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Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 398 O MOVIMENTO ANARQUISTA EM PELOTAS (1890-1930) João Daniel Dorneles Ramos Professor Orientador: Dr. Paulo Albuquerque UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS INSTITUTO DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS 1. Introdução Esta pesquisa faz parte do projeto de monografia sobre o Movimento Anarquista em Pelotas, Rio Grande do Sul e tem como objetivo fazer um recorte histórico da chegada do Anarquismo na cidade de Pelotas e trazer as contribuições d(a)os ativistas libertário(a)s para o movimento operário pelotense no período de 1890 a 1930, bem como para a sociedade de hoje. Utilizo o conceito de movimento social para identificar um dado grupo organizado que busca com uma intencionalidade explicita superar uma opressão e atua para modificar uma dada realidade social (SCHERER-WARREN, 1987). Nesta perspectiva, a pesquisa busca mostrar que na cidade de Pelotas o Movimento Anarquista, por sua proposta tentou construir outras sociabilidades que vão muito mais além de uma “ ráxis” política. Assim, se evidenciam os elementos de processo, a noção de que a sociedade flui, a continuidade nas relações que existe entre os indivíduos e a conexão orgânica entre esses e o grupo. Há também, o conceito de passado como história coletiva e compartilhada. Este elementos, pertinentes na perspectiva sociológica, abrem possibilidades de compreensão e de uma outra leitura das ações do(a)s ativistas anarquistas. 2. Sobre a pesquisa Neste trabalho, metodologicamente trabalhou-se na construção da informação com pesquisas bibliográficas em dois níveis: Anarquismo e anarquistas a nível internacional e sobre o movimento operário na cidade de Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul e no Brasil. Como se trata de parte de uma pesquisa mais ampla e que está no bojo de um trabalho de conclusão de curso, foi utilizada como estratégia para construção e modelagem das informações a busca de informações diretas, em andamento e que não Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 399 estão ainda concluídas, como entrevistas com ativistas do Movimento Anarquista atual em Pelotas e com possíveis descendentes de anarquistas da cidade (História Oral Temática), além de fotos dos materiais e manifestações políticas e culturais do movimento em Pelotas, consulta a documentos atuais, a possíveis locais onde houve espaços de discussão e de atuação dos libertários na cidade, em diferentes épocas, pesquisa em jornais e em outras publicações sobre o Movimento Anarquista e consultas em arquivos de 1880 a 1930 e atuais da polícia da cidade e do estado do Rio Grande do Sul. 3. O surgimento do Anarquismo O Anarquismo em seu sentido mais amplo, significa literalmente “sem governo”, ou ainda, sem autoridade, se configurou como movimento ativista, durante a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), na Europa, nos anos de 1864 a 1876 e foi a principal força organizadora do movimento operário internacional (pois teve repercussões aqui na América) naquele período. Durante as reuniões da Primeira Internacional (AIT), o Anarquismo se aproximou dos movimentos de massa dos trabalhadores. A essa época, o Anarquismo tinha como precursores os ativistas Pierre- Joseph Proudhon, francês, os russos Mikail Bakunin e Piotr Kropotkin, e mais tarde, o italiano Errico Malatesta. Nesse momento, a luta dentro da Internacional (AIT) se polarizara entre: as posições de Karl Marx e os seus seguidores (denominados por Bakunin e pelos anarquistas de autoritários), que sustentavam que a Internacional deveria obedecer a uma direção central e unificada e, a posição de Bakunin e os seus seguidores (que se denominaram como anti-autoritários) que insistiam na descentralização da Internacional. Outro ponto discordante entre Marx e Bakunin era com relação à questão do Estado, onde os marxistas defendiam (e defendem) a conquista do poder estatal pelos trabalhadores, que estabeleceriam uma ditadura dita transitória do proletariado e Bakunin e os anti-autoritários, entretanto, defendiam a destruição imediata do Estado, pois acreditava que o governo ditatorial proposto por Marx acabaria por criar uma aristocracia de funcionários do partido comunista, que tudo fariam para se conservar no poder (BAKUNIN, 2001). Essas discordâncias na Primeira Internacional (AIT), junto a outros aspectos, foram forjando o pensamento libertário, que é centrado sobre os princípios de negação do Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 400 Estado e da propriedade privada, crítica às religiões instituídas, buscas da igualdade e da total liberdade entre as pessoas, entre outros. O Anarquismo entende a sociedade como constituída de indivíduos autônomos e conscientes, que autogeririam esta sociedade. Assim, os libertários acreditam na possibilidade de estabelecer uma sociedade baseada em formas não-coercitivas de organização social e do trabalho, recomendando como formas de resistência e atuação, a Ação Direta, ou seja, a participação direta dos indivíduos nos movimentos reivindicatórios e a recusa da ação política nos aparelho estatal ou em partidos. Nessa sociedade idealizada pelos anarquistas, cada indivíduo deveria optar livremente por pertencer a uma associação e deveria participar diretamente de greves e/ou manifestações, sem nenhuma intermediação e também, deveria participar ativamente na manutenção desta sociedade, pela prática da Autogestão. As concepções, idéias e práticas anarquistas na Primeira Internacional, começaram a ser experimentadas em formações e criações de associações, sindicatos, grupos e organizações de trabalhador(e)as por toda a Europa, dando assim, uma grande atividade revolucionária em países como a França, Espanha, Alemanha, Itália e Bélgica. Também, a atividade propagandista anarquista do(a)s indivíduos e a conexão dess(e)as com os primeiros grupos libertários, fez com que o povo se organizasse para lutar contra a exploração e a primeira luta que se deu, sob “influência” anarquista foi em Paris, França, no ano de 1871, no que ficou conhecido como “Comuna de Paris”. 4. O Anarquismo na prática – A Comuna de Paris, 1871 e a Revolução Russa de 1917 De fato, o Anarquismo não ficou só em discussões dos congressos operários ou em círculos de intelectuais, somente idealizando essa nova sociedade. Na prática, houve várias tentativas de fundar essa nova sociedade. E, a primeira grande atuação anarquista (já como movimento social) foi na Comuna de Paris, em 1871, onde havia revolucionários de várias tendências: jacobinos de esquerda, blanquistas, proudhonianos e bakuninistas (indivíduos que seguiam os ideais e as práticas anarquistas de Proudhon e Bakunin) e também marxistas. A Comuna de Paris trouxera o proletariado ao poder, no sentido de que uma classe social explorada desarmava e desapropriava as classes dominantes, formava suas próprias milícias, declarava a sua própria autonomia e o que Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 401 se via era um “Estado em processo de extinção” (VARES, 1988). Derrotados em dois meses, mesmo assim, a Comuna trouxe ensinamentos aos operário(a)s, que eram guiados no sentido bakuninista de revolução. Não que a Comuna fosse uma luta somente anarquista, mas começou assim as grandes ações libertárias e a intensificação da propaganda e da prática anarquista na Europa e, conseqüentemente, na América, com a vindade muitos revolucionários fugidos da Europa após a Comuna, trazendo notícias e idéias para a América. A Revolução Russa de 1917 também teve grande participação anarquista. Os soviets, que eram os conselhos, as assembléias do povo russo e que existiam desde a primeira tentativa de revolução russa, em 1905, eram vistos pelos libertários russos da época como uma democracia direta, a extinção do Estado, pois nasceram de uma greve geral espontânea em São Petersburgo. Mesmo depois de outubro de 1917, os anarquistas ainda defendiam os soviets, mas nesse sentido de democracia direta, e não como aparelho de partidos. Naquele momento, a revolução foi conduzida à centralização, ao fortalecimento da ditadura do proletariado e ao domínio do partido único (bolcheviques e socialistas revolucionários se aliaram para conquistar e se perpetuarem no poder). Em 1921, os anarquistas tentariam ainda restaurar o poder do povo pelos soviets, na cidade de Kronstadt, mas foram massacrados pelo comandante das tropas bolcheviques, Leon Trotsky. O povo de Kronstadt reivindicava o fim do domínio do Partido Comunista e a revitalização dos conselhos do povo, os soviets. Nesse processo revolucionário russo de 1917, havia na Ucrânia um grupo de camponeses anarquistas, entre eles, Nestor Makhno, que lutavam pela revolução através de guerrilhas, colocando em prática a orientação anarquista-comunista, coletivizando as terras e formando soviets camponeses. Após 1917, onde esses camponeses anarquistas foram os principais defensores da revolução, nas fronteiras da Ucrânia, pois acreditavam na luta do povo pela transformação da sociedade, por volta de 1920, os bolcheviques exigiram submissão completa desses anarquistas da Ucrânia e, como esses recusaram, houve então o início da perseguição e repressão aos anarquistas em toda a Rússia. Isso desencadeou uma luta entre o Exército Vermelho de Trotsky e os anarquistas, onde os bolcheviques saíram vitoriosos, acabando com o comunismo libertário russo. Mais tarde, Nestor Makhno e alguns camponeses anarquistas ucranianos, que conseguiram sair com vida, e diga-se, em precárias condições de vida Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 402 da já União Soviética, formaram o que hoje é conhecido como “especifismo anarquista” (Plataforma Organizacional), ou seja, para os seguidores desse especifismo, dessa Plataforma, os grupos e/ou federações anarquistas, bem como os indivíduos, devem obedecer um linha forte, com disciplina, formando assim, militantes. 4.1 A Guerra Civil Espanhola – 1936-1939 A maior participação e luta libertária foi, sem dúvida, na Guerra Civil Espanhola de 1936-1939. Na Espanha, após a vitória eleitoral da Frente Popular, composta por republicanos, socialistas, comunistas e até, alguns anarquistas, houve um pronunciamento dos militares, liderados pelo general Francisco Franco, desencadeando daí, uma Revolução Social na Espanha, pois a CNT, Confederação Nacional dos Trabalhadores, de tendência Anarco-Sindicalista e a FAI, Federação Anarquista Ibérica, mobilizavam milhões de adeptos em toda a Espanha e armaram, assim, as massas trabalhadoras, ocupando fábricas e desapropriando terras dos latifundiários, coletivizando-as e formando a resistência a esse pronunciamento. Na Espanha, a Educação Libertária já havia sido colocada em prática por Francisco Ferrer y Guardia, e outro(a)s anarquistas nos anos de 1905-1909, ano de fuzilamento de Ferrer. O(a)s anarquistas não eram apenas intelectuais e sim, operári(a)os e camponese(a)s que agiam cotidianamente na luta pela criação de uma nova sociedade. Devido a problemas de pressão interna dos partidos que formavam a Frente Popular, devido também a problemas de resistência dos anarquistas e do POUM, Partido Operário de União Marxista, que era o partido que lutava nas milícias, aliados aos anarquistas no front e devido a intervenções da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini, a favor do golpe de Franco e dos fascistas espanhóis, a revolução autogestionária espanhola estagnou, privilegiando-se assim, a guerra das milícias libertárias contra o fascismo, perdendo um pouco o sentido de construção de uma nova sociedade, ou seja, houve a partir daí, somente a luta contra a ofensiva fascista. A partir de 1937, começa então o declínio da revolução e a intensificação das forças fascistas sobre a Espanha libertária. Estava sendo colocada, na prática, a construção de uma nova sociedade que, infelizmente, não se concretizou. Mas, neste sentido, hoje e no decorrer da história, Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 403 ainda está “vigente” esse processo de luta anarquista, essa prática libertária que percebo como exemplo de transformação da sociedade e de formação de outras “sociabilidades”, não autoritárias, para o(a)s indivíduos do Movimento Anarquista em Pelotas. A busca e a resistência anarquista ainda está presente e a tentativa desse movimento de recrear outro mundo é pertinente. Entendo, assim, que esses exemplos históricos são para expor algumas das grandes tentativas de criar outra sociedade, mas que estão presentes no ideário do Movimento Anarquista atual, seja pelos exemplos de luta libertários desses processos históricos, seja pelo fato de no próprio anarquismo, estar incluído essa luta e resistência às “coisas já postas” e intensificar a luta pela transformação da sociedade exploradora. 5. As principais correntes de ação anarquistas Os exemplos acima vêm demonstrar que o Movimento Anarquista é, além de outras coisas, a Ação Direta e constante de indivíduos, grupos, comunas, centros de estudo, uniões, federações e outras formas autônomas de organização, que resiste e se opõe à sociedade opressora, se apresentando como adversário de toda e qualquer forma de governo, buscando construir uma nova sociedade, descentralizada e autogestionária. Assim, há no Movimento Anarquista, duas principais correntes de ação e mobilização, a corrente Anarco-Comunista ou Comunismo Libertário e a corrente Anarco-Sindicalista ou Sindicalismo Revolucionário. As duas divergem quanto à maneira de organizar os trabalhadores e a futura sociedade anárquica, ou seja, em comunas livres ou em sindicatos de produtores. As duas correntes foram as correntes articuladoras do movimento operário no Brasil de 1906 a 1928, aproximadamente. O Sindicalismo Revolucionário foi a corrente mais seguida por operári(a)os do Brasil. Essas duas correntes foram as principais e não as únicas, ou seja, elas não excluem as outras correntes e foram as principais naqueles períodos históricos, sendo hoje quase como “denominações” e não mais existem “correntes” no Movimento Anarquista, o que existe são grupos que incluem diversas correntes ou formas de ação libertárias. Assim, não há uma só “corrente” organizadora no Movimento Anarquista em Pelotas hoje e sim, diversa(o)s indivíduos com práticas e idéias libertárias diferentes como Anarco- Feministas, Punxs, Comunistas Libertários... preocupado(a)s com questões ambientais, Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 404 com a luta pela terra, em outros movimentos como o estudantil e estão na luta contra toda e qualquer forma de poder em diferentes “esferas” de convivência social. 6. O Anarquismo no Brasil – breve história... No Brasil, o Anarquismo surge com a vinda dos imigrantes que formavam comunidades libertárias, como no caso da Colônia Cecília, de anarquistas italianos, instalada no interior do Paraná, em 1890 e de outras experiências libertárias dos imigrantes. Além desse fato, notíciasdos atos anarquistas e revolucionários do(a)s operário(a)s da Europa chegavam ao Brasil por viajantes e pessoas que iam para a Europa e traziam literatura e jornais revolucionários para o Brasil. O(A)s imigrantes também traziam muitas vezes, esses jornais e notícias d(o)as anarquistas de seus locais de origem e divulgavam o Anarquismo no Brasil, onde começava a industrialização. Segundo o historiador autodidata anarquista, Edgar Rodrigues, o Brasil já era um local fértil a ideais revolucionários pelo fato da escravidão, por exemplo, onde vemos a resistência negra e as formas organizatórias dos escravos que fugiam para os quilombos, além de atos de revolta e de sabotagem dos escravos contra os seus senhores, mostrando que havia resistência ao sistema escravocrata. No início do século XX, ou seja, no começo da industrialização no Brasil, o Anarquismo teve grande influência no Movimento Operário brasileiro, com a criação de sindicatos, a realização do Primeiro Congresso Operário Brasileiro, em 1906, no Rio de Janeiro e com a forte organização dos operários até 1930, ano do golpe getulista, que atrelou os sindicatos ao Estado, perseguindo os anarquistas e comunistas. Após esse golpe, ainda houve muita resistência por parte dos anarquistas, que não se entregaram, apesar de alguns anarquistas terem aderido, em 1922, ao recém criado Partido Comunista Brasileiro. 6.1 O Anarquismo no Rio Grande do Sul No Rio Grande do Sul, o Anarquismo tem suas origens ligadas à Colônia Cecília, recebendo pessoas desta comunidade libertária, quando essa se extinguiu, em 1893. Há também indícios de anarquistas que viam de outras comunidades também do interior de Santa Catarina, como no caso de Kniestedt (anarquista alemão que citarei logo mais), ou também de imigrantes que formaram comunidades libertárias no Rio Grande do Sul, Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 405 como a comunidade de anarquistas ucranianos em Erebango, norte do estado. Também, nos jornais da época, aparecem notas sobre o desembarque de imigrantes propagandistas anarquistas nas cidades de Rio Grande, Porto Alegre e Pelotas, cidade onde é efetuada a pesquisa. 6.2 O Movimento Anarquista em Pelotas – 1890-1930 A bibliografia consultada mostra que o primeiro anarquista a chegar a Pelotas teria sido o sapateiro italiano de nome José Saul, em 1897, que seria, talvez, um remanescente da Colônia Cecília. Devido às más condições de vida deste anarquista e às perseguições por parte dos poderosos, José Saul teve que deixar a cidade onde era tido como louco. O fato é que José Saul representou uma ameaça à burguesia pelotense da época. Do trabalho deste anarquista expulso de Pelotas, por reação dos conservadores e das autoridades, teve origem na cidade o núcleo anarquista. Nos jornais da grande imprensa, nada consta sobre a presença de José Saul, mas na bibliografia consultada, especialmente em Edgar Rodrigues e no periódico anarquista “A VIDA”, do Rio de Janeiro, dos anos de 1914-1915, se tem relatos deste libertário em Pelotas e de sua atuação na fundação da Liga Operária Pelotense, tendo realizado algumas palestras. Os jornais da grande imprensa em Pelotas, como o Diário Popular, se referiam na época ao Anarquismo apenas como atentado à bomba na Europa ou sobre as greves operárias que para o jornal “desolavam” a Europa. O que, de fato, não se mudou essa concepção do referido jornal ainda hoje. Ainda nesse mesmo jornal, de 1902, consta a prisão de três italianos anarquistas, que teriam sido expulsos para a Argentina, para após, serem deportados para a Itália. O jornal afirma que os três homens, um alfaiate, um pintor e um vendedor de azeite confirmaram serem anarquistas e partiram dizendo que eles iam embora, mas suas idéias ficariam em Pelotas. Em 1913, influenciados pela Confederação Operária do Brasil, de tendência Anarco- Sindicalista e por literaturas anarquistas, os operários pelotenses retiraram da Liga Operária o programa recreativo que ela mantinha e retomaram o caráter reivindicativo desta. Assim, os anarquistas começaram a se organizar como grupo. O Anarquismo, baseado não só na organização de operários e sim de indivíduos que se opõem e dão combate ao Capitalismo e ao Estado, numa prática autônoma e libertária, começa a Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 406 crescer na cidade de Pelotas. Em 1914, os anarquistas criam o Grupo Iconoclasta, que era uma espécie de centro de estudos e também conquistam a direção da Liga Operária Pelotense até 1933, quando essa foi extinta pela ditadura getulista. Em termos de manifestações culturais, o auge do Movimento Anarquista em Pelotas ocorreu nos anos de 1914 e 1915, onde houve atividades de um grupo teatral, o Grupo Teatral Cultura Social, fundado em 1914 e reorganizado em 1918, atividades de uma banda musical (Grupo Musical 18 de Março, uma homenagem a Comuna de Paris), em 1914 e a Banda Musical 11 de Novembro, de 1916. Também existiu o Grupo Feminino de Estudos Sociais, de 1915 a 1916, de jovens (Grupo Juventude Anti-Militarista, em 1915) e o Centro de Estudos Sociais, de 1914. Houve também uma escola para crianças (Escola Primária), em 1914 e o Atheneu Operário, além de um jornal em 1915, o “A Terra Livre”, da Federação Operária e outro em 1916, o “A Luta”, do Grupo Iconoclasta (LONER, 2001). Já em 1917, trabalhou em Pelotas, Friedrich Kniestedt, imigrante anarquista alemão, na fábrica de escovas Wirth. O imigrante relata nos jornais “Aktion” (Ação) e “Der Freie Arbeiter” (O Trabalhador Livre), ambos de Porto Alegre, que, assim que chegou a cidade de Pelotas, os trabalhadores declararam-se em greve. Primeiro só os da construção civil, depois os da indústria madeireira e, uma semana depois, quase todos os trabalhadores haviam aderido a greve. Descrevendo a “grande greve de 1917”, afirma que a sede da Liga Operária foi atacada pela polícia, no momento de uma reunião, que atirou para dentro do salão, matando um operário. Essa reunião só pode recomeçar e ter andamento, quando o exército da época permitiu que esses operários continuassem, deslocando a polícia da cidade. A greve durou três semanas, com vitória parcial dos operários. Kniestedt permaneceu quatro meses em Pelotas, transferindo-se assim, para Porto Alegre, onde permaneceu lutando no movimento social anarquista até o fim da vida, aos 74 anos, mantendo-se um anarquista convicto de seus ideais (GERTZ, 1989). Sobre a atuação feminina no Movimento Anarquista em Pelotas, encontrou-se na bibliografia consultada, descrição de uma anarquista, do Centro Feminino de Estudos Sociais, de nome Eliza de Carvalho, que teria participado do Congresso Internacional da Paz, no Rio de Janeiro, de 14 a 16 de outubro de 1915. Outra anarquista, Catalice Silva, participava do teatro anarquista, de assembléias e congressos, sempre defendendo a igualdade homem-mulher (PRADO, 1987). Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 407 Essas informações trazem à tona que, o auge do Movimento Operário em Pelotas se deu sob a hegemonia d(a)os anarquistas, pois a maior atividade anarquista ocorreu de 1911 à 1925, época em que marcaram a vida política e social da cidade, com sua organização e sua cultura, através de artigos de jornais, publicações, peças teatrais e fundação de sindicatos, escolas e grupos de estudos e também na grande atuação na greve de 1917. Já a prática anarquista promove, na maioria das vezes, um comportamento ascético dos ativistas, como o incentivo à alimentação vegetariana, a repulsa ao álcool e ao fumo,a recusa em falar em religião, entre outros aspectos, condenando toda essa sociedade baseada no autoritarismo, na opressão e no consumismo. Essa prática libertária também será analisada, tentando encontrar esses aspectos atualmente no Movimento Anarquista em Pelotas. 7.Considerações Finais É interessante ressaltar que Pelotas, no início do século XX, pode ser considerada uma cidade tradicional e conservadora e, por isso, jamais poderia ser pensada como lugar favorável ao aparecimento do Anarquismo, que busca justamente o oposto desta sociedade vigente, busca assim a criação de uma “nova ordem social”, baseada na liberdade, onde a produção, o consumo e a educação devem satisfazer as necessidades de cada um e de todos. O “recorte” histórico deste período e desta práxis política é importante porque os instrumentos de luta adotados pelos libertários- a greve geral ou parcial, o boicote, a sabotagem, a manifestação pública, seja individual ou coletiva, etc- fundam-se sempre na Ação Direta, onde o indivíduo mesmo dirige o conflito, evidenciando que, o Anarquismo prega que as pessoas e as comunidades não confiem a outrem uma tarefa que lhes pertence, ou seja, a total autonomia dos indivíduos. A pertinência deste estudo está no fato de encontrarmos várias das idéias anarquistas presentes ainda hoje, seja nas experiências autogestionárias e cooperativas, sejam no movimento ecológico, feminista, pacifista, nas práticas educacionais alternativas e também em outras manifestações autônomas e populares. A atuação do(a)s anarquistas em Pelotas no início do século XX, a Ação Direta daquele(a)s libertário(a)s na cidade, permitiu a construção de entidades e organizações de classe e de grupos que tinham projetos para criar uma nova sociedade, fazendo o Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais - NPMS ISSN 1982-4602 408 contraponto à sociedade burguesa. Atualmente, a(o)s anarquistas se organizam e lutam, buscando essa transformação da sociedade. O Movimento Anarquista é uma práxis e um projeto social, propondo que as comunidades e os indivíduos valorizem a auto- organização, o apoio mútuo, a solidariedade, a liberdade e a igualdade nas relações sociais e que recusem as formas centralizadoras e autoritárias de organização social. 8.Bibliografia BAKUNIN, Mikaihl. Escritos contra Marx. São Paulo, Editora Imaginário, 2001. CARONE, Edgard. 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