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DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1, 2008. 217 A CENTRALIDADE DO TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE Daniel Ricardo de OLIVEIRA* RESUMO: O trabalho é categoria fundante ao ser social, porém, o modo de produção capitalista, em decorrência de sua forma de apropriação e expropriação do trabalho, apresenta antagonismos e contradições nas relações sociais que passam a ser determinadas por sua lógica. Nesse sentido, na contemporaneidade, cabe discutir essa realidade de dominação e as possibilidades de enfrentamento, pautadas na centralidade do trabalho nas condições materiais de existência. PALAVRAS-CHAVE: trabalho; dialética; forças produtivas; capitalismo. Introdução O presente artigo tem como finalidade realizar algumas discussões em caráter introdutório sobre a centralidade do trabalho no modo de produção capitalista, buscando no processo histórico a candeia que venha iluminar o debate na contemporaneidade, na tentativa de apreender, minimamente, como se processa nas relações sociais a lógica e racionalidade do capitalismo. Para tal, inicialmente, será abordado o trabalho como categoria que possibilitou o desenvolvimento da sociabilidade humana, para logo em seguida, sucintamente, trazer a compreensão das dimensões concretas e abstratas do trabalho e, por fim, a tentativa de articular à realidade de mercado nas duas últimas décadas do século XX e a primeira do século XXI. * Aluno do 4º ano do curso de Serviço Social do Centro Universitário Barão de Mauá. Ribeirão Preto. São Paulo. Brasil. Orientação: Professor Doutor Paulo Del Duca DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1, 2008. 218 A centralidade do trabalho e capitalismo A discussão sobre a centralidade do trabalho na contemporaneidade está presente em diversos estudos relacionados às ciências humano-sociais. Para que se possa realizar algumas análises sobre essa complexa categoria, ainda que de forma introdutória, faz-se preciso proceder com uma abordagem que venha contemplar algumas especificidades do trabalho, a partir da mercantilização das relações sociais. Compreendendo o modo de produção capitalista como o resultado de um processo que culminou com a superação de regimes sociais anteriores, as transformações e determinações sociais passam a seguir sua lógica e racionalidade. Todavia, para caminhar um pouco mais nessa temática, é de fundamental importância trazer algumas reflexões sobre o sentido do trabalho na formação do ser social, o que possibilitará apreender, dialeticamente, a intencionalidade do trabalho na atualidade, buscando no processo histórico algumas explicações. Na gênese da sociabilidade humana, o trabalho possibilitou o processo de humanização dos sujeitos coletivos, configurando uma força motriz que impulsionou o desenvolvimento das forças produtivas, distinguindo o homem dos outros animais, pela capacidade teleológica, ou seja, na projeção de suas ações presente no processo de transformação dialética entre homem e natureza. Por isso, o trabalho é uma categoria fundante do ser social, que viabiliza as transformações nas relações materiais de produção e reprodução humana, tendo no desenvolvimento das forças produtivas, o ponto de partida para o desenvolvimento de novas necessidades, modificando o homem nas dimensões objetiva e subjetiva, determinando a relação complexa entre existência e consciência. Seguindo a análise de Antunes (2000), “o ato de produção e reprodução da vida humana realiza-se pelo trabalho. É a partir do trabalho, em sua cotidianidade, que o homem torna-se ser so- cial, distinguindo-se de todas as formas não humanas.” Sem desconsiderar que o homem produz a sociedade e por ela é produzido, as transformações no mundo de trabalho apresenta sua DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1, 2008. 219 historicidade e ganha graus de complexidade no desenvolvimento do modo de produção capitalista e nas relações que se estabelecem a partir de suas determinações. No modo de produção capitalista as relações naturais e tradicionais são dissolvidas e convertidas em relações mercantis, em outros termos, as relações se mercantilizam quando os meios de vida e o trabalho são transformados em mercadorias e nesse contexto, dado o modo de apropriação e expropriação do trabalho, o homem apresenta- se alienado dos frutos por ele produzido que também se configura, com a apropriação do produto social de forma privada, em fonte de valor. Dessa maneira, o modo de produção capitalista determina uma inversão na natureza das coisas, ou seja, pelo assalariamento da força de trabalho, o produtor, o operário, se apresenta também como um produto, como uma coisa única, como uma mercadoria. Assim, sendo a utilização da força de trabalho, essencialmente, de forma livre uma característica inerente ao ser social, uma vez transformada em mercadoria, transforma diretamente o ser em si, que passa a ser apresentar “coisificado” nas relações materiais de produção estabelecidas a partir dessa lógica exploratória. E na contrapartida desse processo de inversão, com a mercantilização das relações, as “coisas” são valorizadas. Então, o trabalho como atividade humana, no modo de produção capitalista, passa a ser tratado como mercadoria nas relações sociais mercantilizadas pela exploração do homem pelo homem, atribuindo à força de trabalho a criação de valor, seja de uso ou de troca. Contudo, na realidade e complexidade dessas relações antagônicas e contraditórias, a sociedade se configura com uma base cindida entre classes sociais opostas, sendo a classe trabalhadora que se vê obrigada a vender sua força de trabalho para garantir sua sobrevivência e a burguesia, uma classe dominante que detém os meios de produção. Desta forma, os níveis de exploração extrapolam as relações sociais particularizadas, ampliando para uma realidade ainda maior quando ganham status de classes sociais. Antes de avançarmos para a questão do trabalho na contemporaneidade, faz-se preciso “abrir um parêntese” na dinâmica do texto para trazer alguns conceitos, de forma um pouco mais detalhada e Juliano Realce DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1, 2008. 220 aprofundada. Quando são trazidas discussões relacionadas aos conflitos de classes no modo de produção capitalista, é preciso apreender alguns conceitos do materialismo histórico e dialético de Karl Marx, entendendo a configuração de classes sociais a partir de uma lógica inerente ao próprio capitalismo na mercantilização das relações sociais e na apropriação dos produtos sociais. Dessa maneira, é preciso esclarecer que o trabalho criador de valor de uso da mercadoria se efetiva no trabalho útil ao homem na satisfação de suas necessidades, ou seja, trata-se de uma dimensão concreta de trabalho, portanto, trabalho concreto. Mas há outra dimensão que precisa ser considerada nas relações de trabalho do modo de produção capitalista, a dimensão abstrata. Essa dimensão surge a partir da “generalização” das especificidades do trabalho no processo produtivo, eliminando suas particularidades e reduzindo apenas ao desprendimento de energia física e psíquica do trabalhador na produção do valor de troca da mercadoria. Cabe esclarecer que não se trata de dois trabalhos, mas sim, uma abordagem interpretativa que compreende dois aspectos ou dimensões dessa categoria. É necessário salientar que na produção de mercadorias ambas as dimensões se articulam, tendo no trabalho excedente, criador da “mais-valia” sua determinação. Por exemplo, no “chão de fábrica”, as relações de trabalho desenvolvidas no modo de produção capitalista pela compra e venda da força de trabalho concede ao “comprador” dessa capacidade produtiva utilizar-se desse produto como de qualquer outra mercadoria. Estabelecida essa relação, o valor da força de trabalho como de qualquer outra mercadoria é calculado a partir dos artigos que configuram-se como de primeira necessidade para sua produção, reprodução e manutenção.Nesse sentido, quando adquirido o direito sobre a força de trabalho para uma jornada diária de 6 horas, calcula-se que o preço para manutenção do trabalhador, por exemplo, seja de R$30,00. Contudo, o direito adquirido não se desfaz ao término da jornada, estende-se enquanto vigorar essa relação de necessidade, ou seja, a necessidade de venda para sobrevivência por parte do trabalhador e a necessidade de compra para expansão do capi- DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1, 2008. 221 tal por parte do capitalista. Então, a jornada de trabalho poderá ser ampliada de acordo com a capacidade de estagnação física do trabalhador que é muito “elástica” e seguindo balizas legais. Nas relações de trabalho, o trabalho excedente ou “sobretrabalho” pode ser extraído ampliando a jornada de trabalho ou aumentando os níveis de produtividade, em outras palavras, fazendo com que o trabalhador trabalhe mais em menos tempo sem receber nada mais por isso. É justamente esse trabalho excedente que possibilita a criação do que Marx denominou de “mais-valia”. Conforme aponta Marx (1983): O processo de produzir valor simplesmente dura até ponto em que o valor da força de trabalho pago pelo capital é substituído por um equivalente. Ultrapassando esse ponto, o processo de produzir valor torna-se processo de produzir mais valia (valor excedente). Em síntese: trabalho concreto determina o valor de uso da mercadoria e está diretamente ligado a satisfação das necessidades humanas, portanto, trabalho útil, como exemplo podemos usar a produção de sapato, o qual também será utilizado para uso próprio dos produtores. E trabalho abstrato cria o valor de troca das mercadorias generalizando as particularidades da esfera de produção, colocando graus de comparação entre duas mercadorias, por exemplo, quando se compara o valor de um sapato com de uma camisa nas relações de troca, está se generalizando as especificidades da produção de cada um dos produtos. Destacando que é o trabalho concreto o que possibilita a produção de “mais-valia”. Compreendendo esses aspectos, a centralidade do trabalho no modo de produção capitalista, ganha alguns contornos que poderão elucidar alguns pontos dessa problemática na contemporaneidade. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1, 2008. 222 As relações de trabalho na contemporaneidade O mundo do trabalho, delimitando especificamente as duas últimas décadas do século XX e essa primeira do século XXI, quando essas relações vão trazendo graus de complexidade e aprofundamento particulares ao atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas, tem sofrido profundas alterações, seja de ordem político-econômica ou ético-moral, oriundas da apropriação privada do trabalho social, evidenciando a contraditória relação entre capital e trabalho. De acordo com o processo histórico, as relações de trabalho na atual conjuntura, têm algumas características principais, tais como: a perda da importância do trabalho individual, a partir de um processo de integração da capacidade social do trabalho, o que aumenta os níveis de produtividade, atendendo o objetivo principal da acumulação capitalista, o lucro e dissolvendo as possibilidades de articulação da classe trabalhadora cada vez mais fragmentada pelo processo de mundialização econômica; profundo deslocamento de trabalho vivo para trabalho morto o que otimiza os processos produtivos, diminuindo os custos, contribuindo para a conservação, manutenção e ampliação da acumulação de riquezas; alteração da proporção nas mudanças desempenhadas pela força de trabalho no processo de valorização do capital, tendo na flexibilização e na polivalência do trabalhador assalariado os exemplos dessa realidade, implicando na expressiva redução dos postos de emprego, levando ao achatamento dos salários e ampliação do contingente de reserva; acelerada inovação tecnológica, potencializada pelo desenvolvimento das forças produtivas na apropriação do trabalho intelectual. Dessa forma, Antunes (2000) afirma que: O mais brutal resultado dessas transformações é a expansão, sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global. Pode-se dizer, de maneira sintética, que há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado indus- trial e fabril; de outro, aumenta o subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1, 2008. 223 E ainda problematiza, indagando se é “ficção que a Nike se utiliza de quase 100 mil trabalhadores e trabalhadoras, esparramados em tantas partes do mundo, recebendo salários degradantes?” Aliada a toda essa problemática, tem-se, talvez mais com um caráter político-ideológico do que efetivamente real, o debate sobre a ausência de mão-de-obra qualificada. Mas para esboçar um direcionamento a essa discussão, é prudente observar a perspicácia do capital que, historicamente, em suas várias metamorfoses, evidenciou sua notória capacidade de revolucionamento e adaptação as novas realidades impostas por suas próprias contradições. Basta verificar que a transição do campesinato para o capitalismo industrial, deu-se, em primeiro momento, sem a devida capacitação dos trabalhadores, porém, conforme as necessidades foram surgindo, assim como os entraves para expansão do capital, essa força de trabalho foi sendo preparada para operar e impulsionar esse novo modo de produção. Considerando esses aspectos do processo histórico, a desconfiança quanto à propagação discursiva sobre a ausência de mão-de-obra qualificada está na confirmação da veracidade dessa afirmativa, em outras palavras, será que realmente não há mão-de-obra qualificada, ou trata-se de uma imposição ideológica para manutenção e reprodução do capital, criando no imperativo da qualificação uma forma de qualificar também um vasto contingente de reserva para manutenção dos momentos de crises, amenizando os impactos das relações entre recessão e produção, excedente, consumo e estagnação? É nesse sentido, portanto, que na contemporaneidade, o mundo do trabalho apresenta duas direções totalmente condizentes com a lógica destrutiva do modo de produção capitalista que tensiona a relação entre o processo de intelectualização do trabalho que nas contradições do capitalismo amplia os níveis de subproletarização. Assim, a contradição entre o desenvolvimento tecnológico que poderia favorecer, diretamente, todos os membros da sociedade em nível global, no modo de produção capitalista aparece como fator dominador, dada a propriedade privada para o atendimento de determinado fim, voltado, principalmente, na contribuição direta ou indireta, na criação de valores de troca. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1, 2008. 224 Contudo, é possível apontar que de certa forma, o trabalho abstrato está para os sujeitos sociais como grilhões mantenedores do status quo, ou seja, à lógica de reprodução do capital, já no trabalho concreto, o ser social encontra as possibilidades de superação das relações mercantilizadas, tornando-se capaz de alicerçar uma nova história, pautada na igualdade e liberdade. O desenvolvimento das forças produtivas tem colocado o homem frontalmente com a plenitude do ser, em outros termos, tem impulsionado aos sujeitos o desenvolvimento de novas necessidades e na contrapartida, o distanciamento dos produtos do trabalho coletivo. Todavia, como não são apenas as formas de apropriação que definem os rumos sociais, mas, fundamentalmente, os complexos métodos de distribuição, a maturidade necessária na relação entre existência e consciência dos produtores da sociedade nas diversas esferas sociais será produzida também historicamente, trazendo da infraestrutura às transformações superestruturais na dialética da vida social, culminando na alteração da lógica de produção e na relação tempo e trabalho que não determinará mais a produção de mercadorias,mas estará pautado, principalmente, na criação de valor de uso. Portanto, a centralidade do trabalho no modo de produção capitalista permanece presente, compreendendo o trabalho, mesmo com todos os condicionantes, como categoria fundante para os sujeitos históricos. A própria condição de existência humana, mesmo no capitalismo, não permite qualquer determinismo teórico, sendo a dialética do processo de produção, o fator preponderante para a transformação da ordem vigente. É justamente o processo histórico que possibilita vislumbrar a dissolução do modo de produção capitalista, onde sua superação ocorrerá por meio de suas próprias contradições, tendo no proletariado o protagonista e elemento decisivo em todo esse processo, uma vez que nas relações de trabalho encontrará a possibilidade de abolir sua própria condição de existência. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1, 2008. 225 Considerações Finais A análise da categoria trabalho no modo de produção capitalista torna-se, demasiadamente, complexa na medida em que impõe apreender aspectos objetivos e subjetivos na constituição do ser social. Desta forma, inicialmente, o trabalho possibilitou a humanização do homem na sua relação dialética com a natureza, na criação de instrumentais que viabilizassem a satisfação de necessidades primeiras. Entretanto, com o advento do modo de produção capitalista, a relação entre trabalho e liberdade sofre profundas alterações. Assim, as condições naturais, impulsionadas por todo um processo histórico, apresentam no capitalismo sua inversão, ou seja, as “coisas” passam a ser valorizadas e o homem sobrevive pela automatização de suas ações. O trabalho na contemporaneidade, como utilizado no modo de produção capitalista, tem seu sentido inicial obscurecido ou incorporado a outros direcionamentos que impossibilitam, a priori, ações emancipadoras aos sujeitos coletivos. Contudo, todo esse processo traz em si condições de superação, nas próprias contradições que se estabelecem na produção e reprodução humana. Portanto, nas condições materiais de existência, o ser social pelo trabalho em sua amplitude, tem a possibilidade de desenvolver mecanismos que viabilizem o ressurgimento do sentido de liberdade efetiva na vida social, legitimando uma nova ordem social, dissolvem os antagonismos e contradições presentes no modo de produção capitalista. Evidentemente, isso não ocorrerá de forma fabulosa, pelo contrário, é no processo histórico que será desenvolvida uma nova história. OLIVEIRA, Daniel Ricardo. The Central´S Work Iin Contemporary. DIALOGUS, Ribeirão Preto, vol.4, n.1, 2008, p.217-226. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.4, n.1, 2008. 226 ABSTRACT: The work is fundante category to be social, however, the capitalist mode of production, due to their form of ownership and expropriation of work, presents conflicts and contradictions in social relations that are to be determined by their logic. Therefore, in contemporary, it is discussing the reality of domination and the possibilities of confrontation, guided the centrality of work in the material conditions of existence. KEYWORDS: work; dialectic; productive forces; capitalism. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? São Paulo: Cortez/ Unicamp, 2000. ___. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999. BEHRING, E; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2007. BERNARDO, J. Transnacionalização do capital e fragmentação dos trabalhadores: Ainda há lugar para os sindicatos? São Paulo: Boitempo Editorial, 2000.
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