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RA: 7206019 Turma: 003201E02 Guilherme Miguel O. de Araujo gui-otoni@live.com CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO Trabalho de Teoria da Constituição e direitos fundamentais Professora Fernanda Rodrigues Feltran mailto:gui-otoni@live.com SUMÁRIO I) Introdução............................................................................................03 DESENVOLVIMENTO II) Conceito................................................................................................04 III) Constitucionalismo abusivo na América Latina...............................05 e 06 IV) Constitucionalismo abusivo no Brasil...............................................07 e 08 V) Leis com caráter abusivo...................................................................09 e 10 VI) Conclusão............................................................................................11 I) INTRODUÇÃO O constitucionalismo abusivo na literatura especializada é descrito como utilização indevida de mecanismos do direito constitucional para atacar e minar as estruturas da democracia constitucional e das bases filosóficas do constitucionalismo. Há duas formas principais de emprego da categoria constitucionalismo abusivo para compreender práticas e realidades constitucionais: a) frequente e reiterado uso de Emendas à Constituição e criação de novos documentos constitucionais com intuito de manter um grupo social e político no poder com destruição dos elementos centrais da democracia constitucional, designando essa modalidade de constitucionalismo abusivo estrutural, e b) utilização de alguns institutos e técnicas constitucionais em desacordo com as diretrizes da democracia constitucional, consistindo o fenômeno no constitucionalismo abusivo episódico. Os autores entendem que, apesar da existência de hiperpresidencialismo no Brasil, os mecanismos de accountability (prestação de contas) horizontal como do Poder Judiciário sobre o Executivo e o Legislativo não permitem a classificação como constitucionalismo abusivo estrutural, mas existem fenômenos de constitucionalismo abusivo episódico e preocupantes. Desse modo, o artigo metodologicamente, realiza uma análise crítica da literatura sobre constitucionalismo abusivo (revisão bibliográfica), refletindo sobre recentes casos do constitucionalismo abusivo na América Latina e Brasil (estudos de casos). DESENVOLVIMENTO II) Conceito A ideia de constitucionalismo abusivo foi cunhada por David Landau, que define essa forma de constitucionalismo como o uso de institutos de origem democrática para ceifar o espaço do pluralismo num determinado país. O objetivo do autor é mostrar que mecanismos formais de mudança constitucional podem minar a democracia. É notável a força que os regimes presidencialistas vêm tomando, principalmente na América Latina, apoiados em mudanças nas próprias constituições dos países, mudanças essas que muitas vezes reforçam excessivamente o poder do Executivo. A consagração dos direitos sociais, o apoio popular e o discurso progressista das instituições governamentais podem ser característicos de um regime legitimamente democrático ou não. Tem-se como principal objetivo expor a “máscara constitucional” utilizada por certos regimes que se dizem democráticos quando na verdade não o são. Utilizam as suas constituições como ferramentas para facilitar suas manobras políticas para manutenção no poder, fenômeno denominado como “Constitucionalismo Abusivo”. Valem-se dos direitos sociais e demais valores instituídos pela Constituição como propaganda política e disfarce para a realização de seus artifícios. As “autocracias eleitorais” ou os “regimes híbridos”, que são aqueles países onde geralmente o constitucionalismo assume um feitio abusivo, costumam satisfazer a comunidade internacional, uma vez que são democráticos suficientes para não apontá-los em seu radar. Isso porque, eleições são realizadas e não são meras aparências, quer dizer, há competitividade eleitoral a ponto de o partido/candidato da oposição ocasionalmente até ganhar, bem como todos os direitos fundamentais são assegurados pela legislação. Ao mesmo tempo, contudo, há um enfraquecimento de várias instituições que deveriam estar fiscalizando os poderes estatais, tornando-as praticamente inexpressivas ou então suas fiéis correligionárias. Sem faltar com a verdade, princípios como a dignidade humana, igualdade racial ou a livre iniciativa, certamente permanecerão intactos ou até mesmo enaltecidos no Constitucionalismo Abusivo, sob pena de perder a sua feição democrática, inclusive, nesses países geralmente há um alto índice de aprovação popular, uma das principais “ferramentas” utilizadas pelos dirigentes políticos para legitimar o seu poder. Se assim não o fosse, alguns mecanismos criados para o embate contra regimes autoritários se revelariam eficazes contra o constitucionalismo abusivo, tais como, o conceito de “democracia militante” da Alemanha pós nazista em que é possível o banimento de partidos totalitários antes que tenham a chance de crescimento e ganhem poder dentro do sistema político, bem como as chamadas “cláusulas democráticas”, onde países com práticas antidemocráticas podem sofrer sanções de organismos internacionais, tal como a exclusão da Venezuela do bloco Mercosul, por práticas abusivas do governo de Nicolás Maduro e o “desrespeito à separação de poderes”. III) Constitucionalismo abusivo na América Latina A América Latina sofreu diversos golpes de Estado decorrentes de uma guerra ideológica que acarretou na perda de direitos fundamentais. A situação da região não é de bonança desde sua colonização na qual os povos nativos foram explorados, escravizados e dizimados pelos colonizadores europeus. O contexto latino-americano atual, é de aumento do mal-estar, porquanto, os resquícios de uma exploração sem precedentes, assolou os países dessa região tão rica por várias vias. O período de ditaduras e governos autoritários entre as décadas de 1960 e 1980 foi um grande marco na história da América Latina. Os abusos e violações aos direitos humanos, cometidos ensejaram uma tendência à valorização da democracia e do processo democrático, em consonância com uma tendência também global de aversão a intervenções militares e golpes de Estado. As novas constituições, que foram sendo criadas nos países latino-americanos após a destituição dos regimes ditatoriais, caracterizaram-se fortemente por um maior reconhecimento dos direitos sociais e civis, em resposta às experiências anteriores. Foram implementados vários regimes autoritários na América Latina – espaço geográfico que compreende o México até o extremo sul da América – Argentina – exceto os territórios da Guiana, Suriname, Belize e Jamaica – os últimos, sendo países de fala germânica – como maneira de evitar a expansão do comunismo. Partindo do Norte para o Sul dessa região, o México teve um regime ditatorial a partir de 1910 com Porfírio Díaz que consistiu numa insurreição armada comandada por elites liberalistas dissidentes do governo bem como por lideranças militares surgidas entre as massas camponesas indígenas. Desse modo, ainda, “a Revolução Mexicana que começou em 1910 lançou um resultado notável: a Constituição de 1917” proclamando “[...] uma extensa e robusta lista de direitos”. Ademais, um aspecto muito importante e diferencial foi seu pioneirismo no desenvolvimento de um constitucionalismo mais social. (GARGARELLA, 2014). Imediatamente abaixo do México, a Guatemala sofreu um golpe de Estado em 1954 promovido pela CIA, que tirou o presidente democraticamente eleito Jacobo Arbenz Guzmán, do poder sob a justificativa de, impedir a expansão do comunismo. Seguindoa ordem norte-sul, a Nicarágua foi um país que sofreu um processo de regime ditatorial começando primeiramente com uma revolução popular provocada por um golpe de esquerda. A morte do líder revolucionário Augusto César Sandino, ocasionou a ascensão da família Somoza ao poder. Diante disso, revolucionários conseguem chegar ao poder depondo Anastasio Somoza, ditador desde 1967. Outro exemplo de país que sofreu com um regime autoritário foi a República Dominicana que, ‘sob ameaça comunista’, em 1965, um golpe foi promovido pelos Estados Unidos a fim de parar o avanço soviético. O Equador também passou por um golpe, porém de cunho militar e não promovido pela potência oposta ao regime que estava ameaçando a hegemonia do outro. O golpe derrubou o regime de “José María Velasco Ibarra”, passando a utilizar a riqueza do petróleo e empréstimos estrangeiros para custear um programa de industrialização, reforma agrária e subsídios para consumidores urbanos. Nesse viés, outro ditador latino americano que converge com a ideia de reforma agrária de José María Velasco Ibarra do Equador, foi Juan Velasco Alvarado, ditador peruano que governou durante sete anos, e efetivamente uma reforma agrária. Imediatamente abaixo está a Bolívia, que também sofreu golpe de estado orquestrado por “Hugo Banzer”. David Landau entende que, em meio a esse contexto de valorização democrática, governos com “pretensão” autocrática tem se utilizado de meios tidos como democráticos para fortalecer seu poder, ao que o autor denomina constitucionalismo abusivo. Na Venezuela, por exemplo, o Presidente Hugo Chavez, fundando-se no poder “original e constituinte do povo”, convocou um referendo para determinar se deveriam ser convocadas eleições para uma Assembleia Constituinte, de forma a substituir a Constituição. O próprio Chavez determinou as regras de eleição da Assembleia, o que favoreceu o seu partido, e, por meio da nova Constituição, pôde intensificar o poder do Executivo e consolidar-se no poder. No Equador e na Bolívia, Rafael Correa e Evo Morales, respectivamente, utilizaram-se de táticas semelhantes de substituição de Constituição para minar o poder de outras instituições e prolongar-se no poder. Houve uma alteração constitucional informal na Bolívia (por aqui nós chamamos de "mutação constitucional"), para permitir que o Presidente da República se candidatasse reiteradas vezes ao mesmo cargo. Se não bastasse essa manobra político-constitucional nefasta, tivemos um novo capítulo nessa trágica tendência mundial. O mesmo Tribunal que alterou a seu modo informalmente a Constituição, declarou Evo Morales Presidente da Bolívia pelo quarto mandato consecutivo, numa apuração de votos de regularidade absurdamente duvidosa. A Venezuela foi impactada por uma série de fatores que já estavam presentes como por exemplo a matriz econômica única nacional – o petróleo –; a representação repressiva; baixo apoio popular; a adoção de medidas a curto prazo que se estenderam como o controle de preços e o controle do Estado sobre o câmbio na tentativa de conter a inflação, altos índices de mortalidade infantil, desabastecimento, medicamentos, homicídios e, por fim, o colapso final: o ataque à democracia por meio da manobra que fere o princípio de Montesquieu da separação dos poderes. Por fim, a crise democrática que assola a Venezuela com seus altos índices de inflação se torna um país de milionários pobres em que faltam medicamentos, insumos, itens básicos de saúde além de garantias que não se podem comprar como liberdade de expressão, opinião, associação e de reunião pacífica que estão sendo ameaçadas diariamente pelo governo cada vez mais repressivo. Nesse sentido, o conceito de Habermas de Democracia define que o exercício da ação comunicativa por meio das instituições do direito é necessário. Ademais, para reverter todos esses problemas latino-americanos, pode-se destacar a superação de problemas secularizados como enuncia Bedin, em que o primeiro desafio consiste na superação do patrimonialismo fortemente arraigado nesses países, estabelecido por uma herança colonial de apropriação dos bens públicos, que estariam sujeitos a interesses particulares, de grupos elitistas locais; e, o segundo trata sobre a redução das desigualdades perpetuadas pela escravidão que os países latino-americanos sofreram (BEDIN, 2010). IV) Constitucionalismo abusivo no Brasil No Brasil, há o fenômeno do hiperpresidencialismo, com um protagonismo exacerbado do Presidente da República, em razão do desenho institucional previsto na Constituição Federal brasileira (MACEDO, 2014, p. 496-518). Por sua vez, principalmente em razão da independência concedida ao Poder Judiciário e da autonomia prevista ao Ministério Público, os mecanismos de accountability horizontal ganharam corpo, promovendo controles maiores sobre os chefes dos Poderes Executivos Federal, Estaduais e Municipais (ROBL FILHO, 2012, p. 182- 226). Ainda se observa no Brasil, um momento de calibragem institucional na realização dos instrumentos de accountability do Poder Judiciário sobre os agentes políticos, pois, por exemplo, o combate à corrupção não justifica a desconsideração do devido processo judicial, impondo-se o respeito aos direitos fundamentais dos investigados e dos acusados (GIACOMOLLI, 2016, p. 83-108), além de não ser constitucionalmente adequada a intervenção do Poder Judiciário, em atos políticos por excelência. Por sua vez, é uma tendência no constitucionalismo atual a ampliação dos papéis atribuídos aos juízes e aos Tribunais. Apesar da ampliação dos mecanismos de accountabilty do Poder Judiciário no Brasil e no mundo, a questão não altera substancialmente o problema central da relação entre Executivo e Legislativo no hiperpresidencialismo. Nos momentos de ausência de crises sociais, políticas e jurídicas de relevo e com forte apoio popular ao Executivo, os Parlamentos, mesmo que eleitos diretamente pelos cidadãos, não possuem de fato poder de agenda, além de politicamente figurarem como meros coadjuvantes dos Presidentes, Governadores e Prefeitos. De outro lado, também em razão do centralismo da Federação brasileira com a atribuição de grande parcela das receitas públicas e das decisões políticas relevantes ao governo central, as crises afetam com enorme intensidade a Presidência da República, sendo os momentos conturbados propícios ao substancial enfraquecimento do Poder Executivo e dificultando a construção de medidas conjuntas entre Presidente e Parlamento para enfrentar essas situações de instabilidade. Nesse momento, é comum a observância de protagonismo do Parlamento, o qual muitas vezes se utiliza dos seus poderes, como Emenda à Constituição Federal, para tomar decisões contrárias aos interesses do Poder Executivo, mas que também minam as bases do constitucionalismo democrático. Em outro lado, nos tempos de força do Presidente da República, os Projetos de Emenda à Constituição elaborados pelo Executivo são aprovados rapidamente. A tese e a hipótese defendidas neste artigo, são de que o Brasil atualmente não pode ser enquadrado em casos patológicos (estruturais) de constitucionalismo abusivo, conforme descrito por Landau e Schepelle, sendo um exemplo contemporâneo de democratura a Venezuela. De outro lado, ainda que as instituições e os Poderes brasileiros estejam funcionado dentro de um horizonte de razoável regularidade institucional, em trinta anos dois Presidentes da República Federativa do Brasil foram objeto de impeachment, observando-se também a utilização de alguns instrumentos constitucionais contra alguns elementos da democracia constitucional. Dessa forma, o Poder Judiciário possui papel de garantidor do regime político democrático, mas se frisa novamente que os magistrados não são salvadores da pátria, não devendo atuar de forma voluntarista e inspirados em conceitos própriose subjetivos de moralidade pública. De outro lado, função importante do controle judicial de constitucionalidade reside na proteção e na promoção de um processo legislativo constitucionalmente adequado e no controle sobre as Emendas à Constituição. Lenio Luiz Streck e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira (2013, p. 1119) registram que “O processo legislativo é o núcleo central do regime constitucional no Estado Democrático de Direito. O processo legislativo, jurisdicional ou administrativo, enquanto conceito renovado – ‘procedimento realizado em contraditório’[…]”, concluindo que não se trata de “mera ritualística ou a um instrumento legitimador de decisões políticas, nem esgotado no momento da decisão”. Landau afirma que o controle judicial de constitucionalidade e os instrumentos do direito constitucional positivo são ineficazes para conter o fenômeno do constitucionalismo abusivo. No caso brasileiro, é inegável que o controle judicial de constitucionalidade das emendas constitucionais possui importantes problemas que necessitam ser enfrentados, além de não ter sido relevante para conter situações clássicas de constitucionalismo abusivo. Cita-se um exemplo: - A Constituição Federal brasileira estabelece, no artigo 60, §2º, CF, que “§2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”. De outra banda, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 4.425/ DF entendeu que “A Constituição Federal de 1988 não fixou um intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação para fins de aprovação de Emendas à Constituição (CF, art. 62, §2º)” (BRASIL, STF, 2013), compreendendo que não há parâmetro objetivo que justifique o controle judicial de constitucionalidade no processo legislativo, ou seja, na atuação típica dos legisladores. Tal visão não pode prevalecer no Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, Constituição Federal), o qual é guia interpretativo de destaque sobre todas as demais normas constitucionais e especialmente acerca das práticas democráticas e do funcionamento das tomadas de decisões políticas estruturantes. Ainda, não é possível desconsiderar a dicção literal do texto constitucional sem uma razão forte também de matriz constitucional. Por exemplo, é possível desconsiderar parcialmente uma compreensão a partir da técnica gramatical se existir argumentos teleológicos e sistemáticos constitucionais para tanto. Em primeiro lugar, uma interpretação literal do art. 60, §2º, CF determina a realização de efetiva discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição e depois realização de votação pelo Plenário de cada Casa do Congresso Nacional. Posteriormente e em outra sessão, a realização de nova discussão e votação em segundo turno. Sendo a democracia, o pluralismo e a participação os fins tutelados por esse dispositivo constitucional, uma interpretação teleológica aponta a necessidade de realização de deliberação e votação em dois turnos distintos nos âmbitos formal e material, pressupondo assim o debate e a votação em uma sessão e, depois de um interstício, outra sessão e votação em segundo turno. Em leitura sistemática da Constituição Federal, o processo legislativo principalmente de Emenda à Constituição deve permitir a adequada participação do povo por meio dos seus representantes, mas com conhecimento, discussão e participação da sociedade civil e dos cidadãos também (art. 1º, V e parágrafo único, CF), devendo os Poderes estatais constituídos como Executivo, Legislativo e Judiciário zelarem pela efetivação e pela concretização da democracia constitucional, não promovendo atos de constitucionalismo abusivo. Nesse contexto normativo, não é constitucional a realização de uma única discussão em uma das casas do Congresso Nacional ou na Assembleia Legislativa, porém ocorrendo o registro da existência de dois turnos somente com objetivo de simular a observância do art. 60, §2º, CF. V) Leis com caráter abusivo Registra-se que tanto o Congresso Nacional como o Supremo Tribunal Federal, estão avançando na conformação do processo legislativo nos quadrantes da democracia constitucional, como se observa nas Medidas Provisórias. Nos termos do artigo 62, caput e §3º, CF, as Medidas Provisórias podem ser adotadas pelo Presidente da República com força de lei em caso de necessidade e urgência, porém devem ser submetidas imediatamente ao Congresso Nacional. Inegável que o Estado Constitucional a partir do século XX, impõe uma atuação forte do Poder Executivo, na concretização das normas e objetivos constitucionais por meio de políticas públicas, planejamento das ações estatais e por diversas prestações estatais. Nesse contexto, há necessidade de concessão de certo poder normativo ao Executivo (CLÈVE, 2011, p. 48-58). A Constituição Federal brasileira prevê cláusulas de eternidade nos seguintes termos no art. 60, §4º, CF: “§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”. O constitucionalismo abusivo ocorre, por exemplo: a) com a desconsideração da forma federativa de Estado por meio da centralização inconstitucional das competências no governo central e na Presidência da República, b) com o ataque ao núcleo essencial do processo eleitoral competitivo e periódico; e, c) com a afronta aos elementos estruturais da separação dos poderes e ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. Tema relevante para o constitucionalismo abusivo, no Brasil, diz respeito à promulgação da Emenda Constitucional nº 16, em 04 de junho de 1997, a qual alterou o §5º do art. 14, permitindo a reeleição do Presidente da República, dos Governadores do Estado e do Distrito Federal e dos Prefeitos para um período subsequente. Nos Estados Unidos da América, inexistia restrição à reeleição para períodos subsequentes do Presidente da República, tendo, por exemplo, o Presidente Franklin Delano Roosevelt sido eleito quatro vezes seguidas. De outro lado, após a Segunda Guerra Mundial foi proposta e ratificada em 27 de fevereiro de 1951 a XXII Emenda à Constituição Federal Norte-Americana, que permitiu o exercício da Presidência por dois mandatos. Essa vedação claramente enquadra-se na necessária rotatividade dos cargos na República Democrática, evitando a efetivação de governos populistas e o culto à personalidade dos governantes. O Supremo Tribunal Federal julgou a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.805 contra essa emenda constitucional em 26 de março de 1998, entendendo que inexistia qualquer inconstitucionalidade e violação ao art. 60, §4º, IV, CF (BRASIL, STF, 1998). Registra-se que os partidos de oposição à época requerem a interpretação conforme a Constituição para que os titulares dos cargos devessem renunciar seis meses antes do pleito eleitoral, porque se alegava a quebra da isonomia e a utilização indevida da Administração Pública pelo candidato que busca a reeleição. A Medida Cautelar não foi concedida e a ação ainda não teve seu mérito apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. O tema da utilização da máquina pública para promoção de campanhas eleitorais, merece toda a atenção do direito constitucional, mas a permissão de uma reeleição subsequente dos membros dos chefes do Poder Executivo, não produz necessariamente a degradação da democracia constitucional. Em verdade, o tema da reeleição torna-se mais relevante como uma situação de constitucionalismo abusivo com a possibilidade reeleição ilimitada dos Chefes do Poder Executivo em razão do aparelhamento do Estado e da violação do princípio Republicano. Por fim, a literatura sobre hiperpresidencialismo e acerca do constitucionalismoabusivo aponta a utilização reincidente do impeachment como ferramenta de retirada do chefe do Poder Executivo, impossibilitando o cumprimento do mandato concedido pelas eleições. O caso mais recente no Brasil, foi do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, o qual aponta claramente a existência de estruturas do hiperpresidencialismo e trazem preocupações sobre a utilização desse mecanismo de forma abusiva contra a democracia constitucional. Acerca do instrumento do impeachment ou do juízo político, parte da literatura aponta tratar-se de mecanismo importante para restringir os intensos poderes dos Presidentes da República, sendo válvulas de escape contra esse grande poder. De outro lado, a utilização reiterada desse mecanismo extremo é muito danosa para a democracia constitucional. VI) Conclusão Concluí que o constitucionalismo abusivo e o hiperpresidencialismo estão lado a lado. Temos tipos de constitucionalismo abusivo e exemplos na América Latina e Brasil. As crises democráticas na América Latina surgiram de uma guerra ideológica e causaram diversas consequências horrendas em nome de evitar a expansão do comunismo. Foi exposto no trabalho vários golpes de Estado promovidos na maioria das vezes por militares e pela potência capitalista. Nesse sentido, o conceito de Habermas de Democracia define que o exercício da ação comunicativa, por meio das instituições do direito é necessária. Ademais, para reverter todos esses problemas latino-americanos, pode-se destacar a superação de problemas secularizados como enuncia Bedin, em que o primeiro desafio consiste na superação do patrimonialismo, fortemente arraigado nesses países, estabelecido por uma herança colonial de apropriação dos bens públicos, que estariam sujeitos a interesses particulares de grupos elitistas locais; e, o segundo, se trata da redução das desigualdades, perpetuadas pela escravidão que os países latino-americanos sofreram (BEDIN, 2010). As práticas e as técnicas constitucionais, devem ser analisadas a partir dos ditames do constitucionalismo democrático, o qual pressupõe a limitação dos poderes instituídos, a separação dos poderes, a garantia e a promoção do núcleo essencial dos direitos fundamentais; e, os institutos da democracia pluralista. De outro lado, o emprego de instrumentos previstos no Direito Constitucional positivo muitas vezes camufla a violação da estrutura das democracias constitucionais. No Brasil, não há um constitucionalismo abusivo estrutural, no entanto, existe utilização de alguns mecanismos previstos na Constituição Federal de 1988, contra aspectos do Estado Democrático de Direito. Assim observa-se um constitucionalismo abusivo episódico, mas preocupante, especialmente em razão da ocorrência de dois impeachments em 30 anos. BIBLIOGRAFIAS - LANDAU, David. Abusive Constitutionalism. U.C.D. L. Rev, v. 47, n. 189, p. 189–260, 2013. - GARGARELLA, Roberto. La Sala de Máquinas de la Constitución. Buenos Aires: Katz Editores, 2014 (Caps. 8, 9 e 10). -GARGARELLA, Roberto. Constitucionalismo latino-americano: a necessidade prioritária de uma reforma política. In: Constituinte exclusiva: um outro sistema político é possível. P. 9-19. São Paulo, Editora Expressão Popular, 2014. - GONÇALVES, Ana. Constitucionalismo abusivo na América Latina e a função democrática dos plebiscitos. Conteudojuridico.com.br - LEMES, Izabela. Crises democráticas na América Latina. Faculdade de direito. UNB.2018. -BEDIN, Gilmar Antônio. Estado de Direito e seus Quatro Grandes Desafios na América Latina na Atualidade: uma leitura a partir da realidade brasileira. 2010. - SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Madrid, Alianza Editorial. 1996. Parte 1. -NOBERTO, Ilton. Constitucionalismo abusivo; fundamentos teóricos e análise da sua utilização no Brasil contemporâneo. Belo horizonte.2018 -FONSECA, Gabriel Campos Soares da...et al.(coord.) Para além dos direitos. São Paulo: Sguerra Design, 2019. III) Constitucionalismo abusivo na América Latina IV) Constitucionalismo abusivo no Brasil V) Leis com caráter abusivo VI) Conclusão BIBLIOGRAFIAS
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