente trabalho de parto, previsto para aquela semana, solicitou redesignação da audiência, tendo em vista o justificado não comparecimento da ré. O juiz, de pronto negou a redesignação de audiência pedida pelo patrono da ré, entendendo não se tratar aquela audiência de produção de provas para a parte ré, não sendo a sua ausência compreendida como prejuízo, visto que a intenção daquela audiência era unicamente a justificação do pedido da autora em sua inicial. Compreendida e justificada a demanda da autora, perante as confirmações dos fatos narrados em compatibilidade com o declarado pela testemunha e pela informante ali ouvidas, o juízo decidiu por conceder a liminar emitindo o mandado para que a ré desocupasse o imóvel. Por questões humanitárias e sua condição de gravidez, deu para tal o prazo de 30 dias a fim de permitir que se realojasse. 3. DO DIREITO À POSSE A posse é direito adquirido, segundo a teoria objetiva de Ihering, quando exercido de fato um ou mais poderes inerentes à propriedade, salvo disposição em contrário, havendo, deste modo, relação jurídica com a coisa. Teoria esta, majoritariamente aceita e positivada, ainda que não de forma absoluta, pelo ordenamento jurídico brasileiro, como se vê no artigo 1.196 do Código Civil de 20021 que diz: "Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.". Tratando-se da posse de bem imóvel destinado à moradia, inevitável se torna a discussão relativa aos Direitos Humanos que a envolvem. Como inerente aos Direitos Humanos, o direito à moradia deriva do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, tutelado expressamente, na CF/88, no inciso III de seu artigo primeiro, e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 22. O direito à moradia é Direito Fundamental garantido pela Constituição brasileira no artigo 6º, onde se enumeram os chamados Direitos Sociais, e protegido internacionalmente pela Declaração Universal de Direitos Humanos 2 que, em seu artigo 25, diz: “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. ” Observada a posse como um direito antigo e plenamente consolidado no ordenamento jurídico, natural se mostra que cabe ao direito processual garantir sua tutela versando sobre os procedimentos necessários para que o indivíduo, tendo seu direito lesado, provoque a jurisdição a fim de ter sua posse protegida. DO DIREITO PROCESSUAL OBSERVADO Os interditos possessórios, o que inclui a ação de reintegração de posse, como esta cuja audiência de justificação está em análise, tem previsão legal no artigo 1.210 do Código Civil, onde se lê: "O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.". Como se vê, no caso de esbulho, ou seja, usurpação da posse cabe àquele que apossuía ser restituído através da ação de reintegração de posse, sendo esta, quando se tratar de reintegração de posse nova, ou seja, no prazo de um ano e um dia a contar do esbulho, regulada pelo procedimento especial disposto na Seção II do Capítulo III do Código do Processo Civil, composta pelos artigos 560 a 566, como bem define o artigo 558 deste mesmo código. Quando se tratar de posse velha, ou seja, transcorrido o prazo de um ano e um dia, sedará por procedimento comum, como versa o parágrafo único do mesmo artigo. Ocorre que, como no caso em estudo, o mandado liminar de reintegração de posse previsto no caput do artigo 562 do CPC, caso a instrução da inicial não tenha se mostrado suficiente para justificá-lo, precisará ser justificado previamente, agora com a presença do réu, na chamada audiência de justificação, prevista no parágrafo único deste artigo. Na audiência analisada, também se observa a diferenciação entre uma testemunha e uma informante do juízo. A testemunha tem, como uma de suas características, a imparcialidade, não podendo haver qualquer interesse na causa em que presta testemunho ou intimidade com quaisquerdas partes. Do contrário, considerar-se-ia suspeita, como versa o parágrafo 3º do artigo 447 do CPC. Neste caso, o parágrafo 4º, deste mesmo artigo, autoriza ao magistrado a admissão do depoimento, porém não mais como testemunha, mas como informante do juízo. Diferente da testemunha, que deve dizer a verdade, incorrendo inclusive, quando não o fizer, no crime de falso testemunho previsto no artigo 342 do Código Penal, o informante não tem compromisso com a verdade, tendo seu depoimento necessariamente peso menor que os demais na causa em que o juízo optar por utilizá-la. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acessoem: 14 mai. 2019._______. Código Civil Brasileiro. 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 14 mai. 2019._______. Código de Processo Civil Brasileiro. 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 14 mai. 2019.ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf >. Acesso em: 14 mai. 2019.