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Quem escolhe ser puta? Discussões sobre os aspectos psicossociais da prostituição entre jovens brasileiras de baixa renda no Brasil

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50
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
Centro de Ciências Biológicas e Saúde
Curso de Psicologia
RAFAELA DOS SANTOS SILVA
 
 
 
QUEM ESCOLHE SER PUTA? 
Discussões sobre os aspectos psicossociais da prostituição entre jovens de baixa renda no Brasil
Recife
2017
RAFAELA DOS SANTOS SILVA
 
QUEM ESCOLHE SER PUTA? 
Discussões sobre os aspectos psicossociais da prostituição entre jovens de baixa renda no Brasil
 
Monografia apresentada ao curso de Psicologia da Universidade Católica de Pernambuco, como requisito parcial para conclusão da Formação de Psicólogo.
Orientadora: Prof.ª Msª Maria Aparecida Craveiro Costa
 
 
Recife
2017
RAFAELA DOS SANTOS SILVA
QUEM ESCOLHE SER PUTA? 
Discussões sobre os aspectos psicossociais da prostituição entre jovens de baixa renda no Brasil
Monografia aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo, pela Universidade Católica de Pernambuco, por uma comissão examinadora formada pelas seguintes professoras:
_________________________________________________________________
Professora Convidada - Drª Simone Dalla Barba Walckoff – UNICAP
____________________________________________________
Professora Orientadora - Msª Maria Aparecida Craveiro Costa - UNICAP
_____________________________________________________
Professora da Disciplina TCC II – Drª. Iarací Advíncula- UNICAP
Recife
2017
 À minha mãe por nunca ter desistido, por ter acreditado mesmo diante dos cenários mais difíceis.
 À sua imensa garra para lutar pela vida. 
 
 
AGRADECIMENTOS
À Profa. Msª. Maria Aparecida Craveiro Costa, por me acompanhar durante todo o percurso de elaboração deste trabalho, por todo o tempo dedicado e por compartilhar comigo seus conhecimentos.
Aos meus amigos e companheiros de caminhada, que estiveram ao meu lado, durante o decorrer do curso.
Aos meus familiares, por toda dedicação e incentivo. 
 
Eve and Mary
 churchpop.com
Mary and Eve
Que é que torna a Mulher Cativante?
A mulher cativante não recebe o homem com uma longa lista de problemas que ela teve naquele dia.
A mulher cativante nunca deve rejeitar seu marido em favor dos filhos.
A mulher cativante sempre avisa onde está e gosta de esperar o marido em casa com comida pronta.
A mulher cativante sabe que o sexo representa um papel muito importante na vida do marido. Por isso ela sabe também que:
- não pode recusá-lo;
- tudo o que fizer na cama dirá que aprendeu com ele;
A mulher cativante aceita que o homem se interesse por futebol e pela companhia dos amigos.
A mulher cativante não desconfia quando o marido trabalha longas horas e chega tarde.
A mulher cativante não pode exigir que o homem diga que a ama milhões de vezes.
A mulher cativante tem a obrigação de passar batom e se maquiar e aparecer bonita e perfumada.
A mulher cativante deve considerar o homem a pessoa mais importante de sua vida. Deve dar-lhe mais valor do que a todas as outras pessoas - inclusive a si mesma.
(Dr. Theodore Rubin, Revista Seleções, Outubro de 1969).
RESUMO
Esta monografia teve por objetivo compreender a existência de relação entre as realidades psicossociais das jovens brasileiras de baixa renda e a “escolha” pela prostituição. Para tanto adotamos como método a pesquisa bibliográfica com o intuito de ampliar a compreensão acerca dos aspectos psicossociais presentes na realidade de vida das mulheres que acabam se prostituindo. O próprio percurso da pesquisa apontou para a ausência de uma narrativa sobre a história das mulheres e como os papéis atribuídos ao feminino foram sendo demarcados pelos homens e, principalmente, por relações de poder. Foi percebido também, uma forte cobrança social atribuída a conduta feminina, assim como uma corrente atribuição de culpa e responsabilidade pela “escolha” da prostituição. Assim, as representações presentes em nossa sociedade acerca da prostituição, tal como aparecem no cancioneiro popular, na literatura e nas imagens que povoam o senso-comum imputam à mulher toda a responsabilidade por esta “escolha”, ao mesmo tempo em que escamoteiam todo o papel exercido pelos processos históricos de desigualdade e exclusão que caracterizam a realidade brasileira. O presente trabalho apontou, também, para a incongruência de se falar em escolha, posto que a idade de ingresso na prostituição se dá entre o fim da infância e início da adolescência, quando nos referimos à baixa prostituição. Esperamos que este trabalho instigue maiores e mais profundas reflexões sobre o tema e reforce a necessidade de desenvolvemos estratégias mais eficazes de cuidado e proteção à infância e juventude brasileiras.
Palavras-chave: prostituição juvenil; fatores psicossociais. 
 
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................... 9
2. IMPLICAÇÕES HISTÓRICAS DA CONDIÇÃO DE SER MULHER/PROSTITUTA........................................................................................ 13
2.1 A prostituta/ prostituição....................................................................................... 16
2.2 A história das mulheres/ prostitutas no Brasil...................................................... 25
3. REALIDADE PSICOSSOCIAL DAS JOVENS BRASILEIRAS DE BAIXA RENDA....................................................................................................................... 30
3.1. O palco: cenário brasileiro.................................................................................... 32
3.2. O enredo: imaginário social sobre a prostituição................................................. 45
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 53
5. REFERÊNCIAS......................................................................................................... 57
1. INTRODUÇÃO 
	O presente trabalho visou compreender a existência ou não de relação entre as realidades psicossociais das jovens brasileiras de baixa renda e a “escolha” pela prostituição. A escolha desta temática é uma espécie de retorno, de busca por respostas à uma inquietação vivida há algum tempo. 
Aos 17 anos de idade tivemos contato com garotas que se prostituíam, pois, à época nos dedicávamos ao serviço missionário, como membro de uma comunidade de vida pertencente à Igreja Católica. Com o intuito de evangelizar fomos algumas vezes a um prostíbulo da cidade de São Paulo do Potengi- RN. Ao nos deparamos com a realidade das garotas ficamos chocadas, primeiramente, com as condições de vida em que se encontravam e, em segundo lugar, ao ouvir suas histórias e tomar conhecimento de suas idades ao ingressarem “na vida”. 
O Cabaré de Graça era conhecido na cidade e o visitamos algumas vezes durante as manhãs, junto com outro missionário. Um certo dia, depois de muitos encontros, questionamos à proprietária se ela gostaria de “sair dessa vida”, se ela fecharia o bar caso conseguisse emprego, ao que prontamente respondeu sim.
 Foram feitas, então, parcerias com a prefeitura e com um colégio pertencente à instituição católica da qual fazíamos parte, com o intuito de gerar empregos para quem vivia no “cabaré”. Quando o estabelecimento fechou, a dona recebeu um emprego, como fora garantido. Porém, algumas mulheres decidiram ir para outros bares, cabarés e prostíbulos, apesar de ter sido oferecido trabalho para elas. Tal fato nos intrigou desde então, pois, já naquele momento suspeitávamos que aquela vida não podia ser uma “escolha”.Nos indagávamos: se, aparentemente, aquelas mulheres estavam ali por questões financeiras, por que, ao conseguirem outro trabalho, não saíam daquela vida, mas permaneceram nela? O que fez com que escolhessem aquele caminho? Seria mesmo uma escolha? Quais as motivações e questões subjetivas implicadas nesse comportamento? Todas essas questões ficaram em aberto, e vez ou outra inquietavam-nos, principalmente quando no cenário político se discutia a questão da legalização ou não da prostituição. 
No ano de 2012 fomos, como missionárias, para a cidade de Ponta Porã – MS, lá fazíamos às quinta feiras à noite um momento de evangelização na rua, o principal ponto era uma praça que fica localizada na fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero- Py. Levávamos comida e cocido[footnoteRef:1], andávamos por meio de um amontoado de pessoas que pelos cantos usavam suas pedras de crack e, vez por outra, aceitavam uma palavra, mas sempre um prato de comida. Pelas pontas da praça, já nas estradas, haviam pequenas meninas, por vezes mulheres, que por ali se prostituíam. Lembramo-nos de um grupo de três crianças que se aninhava perto das árvores, tentando fugir do frio da noite... E quando perguntamos: “São meninas? ” Ouvimos a seguinte resposta: “Não dá nem pra saber, são tão novos né?”. [1: Cocido = chá típico da região feito a base de erva mate.] 
A polícia dos dois países passava, em lados opostos da praça, outras pessoas passavam em seus carros. E me pareciam àquela época realidades tão distantes, tão diferentes, que julgávamos ser impossível compreende-las, a não ser que se chegasse mais perto, que se buscasse uma aproximação. 
Então, ouvir discussões no cenário político ou mesmo acadêmico, de doutores em sexualidade que se propõem a falar sobre prostituição, nos recorda o olhar das pessoas que passavam dentro de seus carros por aquela praça, naquele dia, tão perto e, ao mesmo tempo, tão distantes... 
 Assim, a questão que orientou todo esse trabalho foi: é possível falar sobre escolha pela prostituição, quando nos deparamos com a realidade psicossocial das jovens brasileiras de baixa renda?
 Existe uma diferenciação entre a baixa e a alta prostituição, que divide as garotas em perfis, histórias e lugares onde a exercem. Escolhemos como campo para essa pesquisa a baixa prostituição, caracterizada por: 
[...] uma rotina de muitos programas à baixos preços, uma carga elevada de trabalho, grande flexibilidade de horários e pontos e precárias condições de saúde e trabalho (insalubridade). Comumente há uma aproximação com disputas territoriais, com cenários de uso, abuso e comercialização de drogas, com pobreza e inúmeras privações. (SILVA; XIMENES, 2017, p. 179) 
Por sua vez, a alta prostituição aparece como o exato oposto. As prostitutas da alta prostituição, além de atenderem a um público diferenciado por um preço bem mais elevado, não se fazem presentes em espaços públicos, sendo difícil o seu reconhecimento. Possuem uma baixa carga de trabalho e são, em sua maioria, mulheres com um bom nível de instrução, falando por vezes mais de um idioma. A baixa prostituição foi o cenário escolhido, primeiramente, por ser esta a realidade com a qual tivemos maior contato, e segundo por ser ela maior em número no cenário brasileiro, representando 86% da população envolvida com este tipo de trabalho.[footnoteRef:2] [2: Informação obtida em uma série de reportagens sobre prostituição exibida pelo programa “A Liga” da Rede BAND em 16 de junho de 2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MOPiLvcIOE8 Acesso em: 11 de junho 2017] 
Para ampliarmos nossa compreensão acerca da prostituição nos propomos através desta pesquisa bibliográfica, discutir e compreender os aspectos psicossociais presentes na realidade de vida das mulheres que acabam se prostituindo.
Partimos da reflexão de Soibet (2004, p. 364), de que, chega a ser desalentador tentar buscar fontes para falar da história das mulheres, visto que foi somente “a partir de 1960, juntamente com outros subalternos como os camponeses, os escravos e as pessoas comuns, que as mulheres foram alçadas à condição de objeto e sujeito da história”. Então, tendo sido a história da mulher negada por tanto tempo, não poderíamos jamais, iniciar a pesquisa ignorando, justamente, essa história. Assim, começamos por resgatar esta história, desde os tempos pré-históricos, até chegarmos à realidade atual da sociedade brasileira, extremamente marcada por desigualdades e divisões de classes, pluralidade de raças e credos, a cultura e seus desdobramentos. 
Assim, acreditamos que a compreensão das marcas da história impostas ou feminino e da problemática da prostituição são fundamentais para que possamos desenvolver outras formas de pensar e compreender as políticas públicas e a educação de jovens e crianças, bem como o papel da psicologia em tudo isso, vez que urge desenvolvermos formas de cuidado que amparem e protejam estas crianças e jovens da degradação e violência. Porque aquilo que está em pauta situa-se para além da ideia da prostituição de mulheres, dizendo, também, respeito ao usufruto do corpo feminino e à objetificação de tais mulheres.
Tivemos por objetivos, nesse trabalho, compreender as realidades psicossociais das jovens brasileiras de baixa renda em suas imbricações históricas com a condição de ser mulher/prostituta no Brasil
Para tanto, buscamos no primeiro capítulo fazer um resgate histórico da condição feminina, do que representou ou longo das eras ser mulher, em que momentos e cenários a prostituição aparecia, como era e como se vinculava à figura da mulher. E, no segundo capítulo, abordamos a realidade psicossocial brasileira, demarcando com suas divisões e contradições, assim como tentamos identificar as representações presentes em nossa sociedade acerca da prostituição, tal como aparecem no cancioneiro popular, na literatura e nas imagens que povoam o senso-comum. 
Esperamos que o presente trabalho possa trazer contribuições para as diversas áreas do conhecimento, em especial para aquelas dedicadas à educação de jovens e crianças. Que ele possa favorecer, a discussão sobre as questões de gênero presente em nossa sociedade atual e na História da humanidade. E que antes de tudo possa provocar o leitor, mobilizá-lo no sentido que diz a canção de Lenine “A lua me chama eu tenho que ir pra rua”, provocando-nos a sair, sair de nossas certezas, do conhecimento posto e nos conduzir à uma aproximação, que nos provoque questionamentos e inquietações, que nos mobilize e nos tire do lugar.
Assim, esperamos que este trabalho contribua para o surgimento de outras pesquisas, favorecendo a dignidade humana, o valor da vida, o olhar que humaniza e não desqualifica, que aponta as diferenças, mas não contribuí com a desigualdade e exclusão.
2. IMPLICAÇÕES HISTÓRICAS DA CONDIÇÃO DE SER MULHER/PROSTITUTA NO BRASIL
Venha até mim, e nesta aproximação cairemos nos braços um do outro.
Os deuses não ficarão escandalizados; eles são nossa própria criação.
A cortesã grega Phryne, séc. IV a.C
Segundo Alambert (apud MOREIRA, 2005), ao pensar no início da humanidade não poderíamos falar de desigualdade entre homem e mulher. Isto, porque os humanos viviam em pequenos grupos (hordas) e não haviam relações de superioridade nestas.
O período das hordas é denominado pelos historiadores de pré-história, anterior a descoberta da escrita e, assim, considerado anterior à própria História. Lá se inicia a História da humanidade, a história das mulheres.
No princípio reinavam as deusas, e forças femininas regiam o mundo (MOREIRA, 2005). Homens e mulheres viviam em regime de parceria, e acreditava-se que as mulheres eram seres místicos, pois podiam dar/gerar a vida. “[...] acreditava-se que a mulher tinha poder mágico, o dom da vida, sua fecundidade fazia a fertilidade dos campos. Havia, portanto, uma associação entre a mulher e a agricultura” (MOREIRA, 2005, p 17). 
Segundo Roberts (1998, p. 20) a era de adoração à deusa[footnoteRef:3] é estimada em 25.000 anos, porémgeralmente é rebaixada a cultos à fertilidade, diminuindo seu valor histórico. No entanto foram as mulheres, por suas descobertas, “como paus de cavar, recipientes feitos de cascas de árvores ou de peles de animais, e seu uso das plantas para curar”, quem possivelmente propiciaram o desenvolvimento da espécie. Considera, ainda, que talvez possamos especular ter sido o próprio desenvolvimento da linguagem favorecido pelas atividades de trabalho comunitário das mulheres. [3: O culto a deusa é datado da época pré-histórica e perdurou por muito tempo até o surgimento de divindades masculinas. Ao decorrer dos anos a divindade foi recebendo vários nomes, entre esses os primeiros atribuídos foram: Inanna e posteriormente Ishtar na Babilônia, Astarté entre os povos semíticos, entre os gregos Réia, Gea ou Cibele; e no Egito deusa era representada pela figura da deusa Isis.] 
Como as mulheres possuíam um papel central na organização da sociedade, elas tinham completo domínio sobre seu corpo e sexualidade, podendo exercê-la livremente, porém esse fato foi sendo modificado gradativamente. Existem duas teorias sobre o início das mudanças na sociedade pré-histórica, uma se refere ao descobrimento, por parte dos homens, de seu papel na geração da vida e a outra à invenção do arado (SAFFIOTI, 2004 apud MOREIRA, 2005).
Independente do que ocorreu primeiro, o fato é, que o desenvolvimento da agricultura fez com que os homens deixassem de ser nômades e, assim, a medida que permaneciam nas terras e criavam seus animais começaram a perceber como se dava o processo de geração da vida e o papel do macho na reprodução. Essa descoberta fez com que, aos poucos, os homens fossem desmistificando o sagrado atribuído ao feminino e se tornassem mais ativos no controle populacional.	Para aumentar a produção e diminuir a lida com a terra, era necessária mão de obra e para isso bastava ter um bom número de filhos, com isso os homens passaram a se reproduzir mais. “Nesse contexto, quanto mais filhos, mais soldados e mais mão de obra barata para arar a terra” (MOREIRA, 2005, p. 19).
O homem passou, assim, a armazenar e isto possibilitou que tivessem início as relações de troca e o comércio. Com a estocagem aumentou a ganância do homem por poder e ser poderoso era possuir terras, então o homem começou a pilhar[footnoteRef:4]. Instituindo-se o comércio, surgiram dominados e dominadores (MOREIRA, 2005). [4: Pilhar- apossar-se, por meio de violência ou fraudulentamente, do que pertence a outrem; furtar, roubar, saquear.] 
Visto que os homens começaram a acumular bens, tornou-se fundamental à garantia de suas fortunas e que estas fossem transferidas para herdeiros legítimos que dessem continuidade ao legado iniciado. Para possuir essa garantia as mulheres passaram a ser vigiadas, e políticas acerca da sexualidade feminina começaram a ser instauradas. 
As primeiras civilizações da era histórica desenvolveram-se na Mesopotâmia (principalmente no moderno Iraque) e no Egito, e nasceram deste levante. Essas sociedades eram hibridas de formas matriarcais e patriarcais, com o equilíbrio de poder continuando a se deslocar para os homens. Novas formas de casamento foram introduzidas, especificamente destinadas a controlar a sexualidade das mulheres, para determinar, sem qualquer dúvida, a paternidade de toda criança. (ROBERTS, 1998, p. 22).
Nessas sociedades híbridas surgiram as figuras dos deuses masculinos que coabitavam com as deusas. O poder masculino começou a aparecer nos mitos e a ser fortemente representado pelas divindades. O culto à deusa passou a ser visto com outros olhos, mediante as novas sanções impostas à sexualidade feminina. 
No período das deusas, onde as mulheres gozavam do direito de exercer livremente a sexualidade e a mesma era compreendida como um dom da natureza e uma graça dada pela deusa, a celebração do ritual místico da vida terminava em atos sexuais. Quando as sociedades se tornaram híbridas surgiram as primeiras referências à prostituição sagrada, que “[...] foi na verdade a tradição do ritual sexual que persistiu desde a idade da pedra para se tornar parte integral da adoração religiosa nas primeiras civilizações” (ROBERTS,1998, p. 22).	
Segundo Swain (2004) a concepção de “prostituição sagrada” é uma interpretação etnocêntrica, que desqualifica e retira o sentido do rito sagrado, pois, parte de uma compreensão atual e pautada em um modelo cultural para julgar outro. Na época se acreditava que as mulheres eram encarnações terrenas da deusa (ROBERTS, 1998), logo não era a mulher, mas a própria deusa que abençoava o homem ao deitar-se com ele. As sacerdotisas do templo da deusa eram consideradas sagradas e puras.
Mesmo nas sociedades hibridas era inegável a influência da deusa. “A deusa deteve o poder durante todo o nascimento e berço da civilização do antigo Oriente Médio, desde o início da história até aproximadamente 3000 a.C” (ROBERTS, 1998, p. 23).
Para conseguir o domínio sobre as mulheres, os homens tiveram primeiro que combater o culto a deusa e isso se fez criminalizando o culto e o papel das sacerdotisas. Naquela época tamanho era o poder das sacerdotisas que os antigos babilônios até (cerca de 2.400 a.C) registraram que “[...] as sacerdotisas da classe mais elevada da deusa Ishtar, as entu[footnoteRef:5], deviam ser consideradas em pé de igualdade com os principais sacerdotes homens” (ROBERTS, 1998, p. 24). [5: Entu : Posição mais elevada de sacerdotisa junto com as Naditu.] 
 Abaixo das entu estavam as sacerdotisas denominadas de quadishtu e ishtaritu[footnoteRef:6], e abaixo delas as harintum[footnoteRef:7], que foram, segundo Roberts (1998), as primeiras prostitutas de rua, ao começarem a trabalhar de forma comercial, independente da religião. [6: quadishtu e ishtaritu: literalmente, mulheres sagradas. Eram especificamente dedicadas ao serviço de Ishtar, eram cantoras, instrumentistas e dançarinas.] [7: Harintum: eram geralmente escravas e mulheres capturadas na guerra e levadas ao templo. Estavam diferente das sacerdotisas mais elevadas sobre controle dos dirigentes e sacerdotes do templo.] 
Surgiu a partir dai a figura da prostituta como aquela que vende seus serviços, concomitantemente, o domínio sobre o sexo feminino vai se estabelecendo à medida que a religião da deusa vai sofrendo forte perseguição. As mulheres começam a ser separadas em boas e más e, segundo ROBERTS (1998, p. 27), “[...] à medida que as instituições religiosas e políticas masculinas foram crescendo, a forma patriarcal de casamento em que o marido literalmente era o dono da mulher e filhos, aprofundou mais ainda o abismo entre as esposas e as prostitutas”.
0. A prostituta/ A prostituição
Mesmo com o declínio da religião da deusa as prostitutas conseguiram manter sua autonomia, sua liberdade, no entanto, representavam tudo que era inaceitável e começaram, então, a ser denunciadas e perseguidas.
Por volta de 1300 – 1250 a.C os sacerdotes do Levítico invadiram Canaã, destruindo tudo que fosse pertencente ao culto da deusa. Assim se estabeleceu o pai-deus, pertencente ao povo hebreu. 
Os profetas e sacerdotes- líderes hebreus escreveram com um desprezo explícito e desdenhoso sobre qualquer mulher que não fosse virgem nem casada. Eles insistiam que todas as mulheres deveriam ser publicamente designadas como propriedade privada de algum homem.- pai ou marido. Desse modo, desenvolveram e instituíram o conceito de moralidade sexual- para as mulheres. (ROBERTS,1998, p. 29).
Em Canaã as principais divindades eram Baal e Astarote. Astarote era a deusa primitiva que entre os sírios era chamada de Ishtar. Os povos filisteus tinham um templo dedicado a essa deusa, como vemos na passagem do livro de I Samuel, 31: 10 “Puseram as armas de Saul no templo de Astarote e suspenderam seu cadáver nos muros de Betsã ”. 
Para que se estabelecesse o deus hebreu, forte perseguição foi instaurada a todos os outros tipos de culto, assim quando os hebreus invadiram Canaã, o fizeram sob as seguintes ordens: 
Quanto às cidades daqueles povoscuja possessão te dá o Senhor teu Deus, não deixarás nela alma viva. Segundo as ordens do Senhor, teu Deus, votarás ao interdito os hiteus, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus, para que não suceda que eles vos ensinem a imitar as abominações que praticam em honra de seus deuses, e venhais a pecar contra o Senhor, vosso Deus” (Dt 20, 16-18).
Estabelecido o pai-deus, aos poucos foi se reduzindo o papel da mulher e limitando seu espaço social, pois a mulher personificava o mal original segundo a crença dos povos hebreus representada na Torá como Eva. Ela é a causa do declínio do homem e motivo de sua perdição.
O estigma sobre a prostituição, no entanto teve seu início nos povos egípcios, pois, os sacerdotes não conseguiam conciliar a liberdade vivida pelas sacerdotisas/prostitutas com o ideal de confinamento da mulher em casamentos exclusivos.
Na Grécia por volta do séc. V a.C, a classe dominante era claramente dos homens livres donos de propriedades e possuidores de escravos, eram eles que constituíam a pólis grega. As prostitutas sofriam descriminação, mas aos homens nenhum tipo de sanção se aplicava por utilizarem os serviços de uma prostituta.
Os homens gregos ricos tinham acesso a uma variedade fenomenal de serviços sexuais, de modo totalmente aberto e sem medo da vergonha ou do estigma social. Havia prostitutas do templo, cortesãs da classe alta, dançarinas-prostitutas, meretrizes, escravas de bordel: E, se a escolha se mostrasse muito limitada, eles sempre podiam ter disponível os serviços dos meninos adolescentes, concubinas, escravas domésticas, e até mesmo um pouquinho da própria esposa. Foi na verdade uma época de ouro do sexo para os homens que possuíam ouro. Mas para as mulheres da antiga Atenas foi, é claro, uma outra história; elas eram as servidoras, provedoras e trabalhadoras neste grande florescimento da sexualidade humana. (ROBERTS, 1998, p 32).
Uma característica interessante sobre a sociedade grega é que ela se configurava como uma sociedade híbrida, como mencionado anteriormente. Possuía um pai- deus (Zeus) senhor dos céus, mas esse se casou com uma deusa (Hera) tida como sobrevivente de uma forma de culto anterior. A mitologia nos fala das inúmeras disputas travadas entre esses dois deuses, que pode ser entendida como uma disputa pelo poder entre a figura da deusa e a figura de um deus. Podemos pensar na representação mítica, como uma batalha entre os gêneros. 
No entanto, enquanto a mitologia trazia o conflito entre os deuses, entre os homens o poder já estava constituído na época do florescimento da Athenas clássica (ROBERTS, 1998). A democracia da polis grega não tinha espaço para as mulheres. 
Aqui abrimos um parênteses para falar sobre o governador ateniense Sólon (VI, a.C), tido como O Sábio, que foi quem instituiu os papéis das mulheres na sociedade grega. Sólon chegou ao poder com apoio da classe média grega e sua principal reforma foi o controle das pequenas unidades familiares, à prole masculina ficariam as riquezas, mas agora essa prole deveria vir de uma esposa apenas. “[...] na velha ordem aristocrática os herdeiros originavam-se de uma unidade familiar ampliada que incluía várias esposas e concubinas, nas novas famílias de classe média somente uma mulher- esposa- podia proporcionar um herdeiro legítimo” (ROBERTS, 1998, p. 33). 
As jovens passam a ser vigiadas e as esposas confinadas em suas casas. Convinham as esposas o silêncio e o cuidado da casa, saindo apenas para funerais ou alguns festivais religiosos, deveriam portar-se moderadamente e o conhecimento intelectual lhes era interditado. A boa esposa ateniense não possuía nada e deveria se dedicar ao marido. 
O conhecimento passou a ser a marca da prostituta, da mulher sem valia, daquela que ousasse viver em meio ao comércio ou longe da tutela de um homem. A prostituição cresceu fortemente em Atenas e Sólon viu rapidamente uma oportunidade de lucro, instituindo os bordéis oficiais, que eram administrados pelo Estado. 
Os salários das prostitutas, registrados pelo Estado, não eram pagos a elas, mas diretamente ao pronobosceion, um funcionário homem que administrava o bordel como uma empresa meio-privada, meio–estatal. As deikteriades eram então obrigadas a obter através de lisonjas “presentes” dos seus clientes- e mesmo esses eram depois taxados [...] pela primeira vez na história as mulheres estavam sendo cafetinadas [...] nasceram a cafetinagem estatal e privada – de mãos dadas. (ROBERTS, 1998. p. 36,37).
Sólon proibiu a prostituição independente e impôs que todas as prostitutas se cadastrassem. Grande número das prostitutas que existiam naquela época eram escravas, despojos de guerra ou das camadas mais pobres da sociedade. Mas, juntamente aos bordeis do Estado surgem as meretrizes independentes, insubordinadas às leis do governador. 
Ser esposa se tornou algo tão penoso que algumas mulheres acabaram por vislumbrar na prostituição alguma forma de conforto ou libertação. Assim percebemos no seguinte relato, onde uma mãe aconselha sua filha a se tornar prostituta:
CROBIL: Tudo que você tem que fazer é sair com os rapazes, beber com eles e dormir com eles por dinheiro.
CORINA: Do jeito que faz Lira, filha de Dáfine!
CROBIL : Exatamente!
CORINA: Mas ela é uma prostituta!
CROBIL: Bem, e isso é uma coisa assim tão terrível? Significa que você será rica como ela é, e terá muitos amantes. Por que você está chorando?, Corina? Não vê quantos homens vão atrás das prostitutas, e mesmo assim há tantas delas? E como elas ficam ricas! Olhe, eu posso lembrar de como Dafne estava na penúria. Foi antes de Lira crescer. Agora, olhe a sua classe! (O’FALAIN, 1973, apud ROBERTS, 1998, p. 40).
Roberts (1998) aponta que a raiz da misoginia, presente da tradição ocidental, começou com Sólon quando, segundo o autor, se institucionalizou a segregação das mulheres. Em decorrência os filósofos e escritores inventaram “o dualismo sexual ‘moral’, que associou todas as coisas boas aos homens e as más às mulheres. Nas palavras de Pitágoras “há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher.” (Beauvoir, 2016, v. 1, s/n).
Em Roma surge a figura do paterfamilias (pai de família), que detinha o poder absoluto não só sobre as terras, mas sobre tudo que nela havia: mulheres, filhos, escravos... Tal era o seu poder que poderia decidir pela morte de qualquer um sem sofrer represálias por parte do Estado.
Diferente da realidade das mulheres gregas, as mulheres romanas podiam ser instruídas por tutores particulares e podiam sair com a permissão dos maridos quando casadas. As romanas da classe dominante gozavam de mais liberdade que as gregas, tal era sua condição que quando o primeiro imperador Augusto estabeleceu leis obrigando as mulheres das classes dominantes a se casar e ter filhos, elas voluntariamente se registraram como prostitutas romanas, “mesmo assim, a maioria dos trabalhadores do sexo da antiga Roma, não eram camponeses nascidos livres, mas escravos (como na verdade o era a maior parte da força de trabalho da época)” (ROBERTS, 1998).
[...] o plano do imperador voltou-se contra ele, pois as mulheres aristocráticas rebeldes optaram por se registrar como prostitutas para não se entregar a casamentos forçados. Foi o sucessor de Augusto, Tibério – Ele próprio famoso por sua devassidão – que lançou o golpe decisivo, proibindo as mulheres da classe dominante de trabalharem como prostitutas. (ROBERTS, 1998, p. 61). 
Para o império romano assim como para a cultura grega, a prostituição era tolerável e mesmo justificada, mediante a necessidade dos homens de distraírem-se fugindo da terrível responsabilidade de seus casamentos, tratados como pesar. Assim, encontramos discursos como os de Xenofontes: “existem pessoas com quem converses menos do que com tua mulher? – muito poucas...” ou, Amorga: “As mulheres são o maior mal que Deus jamais criou: que pareçam por vezes úteis, logo se transformam em motivo de preocupação para seus senhores” e,ainda, Hiponax: “só há dois dias na vida em que nossa mulher nos dá prazer: no dia das núpcias e no dia do enterro delas” (BEAUVOIR, 2016, v. 1, p. 127).
Em Roma, como mencionado anteriormente, as prostitutas eram registradas trabalhavam nos bordéis da cidade, e eram denominadas meretrices,. Aquelas que não se registravam, a maioria, recebiam o nome de prostibulae. Grande parte das mulheres trabalhavam como prostibulae, para não ter seu nome registrado, porque uma vez registrado jamais seria retirado. Outro fato era que acabavam tendo de pagar taxas pelos seus serviços, assim cresceu uma ampla gama de serviços vinculados à baixa prostituição (prostibulae). 
Existiam vários tipos de prostibulae: as dorides, que se prostituíam em casa e ficavam nas soleiras nuas para atrair os clientes, as lupae que uivavam como lobos para chamar atenção; as aelicariae que vendiam doces em formas de genitálias para sacrifício a Vènus e a Priapo, as bustuariae, que se prostituíam nos cemitérios, sobre os túmulos, as scorta errática nas ruas, as blitidae nas cavernas, as copae, garçonetes que se prostituiam nas tavernas, as gallinae (galinhas), que se prostituíam e exerciam furtos, e as farariae, moças do campo que pegavam clientes nas estradas rurais. Abaixo de todas elas estavam as diabolares que cobravam dois obols por serviço e a mais inferior eram as quadrantariae que cobravam tão pouco que não tem preço equivalente em nosso tempo (ROBERTS, 1998).
Na antiga Roma, a sexualidade e a prostituição eram fatos aceitos da vida; abertamente demonstradas, exploradas, discutidas e homenageadas. O estado romano não se envergonhava de tirar proveito publicamente do comércio; depois que o imperador Calígula impôs um imposto sobre as prostitutas, obteve muitos lucros. Isso continuou até Constantino, o primeiro imperador cristão. (ROBERTS, 1998, p. 77).
Como visto acima, a prostituição estava espalhada por toda a cidade. Com a chegada do Cristianismo as concepções sobre o papel da mulher e sobre a prostituição assumem outro aspecto. Na igreja cristã a mulher possui desde o princípio um papel secundário, e esta subordinação fica clara nas palavras de São Paulo: “Porquanto o homem não se originou da mulher, mas sim a mulher do homem; além disso, o homem não foi criado por causa da mulher, mas sim a mulher por causa do homem” (I Cor, 11, 8-9), ou ainda “Assim como a igreja está sujeita a Cristo, de igual modo às esposas estejam em tudo sujeitas a seus próprios maridos” (Efe, 5, 24).
Santo Ambrósio colocava que: “Adão foi induzido ao pecado por Eva e não Eva por Adão. É justo que a mulher aceite por soberano aquele que ela conduziu ao pecado” (BEAUVOIR, 2016, v. 1, p. 134). Com o declínio do império romano, séc. IV- V, a igreja cristã ganhou ainda mais força e a sociedade entrou na Idade Média. As tribos germânicas trouxeram sua própria forma de organização social e tiveram início séculos de caos social, pobreza e enfraquecimento da ordem. As prostitutas que viviam nos centros urbanos tiveram que se reorganizar espalhando-se por todos os lugares. “Um número não desprezível foi destinado a se tornar ‘moças do lar’ – um eufemismo para as concubinas mantidas pelos padres cristãos” (ROBERTS, 1998, p. 79).
Durante a Idade Média teve início o período de maior perseguição e repressão às mulheres. A imagem de Eva pecadora e propensa ao pecado acompanhava todas as mulheres. No séc. V espalhava-se por todo antigo império uma onda de padres em missões de conversão, pautados no modelo da Madalena arrependida. A única salvação para as mulheres era seguir o modelo de Maria, mãe e corredentora. Em 649 foi proclamado o dogma da virgindade perpétua de Maria no Concilio Regional de Latrão, que disse:
Se alguém, segundo os Santos Padres, não confessa que própria e verdadeiramente é Mãe de Deus a santa e sempre Virgem e Imaculada Maria, já que concebeu nos últimos tempos sem sêmen, do Espírito Santo, o próprio Deus-Verbo (…), e que deu à luz sem corrupção, permanecendo a sua virgindade indissolúvel mesmo depois do parto, seja anátema. (AQUINO, 2013, p. 2)
Santo Irineu opõe à figura de Maria a figura de Eva dizendo que: “Como por uma virgem desobediente foi o homem ferido, caiu e morreu, assim também, por meio de uma Virgem obediente à Palavra de Deus, o homem recobrou a vida.” (AQUINO, 2013, p.2). Maria torna-se o modelo ideal que sacralizava o que a igreja difundia, a pureza e irrepreensível entrega e submissão. Ela é mulher, virgem e mãe, não mantém relações sexuais com seu esposo e dedica-se a cuidar da família e a uma vida de entrega nas mãos de Deus.
 Assim a mulher, propensa ao pecado e naturalmente seduzida por ele, deveria inspirar-se no modelo da virgem, tomando o homem como sua cabeça, para atingir a perfeição. 
Entre os séculos V e VII o valor da mulher “ era proporcional a sua capacidade de gerar filhos” (MOREIRA, 2005, p. 20). A mulher passou a ser protegida por leis, mas por causa do homem de quem era propriedade. 
Trata-la de prostituta sem o provar é uma injúria que se paga 15 vezes mais caro do que qualquer insulto a um homem; o rapto de uma mulher casada equivale ao assassínio de um homem livre; apertar a mão ou o braço de uma mulher casada acarreta uma multa de 15 a 35 soldos; o aborto é proibido sob pena de multa de cem soldos; o assassínio de uma mulher grávida custa quatro vezes ao de um homem livre; uma mulher que deu provas de fecundidade vale três vezes um homem livre, mas perde seu valor quando não pode mais ser mãe; se desposa um escravo é posta fora da lei e os pais são autorizados a matá-la. (BEAUVOIR, 2016, v. 1, p. 136).
Apenas no séc. XI as mulheres passaram a ser incluídas como herdeira das famílias nas linhas de sucessão, no entanto “a sorte da mulher não melhora pelo fato de se tornar herdeira; ela precisa de um tutor masculino; é o marido que desempenha esse papel, ele é quem recebe a investidura, que usa o título e tem o usufruto dos bens.” (BEAUVOIR, 2016, v. 1, p. 137). 
Nesta época muitas mulheres eram repudiadas após o casamento, pois, para o homem, multiplicar os casamentos era o mesmo que multiplicar os bens. Os pretendentes apareciam cedo e os tratos entre os pais e os barões, ou outros nobres, se davam mesmo antes das filhas completarem 12 anos. Uma viúva deveria imediatamente adquirir um novo senhor (BEAUVOIR, 2016).
Quando o valor do dote colocava em perigo a estabilidade do patrimônio familiar, a fim de diminuir o número de prováveis casamentos, os pais ou chefes da casa enviavam as jovens aos mosteiros para que se tornassem freiras. (...) a diminuição de solteiras aptas ao matrimônio protegia os bens, já que não haveria necessidade de dotá-las para casamento. (...) Assim, de todos os lados, os processos de transmissão de bens determinaram o destino das mulheres. (MACEDO, 2002, p. 22).
Enquanto a igreja instituía a sacralidade do casamento, difundia a impureza de se entregar as concupiscências da carne, assim, o sexo, mesmo no âmbito marital, deveria ser feito apenas com a finalidade da procriação, sendo o gozo e a satisfação com o ato sexual visto como lascívia. A igreja condenava a imoralidade sexual, mas seus sacerdotes mantinham as “moças do lar”. O celibato, determinado no Concílio de Elvira (304), não era seguido. 
Em 1129, o rei inglês Henry I manipulou esta situação para seu proveito próprio. Foi lançado (mais uma vez) um decreto papal proibindo as moças do lar, e Henry reuniu-se ostensivamente com os principais clérigos do país para confirmar e fazer cumprir a proibição sagrada. (...) Henry, enganou as duas partes, permitindo aos padres manter suas concubinas – contando que o couillage[footnoteRef:8] fosse pago diretamente a ele. Esta solução deve ter mantido todas as partes razoavelmente felizes: os líderes da igreja estavam, para todos os efeitos, fazendo o seu dever; o rei estava fazendo sua parte; os padres mantinham suas parceiras sexuais – e as prostitutas continuavam em atividade. (ROBERTS, 1998, p.88) [8: Couillage = provento especial provido pela igreja aos padres recalcitrantespara que mantivessem as moças do lar.] 
	A prostituição estava tão atrelada aos homens de fé que durante as Cruzadas, no início da Idade Média, milhares de prostitutas acompanharam os exércitos cristãos. “Em uma célebre ocasião em 1189, os soldados franceses recrutaram um navio cheio de mulheres e se recusaram terminantemente a iniciar viagens sem elas” (ROBERTS, 1998, p. 92).
 Segundo Roberts (1998), no século XII existem registros em Paris e, principalmente, na Alemanha de casas de banho aonde, a princípio, as pessoas iam para banhar-se, mas que aos poucos acabaram se tornando sinônimos de bordéis.
Quanto mais se reprimiam as mulheres e se combatia a prostituição, mais apareciam aquelas que se opunham as normas e se tornavam independentes e isto levou a Igreja a criar uma campanha de exortação a vida monástica/ religiosa para as mulheres, como forma de uma estimulá-las à castidade
[...] um movimento de grande escala disseminou-se pela França, Alemanha e Itália; foi oficialmente sancionado pelo Papa Gregório IX em 1227. Muitos membros do clero inferior foram conquistados pelo entusiasmo- apesar de sua própria inclinação pelas prostitutas- e fizeram uma ruidosa campanha para “salvar” as prostitutas pecadoras. Em sua opinião, toda prostituta arrependida era uma potencial Santa Maria do Egito[footnoteRef:9](ROBERTS, 1998, p. 98). [9: Santa Maria do Egito= Nasceu no Egito no séc. V, e com 12 anos tomou a decisão de sair de casa, em busca dos prazeres da vida, tornou-se prostituta. Mais tarde se converteu e passou a ser eremita para espiar os pecados cometidos. Viveu 40 anos no deserto. ] 
Por estímulo da Igreja vários governantes passaram a se ocupar do tema da prostituição e vários decretos foram lançados. Na França tentou-se, no séc. VII, estabelecer a ordem instituindo as primeiras leis para regulamentar as prostitutas, mas como não conseguiram pô-las em prática, os advogados tentaram privar os direitos básicos das prostitutas, assim:
[...] eram proibidas de testemunhar nos tribunais, de acusar outras pessoas de cometer crimes contra elas. Isso foi a mesma coisa que convidar os homens a abusar das prostitutas. O Très ancien coutume da Normandia (1200) expressou isso até mais explicitamente: o estupro das prostitutas era sancionado por lei. (ROBERTS, 1998, p. 101).
Códigos de vestuários começaram a ser publicados a fim de separar a mulheres, não só entre seus afazeres, mas com relação à sua classe social. As mulheres pobres deveriam vestir-se de forma sóbria e sem enfeites, mas as prostitutas detinham dinheiro para vestir-se como as damas. Sempre o discurso recorrente aconselhava as prostitutas a escolherem uma vida modesta, com trabalho lícito, mas, haviam pouquíssimas opções. 
Em meados do séc. XIV o feudalismo entrou em crise. A redução da prata aumentou os impostos, a calamidade econômica atingiu a Europa. A França entrou em guerra (Guerra dos 100 anos) assim como a Inglaterra (Guerra das Rosas Inglesas), além disso a peste negra quase devastou o continente. Decretos tentaram abolir as casas de prostituição, mas a administração só foi passando cada vez mais às mãos da burguesia, rendendo-lhe um alto retorno financeiro (Roberts, 1998).
O resultado da semiprivatização do comércio do sexo foi, inevitavelmente, uma perda da autonomia das prostitutas- e mais controle e lucro para os novos chefes homens (...) a indústria do sexo tentava classificar as prostitutas de rua como foras da-lei e assim dissuadir as mulheres de trabalhar independentemente. (...) No final do séc. XIV, qualquer prostituta de Londres que fosse encontrada trabalhando fora de Southwark ou Cocks Lane enfrentava a perspectiva de ter a cabeça raspada e de ser encaminhada para a prisão mais próxima em uma carroça especialmente projetada para essa ocasião. (...) multidões de cidadãos respeitáveis se reuniam nos portões das prisões e desfrutar do espetáculo de ver uma prostituta ser ridicularizada, açoitada e atirada para fora dos portões da cidade. Embora esse tratamento fosse destinado a qualquer prostituta desobediente (...) as desafortunadas que sofriam essa brutal humilhação pública na mão das autoridades eram, como sempre as mais pobres. (ROBERTS, 1998, p. 123).
Neste cenário passou a imperar a lei do comércio, a prostituição foi destituída de qualquer sacralidade, passando a ser marginalizada. Para Moreira (2005, p.24) “no período que vai do séc. XVI até meados do séc. XVIII aconteceu o fenômeno generalizado em toda a Europa: a repressão sistemática do feminino. Quatro séculos de caça as bruxas”. Este período é marcado, também, pela Reforma Protestante, no séc. XVI, e pela ascensão do poder absolutista. 
As mulheres foram perseguidas como nunca antes, o primeiro holocausto religioso da história é decretado após a bula papal de 1484 (Roberts, 1998). Estipula-se que 85% dos mortos eram mulheres (MURARO, 2002, apud, MOREIRA, 2005). 
Em meio a toda essa perseguição às mulheres e a visão instituída pela igreja, acontece a descoberta do Brasil pela esquadra portuguesa liderada por Pedro Álvares Cabral em 1500. 
2. 2. A história das mulheres/ prostitutas no Brasil
Quando as esquadras portuguesas atracaram em solo brasileiro aos 22 de abril de 1500, com aproximadamente 1400 homens, acreditaram ter encontrado uma ilha. Dois dias depois se depararam com os primeiros nativos, o choque cultural proveniente desse encontro foi inevitável, a nudez dos índios chamava a atenção segundo relato de Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra de Portugal. (GUIRADO, 2005)
Como fosse Portugal um país católico, não mandaria uma embarcação com marinheiros sem a presença de um padre. Assim em 26 de abril celebrava-se a primeira missa em terras brasileiras, batizada na época de Ilha de Vera Cruz.
O Brasil, após as primeiras expedições foi reconhecido como “Terra de Santa Cruz”, e rapidamente associado ao paraíso, era aqui a terra onde poderiam começar uma nova civilização, um novo mundo. Precavidos, os homens logo a entregaram nas mãos de Deus e instituíram sua religião, sendo sua missão principal a conversão e catequização dos povos existentes na terra recém “descoberta”. 
No auge da revolução protestante na Europa, a igreja autorizou, em 1534, a criação da Ordem de Jesus por Inácio de Loyola, com objetivo de difundir o Cristianismo. A igreja, solidamente vinculada ao governo português, enviou, em 1549, vários padres jesuítas juntamente com o governante geral Tomé de Souza (SOUSA, 2017). 
Chegando ao Brasil se depararam com a realidade de que os primeiros colonizadores estavam tendo relações sexuais com as índias, em parte para poder explorar a terra, porque assim eram considerados parentes dos índios, em parte para satisfazer seus desejos sexuais. Nesse mesmo ano o padre Manoel Nóbrega, responsável pelos jesuítas, pediu em carta a Dom João que enviasse mulheres brancas para o Brasil com a finalidade de se casarem e reproduzirem, pois preocupava-se com o escurecimento da população. Assim dizia em sua carta: “Vossa Alteza mande muitas orphans e si não houver venham de mistura delas e quaisquer, porque são tão desejadas as mulheres brancas cá, que quaisquer farão cá muito bem a terra” (NÓBREGA, apud CAVOUR, 2011, p. 15).
Os costumes dos nativos, principalmente das mulheres, escandalizavam os padres que por vezes atribuíam a diferença de comportamentos à ação do mal sobre eles, por serem gentis. Assim, em 9 de agosto de 1549, padre Manoel escreve uma carta endereçada ao padre Simão dizendo:
Nesta Terra há um grande pecado, que é terem os homens quase todos suas negras por mancebas, e outras livres que pedem aos negros por mulheres, segundo o costume da terra que é terem muitas mulheres. E estas, deixam-nas quando lhes apraz, o que é grande escândalo para a nova igreja que o Senhor quer fundar.
Assim como a história das mulheres, que foi sendo ao longo dos tempos narrada por homens, a história dos povos nativos do Brasil ou dos escravos foi sendo constituída a partir da perspectiva do homem branco. 
Assim a lógica das narrativas sobreo cotidiano ameríndio prende-se aos interesses da colonização e da conversão ao cristianismo. Representar os índios como bárbaros, (seres inferiores, quase animais) ou demoníacos (súditos oprimidos do príncipe das trevas) era uma forma de legitimar a conquista da América. (RAMINELLI, 2004, p. 12).
A luxúria dos negros da terra era temática de grande circulação no tempo das colônias, os padres pasmavam-se e lutavam para corrigir as condutas desviantes. Índias tupinambás dormiam com mais de um índio, não haviam sanções ou repressões e elas podiam se unir a um homem, deixarem-no e unir-se a outro sem problemas, como observamos nos relatos da época:
Algumas índias cometiam desvios contra a ordem natural e furtavam-se de contatos carnais com os homens, vivendo um estrito voto de castidade. Deixavam, por conseguinte, as funções femininas e passavam a imitar os homens, exercendo os mesmos ofícios dos guerreiros (...) cada fêmea guerreira possuía uma mulher para servi-la, com que diz que é casada, e assim se comunicavam e conversavam como marido e mulher (RAMINELLI, 2004, p. 27).
Imaginemos com que espanto os padres descobriam tais costumes tidos como abomináveis e por eles explicados como resultado da natureza da mulher, de sua inclinação para o mal. Desta maneira, a mulher deveria ser conduzida por um homem, pois, tinha o poder de fazê-los perderem-se. Tanto são figuradas deste modo que os padres em suas cartas chegam a citar o peito caído das índias como indício claro de seu pecado, pois, ao contrário do que dizia a igreja sobre a incorruptibilidade dos corpos santos, seus corpos se decompunham ainda em vida. (RAMINELLI, 2004).
As mulheres fossem elas brancas, índias ou negras, pertenciam aos homens e assim eram uma fácil fonte de renda através da prostituição. “Por volta de 1641, muitas escravas se prostituíam para sustentar seus senhores” (CAVOUR, 2011, p. 15).
As mulheres no Brasil dependendo de sua origem tinham caminhos traçados
As mulheres brancas, em pequeno número no acanhado litoral do século XVI, teriam vivido em completa sujeição, primeiro aos pais, os todos poderosos senhores de engenho, depois aos maridos (...) todas invariavelmente punidas, em caso de falta grave, com o rigor da lei patriarcal. (...) As mulheres índias, essas sim, foram amantes dos portugueses desde o início e Freyre sugere que o foram até por razões priápicas. (...) As índias eram as “negras da terra”, nuas e lânguidas, futuras mães dos ramalhos e caramurus (...) as negras da Guiné, as crioulas, especialmente as da casa grande, amantes de sinhôs e sinhozinhos. (VAINFAS, 2004, p. 115, 116).
O Santo Ofício, pactuado com o governo português, punia e controlava os desvios sexuais, visando a salvação do povo. Apoiando-se nas leis da igreja as ordenações chamadas manuelinas puniam com a morte na fogueira qualquer homem que praticasse sodomia, chamado “pecado nefando”. O Santo Ofício visava sobretudo os homens, mas a sodomia não possuía descriminação entre atos heterossexuais ou homossexuais, sendo classificado contra natura todo ato que não resultasse em procriação. (VAINFAS, 2004).
Tais proibições não parecem ter impedido os homens de exercer sua sexualidade, mas restringiu o lugar de seu exercício, as esposas foram instituídas no lugar de mãe, puras e recatadas e às negras reservou-se toda sorte de torpezas e usos para fins de saciar seus desejos. 
O século XVIII é marcado pelos pequenos comércios no Brasil, onde as negras vendiam doces de tabuleiro e artesanatos nas ruas, tendo sempre que prestar contas do apurado aos seus proprietários. Algumas conseguiam juntar dinheiro com essas vendas na esperança de comprar um dia sua carta de alforria; muitas, entretanto, acabavam se prostituindo para conseguir juntar o dinheiro ou para pagar a seus senhores a quantia do dia, após não terem conseguido completar as vendas. (MOREIRA, 2005)
Nas Minas Gerais aos poucos foi se constituindo o território da prostituição colonial. As prostitutas não eram chamadas pelo nome, mas por apelidos que a identificavam. Elas eram em sua maioria negras, mulatas e carijós (VAINFAS, 2004). Esta expansão do meretrício está bastante relacionada à pobreza que tomava conta da população, pois “Minas Gerais conheceu uma das mais pesadas cargas tributárias de todo o Brasil Colonial, fator que contribuiu para o empobrecimento das camadas sociais despossuídas” (VAINFAS, 2004, p. 158).
As mulheres, principalmente das camadas mais pobres do Brasil foram adotando a prostituição como estratégia de sobrevivência e, mediante a miséria, muitos pais, quando estavam sem sustento/desempregados, negociavam suas próprias filhas. Nas famílias abastadas do século XVIII, a mulher não tinha registro, história, contida dentro dos lares, presa ao papel de esposa e mãe, nas famílias pobres ela era sempre recurso/ meio de sobrevivência. 
Com a chegada do sec. XIX muitas mudanças ocorreram no Brasil e no mundo, consolidou-se o capitalismo, a vida urbana e a convivência social estavam em alta. As mulheres foram, pouco a pouco, assumindo outro lugar na sociedade. Nas famílias burguesas, passaram a ser levadas a festas e eventos públicos, precisando se mostrar bem aparentadas e dotadas de habilidades, como tocar piano ou costurar, que orgulhassem seu esposo. Agora eram elas que deveriam cuidar e se responsabilizar pela educação e criação dos filhos.
 “As mulheres abastadas não tinham muitas atividades fora do lar. Eram treinadas para desempenhar o papel de mãe e as chamadas prendas domésticas” (FIGUEIREDO, 2004, p. 149). As mulheres de elite precisavam casar e para tanto serem regradas e, principalmente, respeitadoras da família e do papel do homem dentro de sua casa.
As mulheres pobres não tinham condições de alcançar o ideal burguês, não tinham as prendas necessárias para serem consideradas boas mulheres, e tinham que trabalhar desde cedo. As mulheres direitas não saiam, no entanto, para espaços públicos sem a presença de um homem. “A rua simbolizava o espaço dos desvios e das tentações.” (SOIBET, 2004, p. 365).
“As atividades das mulheres populares desdobravam-se em sua própria maneira de pensar e de viver, contribuindo para que procedessem de forma menos inibida que as de outra classe social, o que se configurava através de seu linguajar mais solto”(SOIBET, 2004, p.365). Na classe dominante o casamento era a única forma de união entre um homem e uma mulher, já nas camadas populares o casamento formal não era predominante. 
Em plena época de difusão do amor romântico, muitos eram os raptos consentidos de moças que ocorriam nos interiores, e muitas moças brancas, mas, sem dotes, abandonavam as famílias e iam viver em concubinatos discretos. 
A autonomia das mulheres pobres do Brasil da virada do século é um dado indiscutível. Vivendo precariamente, mais como autônomas do que como assalariadas, improvisavam continuamente suas fontes de subsistência. Tinham, porém, naquele momento, maior possibilidade que os homens de venderem seus serviços: lavando ou engomando roupas, cozinhando, fazendo ou vendendo doces e salgados, bordando, prostituindo-se, empregando-se como domésticas, sempre davam um jeito de obter alguns trocados. (SOIBET, 2004, p. 379)
Embora gozassem de certa autonomia com relação ao homem, as mulheres das camadas populares eram socialmente cobradas com o mesmo rigor que se esperava de uma mulher rica. Elas poderiam ser presas por vadiagem se estivessem na rua sem a presença de um homem, mesmo que precisassem trabalhar para viver. Quando se tratava de prostituição, alguns homens ficavam por perto para receberem parte do apurado, em troca da “proteção” oferecida, eram chamados rufiões. 
Podemos dizer que não só a prostituição, mas, a própria pobreza que era estigmatizada no Brasil, assim, uma mulher na rua, independentemente de estar vendendo artefatos ou se prostituindo, era vista com os mesmos olhos pela sociedade. Existiam cabarés de luxo, com prostitutas francesas, as quais não eram tão discriminadas como as prostitutas de rua, tinham dinheiro, enfeitavam-se,e deitar-se com uma delas era motivo de orgulho, enquanto dormir com uma prostituta de rua causava vergonha. (SOIBET, 2004) 
A retomada da história da mulher e da prostituição nos aponta que, com o passar dos anos as figuras do feminino foram sendo separadas em duas categorias sempre antagônicas: Eva/ Maria, Esposa/ Prostituta, mulher boa/ mulher má. E quando adentramos na história do Brasil percebemos ainda outras cisões, vez que entram em cena a divisão econômica e racial. 
3. REALIDADE PSICOSSOCIAL DAS JOVENS BRASILEIRAS DE BAIXA RENDA 
Hannah Arendt (2015), filósofa e cientista política falava que o Homem nasce no mundo sob determinadas condições: a terra, a vida no seu caráter biológico, a mundaneidade, a pluralidade/singularidade, a natalidade, a mortalidade e o próprio condicionamento. Aqui discorreremos apenas sobre três delas: a natalidade, a mundaneidade e a pluralidade/ singularidade. A natalidade diz respeito ao fato de que enquanto homens, nascemos, esse nascimento, no entanto, não se restringe ao nascimento biológico, mas também ao nascimento existencial, a capacidade humana de inaugurar o novo, e começar novas ações no mundo. A mundaneidade, por sua vez, diz respeito ao fato deste homem nascer em um mundo, composto por bens naturais e ao mesmo tempo construído pelas mãos humanas. Este mundo criado pelos homens é composto por leis, normas, regras, além das coisas materiais feitas por suas mãos, esse mundo já está dado antes de sua chegada e permanecerá após sua partida. Sobre a pluralidade/ singularidade, Arendt (2015, p. 217) diz:
Se não fossem iguais, os homens não poderiam compreender uns aos outros e os que vieram antes deles, nem fazer planos para o futuro, nem prever as necessidade daqueles que virão depois deles. Se não fossem distintos, sendo cada ser humano distinto de cada outro que é, foi ou será, não precisariam do discurso e da ação para se fazerem compreender.
	Assim, enquanto homens, temos essa dupla condição, de sermos ao mesmo tempo plurais e singulares e, portanto, de sermos seres de relações. Desta forma, tudo o que diz respeito aos homens, que os inter-essa[footnoteRef:10] e os interliga constitui a rede de relações que compõem os assuntos humanos. Deste modo, faz-se importante contextualizar questões desse mundo comum e compreender as histórias singulares dentro da História da humanidade, presente em diversas narrativas, em uma tentativa de compreender o fenômeno da prostituição entre as jovens brasileiras de baixa renda. Pensar o fenômeno da prostituição nos exige, primeiramente, perguntar em que mundo, contexto, condições ela se dá. Ao pensarmos em uma pessoa que se prostitui, no caso deste estudo, nas jovens brasileiras de baixa renda, perguntaríamos primeiro: que mundo é esse que constitui essas meninas e é constituído por elas? Que cenários se apresentam em nossa sociedade e na realidade de vida de cada uma? [10: Inter- essa= [inter-est], que se situa entre as pessoas e que, portanto, é capaz de relacioná-las e mantê-las juntas. (ARENDT, 2015, p. 226).] 
A história do Brasil nos aponta para histórias e realidades diversas de acordo com a população de que tratamos. Já no início de nossa constituição enquanto povo/nação, três versões históricas podem ser identificadas: a dos colonizadores/ conquistadores portugueses, a dos nativos, explorados e destituídos de sua própria terra e a dos escravos, vendidos após serem raptados de seus povos de origem. 
No entanto, todas essas histórias foram encaixadas em uma grande narrativa contada a partir de uma única perspectiva: a do homem branco. Lembremos que em meio a tudo isso estavam as mulheres que, se já eram, em questão de valia, inferiores aos homens (com exceção do lugar da maternagem), que dirá as mulheres das populações exploradas. 
As cisões históricas do Brasil estão presentes em dados estatísticos de distribuição de renda, índices de escolaridade e percentual de desemprego. Contar essa história é antes de tudo trazer à nossa mente, que não tratamos de um Brasil enquanto nação, mas de Brasis enquanto realidades de vida e vivência de seu povo. 
Com certa clareza podemos observar esses Brasis, ao vermos os estudos realizados pelo IBGE que, através de gráficos e tabelas, traçam um panorama do país tornando perceptível a questão da desigualdade social. O próprio IBGE divulga o resultado de suas pesquisas em um conjunto de informações demográficas e socioeconômicas, denominado Síntese dos Indicadores Sociais. 
Para compreendermos um pouco melhor os brasis dentro de um único Brasil, trabalharemos alguns dados do censo de 2016 que apresentam os índices do ano de 2015 num estudo comparativo estabelecido no decorrer de dez anos. Pretendemos com isso traçar um panorama da sociedade, apresentando as reais condições de vida do nosso povo.
3.1. O palco do vivido: o cenário brasileiro
Iniciamos este percurso, que se propõe descortinar o cenário brasileiro, com o cartograma abaixo que nos apresenta um panorama da expectativa de vida ao nascer e proporção de pessoas de 60 anos ou mais de idade. À medida que observamos o cartograma, percebemos que as populações do Norte, Nordeste e Centro Oeste possuem as menores expectativas de vida ao nascer em comparação com o Sul e Sudeste, o que significa dizer que o risco de mortalidade infantil é mais elevado nessas regiões, sendo as crianças mais vulneráveis ao adoecimento e morte. Nota-se, ao mesmo tempo, que essas regiões concentram os maiores índices de baixa expectativa de vida, não passando dos 60 anos, ou seja, para essas populações as condições sociais não favorecem a vida, se sobrevivem a infância, não gozam a velhice. 
Cartograma 1 - Expectativa de vida ao nascer e proporção de pessoas de 60 anos ou mais de idade na população, segundo Unidades da Federação - Brasil – 2015. IBGE 2016
 
Outro fator interessante a apresentar é a distribuição da população brasileira de acordo com a raça tal como declarada no Censo 2015:
No País, em 2015, mais da metade (53,9%) das pessoas se declaravam de cor ou raça preta ou parda, enquanto o percentual das que se declaravam brancas foi de 45,2%. A proporção de pessoas por declaração de cor ou raça variou bastante segundo as Grandes Regiões: 77,3% das pessoas da Região Norte se declararam pretas ou pardas, o indicador foi de 73,0% no Nordeste, 59,9% no Centro-Oeste, 46,2% no Sudeste e somente 22,5% no Sul, em 2015. (IBGE, 2016, p. 17) 
Ainda encontramos no país um percentual díspar com relação à idade de união conjugal, civil ou consensual. Enquanto as meninas a partir dos 15 anos já estão em uniões consensuais, os rapazes começam a elevar a estatística a partir dos 30 anos, como nos mostra o gráfico 1, a seguir:
Gráfico 1. Proporção de pessoas de 15 anos ou mais de idade que viviam em união conjugal, por natureza da união e sexo, segundo os grupos de idade – 2015. IBGE 2016
Ainda dentro dessa realidade, as mulheres que possuem um ou mais filhos que são pretas ou pardas, ou ainda aquelas que possuem menor nível de instrução, representam um percentual de gravidez mais elevado quando comparado com mulheres brancas da mesma faixa etária. O que pode indicar que as mulheres pretas e pardas por se tornarem mães mais precocemente também assumem bem mais cedo as responsabilidades vinculadas culturalmente a esse papel. 
Tabela 1 
A Síntese dos Indicadores Sociais também nos apresenta valores referentes à vulnerabilidade e a insegurança alimentar em crianças de até 4 anos de idade. Gráfico 2.
Gráfico 2. Distribuição percentual das crianças com até 4 anos de idade, por situação de segurança alimentar do domicílio, segundo o sexo, a cor ou raça e a situação do domicílio - Brasil – 2013. IBGE 2016.
[...] no que tange à cor ou raça, as crianças pretas ou pardas são as que mais residem em domicílios com insegurança alimentar (43,1%), em todos os seus graus. Quanto à situação do domicílio, 48,6% das crianças que residem em domicílios rurais convivem com a insegurança alimentar, sendo 8,5% com a insegurança alimentargrave[footnoteRef:11], mais que o dobro do percentual relativo às crianças que residem em domicílios urbanos, de 4,1%. (IBGE, 2016, p. 40). [11: Insegurança alimentar grave, refere-se ao risco de não ter garantida uma única refeição por dia. ] 
Os dados comparativos, por mais que sejam alarmantes, apresentam uma melhora na qualidade de vida entre os anos de 2005 a 2015, demonstrando que em dez anos o índice de crianças em risco de segurança alimentar caiu pela metade. A expectativa de vida, nesse mesmo período também aumentou entre as populações menos favorecidas, fatos estes que, segundo o próprio IBGE (2016), estão diretamente relacionados a um maior investimento em políticas públicas de inclusão social. 
No entanto, a oportunidade de trabalho não acompanhou esse crescimento, tanto é que “em 2015, havia cerca de 54,0 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho, dentre os quais cerca de 69,0% eram mulheres” (IBGE, 2016, p.68). Esse fato, claramente indica ser este fenômeno atravessado por questões de gênero.
[...] apesar do aumento da presença das mulheres no mercado de trabalho, e do percentual de famílias chefiadas por mulheres, o homem ainda é considerado como o provedor do lar e a mulher principalmente como mãe e dona de casa. No mundo do trabalho, as mudanças se aceleram, mas ramos científicos e técnicos permanecem ainda hoje muito mais masculinos. (GONÇALVES, s/d/ apud SILVA, 2011, p. 38).
Além do predomínio e, digamos, uma certa preferência pelo homem na ocupação de cargos do ramo científico e tecnológico, também são os homens que dominam o espaço industrial, embora cada vez mais as mulheres estejam se inserido nesses ramos profissionais, como nos diz Antunes: 
[...] na divisão sexual do trabalho, operada pelo capital dentro do espaço fabril, geralmente as atividades de concepção ou aquelas baseadas em capital intensivo são preenchidas pelo trabalho masculino, enquanto aquelas dotadas de menor qualificação, mais elementares e muitas vezes fundadas em trabalho intensivo, são destinadas às mulheres trabalhadoras (e muito frequentemente também aos trabalhadores/as imigrantes e negros/as) (ANTUNES, 2006, apud SILVA, 2011, p. 38).
Encontramos, ainda, dados estatísticos que nos apontam o rendimento médio de homens e mulheres de acordo com o tipo de trabalho exercido, os quais nos revelam que, seja no setor formal ou informal, os homens detém maior participação no mercado, além de maiores salários em comparação às mulheres, como nos apresenta o Gráfico 3. 
Gráfico 3 - Rendimento médio real do trabalho principal das pessoas de 16 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência, em trabalhos formais e informais, segundo o sexo - Brasil - 2005/2015. IBGE 2016.
As mulheres também são aquelas que ocupam menos cargos de liderança e gerência em comparação aos homens segundo o IBGE (2016). Ironicamente, existe um único ponto no qual os homens perdem para as mulheres: a jornada de trabalho. Como fica claro no gráfico a seguir. 
Gráfico 4 - Média de horas semanais trabalhadas no trabalho principal, média de horas gastas em afazeres domésticos e jornada total das pessoas de 16 anos ou mais de idade ocupada na semana de referência, segundo o sexo - Brasil - 2005/2015
Desta maneira, “as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho podem ser analisadas também sob outras duas óticas: a diferenciação das jornadas de trabalho e a ocupação de cargos de chefia ou direção.” (IBGE, 2016, p. 79).
Seguindo esta breve descrição do cenário brasileiro, encontramos ainda grandes discrepâncias no que diz respeito aos índices relativos às condições de saúde e carência, como demonstrado na tabela a seguir.
	
	Tabela 2 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade residentes em domicílios particulares, total e proporção em relação às condições de saúde e a carências, segundo as Grandes Regiões - 2013	
Na tabela acima observamos nos estados das Regiões Norte e Nordeste, uma:
[...] auto avaliação da saúde em regular, ruim e muito ruim e que não foram ao médico nos últimos 12 meses. As diferenças são palpáveis, pois tal situação concerniu 15,1% da população adulta do Maranhão e 14,2% no Pará, entre as maiores exposições, contra 2,7% e 2,8%, respectivamente, em Santa Catarina e São Paulo. (IBGE, 2016, p. 89).
Estas falas talvez nos indiquem que é nestas regiões que podemos encontrar maiores fragilidades no sistema público de saúde
Os índices estatísticos nos mostram, ainda, o quanto no Brasil a desigualdade na distribuição de renda está, indissoluvelmente, relacionada à cor da pele. Assim, é válido afirmarmos que a classe mais favorecida é de maioria branca e a classe mais pobre, indiscutivelmente, preta e parda . Como nos mostra o gráfico a seguir.
Gráfico 5. Distribuição percentual das pessoas de 10 anos ou mais de idade com rendimento de 10% com menores rendimentos e o 1% com maiores rendimentos, por cor ou raça- Brasil 2005/2015. IBGE 2016
	
No gráfico anterior percebemos que:
Pretos ou pardos representavam, em 2015, 54,0% do total da população, mas 75,5% das pessoas com os 10% menores rendimentos (contra 23,4% de brancos), ao mesmo tempo em que eram apenas 17,8% das pessoas no 1% com os maiores rendimentos, contra 79,7% de brancos. (IBGE, 2016, p. 96).
Ao avaliarmos todos estes dados estatísticos vamos, pouco a pouco, compreendendo que os brasis que se apresentam têm cor, região e, com frequência, sexo. Além disso, a realidade de marcante desigualdade ao que tudo indica está diretamente relacionada às diversas “armadilhas de pobreza” (SACHS, 2006, apud IBGE, 2016, p. 91). Para este autor tais armadilhas podem ser assim resumidas: baixos investimentos em capital humano (educação) por parte de uma sociedade/ nação; a criação de um ambiente com entraves à mobilidade social; dificuldade de uma população de empreender e ter trabalhos com melhor remuneração em razão de um baixo investimento em educação, saúde e falta de acesso ao capital produtivo.
Olhar para a realidade brasileira é compreender que o Brasil é “classificado historicamente como um país de alta e persistente desigualdade de renda, em compasso com a América Latina” (IBGE, 2016, p. 91).
A partir de todos os dados apresentados poderíamos agora tentar uma breve síntese do que seria o cenário das mulheres do Brasil. Elas têm maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho e, quando conseguem, suas jornadas são maiores que as dos homens embora seus salários sejam bem menores. As pretas ou pardas, que constituem a maioria, concentram-se nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste do país, as quais apresentam os índices mais baixos de qualidade de vida, as menores taxas de expectativa de vida ao nascer, e de longevidade, além dos maiores índices de risco de segurança alimentar. Por fim, tais mulheres casam-se cedo, com homens por vezes mais velhos, e ainda na adolescência tem filhos, ou seja, muito precocemente, se veem responsáveis por dar conta de uma família. Esse é o panorama geral das mulheres brasileiras. 
À este cenário, já bastante negativo para os menos favorecidos, acrescenta-se o fato de o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ter apontado que, com relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) -2015, o Brasil, de 2015 para 2017, despencou 19 posições na classificação correspondente à diferença entre ricos e pobres (EL-PAÍS, 2017), apontando para um aumento da desigualdade social. 
Podemos nos perguntar: o que representa viver do lado daqueles que detém os menores rendimentos do país? Convidamos o leitor a refletir na realidade das jovens brasileiras que habitam nas periferias dos grandes centros urbanos, a pensar no cenário proposto o que, talvez, possa favorecer uma melhor compreensão do que é desigualdade, o que é exclusão social e as profundas marcas por elas deixadas nas subjetividades. Porque o que nos aponta o cenário, visto até aqui, é um panorama de uma população excluída de seus direitos básicos como cidadãos, direitos esses que, deacordo com nossa Constituição, constituem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, tal como definidos no Art. 3:
 I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Mas, de fato, qual seria o significado do termo desigualdade social? Na internet com facilidade encontramos uma resposta. O site Significados (2017) traz que desigualdade se refere à constatação do desequilíbrio ou discrepância entre os padrões de vida dos habitantes de determinado lugar. A constatação da discrepância é dada pela medição da possibilidade de acesso aos bens de consumo, à escolaridade, ao desenvolvimento econômico e profissional. 
 Como mencionado anteriormente, as jovens brasileiras de baixa renda, em sua maioria negras, encontram-se nesse perfil de desigualdade e exclusão ao mesmo tempo em que sofrem, cotidianamente, as injunções sociais que valoram o consumo de bens como indicador de uma vida bem-sucedida. Poderíamos pensar a prostituição como fenômeno isolado de todo este cenário? Cremos que não.
Em pesquisa realizada com jovens de baixa renda na cidade de Ribeirão Preto- SP, Molina e Kodato (2005) encontraram que a entrada para a prostituição se dava em torno do fim da infância, início da adolescência. Entre as causas apontadas para esta iniciação estava a possibilidade de aumento de renda, associada ao alto índice de evasão paterna e à consequente responsabilidade das mulheres em darem conta da família. Nesse contexto, foi percebido que as meninas, por vezes, entravam na prostituição como uma forma de contribuir com a renda da família. Além disso, os autores constataram que as mães dessas garotas ou se prostituíam, ou já haviam se prostituído em algum momento, como indicam estes relatos: “[...] os homens a buscavam em casa. Ela voltava com dinheiro. Com as coisas de comer, pagava o aluguel. Não deixava faltar nada”, “[...]comprava roupa, sapato, dinheiro para o filho...” (MOLINA; KODATO, 2005, p. 15)
Um segundo aspecto constatado foi a presença de violência familiar, que variava de intensidade e forma. Os protagonistas não eram sempre os mesmos, a única constância foi a própria violência, como percebido nos seguintes relatos: “nós vivíamos jogados de casa em casa. Madrasta judiava. Cansei” ; “ele passou a mão em mim, contei pra ela. Ela disse que eu queria dar pra ele. Minha família toda virou contra mim...” (MOLINA; KODATO, 2005, p.15).	
A escola apareceu como um espaço de aprisionamento para as jovens, que apresentavam evasão escolar da 4ª a 6ª série, e ainda como um espaço onde se reproduziam a violência e a exclusão: “a professora falou pra minha mãe: pode mudar sua filha de escola.” (MOLINA; KODATO, 2005, p. 15). Os autores apontam para a possibilidade dessas situações se configurarem como elementos disparadores no processo de travessia para a prostituição. 
[...] diante dessas situações que culminaram em exclusões grupais, na família e na escola, buscaram alternativas de sobrevivência frente às angústias e dificuldades suscitadas, as fugas de casa tornaram-se uma estratégia para respirar [...] “certo dia eu cansei. Eu não suportava mais. Eu peguei e fui morar na rua, com 12, 13 anos...” (MOLINA; KODATO, 2005, p. 6).
Apesar desses fatores serem bastante significativos, não cremos ser possível estabelecer uma simples relação de causa e efeito, determinando que sejam esses os únicos responsáveis pelo ingresso dessas jovens na prostituição. Cremos que existem, para além da violência, da necessidade de dinheiro para assegurar a sobrevivência, e dos processos de exclusão familiar e escolar, outras questões que são mais amplas e dizem respeito às próprias pressões impostas pela sociedade a essas jovens. 
Em pesquisa realizada para elaboração de sua dissertação de mestrado, Guimarães (2007) observou que, além das questões financeiras ou de uma doença familiar, as jovens que se prostituíam possuíam uma história familiar marcada por abandono e ausência. Ao final de suas análises o autor conclui, ainda, que outros fatores também parecem explicar a entrada na prostituição, tais como o prazer das relações afetivas com os clientes e o fato desta prática possibilitar às jovens a ilusão de que participam da sociedade de consumo. Enfim, para ele, o fenômeno da prostituição envolve uma multiplicidade de fatores que se associam, tais como: consumismo, prazer, independência, e o próprio papel masculino na manutenção da prostituição.
Assim, refletir sobre o fenômeno da prostituição nos exige, também, ampliarmos nosso olhar para que possamos visualizar não apenas o Brasil, nossa realidade mais imediata, mas, o mundo em que vivemos, mundo este regido pela lógica capitalista, neoliberal, e pela emergência de um tempo decalcado a partir dos valores da pós-modernidade.
 Lipovetsky (2004) apresenta os tempos modernos em três momentos: a modernidade, a pós-modernidade e a hipermodernidade. Charles (2004) situa a passagem da modernidade para a pós-modernidade na segunda metade do século XX, atribuindo a este momento o surgimento dos primeiros traços que marcam e compõe esta época.
A partir de 1950, a lógica capitalista se dissemina e passa a abarcar toda a população e não mais, apenas, a classe burguesa. Esse momento é marcado pela emergência da valorização das novidades e da vida no aqui e agora. Esse período é identificado por algumas características dentre as quais Lipovetsky (2004, p.60) ressalta: “a passagem do capitalismo de produção para uma economia de consumo e de comunicação de massa; e a substituição de uma sociedade rigorística- disciplinar por uma ‘sociedade- moda’ completamente reestruturada pelas técnicas do efêmero, da renovação e da sedução permanentes”.
A pós-modernidade, assim, é marcada pelo estímulo ao consumo desenfreado, pela busca de satisfação e prazer imediatos e pela ausência de preocupação com o amanhã. Para Lipovetsky (2004, p.62), a pós-modernidade se configura como a sociedade do “Carpe Diem simultaneamente contestador e consumista”.
Segundo Lipovetsky (2004), os tempos em que vivemos hoje, em que os valores morais, religiosos e políticos caíram em desuso, e que apresentam uma sociedade marcada pelo excesso e pela velocidade, nem poderiam mais ser chamados de pós-modernos, porque o termo em si, não daria mais conta da realidade. Por isso, ele se utiliza do termo, anteriormente citado, hipermodernidade, que seria a exacerbação do moderno. Tudo, segundo o autor, está exacerbado em nosso tempo, tudo é hiper, até a individualidade. Nunca estivemos tão sós. Estamos em um momento de plena decadência das instituições, mediante o esfacelamento dos grupos e o extrapolamento das relações de consumo para além do mercado. Não estaríamos nós, inseridos nessa mesma atmosfera, nos relacionando a partir dessa lógica? Em um momento histórico em que parece que tudo passa, no qual o futuro apresenta-se como uma angustiante incerteza e o gozo é a ordem do presente, não seriam as relações também descartáveis?
A partir dos anos 80, segundo este autor, surgem, paralelos ao consumismo já instalado na sociedade, a globalização neoliberal e a revolução informática/ tecnológica. Esta revolução dinamiza o tempo do mundo e das informações, tudo chega em um instante, criando uma sensação de imediatismo.
Essa sensação de que tudo é imediato despertou um sentimento de ameaça, tudo passando a ser incerto e instável. “Enquanto as relações reais de proximidade cedem lugar aos intercâmbios virtuais, organiza-se uma cultura de hiperatividade caracterizada pela busca de mais desempenho, sem concretude e sem sensorialidade, pouco a pouco dando cabo dos fins hedonistas” (LIPOVETSKY, 2004, p. 80,81).
Na era do hiperconsumo, como denomina Lipovetsky (2004, p.33), “[...] até a dona de casa pode ser reciclada”. Tudo se recicla, as relações são passageiras, e as

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