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Peirano - A antropologia at home

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Mariza Peirano
A teoria vivida
e outros ensaios de antropologia
<3- ^
Jorge ZAHAR Editor
Rio de Janeiro «fMXClBV
aui«k« - îffl»
2- A antropologia at home1
Em poucos anos, talvez possamos fazer um balanço da antropologia 
do século XX como caracterizada por um longo e complexo movimento, com 
implicações teóricas e políticas, que substituiu o ideal de um encontro radical 
com a alteridade pela pesquisa “em casa”, “a t hom e". Mas, no cenário internacio­
nal, “hom e” terá, como sempre, muitos sentidos, e a antropologia manterá, na sua 
concepção paradigmática, um objetivo sociogenético relacionado à diferença e 
sua compreensão. Em alguns casos, a diferença será o caminho para o universa­
lismo teórico v ia comparação; em outros, ela aparecerá como denúncia do exo­
tismo ou negação do seu apelo. Este capítulo examina distintos momentos e 
contextos em que um projeto de se desenvolver a antropologia a t hom e tornou- 
se uma questão candente. (A expressão “antropologia em casa”, correspondente 
ao an th rop o lo gy a t h om e , não é usada entre nós, já que, contrariamente aos 
cânones tradicionais, desenvolver uma antropologia no Brasil foi consagrada- 
mente um projeto feito em casa.)
O problema
Até recentemente, a idéia de uma antropologia em casa era um paradoxo e uma 
contradição em termos. Durante o século XX, a distância entre os etnólogos e 
aqueles que eles pesquisavam - um dia conhecidos como “informantes” - foi 
progressivamente diminuindo: dos Trobriandeses para os Azande, desses gru­
pos para os Bororo via Kwakiutl, no meio do novecentos a comunidade acadê­
mica havia descoberto que era a abordagem, e não o objeto, que havia sempre
37
A teoria vivida
definido a perspectiva antropológica. Lévi-Strauss (1962) desempenhou um 
papel fundamental nessa mudança, ao imprimir um sentido horizontal às práti­
cas sociais e às crenças em qualquer latitude, com Firth e Dj amour (1956) e 
Schneider (1968) atestando sua validade no campo dos estudos de parentesco. 
A percepção do elemento político presente na procura pela alteridade radical 
levou antropólogos “indígenas” a entrar em cena durante os anos 1970 (Fahim, 
1982), e, nos 1980, Geertz (1983) pôde proclamar que “somos todos nativos”. 
Mas restrições da geração mais velha atestavam, mesmo naquele momento, que 
a mudança de além-mar em direção aos corredores dos departamentos univer­
sitários não seria fácil; pesquisar em casa era visto por muitos como uma tarefa 
difícil e melhor indicada para pesquisadores que haviam ganhado experiência 
em outros contextos (Dumont, 1986).
Desde o início, antropólogos originários de antigos sítios antropológicos 
foram poupados da procura por alteridade, contanto que seu treinamento tivesse 
sido feito com os mentores apropriados. Assim, Malinowski deu sua aprovação 
para Hsiao-Tung Fei publicar sua monografia sobre os camponeses chineses, 
enfatizando que, se o autoconhecimento era o mais difícil de alcançar, então 
“uma antropologia de seu próprio povo era a mais árdua, mas também a mais 
valiosa, conquista de um pesquisador de campo”.2 A aprovação que Radcliffe- 
Brown e Evans-Pritchard deram ao estudo realizado por Srinivas (1952) sobre 
os Coorgs da índia também sugere que o cânone podia ser desenvolvido a des­
peito de práticas consensuais. O ideal da pesquisa além-mar, contudo, conti­
nuou sendo o objetivo a ser alcançado. Décadas mais tarde, e como parte de uma 
tradição que havia questionado firmemente a necessidade de pesquisa de campo 
externa, Saberwal (1982b) nota que, para muitos, a pesquisa de campo na índia 
era vista como uma experiência leve, soft, já que realizada principalmente nos 
limites da língua, casta e região de origem do pesquisador.
No caso dos pesquisadores dos centros metropolitanos, que só recente­
mente passaram a aceitar que eles também são nativos, o impulso de trazer a 
antropologia para casa tem tido várias motivações. Alguns explicam esse movi­
mento como uma das demandas inevitáveis do mundo moderno (Jackson, 
1987a); para outros, ele emerge do propósito de transformar a antropologia em 
crítica cultural (Marcus & Fischer, 1986). Nos Estados Unidos, em particular, 
quando a antropologia volta para casa ela é reapropriada como elemento do 
campo dos “stud ies' (culturais, feministas, de ciência e tecnologia), vistos como 
parte de áreas “antidisciplinares” (Marcus, 1995b), atestando, assim, a afinidade 
inerente entre antropologia e exotismo. Qualquer que seja o caso, uma linhagem 
que justifique a empreitada está sempre presente, seja de Raymond Firth e Max
A antropologia at home
Gluckman (Jackson, 1987b), ou de Margaret Mead e Ruth Benedict (Marcus 
&Fischer 1986, para Mead; Geertz, 1988, para Benedict).
Nos anos 1940 e 1950, em lugares nos quais a antropologia foi ratificada 
localmente pelas ciências sociais (por exemplo, Brasil e índia), sobretudo como 
parte de movimentos em direção à modernização, um diálogo franco com agen­
das políticas nacionais tornou-se inevitável, reproduzindo padrões europeus 
canônicos do fim do século XVIII e início doXIX (E. Becker, 1971). Nesses contex­
tos, a alteridade, freqüentemente, tem sido comprometida e aspectos interessados 
do conhecimento (à Weber) são muitas vezes explicitados. Essa característica 
“interessada”, com freqüência, torna alguns observadores cegos para a procura 
constante de excelência teórica, vista como fundamental, e que resulta em um diá­
logo triangular: com antropólogos e sociólogos locais, com as tradições metropo­
litanas de conhecimento (presentes e passadas) e com os objetos de pesquisa.
Neste ensaio, procuro examinar alguns dos componentes indéxicos do termo 
home na expressão “anthropology a th om e”. Primeiro, focalizo o momento e o con­
texto em que o projeto de desenvolver uma antropologia em casa se tornou um 
objetivo apropriado. Focalizo minha atenção nos centros socialmente legítimos 
da produção acadêmica - isto é, segundo Gerholm &Hannerz (1982b), os luga­
res da “antropologia internacional” —, nos quais o ideal de um longo período de 
pesquisa de campo além-mar foi inicialmente estabelecido. Esse projeto inclui a 
Europa e os Estados Unidos. (Estou assumindo que os Estados Unidos, hoje, têm 
um papel socialmente equivalente ao da Inglaterra durante a primeira metade do 
século XX, ou da França nos momentos áureos do estruturalismo.)
Mudo de perspectiva no final, quando procuro estabelecer uma ponte com o 
próximo capítulo, ao explicitar de forma concisa algumas características da antro­
pologia no Brasil. Procuro apontar para a configuração de diferentes projetos que, 
embora não exclusivos, podem ser distinguidos como tentativas de formulação de 
uma alteridade radical, um estudo do “contato” com a alteridade, outro sobre alte­
ridade próxima, ou uma radicalização de um “nós”. Após indicar uma variedade de 
noções de alteridade, concluo com um alerta sobre a comunicação entre antropó­
logos no contexto de uma disciplina que, embora mantendo uma história teórica 
minimamente partilhada, convive, ela própria, com manifestações plurais.
Antropologia at home
No ambiente de uma nova consciência nos centros de produção “internacional”, 
preocupações individuais com o futuro da antropologia nos anos 1960 deram
A teoria vivida
lugar, na década de 1970, a análises mais sociológicas, denunciando as relações 
políticas que haviam sido sempre um traço da pesquisa de campo de cunho etno­
gráfico. Logo, a idéia de uma antropologia a t hom e fez seu début na Europa, ao 
passo que nos Estados Unidos a antropologia transformou-se em “studies”, na 
interseção de vários experimentos das humanidades. São esses movimentos que 
examino agora em mais detalhe.
Antecedentes: preocupações no centro
Nos anos 1960, dois pequenos trabalhos escritos por antropólogos de grande 
prestígio expressavam sentimentos paradoxais sobre o futuro da antropologia. 
Exatamente na ocasião em que a disciplina havia ganhado m om en tum , seu 
objeto corria o risco de extinguir-se. Na França,Lévi-Strauss (1961) alertava 
para o fato de que a antropologia poderia se tornar uma ciência sem objeto, em 
razão do desaparecimento físico de populações inteiras depois do contato, ou 
devido à rejeição aos estudos antropológicos pelas novas nações independentes. 
A antropologia sobreviveria? Para Lévi-Strauss, aquela era uma chance única 
para que antropólogos se tornassem cientes, se não o haviam feito antes, de que 
a disciplinajamais se definira como o estudo de primitivos em termos absolutos, 
mas, sim, tinha sido concebida como uma certa relação entre observador e obser­
vado. Desse modo, à medida que o mundo se tornava menor e a civilização oci­
dental adquiria características cada vez mais expansionistas e complexas - em 
todos os lugares renascendo como criou la—, as diferenças simplesmente estariam 
mais perto do observador. Não era necessário receio nem pânico. Nada indicava 
que uma crise da antropologia despontava no horizonte.
Para Goody (1966, p. 574), “o estudo individual de sociedades não-compli- 
cadas” não era mais possível já que primitivos se tornaram parte de redes sociais 
complexas e amplas nos países do “Terceiro Mundo”.3 A antropologia encon­
trava-se em uma encruzilhada, em que tanto poderia se tornar uma arqueologia 
social, um ramo da sociologia histórica baseado na “preservação da tradição”, 
como poderia transformar-se em sociologia comparada. Sugerindo uma “des­
colonização das ciências sociais”, Goody enfatizava que, na Inglaterra, a distin­
ção entre sociologia e antropologia social era basicamente xenofóbica: a socio­
logia era o estudo de sociedades complexas, a antropologia social, de sociedades 
simples, mas nas novas nações africanas, as “culturas alheias” eram “nossa socio­
logia” (1966, p.576).
O otimismo de Lévi-Strauss e a proposta de Goody no sentido de um ajuste 
disciplinar nos anos 1960 devem ser vistos, retrospectivamente, no contexto de 
um prestígio indisputável da disciplina. Latour (1996) caracterizou o etnógrafo
A antropologia at home
daquele período como um rei Midas antitético, “amaldiçoado com o poder de 
transformar tudo o que tocava em poeira” (1996, p. 5). Mas aquela década tam­
bém foi testemunha do repensar a antropologia de Leach (1961), da legitimação 
do estudo de sociedades complexas (Banton, 1966), da experiência de Firth e 
Djamour (1956) e Schneider (1968) fazendo incursões no estudo de suas pró­
prias sociedades via parentesco, e da publicação dos diários de Malinowski. Só o 
último episódio provocou muita disputa (Darnell, 1974) e, em um artigo publi­
cado inicialmente em 1968, nos Estados Unidos, Stocking (1974c) relembra 
que a pesquisa antropológica era um fenômeno histórico, insinuando assim que 
poderia bem ser temporário e passageiro.
Relações de poder e auto-reflexão
Naturalmente, em 1965, Hallowell (1974) já havia estabelecido que a antropo­
logia deveria ser examinada também como “um problema antropológico”. 
Logo depois, Hymes (1974) propôs a reinvenção da antropologia, em texto 
hoje clássico. Retrospectivamente, a idéia de centrar as perguntas nas condições 
que produziram a antropologia no Ocidente provou ser a base de muitos dos 
projetos de auto-reflexão que se seguiram. Conferências internacionais com 
aspecto de rituais coletivos de expiação marcaram os anos 1960, e redundaram 
na edição de vários livros que se tornaram bastante conhecidos. A publicação 
freqüente de perfis de vertentes nacionais da antropologia também se mostrou 
comum em revistas especializadas - em alguns casos, esses periódicos chega­
ram a editar números especiais sobre esses tópicos.
• Conferências dos anos 1970. A nthropology £sf the C olon ia lE ncounter (Asad, 
1973a) transformou-se na publicação clássica do período, resultado de uma confe­
rência realizada sob os auspícios da Universidade de Hull, em 1972. Tratava-se de 
uma denúncia direta de que a antropologia (“funcionalista”) britânica estava baseada 
em uma relação de poder entre o Ocidente e o chamado Terceiro Mundo. A antro­
pologia havia emergido como uma disciplina específica no início da era colonial, tor­
nara-se uma profissão acadêmica próspera ao seu término e, durante todo esse 
período, devotara-se a descrições e análises “desenvolvidas por europeus, para uma 
audiência européia, de sociedades não-européias dominadas por poderes euro­
peus”.4 Tal situação desigual só seria ultrapassada por suas contradições internas.
As contribuições de Diamond (1980a) e Fahim (1982) surgiram de con­
ferências patrocinadas pela W enner-Gren Foundation for Anthropological 
Research. Abertamente marxista, Diamond aludia a tradições nacionais ape­
nas para repudiá-las; para ele, a antropologia, em termos profissionais, era um
A teoria vivida
tipo de difusão por dominação, significando que “um antropólogo indiano 
ou africano, treinado nessa técnica ocidental, não se porta como um indiano ou 
africano quando age como um antropólogo__[E]le vive e pensa como um aca­
dêmico europeu”.5 Nesse sentido, Diamond posicionava-se de forma diferente 
daqueles que, como Crick, tentavam encorajar antropólogos de outras culturas 
a desenvolver “tradições próprias, examinando a si próprios de maneira que não 
se restrinjam a um pálido reflexo do nosso interesse nelas, mas também nos fa­
zendo objeto de sua especulação”.
Nessa atmosfera, quando Fahim (1982) reuniu em um simpósio diversos 
antropólogos de várias regiões não-ocidentais (o próprio organizador tendo ori­
gem egípcia), o termo indigenous an thropology foi proposto como um conceito 
de trabalho para se referir à prática da antropologia no país, sociedade e/ou 
grupo étnico do pesquisador.6 Do ponto de vista do organizador, a reunião atin­
giu seu objetivo ao substituir a polêmica “Ocidente versu s não-Ocidente” por 
um diálogo construtivo, ao mesmo tempo em que mudava o foco da disciplina 
(Fahim ôcHelmer, 1982). Madan (1982a; 1982b) recebeu crédito especial de 
Fahim pela maneira como defendeu a idéia de que a discussão não deveria se 
referir nem onde nem p o r quem a antropologia se desenvolvia, apenas substi­
tuindo um ator por outro, mas, sim, à mudança necessária e urgente na perspec­
tiva da disciplina. Considerando a antropologia um tipo de conhecimento e uma 
forma de consciência que surge do encontro de culturas na mente do pesquisa­
dor, ela nos permitiria compreender a nós mesmos em relação aos outros, tor­
nando-se uma forma intensificada de autoconsciência.
• Antropologia da antropologia. Uma segunda perspectiva em relação a dife­
rentes contextos da antropologia pode ser detectada no desafio que alguns 
antropólogos enfrentaram ao olhar a disciplina com um olhar antropológico 
(assim, seguindo a orientação de Hallowell, 1974). Em 1976, McGrane (1989) 
procurou examinar a situação paradoxal de que a disciplina vê tudo (exceto a si 
própria) como fenômeno cultural. Para tal, fez uma apreciação da cosmografia 
européia dos séculos XVI ao XIX .7 Peirano (1981) contrastou a posição clássica 
lévi-straussiana sobre a questão da reversibilidade do conhecimento antropoló­
gico com a de Dumont (1978), que assegurava não haver simetria entre o pólo 
moderno no qual a antropologia se sustenta e o pólo não-moderno (frustrando, 
assim, a idéia de uma multiplicidade de antropologias). Na tese, exploro a varia­
bilidade de questões antropológicas em diferentes contextos socioculturais, e o 
Brasil é utilizado como ponto de partida para examinar a relação entre ciência 
social e ideologia de nation -build ing.
A antropologia at home
Também inserida no contexto de preocupação com uma “antropologia da 
antropologia” estava a coletânea de Gerholm ÔcHannerz (1982a), que, sem se 
afligirem com a origem ocidental ou não dos contribuintes, convidaram antro­
pólogos de diferentes partes do mundo (incluindo índia, Polônia, Sudão, 
Canadá, Brasil e Suécia) para discutir o nascimento de antropologias nacionais. 
Distinguindo entre um continente próspero da disciplina desenvolvida na Grã- 
Bretanha, Estados Unidos e França (istoé, uma “antropologia internacional”) e 
“um arquipélago de ilhas maiores e menores” na periferia (Gerholm ÔcHannerz, 
1982b, p. 6), os organizadores questionaram a estrutura das relações centro- 
periferia e suas desigualdades; confrontaram a variedade de limites disciplina­
res; olharam as origens, treinamento e carreiras dos antropólogos e se pergunta­
ram: é possível que a antropologia, sendo uma interpretação das culturas, seja 
moldada pela cultura? Diamond (1980a) e Bourdieu (1969) foram menciona­
dos como inspiração e estímulo e, como no livro de Fahim, aqui foram as impli­
cações da contribuição de Saberwal (1982b) que receberam atenção especial 
dos editores. Stocking Jr. (1982) fechou o número especial com “uma visão de 
centro” que, tomando como mote O. Velho (1982), sublinhava a questão dos 
“privilégios do subdesenvolvimento”, ao mesmo tempo distinguindo entre 
antropologia de “construção de império” (em p ire-b u ild in g ) e de “construção da 
nação” (n a tion -b u ild in g ), aludindo, assim, à questão da reversibilidade do co­
nhecimento antropológico sugerida por Peirano (1981).8
Desenvolvendo a antropologia “ at hom e”
Explícito nos próprios títulos dos livros, desenvolver a antropologia a th om e tor- 
nou-se uma tarefa legítima para Messerschmidt (1981) e Jackson (1987a). Mas 
hom e, para eles, compreendia basicamente os Estados Unidos e a Europa. Que 
a área do mediterrâneo, por exemplo, permanecesse não estudada por antropó­
logos em casa — e, se estudada, a literatura produzida poderia ser ignorada - é 
uma idéia que está presente em Gilmore (1982), na qual o autor revela sua esco­
lha explícita de resenhar apenas trabalhos publicados em inglês.
Em Messerschmidt (1981), os sujeitos de pesquisa eram aqueles próximos 
aos etnógrafos nos Estados Unidos e no Canadá: parentes, idosos de uma grande 
cidade, um escritório de burocracia, uma companhia mineradora. Oferecendo 
uma bibliografia extensa, o editor propunha que o termo in sid er an thropology 
revelava conotações menos negativas do que, por exemplo, os termos “indigenous” 
ou “n a t i v e (O mesmo termo foi também sugerido por Madan, 1982b.)
Jackson (1987a) foi mais adiante e reuniu antropólogos da Grã-Bretanha, 
Suécia, Dinamarca, Zimbábue, Israel e França, sob os auspícios da Associação de
A teoria vivida
Antropólogos Sociais da Inglaterra. Mais uma vez, hom e era a Europa (ou, suges­
tivamente, a Africa) e a pesquisa não-européia deveria constituir uma categoria 
específica. Jackson (1987b) perguntou-se por que havia terminado a relação 
estreita entre antropologia, folclore e arqueologia que existiu previamente na 
Inglaterra, e suspeitava - comparando a antropologia com a sociologia - de que a 
diferença entre as duas disciplinas residia na proximidade (da sociologia) e na 
repulsa (da antropologia) à sociedade moderna. Para Jackson, antropólogos eram 
folcloristas do exótico (1987b, p. 8). Apesar de a pesquisa além-mar continuar 
tendo um lugar de destaque, a pesquisa a t hom e tinha chegado para ficar. Para 
alguns dos colaboradores da coletânea, hom e era sempre um lugar transiente, mas, 
onde quer que estivessem (Strathern, 1987), era preciso proceder a uma fenome- 
nologia da idéia de “distância remota” (Ardener, 1987). Okely (1987) enfatizava 
que a idéia de a t hom e diminuíra em termos territoriais na era pós-colonial; 
Dragadze (1987) comentava o fato de o antropólogo soviético ser um historiador, 
não um sociólogo; e Mascarenhas-Keyes (1987) discutia o processo mediante o 
qual um antropólogo nativo se transformava em um “nativo múltiplo”.
• Nos Estados Unidos. O projeto de trazer a antropologia para casa nos Estados 
Unidos surgiu com grande legitimidade social e sucesso com o nome de cultural 
critique. Inspirando-se na proposta interpretativa de Geertz, o pós-modernismo 
“pegou” como magia poderosa. Passado um tempo, perdeu-se a afinidade entre a 
idéia de cultural critique e a proposta de trazer a antropologia para casa, mas esta 
pode ser recuperada neste trecho, por exemplo: “Na verdade, acreditamos que a 
moderna formulação da antropologia cultural depende, para sua plena realização, 
da recuperação da função crítica em casa [athome\ em conjunto com a atual trans­
formação de sua tradicional função descritiva alhures [abroad]”.9 “Home”e “abroad” 
continuavam a representar lugares distintos, mas, ao denunciarem o exotismo, 
Marcus &Fischer enfatizavam uma metamorfose em processo: os etnógrafos esta­
vam se distanciando da antropologia convencional e se movendo em direção à 
experimentação e aos cultural studies. O termo “post-anthropology" foi insinuado por 
Clifford & Marcus (1986), explicitando ou enfatizando novas linhagens intelec­
tuais, seja pela escola de sociologia urbana de Chicago (Clifford, 1986), seja por 
Margaret Mead nos Estados Unidos e Raymond Williams na Inglaterra (Marcus 
&Fischer, 1986). Nesse contexto, sugeriu-se até o termo “antropologia repatriada”.
Para Clifford (1986), a nova experimentação estava sendo desenvolvida 
em trabalhos como os de Latour e Woolgar (1979), sobre biólogos em labora­
tório, Marcus (1983), sobre ricos dinásticos, Crapanzano (1980), sobre novos 
retratos etnográficos, todos eles abrindo caminho para seus sucessores, tais
A antropologia at home
como Traweek (1988), sobre físicos, Fischer & Abedi (1990), sobre diálogos 
pós-modernos através das culturas, e os questionamentos de conceitos clássicos 
tais como “etnografia” (Thomas, 1991) e “cultura” (Abu-Lughod 1991). Para 
alguns, a antropologia a t hom e, ou repatriada, identificava-se como “American 
cu lture studies”: “As fronteiras entre ‘estrangeiro’, além-mar’, exótico’, ou mesmo 
‘primitivo’ ou ‘não-letrado’ e ‘a t home' ou ‘na nossa cultura’ estão desaparecendo 
à medida que a cultura mundial se torna mais uniforme, em um nível, e mais 
diversa, em outro”.10
Paralelamente a esses desenvolvimentos, Stocking Jr. (1983a; 1983b) lan­
çou a bem-sucedida série HOA (H istory ofA nthropology), explicando no ensaio 
introdutório que os temas preocupantes relativos à identidade que a disciplina 
enfrentou no início dos anos 1980 haviam mobilizado antropólogos voltados 
para a história da antropologia. Naquele momento, o diagnóstico de Stocking 
Jr. era familiar: “Com o retraimento do guarda-chuva do poder europeu, que por 
tanto tempo protegeu sua entrada no campo colonial, antropólogos viram 
cada vez mais dificuldade em ganhar acesso (e, mais eticamente problemático, 
estudar) os ‘outros’ não-europeus que tradicionalmente despertaram a im agi­
nação antropológica” (1983b, p. 4).
Conferências e congressos continuaram a produzir publicações bem rece­
bidas pelos profissionais (por exemplo, Fox, 1991), e o lançamento de novos 
periódicos (por exemplo, C ultu ra l A nthropo logy , em 1986, e, alguns anos 
depois, em 1988, Public Culture) sinalizou novas arenas para a experimentação 
e o redesenho das disciplinas existentes: “Uma fonte de transformação é a do 
puro poder e influência de idéias das margens para o centro dominante. Outra 
fonte simultânea vem das vozes dissonantes situadas no campo do [discurso] 
oficial” (Marcus, 1991, p.564). Nesse meio-tempo, D ia lectica lA n th ropo logy 
(1985) dedicava parte de um de seus números à discussão das “vertentes 
nacionais”, que incluía a antropologia feita na França, Grã-Bretanha, União 
Soviética e Alemanha.
Naturalmente que Said (1978) tinha sido uma referência central desde o 
momento de sua publicação, e temas sobre colonialismo continuavam a ser ana­
lisados (por exemplo,Thomas, 1994), com conexões próximas à literatura sobre 
gênero e feminismo (por exemplo, Dirks et alii 1994; Behar & Gordon, 1995; 
Lamphere et alli 1997).
Antropologia pós-exótica?
Uma mudança de orientação, das preocupações com a escrita antropológica para 
a atenção aos lugares e audiências, marcou a década de 1990. Strathern (1995)
A teoria vivida
examina os contextos mutantes nos quais se desenvolvem diferentes formas de 
conhecimento (o que inclui osantropólogos) como um prelúdio ao questiona­
mento dos pressupostos sobre perspectivas locais e globais. (Nesse meio-tempo, 
a Associação Européia dos Antropólogos Sociais é fundada, em 1990, e dois 
anos depois lança a revista Social A nthropology.)
Quase sim ultaneam ente, dois livros sobre “lugares antropológicos” 
(lo ca tion s) foram publicados: Clifford (1997) examina caminhos (routes) como 
práticas espaciais da antropologia, notando que a pesquisa de campo se tem fun­
dado na distinção entre uma base em casa e um lugar externo de descobertas. 
Contudo, noções de “a t hom e e além-mar, internalidades e externalidades, cam­
pos e metrópoles são cada vez mais desafiadas por vertentes pós-exóticas e des­
colonizadas”.11 Agora, campos de pesquisa precisam ser negociados - e porque 
não há uma fórmula narrativa ou uma maneira de escrever inerentemente ade - 
quada a uma “política do lugar”, a distância antropológica às vezes é reconstruída 
de forma confusa e relativa. Gupta & Ferguson (1997a; 1997b) também reco­
nhecem que a antropologia se desenvolveu como um corpo de conhecimentos 
baseado na especialização regional. A separação espacial entre “o campo” e home 
leva os autores a examinarem o pesquisador como um objeto antropológico. É 
possível perceber aqui o que Ahmad (1992) denunciou como “migração pós- 
moderna”, mas, de qualquer forma os autores sentem necessidade de propor 
soluções. Clifford (1997) sugere que a pesquisa de campo tradicional, certa­
mente, manterá seu prestígio, mas a disciplina poderá também “ficar mais pró­
xima às antropologias nacionais’ que muitos países europeus e não-ocidentais 
desenvolvem, com visitas curtas e repetidas tornando-se norma e a pesquisa de 
vários anos, totalmente financiada, uma raridade”.12 Gupta & Ferguson tam­
bém vêem soluções alternativas possíveis para a pesquisa de campo em tradições 
“nacionais” fortes e antigas como as do México, Brasil, Alemanha, Rússia ou 
índia (1997b, p.27), sugerindo que antropólogos façam a passagem necessária 
da idéia de “sítios espaciais” para a de “locações políticas”, seguindo, assim, a lite­
ratura feminista contemporânea.
Tais alternativas tornaram-se inspiração paraMoore (1996), que examinou 
práticas e discursos como conjuntos de “s itu a ted k n ow led ges ' (cf. Haraway,
1988), todos, simultaneamente, locais e globais. Para a organizadora do livro, o 
futuro do conhecimento antropológico deveria ser antecipado como resultado 
de um desafio colocado por acadêmicos do Terceiro Mundo, por movimentos 
negros e feministas.
A questão das audiências tornou-se um outro tópico. Quase duas décadas 
depois da tentativa malsucedida de Michael Fischer, de incluir uma introdução
A antropologia at home
para iranianos e outra para norte-americanos (em Fischer, 1980), a preocupação 
com o público que consome literatura antropológica finalmente surgiu na 
Europa (Driessen, 1993) e nos Estados Unidos (Brettell, 1993), em um contexto 
de questionamentos relacionados à “política da etnografia”. O reconhecimento de 
que as audiências variam levou Marcus (1993a; 1993b), na introdução ao pri­
meiro número de Late E ditions, a propor que os diferentes volumes da série 
tinham como objetivo atingir “g loba lly -m ind ed U.S. academics" , procurando um 
espaço entre a antropologia e os cu ltura l studies. Seu propósito era evocar tanto 
um sentido de familiaridade quanto de estranhamento nos leitores educados nas 
universidades norte-americanas (Marcus, 1993b, p.5).
As questões sobre público, locação, política e teoria estiveram presentes no 
número especial de Public Culture devotado à discussão de Ahmad (1992), mas 
apenas para revelar a disparidade de interpretações sobre o status da teoria, 
incluindo o desacordo sobre o campo da “política da teoria” (Appadurai et al, 
1993; Ahmad, 1993). Outra tentativa de discussão internacional foi lançada por 
Borofsky (1994), em uma publicação coletiva que resultou de uma sessão orga­
nizada no encontro anual da American Anthropological Association de 1989. 
O livro incluía depoimentos individuais sobre as “raízes intelectuais” dos auto­
res colaboradores. O projeto teve continuidade em 1996, a partir de outra sessão 
em encontro similar, em que o título “How others see us: American cultural 
anthropology as the observed rather than the observer” indicava um exercício na 
direção da reversibilidade do conhecimento antropológico (a despeito do fato de 
os “outros”, com poucas exceções, virem da Europa e dos Estados Unidos).
Entre as etnografias a t hom e, gostaria de singularizar um livro, o de 
Rabinow (1996), sobre a invenção da reação em cadeia da polimerase (conhe­
cida como PCR, ou p o lym era se cha in rea ction ). As razões para elegê-lo são 
variadas: primeiro, pela motivação antropológica clássica que expressa (“Fre­
qüentemente me senti intrigado, embora cético, pelo conhecimento miraculoso 
que se tornou possível pelas novas tecnologias que supostamente conduziriam a 
uma nova era”). Em segundo lugar, o livro desperta interesse por sua estrutura 
canônica, exatamente no contexto pós-moderno no qual se vê inscrito: os dois 
primeiros capítulos apresentam a ecologia da invenção, o terceiro focaliza o pro­
cesso que culminou na invenção, enquanto os dois últimos demonstram que 
uma idéia tem pouco valor se não é posta em ação. Em terceiro lugar, o livro é 
inovador pela atitude de fazer tanto entrevistados quanto leitores colaborarem 
no texto: no estilo de Late Editions, transcrições de conversas com cientistas, téc­
nicos e homens de negócios estão presentes. Finalmente, apesar de protestos de 
antidisciplinaridade, o livro reforça a idéia de que, mesmo a t hom e, o etnólogo
A teoria vivida
precisa aprender outra língua (nesse caso, a da biologia molecular), durante um 
longo período de socialização, e, como sempre, enfrentar o problema de quem 
tem a autoridade e a responsabilidade de representar a experiência e o conheci­
mento.13 O lato de o livro não ser encontrado nas prateleiras de antropologia nas 
livrarias norte-americanas, mas nas estantes de ciência, reforça, por exclusão, a 
associação duradoura entre a antropologia e o exotismo.14
De outro ponto de vista
Até o momento, focalizei trabalhos que sugerem um movimento complexo, mas 
relativamente regular, em que os antropólogos dos centros metropolitanos 
foram, ao longo do último século, trazendo a antropologia de além-mar para 
casa e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para que antigos “nativos” desenvolves­
sem sua própria antropologia. Neste momento, abro um parêntese para indicar 
uma voz dissonante no que diz respeito ao último tópico e que, indiretamente, 
atinge a antropologia que se faz no Brasil.
Observando o caso da Grécia a partir de depoimentos dos próprios antro­
pólogos locais, Kuper (1994) critica o que denomina “etnografia nativista”—um 
caso extremo de antropologia athom e. Segundo ele, a etnografia nativista, geral­
mente, tem como fonte de inspiração o trabalho de Edward Said e o discurso 
pós-moderno reflexivo, assumindo uma postura controvertida: primeiro, que 
apenas nativos compreendem nativos e, segundo, que o nativo deve ser o juiz da 
etnografia, até mesmo seu censor. Kuper é crítico desta posição, mas sua pro­
posta não é menos controvertida: defendendo alguns etnógrafos que nomeia 
individualmente, e sancionando diferentes tradições de pesquisa etnográfica, ele 
sugere uma alternativa “cosmopolita” para a antropologia.
O que é esta “alternativa cosmopolita”? Para Kuper, etnógrafos cosmopoli­
tas devem ter como interlocutores internalizados apenas outros antropólogos (e 
não, por exemplo, estrangeiros curiosos ou voyeu rs de gabinete; também não 
deveriam ter como interlocutores os nativos ou a comunidade nativa de experts, 
isto é, cientistas sociais, especialistas em planejamento e intelectuais locais). 
Para o autor, sua antropologia cosmopolita seria uma ciência social irmã da 
sociologia e da história social, sem vínculos com nenhum programa político.
Aqui, proponhoque essa noção de antropologia cosmopolita seja contras­
tada com o projeto multicentrado dos antropólogos indianos (Uberoi, 1968; 
1983, M adan, 1994; Das, 1995a). M uito antes de as preocupações com a 
antropologia a t hom e surgirem, a índ ia ofereceu ao mundo acadêmico longas
A antropologia at home
discussões sobre o estudo o fo n e s ow n society (Srinivas, 1955,1966,1979; Uberoi, 
1968,Béteille&M adan, 1975;Madan, 1982a, 1982b; Das, 1995a), diretamente 
vinculadas à questão atual das audiências e dos públicos para a escrita antro­
pológica. Se os antropólogos, em geral, não aproveitaram como poderiam essa 
extensa produção, a questão é outra (ver Capítulo 1). A índia também foi cená­
rio do renascimento único de um periódico internacional, C ontribu tion s to 
Indian Sociology, depois que seus fundadores, Louis Dumont e David Pocock, 
decidiram encerrar a publicação na Europa após uma década de existência.15 Os 
debates desenvolvidos na seção “For a Sociology of índia” - o título do primeiro 
artigo publicado pelos editores (Dumont & Pocock 1957) - , depois transfor­
mada em seção regular da revista, revelaram ser este um fórum de discussão teó­
rica, acadêmica, política e até pedagógica, ímpar, envolvendo especialistas de 
várias orientações. Se o desenvolvimento da ciência, assim como a paixão que 
desperta, pode ser apreciado nos debates intelectuais e acadêmicos (Latour,
1989), então esse fórum de trinta anos tem uma história das mais interessantes 
para contar. Autores que adotam posição semelhante à de Kuper (1994) ficam 
impedidos de apreciá-la.16
Ao adotarem uma perspectiva universalista sem se situar no centro, os 
antropólogos indianos estão cientes de seus múltiplos interlocutores. Madan 
(1982b, p.266) menciona dois tipos de conexões triangulares: (a) a relação entre 
o antropólogo de dentro, o de fora e o grupo estudado, e (b) a relação entre o 
antropólogo, o agente financiador da pesquisa e o grupo estudado. Das (1995a) 
também aponta para três tipos de diálogo dentro da literatura antropológica 
produzida na índia: (a) com as tradições ocidentais acadêmicas na disciplina, (b) 
com o sociólogo e antropólogo indiano, e (c) com o “informante”, cuja voz está 
presente quer como informação obtida no campo, quer como textos escritos da 
tradição. Nesse sentido, a antropologia na Índia avalia e refina, ao mesmo tempo, 
o discurso antropológico e o conhecimento sobre sua própria sociedade. Nesse 
contexto, é interessante relembrar que antropólogos estrangeiros que trabalha­
ram na índ ia também se engajaram em diálogos com especialistas locais, e 
alguns desses debates influenciaram profundamente ambos os lados. Bons 
exemplos a citar são o diálogo ininterrupto, enquanto seus autores viveram, entre 
Dumont e Srinivas, as reações de Dumont ao filósofo indiano A.K. Saran 
(Srinivas, 1955,1966, Dumont, 1970, 1980; Saran, 1962) e o debate entre os 
historiadores dos suba ltern stud ies com Dumont (Guha & Spivak, 1988), in­
cluindo a recepção e a influência dos últimos na Europa e alhures. Mas, publi­
cadas na Europa, as contribuições de Dumont não explicitavam essa interlo- 
cução no período que se estende dos anos 1960 aos 1980 - ao contrário, ela só
A teoria vivida
surgia como sub texto. Na produção contemporânea dos historiadores dos subal- 
tern studies os diálogos são mais visíveis.
Alteridade no Brasil
Deixando o “continente internacional” e aproximando-nos de mais uma das 
“ilhas”do mundo antropológico (Gerholm ÔcHannerz, 1982b), chegamos, via 
índia, ao Brasil. Destaco um aspecto fundamental: uma característica marcante 
da antropologia que se faz na índia é que os cientistas sociais têm por objetivo 
oferecer alternativas às questões ocidentais. Mas eles estão cientes de que per­
guntas ocidentais pré-direcionam seus esforços, até mesmo sua contestação - o 
Ocidente é um interlocutor poderoso e internalizado.
Já no Brasil, a imagem de um diálogo inevitável com os centros de produ­
ção intelectual está sempre presente, mas o tom é diferente: antropólogos brasi­
leiros imaginam-se como parte do Ocidente, mesmo que, em aspectos impor­
tantes, eles não sejam. Como uma das ciências sociais, a antropologia no Brasil 
encontra seu nicho intelectual na interseção de várias correntes: primeiro, as ver­
tentes contemporâneas ou canônicas do conhecimento acadêmico ocidental; 
segundo, um sentido de responsabilidade social em relação ao grupo estu­
dado; e, terceiro, a linhagem de pensamento social desenvolvida no país pelo 
menos desde os anos 1930 (que, naturalmente, inclui empréstimos intelectuais 
e engajamentos políticos anteriores).
No contexto dessa configuração complexa, a teoria é o caminho nobre para 
diálogos intelectuais existentes ou virtuais, e o engajamento social é um compo­
nente poderoso da identidade do cientista social (ver, por exemplo, Cândido, 
1958; Peirano, 1981; Bomeny et al., 1991; Schwartzman, 1991; H. Becker, 1992; 
Reis, 1996). Onde a teoria tem tamanho poder ideológico, a comunicação 
torna-se mais complexa pelo fato de o português ser a língua de discussão inte­
lectual (escrita e oral) e o inglês e o francês, as línguas de formação. Uma apre­
ciação rápida sobre o que se faz como antropologia no Brasil não revela, por­
tanto, grandes surpresas em termos de produção intelectual - contanto que se 
saiba bem o português. No entanto, exatamente porque o diálogo intelectual, no 
mais das vezes, se desenvolve com interlocutores ausentes, respostas alternati­
vas às preocupações correntes do “continente”, tais como etnicidade, pluralismo 
cultural e social, raça, identidade nacional etc. são rotineiras. (Foi nesse contexto 
que Arantes (1991) ironicamente caracterizou o meio intelectual brasileiro 
como um “tanque de decantação na periferia”.)
A antropologia at home
Algo como uma certa singularidade surge quando se procura por traços 
coletivos. Oposto aos Estados Unidos e à Europa de hoje, o ponto crítico no 
Brasil não se resume nem ao exotismo nem à culpa associada a ele. A relação com 
o exotismo tomou caminho diferente no Brasil. A noção durkheimiana de dife­
rença, mais que o exotismo, chamou a atenção dos antropólogos onde e quando 
eles encontraram um “outro”, sancionando, assim, a idéia de que a influência 
francesa foi bem mais forte que a herança germânica. Por outro lado, devido ao 
fato de a inclinação geral ser, ao mesmo tempo, teórica e política e, portanto, 
congenial aos valores e responsabilidades de construção da nação, a alteridade 
tem sido recorrentemente encontrada dentro dos limites do país (para as exce­
ções, ver G. Velho 1995; Peirano 2000) e, de maneira freqüente, relacionada à 
procura de uma singularidade “brasileira” (DaMatta, 1984; ver Fry 1995a para a 
questão explícita).
A maneira como a alteridade tem sido concebida no Brasil pelos antropó­
logos será o objeto do próximo capítulo. Aqui, apenas antecipo que identificarei 
quatro tipos ideais relacionados à adaptação local da noção de exotismo que 
marcou o momento sociogenético da disciplina. São eles: “alteridade máxima”, 
“contato com a alteridade”, “alteridade próxima” e “nós como outros”. Sendo 
tipos ideais weberianos, eles não são empiricamente discretos nem mutuamente 
excludentes: cortando um con tinuum sobre a preocupação com a alteridade, 
muitos autores adotam mais de uma perspectiva ou as combinam em diferentes 
momentos de suas carreiras - todos são, contudo, reconhecidos legitimamente 
como antropólogos, mas, curiosamente, nenhum se sente desenvolvendo anthro- 
p o lo g y a t home. Aliás, sugiro que, no caso brasileiro, a antropologia além-mar é 
que poderá vir a ser a categoria marcada.
Conclusão
A institucionalização das ciências sociais no momento em que se alavanca o 
processo de construção da nação (na tion -bu ild in g ) é um fenômeno conhecido 
(E. Becker, 1971, para França e Estados Unidos; Saberwal, 1982a, para a índia), 
tanto quanto o paradoxo de uma ciência social crítica sobrevivendo contra os 
interesses das elitesque a criaram. No Brasil dos anos 1930, uma ciência social 
foi adotada com o objetivo de prover uma abordagem científica para se desenhar 
o futuro do novo país. Acreditava-se que, no tempo devido, a ciência social iria 
substituir o ensaio social, que havia sido, no Brasil, até então, “mais que a filo­
sofia e as ciências humanas, o fenômeno central da vida espiritual”.17 Assim,
A teoria vivida
dos anos 1930 aos 1950, enquanto a ciência social maturava uma sociologia 
“feita-no-Brasil” - que se tornou hegemônica durante as duas décadas seguin­
tes —, o estudo canônico dos grupos indígenas era a regra a ser seguida. Na década 
de 1960, esses trabalhos começaram a dividir a cena com uma nova tendência de 
analisar o contato como “fricção interétnica” e, imediatamente depois, nos anos 
1970, com camponeses e estudos urbanos. Ao longo dessas décadas, a pouca dis­
tinção entre as disciplinas havia acompanhado o engajamento social e a ambi­
ção por padrões de excelência acadêmica, a “diferença” sendo encontrada perto 
ou, pelo menos, não muito longe de casa.
Há algum tempo, Perry Anderson (1968) sugeriu que uma antropologia 
britânica exuberante foi o resultado da exportação do pensamento social crítico 
para os povos que subjugou na primeira metade do novecentos. Anderson tam­
bém lembrou que a sociologia que a Inglaterra deixou de desenvolver em casa 
deu lugar a uma antropologia próspera. Mais recentemente, Fischer (1988) afir­
mou que os antropólogos norte-americanos não desempenham o mesmo papel 
social que ele percebeu entre os antropólogos brasileiros, como intelectuais 
públicos, não porque aos norte-americanos falte engajamento, mas devido à 
perda de bifocalidade, capaz de ser treinada simultaneamente a t hom e e abroad 
na cultura norte-americana, sobretudo no processo de se transformar e ser trans­
formada pela sociedade global, trazendo, assim, à tona o tema dos intercâmbios 
e empréstimos intelectuais.18
M inha intenção, neste capítulo, foi ampliar e estender essas discussões 
sobre os componentes das noções de a t hom e e abroad, apontando para algumas 
dificuldades que são inerentes aos diálogos intelectuais. De forma significativa, 
a justaposição efetiva entre a experiência da “antropologia internacional” e expe­
riências como a nossa (como se elas fossem inteiramente distintas) indica que, 
com grande freqüência, os autores encontram-se somente no final de livros e de 
artigos, sem interlocução substantiva no texto, apenas lado a lado, na seção 
de referências bibliográficas. As implicações desse fenômeno merecem maior 
atenção da nossa parte.
3 A alteridade em contexto:
o caso do Brasil1
J e por muito tempo a antropologia foi definida pelo exotismo do 
seu objeto de estudo e pela distância que separava o pesquisador do seu grupo de 
pesquisa, hoje essa situação mudou. A antropologia não se resume a um objeto, 
ela se interessa pela diferença. A idéia de que a alteridade é um aspecto fundante 
da antropologia, sem o qual a disciplina não reconhece a si própria, é um dos 
argumentos centrais deste capítulo.
O Brasil é o caso etnográfico privilegiado. Chamo a atenção para o fato de 
que, no contexto brasileiro, as exigências relativas às diferenças adquiri­
ram, desde cedo, contornos específicos. Uma alteridade radical - no caso, a in ­
dígena - , vigente até os anos 1950, nas décadas seguintes passou a conviver com 
alteridades “amenizadas”, situação na qual os antropólogos faziam pesquisas 
sobre o contato com as populações indígenas, depois com camponeses, che­
gando mais tarde aos contextos urbanos. Mais recentemente, nos anos 1980, os 
antropólogos passaram a dirigir sua reflexão para a própria produção socioló­
gica, tornando-se este um caso de alteridade mínima. No ambiente da antropo­
logia no Brasil, nos últimos trinta anos, a alteridade deslizou , territorial e ideolo­
gicamente, em um processo dominado pela incorporação de novas temáticas e 
ampliação do universo pesquisado.
O exemplo brasileiro revela, assim, que a diferença cultural pode assumir, 
■para os próprios antropólogos, uma pluralidade de noções: se em termos canônicos 
ela seria tão radical que idealmente estaria além-mar, ao aculturar-se em outras 
latitudes a alteridade (européia) traduziu-se em diferenças relativas e não neces­
sariamente exóticas. Juntas ou separadas, essas diferenças podem ser culturais,
53
A teoria vivida
sociais, econômicas, políticas, religiosas e até territoriais. Assim sendo, o processo 
que nos centros metropolitanos levou um século para se desenvolver, isto é, tra­
zer a disciplina para casa, no Brasil não demorou mais que três décadas. Mesmo 
que, hoje, entre nós existam prioridades intelectuais e/ou empíricas, assim como 
modismos (teóricos ou de objetos/sujeitos), não há propriamente restrições em 
relação a essa multiplicidade de “alteridades”. Na última década, a presença de um 
mínimo de especialidades, entre elas temáticas indígenas, camponesas, urbanas, 
afro-brasileiras e outras, vem sendo reputada como uma exigência para o estabe­
lecimento, na universidade, de um departamento de excelência.2
O foco central deste capítulo recai nas três últimas décadas do desenvolvi­
mento da antropologia no Brasil, mas não se restringe a esse período. Adoto, na 
verdade, uma estratégia de contrastes, quer históricos, quer etnográficos, e 
incluo, com esse propósito, casos comparativos ao longo do texto, como os da 
índia e dos Estados Unidos.3 Tenho como objetivo apresentar uma configura­
ção típico-ideal para a antropologia desenvolvida no Brasil. Procuro indicar, ao 
focalizar a produção da comunidade brasileira de antropólogos, em que medida - 
apesar de rotulada por muitos como “periférica” - ela oferece uma oportunidade 
para se detectar elementos fundantes nos próprios centros metropolitanos, além 
de evidenciar em que sentido a disciplina, aqui, tanto acompanha as experiên­
cias desenvolvidas em outros contextos quanto difere delas. Esse é, portanto, 
mais um ângulo de visão do que se pode chamar uma antropologia no plural.
Orientação geral
Neste capítulo, levo em consideração que uma disciplina pode ter o mesmo 
nome em diversos momentos sem que tenha necessariamente idêntico con­
teúdo ou igual objetivo. Desse modo, denominar um tipo de conhecimento de 
“antropologia” em momentos e contextos distintos não significa que se está 
designando o mesmo fenômeno. Segundo, parto do suposto de que não é possível 
falar sobre a história de uma disciplina sem levar em conta o desenvolvimento 
de áreas vizinhas - quer sejam elas modelos ou rivais da primeira. Assim, por 
exemplo, investigar o crescimento da antropologia no Brasil depois dos anos 
1950 exige que se examine as demais ciências sociais (pelo menos a sociologia e 
a ciência política); para uma avaliação antes dos anos 1950, é preciso levar em 
conta a literatura.4 Terceiro, mesmo quando se define um enfoque dominante, 
este nem sempre é medrado apenas por especialistas da área. Isso denota que, 
conscientemente ou não, a antropologia pode ser feita por não-antropólogos.
A alteridade em contexto
Finalmente, uma disciplina acadêmica revela sua provável configuração no diá­
logo com as idéias e os valores dominantes de uma sociedade. No caso brasileiro, 
as ciências sociais foram reconhecidas socialmente quando o país passou a se 
conceber legitimamente como parte do mundo moderno, aderindo ao preceito 
iluminista de estarem comprometidas com a vida nacional no seu conjunto.5
Essa orientação nos remete, de imediato, a uma questão central: externamente 
à disciplina, tem sido com a sociologia que a antropologia vem dialogando desde a 
institucionalização das ciências sociais, na década de 1930; já internamente, esse 
diálogo é vivido como uma dicotomia entre a etnologia indígena fe i ta no B rasile as 
investigações antropológicas sobre o Brasil. Na década de 1950, tendo a sociologia 
se tornado hegemônica entre as ciências sociais - e concebida como uma aborda­
gem que combinava excelência teóricacom engajamento político —, à antropologia 
restou a opção de se manter nos parâmetros dos estudos de sociedades indígenas, 
como até então, ou integrar-se no projeto sociológico dominante. Quando 
Florestan Fernandes transferiu suas preocupações dosTupinambá para as relações 
raciais, esse movimento representou mais que uma guinada na direção da Escola de 
Chicago, e mais que a admissão de que osTupinambá só serviram para a formação 
de seu autor. Naquele momento, a excelência acadêmica definiu-se como parâ­
metro e a temática nacional estabeleceu-se como projeto; teoria e política passavam 
a fazer parte da agenda das ciências sociais no país.6 É quando, então, o rótulo antro­
pologia se expande em pelo menos duas direções: ele serve para designar a inves­
tigação etnológica canônica em busca da alteridade radical, mas passa igualmente 
a indicar uma sublinhagem que, definindo-se também como antropologia, dia­
loga com a sociologia hegemônica. Tenho em mente, no segundo caso, os estudos 
sobre “fricção interétnica”,7 que viam o contato com grupos indígenas como um 
indicador sociológico para se estudar a sociedade nacional — isto é, seu processo 
expansionista e sua luta pelo desenvolvimento.8 Essa ampliação dos limites da dis­
ciplina persiste, em um quadro no qual convivem, no mesmo meio acadêmico, 
uma antropologia f e i t a no Brasil e uma antropologia do Brasil.9 Para além da pes­
quisa indígena propriamente dita, uma antropologia feita no/do Brasil é uma aspi­
ração comum.
Exotismo e tipo ideal
Aqui, considero o exotismo a diferença-limite da apreensão antropológica. Da 
perspectiva do tema clássico dos tabus, o exotismo é a alteridade mais distante, 
remota e, ainda assim, passível de apreensão em um determinado universo. É
A teoria vivida
certo que noções mais ou menos explícitas de distância (territorial, cultural, 
social) estão sempre presentes, mas a alteridade, como diferen ça ou como exo­
tism o , diverge: se todo exotismo é um tipo de diferença, nem toda diferença é 
exótica. Por outro lado, a ênfase na diferença tem como dimensão intrínseca a 
comparação; já a ênfase no exotismo dispensa contrastes.
Contudo, o exotismo na antropologia não é uma realidade histórica pura e, 
muito menos, uma “realidade autêntica” no sentido weberiano. Trata-se, sim, de 
um elemento relevante para a construção de um tipo ideal, em relação ao qual se 
podem medir exemplos empíricos a fim de esclarecer alguns de seus traços 
essenciais. Reforço essa proposta observando que, nas últimas décadas, um 
grupo de antropólogos vem questionando como indesejável exatamente a 
dimensão exótica da antropologia (por exemplo, Thomas, 1991). M as, na 
medida em que essas críticas não levam em conta o significado contextuai do 
exotismo e, portanto, a ele não se oferecem alternativas se não sua erradicação, 
fica enfatizado, às avessas, seu papel fundante e a evidência de que, sem uma 
noção de diferença, a antropologia desaparece.10
E preciso notar, porém, que, em termos empíricos, a antropologia nunca se 
definiu simplesmente pelo exotismo, embora até o meio do século XX ela se con­
siderasse um ramo dos estudos sociológicos devotado primordialmente às socie­
dades primitivas (Evans-Pritchard, 1951). Logo a seguir, contudo, Lévi-Strauss 
(1961) lembrou que o caráter específico da antropologia não estava no seu objeto 
empírico, mas, sim, naquela dimensão de diferen ça que sempre havia estado pre­
sente no estudo dos povos primitivos - se, até então, esses desvios diferenciais só 
eram apreendidos quando se comparavam civilizações distintas e longínquas, 
agora eles poderiam ser notados dentro do próprio mundo ocidental, no 
momento em que o Ocidente se tornava uma grande “aldeia crioula”. (No 
entanto, quando Lévi-Strauss veio ao Brasil nos anos 1930, seu horizonte de 
pesquisa era o exotismo. Castro Faria menciona que a designação de “expedição” 
era coerente com a preocupação de Lévi-Strauss em fotografar e documentar o 
que encontrava para, posteriormente, mostrar o material em Paris; Peixoto
(1998) indica o papel fundamental dessa exposição na carreira do autor.)
Esse estímulo nunca foi dominante no Brasil.11 O fato de as pesquisas indí­
genas serem realizadas em território nacional indica menos problemas de recur­
sos financeiros — um argumento a se considerar — e mais a escolha de um objeto 
de estudo que se apresenta ou se mistura com uma preocupação com diferenças 
que são culturais e/ou sociais, ratificando a idéia de que, no Brasil, a influência 
durkheimiana se sobrepôs à germânica. Pode-se, naturalmente, argumentar que 
os grupos indígenas representaram o “exotismo possível” no Brasil, mas a alteri-
A alteridade em contexto
dade não sendo predominantemente radical, prevaleceu a exigência de rigor teó­
rico combinado à força moral que define a ciência social como comprometida e 
transformadora. (Durkheim explicitamente negava o interesse pelo mero exó­
tico e afirmava que a sociologia “não busca conhecer formas extintas de civiliza­
ção com o objetivo único de conhecê-las e reconstituí-las”, como também “não 
procura estudar a religião mais simples pelo simples prazer de contar suas extra­
vagâncias e singularidades”. Para ele, a sociologia tem por objeto explicar uma 
realidade atual e próxima, “capaz portanto de afetar nossas idéias e nossos atos” 
[1996, p.v-vi; ênfases minhas].)
Retornando ao ponto crítico dos anos 1950, compreende-se, então, por 
que, no momento em que era vitorioso na sua proposta de forjar uma sociologia 
feita no Brasil, Florestan Fernandes (1961) criticou tão duramente o empirismo 
da antropologia e seu descaso com questões de fundo teórico. Por outro lado, fica 
também esclarecido por que só recentemente a antropologia no Brasil retomou 
os Tupinambá como modelo;12 por que pouco existe na antropologia contem­
porânea que evidencie uma conexão direta com a linha de pesquisas indígenas 
que se desenvolveu na década de 1950 na USP - como uma associação imediata 
entre antropologia e exotismo poderia supor;13 por que as descendências inte­
lectuais dos etnólogos alemães do século XIX não se tornaram regra geral (como 
em Schaden 1955a; Baldus, 1954, por exemplo);14 e, finalmente, por que a dis­
puta histórica entre uma vertente antropológica canônica e outra sociológica 
encontrou sua resolução na noção de antropologia como ciên cia s o c i a l Como 
tal, ela se insere em um quadro geral em que conhecimento e comprometimento 
político estão unidos em uma configuração única, situação distinta da que se 
pode encontrar, por exemplo, nas “humanidades” e nos f o u r f ie ld s norte-ameri- 
canos - nos quais a antropologia social ou cultural dialogam com a arqueologia, 
a lingüística e a antropologia física/biológica ou ainda na distinção etno­
logia/sociologia de outras vertentes européias.16 Se as disciplinas vizinhas dife­
rem, são igualmente distintas as perguntas que elas se fazem.
O caso do Brasil
Se a noção de diferença é definidora da antropologia, a questão é saber onde ela 
se aninhou no caso brasileiro. Proponho que nos últimos trinta anos a alteridade 
deslizou de um pólo onde ela é (ou pretende ser) radical a outro, onde nós mes­
mos, cientistas sociais, somos o outro. Dessa perspectiva, podemos identificar 
quatro tipos ideais: (a) a alteridade radical; (b ) o contato com a alteridade;
A teoria vivida
(c) a alteridade próxima; {d) a alteridade mínima. Esses tipos não são excluden- 
tes e, ao longo de suas carreiras acadêmicas, antropólogos transitam por vários 
deles. Em termos cronológicos, nota-se uma certa seqüência: o projeto de se pes­
quisar a alteridade radical antecipa o estudo do contato; a este se segue a antro­
pologia em casa, até que se atinge a investigação da própria produção socioló­
gica no país. Esse é o momento em que fronteiras nacionais são ultrapassadas e 
se retorna à alteridade radical, agora modificada. (Esclareço que, no que se 
segue, não faço citações exaustivas dos casos indicados, mas apenas menciono 
alguns trabalhospara sinalizar diferenças temáticas e de abordagem. Com os 
autores cujos trabalhos são citados, desculpo-me pelas ausências inevitáveis.)
Alteridade radical
A procura canônica pela alteridade pode ser ilustrada, no Brasil, em termos de 
distância (geográfica ou ideológica), de duas maneiras: em primeiro lugar, no 
estudo de populações indígenas; em segundo, no objetivo mais recente de ultra­
passar os limites territoriais do país. Em ambos os casos, em termos comparati­
vos com a “antropologia internacional” (cf. Capítulo 2), a alteridade radical não 
é extrema.
Vejamos a primeira situação. Hoje, iniciantes no campo podem discernir 
algumas antinomias: Tupi ou Jê; parentesco ou cosmologia; Amazônia e Brasil 
Central ou Xingu; história ou etnografia; economia política ou cosmologia des­
critiva (ver Viveiros de Castro, 1995b). Como em qualquer antinomia, as opções 
empíricas disponíveis estão muito além. Mas, nesse contexto, a pesquisa tupi, 
tendo praticamente desaparecido da cena etnológica no Brasil durante os anos 
1960 e início dos 1970 (contudo, cf. Laraia, 1986), fez sua reentrada nas duas 
últimas décadas (Viveiros de Castro, 1986; 1992; Lima, 1995; Fausto, 1997; 
2001; ver, também, Muller, 1990; Magalhães, 1994). Por sua vez, essas pesqui­
sas induziram a um interesse sistemático pelo parentesco, que, embora seja a área 
clássica da antropologia, nos padrões locais se configurou como novidade.17
Antes da década de 1980, os Jê haviam sido o grupo mais bem estudado do 
Brasil: depois dos trabalhos clássicos de Nimuendajú, os Jê atraíram a atenção de 
Lévi-Strauss (por exemplo, 1956; 1960) e, seguindo-se, o Projeto Harvard- 
Central Brazil (Maybury-Lewis, 1967; 1979).18 Em pouco tempo, os resultados 
desse ambicioso programa de pesquisa tornaram-se a principal fonte de apoio às 
teses estruturalistas. Para uma geração de antropólogos que desenvolveram sua 
carreira no Brasil, essa experiência de campo foi fundamental (ver, por exemplo,
A alteridade em contexto
DaMatta, 1976a; Melatti, 1970; 1978). Nas décadas seguintes, pesquisas sobre os 
Jê tiveram continuidade, embora não se colocasse mais a questão da hegemonia.19
Este rápido apanhado mostra que as pesquisas vêm sendo realizadas em ter­
ritório brasileiro. Embora para os especialistas seja fortuito que os grupos indí­
genas estejam situados no Brasil, o fato é que existem implicações políticas e 
ideológicas nessa localização. Para o objetivo deste ensaio, uma delas indica não 
ser o exotismo a principal motivação para a pesquisa, mas a diferença (social, cul­
tural, cosmológica) entre eles e nós. Mas, tratando-se da linha de pesquisa que 
corresponde às preocupações mais tradicionais da antropologia, é esta a área na 
qual debates com a comunidade “internacional” são mais freqüentes (para um 
debate entre etnólogos franceses e brasileiros, cf. Viveiros de Castro, 1994 e 
Copet-Rougier & H éritier-Augé, 1993; ver, também, Viveiros de Castro, 
2003.) Fica, então, a pergunta: nossa diferença será o exotismo alheio?20
Há o segundo caso, em que a alteridade radical é buscada fora do país. Essas 
pesquisas são recentes e indicam que os antropólogos brasileiros não ficam res­
tritos ao território nacional.21 Mas aqui ainda se mantém algum vínculo com o 
Brasil, sendo possível identificar três direções. Uma nos leva aos Estados 
Unidos, que se tornaram uma espécie de “alteridade paradigmática” para estu­
dos comparativos. Essa prática remonta ao estudo clássico sobre preconceito 
racial de Oracy Nogueira (1986), mas atinge as análises sobre hierarquia e indi­
vidualismo de Roberto DaMatta (1973a; 1980). Desenvolvimentos posteriores 
são, por exemplo, L. Cardoso de Oliveira (2002) e Kant de Lima (1991; 1995a; 
1995b). Nesse contexto, um tópico emergente é o estudo de imigrantes brasilei­
ros e portugueses (G. Ribeiro, 1998; Bianco, 2001).
Uma segunda direção leva-nos às ex-colônias portuguesas e ao interesse 
etnográfico que elas despertam. Fry (1999; 2002; 2005) compara experiências 
coloniais com base nos casos do Brasil, Estados Unidos, Moçambique e 
Zimbábue;Trajano Filho (1993; 1998; 2003) examina os projetos nacionais de 
uma sociedade cr iou la , tendo como referências Guiné-Bissau, São Tomé e 
Príncipe. De uma perspectiva similar, Dias (2002; 2004) desenvolve estudos 
sobre Cabo Verde. A antropologia feita em Portugal instigou uma curiosidade 
antes inexistente, como indicam congressos e conferências nos dois países, ates­
tando mais uma vez seus vínculos históricos, lingüísticos e ideológicos. A litera­
tura recente inclui C. Bastos et alii (2002), G. Velho (1999), além da publicação 
de um número de E tnográ fica (Almeida & Leal, 2000), que reúne artigos de 
antropólogos brasileiros, e o comentário de Pina Cabral (2004) ao volume sobre 
o campo da antropologia no Brasil.
A teoria vivida
Uma terceira frente pode ser detectada nas investigações que não implicam 
necessárias comparações com o Brasil,22 e na recente pesquisa inter e supra­
nacional: Góes Filho (2003) examina rituais da Organização das Nações 
Unidas; Leite Lopes (2004) focaliza movimentos de preservação do meio 
ambiente; K. Silva (2004) analisa as práticas da ONU na formação do Estado- 
nação no Timor-Leste; e, ainda no Timor-Leste, Simião (2005) focaliza a cons­
trução da categoria “violência domestika” no contexto dos valores modernos.
Contato com a alteridade
Se a alteridade radical gerou estudos sobre grupos indígenas, as análises que foca­
lizam a relação da sociedade nacional com grupos indígenas constituem o 
segundo tipo, que denomino de “contato com a alteridade”. Hoje, uma literatura 
considerável é herdeira direta das preocupações indigenistas que, por muito 
tempo, foram geralmente explicitadas somente em artigos publicados à parte da 
obra principal dos etnólogos (por exemplo, Baldus, 1939; Schaden, 1955b; cf. 
Peirano, 1981, Capítulo 4). A transformação dessas preocupações em tópicos legi­
timamente acadêmicos se deu nas décadas de 1950 e 1960: Darcy Ribeiro (1957; 
1962) centrou o tema no indigenismo, que, mais tarde, recebeu o polimento teó­
rico de Roberto Cardoso de Oliveira com a noção de “fricção interétnica”.
Considerada por muitos uma inovação teórica da antropologia feita no 
Brasil, essa concepção apareceu como bricolagem de preocupações indigenistas 
e inspiração sociológica, revelando “uma situação na qual dois grupos são diale- 
ticamente unidos por meio de seus interesses opostos”.23 Esse conceito foi pro­
posto em um contexto no qual teorias de contato, tanto britânicas (Malinowski) 
quanto norte-americanas (Redfield, Linton e Herskovitz), se haviam provado 
inadequadas. Roberto Cardoso substituiu-as pelo somatório singular que com­
binou a preocupação indigenista de Darcy Ribeiro, a sociologia de Florestan 
Fernandes e os trabalhos de Balandier- tornando-se um dos casos típicos de des­
cendência intelectual a somar inspiração “local” com empréstimos “externos”.24 
Em termos de reprodução acadêmica, esses estudos tiveram longa duração e 
foram centrais na consolidação de vários programas de mestrado e doutorado.25
No entanto, lembro que, quando a noção de fricção interétnica foi proposta, 
uma cena peculiar se desenvolvia: dividindo o mesmo espaço institucional e, 
mais importante, freqüentemente envolvendo os mesmos pesquisadores 
(Laraia ôcD aM atta, 1967; DaM atta, 1976a; 1976b; M elatti, 1967), muitos 
estudos foram realizados nos quais, de um lado, se examinavam os sistemas 
sociais indígenas (cf. o Projeto Harvard-Central Brazil, já mencionado) e, de 
outro, se analisava o contato interétnico. Para essa primeira geração de antropó­
A alteridade em contexto
logos formados no Museu Nacional, o estudo do contato interétnico não foi, 
portanto, exclusivista.26
Nos anos 1980, os estudos sobre o contato tiveram um novo impulso. 
Oliveira Filho (1987; 1988) expandiu as preocupações interétnicas, passando a 
incluir dimensões históricas. Um conjunto de pesquisas se seguiu sobre políticas 
indigenistas, a demarcaçãode terras indígenas, o papel dos militares nas fron­
teiras, a idéia de territoria lização e o processo de mão dupla dela decorrente, o 
exame dos “índios misturados” do Nordeste e os direitos dos índios (Oliveira 
Filho, 1998; 1999a; 1999b). M ais recentemente, Souza Lima (1995; 2002a; 
2002b) investiga o indigenismo como um conjunto de ideais relativos à inserção 
de povos indígenas em sociedades pertencentes a Estados nacionais. Em parti­
cular, Souza Lima & Barroso-Hoffman (2002) focalizam a associação entre a 
antropologia e o Estado em relação à política indígena, confrontando o paradoxo 
de que políticas sociais freqüentemente criam e mantêm desigualdades sociais.
Junto a essas frentes de investigação, ver Baines (1991) para a relação entre 
grupos indígenas e a Funai; para a legislação indígena e as condições dos índios 
sul-americanos, ver Carneiro da Cunha (1992; 1993), S. Santos (1982; 1989). 
Depois de uma trajetória no terreno da etnologia clássica (Ramos, 1990), ver 
Ramos (1995) para uma avaliação da etnografia Yanomami em um contexto de 
crise social e Ramos (1998) para um estudo abrangente sobre o lugar do indige­
nismo na ideologia nacional.
Aqui, faço uma pausa para mencionar, sem, no entanto, elaborar, o estudo 
antropológico do campesinato - tão relevante que mereceria trabalho à parte. 
Indico apenas que, durante os anos 1970, a preocupação com o contato avançou 
sobre o tema das fronteiras de expansão, tornando tópicos antropológicos legí­
timos aqueles relacionados ao colonialismo interno, camponeses e desenvolvi­
mento do capitalismo (Otávio Velho, 1972; 1976). Ao mesmo tempo, estudos 
sobre camponeses adquiriram status temático independente, na medida em que 
tanto antropólogos quando sociólogos se dedicaram a eles.27 Uma vez que a alte­
ridade deslizou territorialmente, ela fechou o círculo e alcançou, de volta, as peri­
ferias das grandes cidades (Leite Lopes, 1976).
Alteridade próxima
Desde os anos 1970, antropólogos no Brasil fazem pesquisa nas grandes cida­
des. Como a socialização acadêmica ocorre nos cursos de ciências sociais, ao 
longo das últimas décadas a antropologia tornou-se contraponto à sociologia. 
No desenrolar do autoritarismo político dos anos 1960, a disciplina era vista por 
muitos como uma alternativa aos desafios (marxistas) vindos da sociologia, em
A teoria vivida
um diálogo silencioso que persiste desde então. A atração ora se dá por seus 
aspectos qualitativos, ora pelo desafio de compreender dimensões do ethos 
nacional. Registre-se, portanto, a diferença marcante da antropologia que se faz 
nos Estados Unidos. Curiosamente, lá, de onde vem a maioria das influências 
contemporâneas, somente na década de 1990 se tornou apropriado estudar 
fenômenos próximos aos pesquisadores.28
No estudo da alteridade próxima, a opção teórica tem sido a via predileta para 
alcançar o objeto de estudo. No Brasil, teoria não é apenas abordagem, mas afir­
mação política também. Assim, por exemplo, uma combinação do interacionismo 
simbólico da Escola de Sociologia de Chicago com a antropologia social britânica 
dos anos 1960 abriu para Gilberto Velho (1975; 1981; 1986; 1994) a possibilidade 
de pesquisar temas urbanos sensíveis. Esses incluíram estilos de vida da classe 
média, hábitos culturais do psiquismo, consumo de drogas e violência.29 Nesse 
contexto, deu-se a primeira pesquisa de campo no país vista como plenamente 
“urbana” nos termos da antropologia atual, e teve como exemplo o estudo de um 
edifício no bairro de Copacabana, o então conhecido “Barata Ribeiro 200” 
(Gilberto Velho, 1972). Essa linha se expandiu para, mais tarde, incluir setores 
populares, velhice, gênero, prostituição, parentesco e família, música, política. O 
objetivo dominante do projeto tem sido desvendar os valores urbanos; nesse sen­
tido, as pesquisas não apenas situam os fenômenos na cidade, mas procuram ana­
lisar, na trilha deixada por Simmel, as condições de sociabilidade nas metrópoles. 
A produção dessa linha é numerosa e de grande amplitude.30
Roberto DaMatta (1973a; 1980) também encontrou no estruturalismo a 
via legítima para dar início à sua pesquisa sobre o carnaval; a horizontalidade 
conferida a cada sociedade por essa abordagem teórica permitiu fazer, sem trau­
mas, a ponte entre o estudo de sociedades indígenas e a sociedade nacional. Mais 
tarde, a pesquisa ampliou-se para um exame abrangente do ethos nacional - 
tendo naturalmente como predecessor o trabalho monumental de Gilberto 
Freyre. Desde os anos 1980, o autor privilegia temas nacionais, depois de haver 
participado dos dois grandes projetos indígenas que marcaram a década de 1960 - 
tanto o Harvard-Central Brazil quanto o vinculado ao estudo da fricção interét- 
nica. DaMatta (1973a) é o ponto de transição, reunindo uma análise canônica 
de um mito apinayé, um conto de Edgar Allan Poe e o primeiro exame sobre o 
caráter de com munitas do Carnaval - que, mais tarde, seria expandido nos livros 
conhecidos das décadas de 1980 e 1990 (DaMatta, 1984; 1985; 1991). Ver, tam­
bém, DaMatta &H ess (1995).31
Noto que, nos casos previamente citados, a propriedade e a relevância de se 
desenvolver uma antropologia no meio urbano nunca foram seriamente ques-
A alteridade em contexto
tionadas. Depois de uma rápida discussão sobre a natureza da pesquisa de campo 
em geral, que incluiu a disposição do etnólogo para sofrer de “an thropologica l 
blues", e o tema da familiaridade, tanto perto quanto distante de casa (DaMatta, 
1973b; 1981; G. Velho 1978), a questão foi resolvida antes dos anos 1980. Ver 
G. Velho & Kuschnir (2003) para reflexões recentes sobre o trabalho antropo­
lógico em pesquisas urbanas.
No período que tem início na década de 1960, outros tópicos haviam emer­
gido, primeiro relacionados à integração social de populações e, mais tarde, a 
direitos de minorias. Muitas vezes, esses temas combinavam sociologia e antro­
pologia, reafirmando e dando validade histórica a autores como Cândido 
(1958), que nunca aceitou distinguir, de forma radical, as ciências sociais umas 
das outras. Imigração, relações raciais, gênero, messianismo, cultos afro-brasi- 
leiros, crime, cidadania são alguns dos tópicos dessa série de investigações.32
Festas urbanas e rurais foram tema de pesquisa desde o início das ciências 
sociais no Brasil (cf. o clássico Cândido, 1964a), porém vêm adquirindo mais 
vitalidade recentemente, quiçá na trilha das análises sobre carnaval. Ver 
M agnani (1984), Cavalcanti (1994), M ello e Souza (1994), J. Silva (2001), 
Chaves (2003). Diretamente focalizados na política como domínio nativo são 
os vários estudos que resultam do projeto “Antropologia da Política” (NuAP 
1998) como, por exemplo, Teixeira (1998), Bezerra (1999), Chaves (2000), 
Borges (2004), Comerford (2004), Barreira (1998), Heredia et alii (2002), 
Kuschnir (1999).33
Alteridade mínima
Confirmando que as ciências sociais no Brasil têm um profundo débito com 
Durkheim - que propôs que outras formas de civilização deveriam ser buscadas 
para explicar o que está próximo a nós - , a partir dos anos 1980, antropólogos 
desenvolveram uma série de estudos sobre as ciências sociais no país, grande 
parte com o propósito mais amplo de compreender a ciência como manifesta­
ção da modernidade. Tópicos de estudo variam de biografias de cientistas sociais 
brasileiros, memórias pessoais a clássicos da teoria sociológica, como, por exem­
plo, Castro Faria (1993; 1998; 2002). Ver Corrêa (1982; 1987; 2003), para uma 
historiografia da disciplina no país; M iceli (1999), para um projeto comparativo 
entre as ciências sociais. Para os clássicos das ciências sociais, ver, por exemplo, 
R. Cardoso de Oliveira (1991) e Goldman (1994) para Lévy-Bruhl; Grynszpan
(1999), para Mosca e Pareto. Ver Neiburg (1997), para a antropologia na 
Argentina. Sobre autores no Brasil, ver Peixoto (1998; 2000), respectivamente, 
para a carreira de Lévi-Strauss e para uma comparação entre Roger Bastide e
A teoria vivida
Gilberto Freyre; Pontes(1998), para um estudo sobre o grupo paulista Clima; 
Castro Santos (2003), para uma comparação entre a obra de Gilberto Freyre e 
Sérgio Buarque de Holanda. Pontes et alii (2004) apresenta depoimentos recen­
tes sobre experiências na antropologia. A publicação de diários etnográficos vem 
se afirmando; ver, por exemplo, D. Ribeiro (1996), Castro Faria (2001), R. 
Cardoso de Oliveira (2002).
O interesse que os cientistas sociais manifestam em assuntos educacionais é 
discutido em Bomeny (2001a); especialmente para a trajetória de Darcy Ribeiro, 
ver Bomeny (2001b). Em Travassos (1997), encontramos uma comparação entre 
os dilemas da modernização enfrentados por Mário de Andrade no Brasil, e Béla 
Bartok na Hungria, e para uma investigação entre cientistas e a questão racial 
no Brasil, ver Schwarcz (1996; 2001). Para uma bibliografia sobre a antropologia no 
país até os anos 1980, ver Melatti (1984), e para uma apreciação do campo da dis­
ciplina nos dias de hoje, verTrajano Filho &. Ribeiro (2004).
Um programa de pesquisa com o objetivo de estudar diferentes estilos de 
antropologia foi inaugurado em Cardoso de Oliveira & Ruben (1995), com a 
proposta de focalizar experiências nacionais diversas, incluindo Austrália, 
Argentina, Canadá e Catalunha. Um novo projeto sobre a relação entre perspec­
tivas antropológicas e processos de construção do Estado está desenvolvido em 
L’Estoile et alii (2002).
No final dos anos 1970, iniciei um projeto que tinha como objetivo analisar 
a própria disciplina de uma perspectiva antropológica. A partir de uma proposta 
de Dumont (1978), de que a antropologia se define por uma hierarquia de valo­
res em que o universalismo engloba o holismo, questionei o tipo de antropolo­
gia que se fazia no Brasil, tendo como casos de controle a França e a Alemanha. 
A relação entre ciência social e ideologia de na tion -bu ild in g foi um ponto cen­
tral da pesquisa (Peirano, 1981). Esse estudo teve prosseguimento com a obser­
vação do caso indiano, e resultou na proposta de uma “antropologia no plural” 
(Peirano, 1992a). A triangulação Brasil, índia e Estados Unidos teve continui­
dade em Peirano (1991; 1998; 1999).
O exame da relação entre ciência social e ideologia nacional foi refinado 
em Vilhena (1997) que, comparando folcloristas e sociólogos vis-à-vis a ideo­
logia dominante entre 1947 e 1964 no país, desvenda o lugar dos intelectuais 
ligados a valores regionais e a disputa dos folcloristas para sobreviver em um 
meio no qual a sociologia se tornava hegemônica. A psicanálise tem se mos­
trado um campo de saber fértil para a antropologia. Uma apropriação desse 
campo vem sendo feita por uma linha de pesquisa sólida (ver Duarte, 1989; 
1990; 1996; 2000). Finalmente, várias reflexões sobre o ensino da antropologia
A alteridade em contexto
são encontradas em Bomeny et alii (1991); Pessanha & Villas Boas (1995); 
Peirano (1995c).
Em suma, nos estudos em que a alteridade é mínima, isto é, está localizada 
na própria atividade intelectual dos cientistas sociais, nota-se um traço mar­
cante: a maioria deles examina temas abrangentes relacionados a tradições inte­
lectuais ocidentais, mas, publicados em português, têm uma audiência limitada. 
Surge, então, a questão crucial sobre o público desses trabalhos: abrangentes e 
exaustivos, fazem eles sentido se a audiência externa é restrita? Ou, por que se 
dialoga com as fontes de scholarship se os debates estão afastados pela própria lín­
gua de enunciação? Retornamos, assim, aos Tupinambá de Florestan Fernan­
des, quando o rigor teórico serviu mais para legitimar o autor como cientista 
social no Brasil do que para favorecer um efetivo diálogo com especialistas da 
área. Aqui, a velha questão permanece: o vínculo com o mundo intelectual mais 
amplo se dá apenas por efeito ilocucionário e a “alteridade mínima” esconde uma 
proposta, não realizada, de alteridade máxima, porque teórica.
Conclusão
A institucionalização das ciências sociais como parte do processo de na tion - 
bu ild in g é fenômeno conhecido, tanto quanto o paradoxo da existência de uma 
ciência social crítica sobrevivendo aos interesses das elites que a criaram. Nesses 
momentos, a nova ciência social não é especializada porque o projeto de constru­
ção nacional é ideologicamente mais abrangente que as disciplinas acadêmicas. 
Em outras palavras, a alteridade raramente é descompromissada e os aspectos 
“interessados”, no sentido weberiano, são muitas vezes explícitos. A antropolo­
gia e a sociologia separam-se, em um processo ao mesmo tempo político, insti­
tucional e conceituai, no qual e quando se favorecem especializações - o que 
geralmente acontece quando o desenrolar da construção nacional avança histo­
ricamente. E esse quadro que abriga o diálogo triangular composto, de um lado, 
com colegas antropólogos e sociólogos da mesma comunidade nacional; de 
outro, com as tradições metropolitanas de conhecimento (passadas e presentes) 
e, de outro ainda, com os sujeitos da pesquisa.
No Brasil dos anos 1930, a ciência social foi adotada para prover uma abor­
dagem científica ao projeto de uma nova nação. Acreditava-se então que no 
devido tempo a ciência social iria substituir o ensaio socioliterário que havia ocu­
pado aqui, “mais que a filosofia ou as ciências humanas, o fenômeno central da 
vida do espírito”.34 Assim, dos anos 1930 aos 1950, por sociologia entendia-se o
A teoria vivida
leque das ciências sociais que hoje concebemos como independentes, mas ges- 
tava-se uma sociologia fe i ta -n o -B ra s i l - que, na verdade, tornou-se hegemônica 
nas décadas seguintes. Paralelamente, estudos etnológicos de grupos indígenas 
representavam o modelo canônico para a antropologia, que logo passa a se apro­
priar de temas vistos como sociológicos - só que agora sob o olhar da d iferen ça , 
social e/ou cultural. De qualquer forma, sociológicos ou antropológicos, os 
temas empíricos eram encontrados dentro das fronteiras nacionais; se a dimen­
são política da ciência social estava presente, igualmente era inquestionável o 
desafio de refinamento teórico (ver Fernandes, 1958).
Nesse contexto, consideramo-nos interlocutores legítimos de autores reco­
nhecidos da tradição ocidental, em um processo no qual o isolamento do portu­
guês tem afinidade com o papel reservado ao cientista social no país, direcionado 
às questões políticas nacionais. Estamos sempre, mais ou menos confortavel­
mente, em casa. Assim se justificam, de um lado, os limites estratégicos que, 
como vimos, informam a escolha da alteridade; de outro, o fato paradoxal de que, 
quando procuramos diferenças, muitas vezes acabamos por encontrar uma 
suposta singularidade (que é “brasileira”). É preciso reconhecer, no entanto, um 
aspecto sociológico positivo: esse processo complexo de lealdades intelectuais e 
políticas, o labirinto de caminhos dentro do universo possível, assim como o 
quadro variado de interlocutores (presentes e ausentes) ao longo do tempo, con­
tribuíram para a consolidação de uma comunidade acadêmica efetiva. Com essa 
nota positiva, encerro procurando resumir alguns pontos.
• Em termos de exotismo. A diferença, quer social ou cultural, mais que o exo­
tismo, chama a atenção dos antropólogos quando estes procuram a alteridade no 
Brasil. Esta característica talvez explique por que, em crise em lugares onde o 
exotismo marcou a antropologia, aqui os praticantes da disciplina partilham um 
horizonte otimista.
• Em termos políticos. Presente sempre que uma ciência social se desenvolve, a 
dimensão política é direcionada para um tipo específico de ideário de constru­
ção nacional no Brasil, no qual diferenças devem ser respeitadas e uma singula­
ridade nacional esclarecida.
• Em termos teóricos. Parte do Ocidente, mas não falando uma língua interna­
cional, a dimensão teórica aqui assume um papel crítico como o caminho nobre 
para a modernidade. A dimensão política da teoria é um aspecto familiar e, nesse 
contexto, com freqüência, objetos de estudo decorrem

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