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Psicologia e politica Cecilia Coimbra

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PSICOLOGIA E POLÍTICA: 
A PRODUÇÃO DE VERDADES 
COMPETENTES 
 
 
 
 
 
Cecilia Ma B. Coimbra* 
 
* Psicóloga, Professora Adjunta na Universidade Federal Fluminense, Pós-Doutora em Ciência Política no Núcleo de 
Estudos da Violência da USP, Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, Coordenadora da Comissão Nacional de 
Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. 
 
 
2
Psicologia e Política: a produção de verdades competentes 
Resumo 
Este artigo se propõe a pensar como vem sendo produzida a dicotomia Psicologia e Política 
em cima, principalmente, de um viés: o da produção de verdades. 
Inicialmente, levantam-se questões relativas à construção dos objetos, sujeitos e saberes 
que estão no mundo, não como se tivessem uma natureza, uma essência, mas enquanto produções 
históricas advindas das diferentes práticas sociais. Para isto, recorre-se à M. Foucault e sua 
concepção de História. 
A seguir, ainda em cima das contribuições de M. Foucault e de A. Gorz aponta-se uma das 
gêneses dos chamados especialismos técnico-científicos através da divisão social do trabalho no 
mundo capitalístico, a produção dos “saberes dominantes” e “dominados” e os efeitos em termos de 
produção de subjetividades daí advindos. 
Finalizando, são pontuadas algumas questões relativas às práticas dos profissionais “psi”, 
enfatizando-se a superação dos binarismos, das dicotomias tão presentes em nosso mundo, como a 
que encontramos entre Psicologia e Política, por exemplo. 
 
Palavras-Chaves: 
Verdade – Especialismos – Produção de Suibjetividade 
 
Abstract: 
Psychology and Politics: the production of competent truths 
The aim of this article is to think about the way a dichotomy between Psychology and 
Politics has been produced, through one main perspective: the production of truths. 
Initially, it focuses on questions related to the construction of the objects, subjects and 
knowledge which are in the world, not based upon the understanding that they have a nature, an 
essence, but as historical productions, which became from social practices. To do so, it appeals to 
M. Foucault and its conception of History. 
To proceed, still based upon the contributions of M. Foucault and A. Gorz, it focuses on 
the genesis of the so called technician-scientific specialisations through the social division of work 
in the capitalist world, the production of “dominant” and “dominated” knowledge and the effects it 
brings to the production of subjectivities. 
 
 
3
Concluding, it punctuates some questions related to the practices of the “psi” professionals, 
emphasising the surpassing of the binarisms, of the dichotomies which are so present in our world, 
such as the ones found between Psychology and Politics. 
 
Key – Words: 
Truth – Specializations – Production of Subjectivity 
 
Introdução 
“(...) o intelectual não é, portanto, “o portador de valores 
universais”; ele é alguém que ocupa uma posição específica, 
mas cuja especificidade está ligada às funções gerais do 
dispositivo de verdade em nossas sociedades. Em outras 
palavras, o intelectual tem uma tripla especificidade: a 
especificidade de sua posição de classe (...); a especificidade de 
suas condições de vida e de trabalho, ligadas a sua condição de 
intelectual (...); finalmente, a especificidade da verdade nas 
sociedades contemporâneas. É então que sua posição pode 
adquirir uma significação geral, que seu combate local ou 
específico acarreta efeitos, tem implicações que não são 
somente profissionais ou setoriais. Ele funciona ou luta ao nível 
geral deste regime de verdade, que é tão essencial para as 
estruturas e para o funcionamento de nossa sociedade. Há um 
combate “pela verdade” ou, ao menos, “em torno da verdade” 
(...)” (FOUCAULT. M. ,1988: 13) 
 
Inicialmente, há que se colocar em discussão esses dois conceitos, Psicologia e Política, 
procurando pensar por que eles são produzidos e vividos de forma dicotômica. O pequeno texto de 
abertura deste artigo já aponta uma das linhas que aqui será privilegiada: a da produção de verdades. 
Parto, assim, do pressuposto que as verdades são produções histórico-sociais e que nós, os 
intelectuais, cientistas, pesquisadores, especialistas, experts, peritos, somos uma parcela importante 
daqueles que, ao longo do tempo, têm tido tal tarefa: a de produzir verdades. Verdades 
consideradas como “científicas” e, portanto, neutras, objetivas, absolutas e universais. 
Pensar um pouco estas produções – a da Psicologia enquanto “ciência”, desvinculada e 
nada tendo a ver com a Política, e uma das funções específicas que temos nós, os especialistas, em 
construir e fortalecer tais “verdades” - é o caminho que proponho percorrer neste trabalho. 
Caminho que sei ser extremamente espinhoso e marginal, pois vai contra verdades 
estabelecidas e fortemente instituídas em nosso mundo psi. Crenças que nós trazemos, produzidas 
 
 
4
não só ao longo de nossa formação, mas que estão profundamente entranhadas nas sociedades 
ocidentais, também conhecidas como capitalísticas1. 
Portanto, colocar em análise tais produções hegemônicas em nosso mundo e na Academia 
significa entender esses objetos, assim como o faz Foucault (1988), como não tendo existência em 
si, como não naturais, mas sendo forjados historicamente por práticas que os objetivam e que são 
muito bem datadas. Esses objetos, assim como o sujeito, o real, são produções históricas, não são 
dados em si, não existem por si, mas estão sendo sempre produzidos pelas práticas, como um 
trabalho jamais completado. 
“Mas cada prática, ela própria, com seus contornos 
inimitáveis, de onde vem? Mas, das mudanças históricas, muito 
simplesmente, das mil transfomações da realidade histórica, isto 
é, do resto da história, como todas as coisas. Foucault não 
descobriu uma nova instância, chamada “prática”, que era, até 
então, desconhecida: ele se esforça para ver a prática tal qual é 
realmente; não fala de coisa diferente da qual fala todo 
historiador, a saber, do que fazem as pessoas: simplesmente 
Foucault tenta falar sobre isso de uma maneira exata, descrever 
seus contornos pontiagudos, em vez de usar termos vagos e 
nobres” (VEYNE, P. 1982: 159 e 160). 
Ou seja, como as diferentes práticas vão engendrando no mundo objetos sempre diversos; 
como não há, através dos tempos, evolução de um mesmo objeto que brotasse sempre de um mesmo 
lugar, que tivesse uma origem primeira. 
Assim, Foucault (1988), aponta para a produção do real pela via da história, para as 
práticas humanas como determinantes dos sujeitos e dos objetos considerados naturais e já dados e 
dos regimes de verdade. 
São, portanto, nossas próprias práticas que têm produzido os saberes da Psicologia como 
“científicos”, “neutros”, “objetivos” e a Política como um outro mundo, de onde o psicólogo 
enquanto profissional está excluído, pois é o território da militância, por excelência. 
 
1 O termo capitalístico, utilizado por F. Guattari, “(...) designa não apenas as sociedades conhecidas como capitalistas 
mas também setores do 3o mundo ou do capitalismo periférico, assim como as economias (antes) ditas socialistas dos 
países do leste (...)”. Tais sociedades, segundo Guattari, em nada se diferenciam do ponto de vista do modo de 
produção de subjetividades. Sobre isto, este autor mostra que “(...) a produção de subjetividade constitui matéria prima 
de toda e qualquer produção. As forças sociais que administram o capitalismo hoje entendem que a produção de 
subjetividade é mais importante que qualquer outro tipo de produção, mais essencial até que o petróleo e as energias, 
visto produzirem esquemas dominantes de percepção do mundo”. Ver GUATTARI, F. e ROLNIK, S. Micropolítica: 
Cartografias do desejo. Rio de Janeiro, Vozes, 1988: 15 – 40. 
 
 
5
Os especialistas e os Saberes Dominantes e Dominados2Para podermos entender como tal dicotomia vem sendo produzida nas formações 
capitalísticas, creio ser importante a colocação de alguns pontos sobre a “ciência” e os saberes e 
poderes que encerram os chamados especialismos. 
Novamente, recorrendo a Foucault (1988), percebemos que os saberes, compreendidos 
como materialidade, práticas e acontecimentos, são dispositivos políticos articulados com as 
estruturas sociais. Assim, os conhecimentos inscrevem-se nas condições políticas, que são aquelas 
onde se formam o sujeito e os diferentes domínios de saber. As chamadas ciências e técnicas 
trazem, com isso, claramente as marcas das relações capitalísticas de produção e da divisão 
capitalística que separa radicalmente trabalho intelectual e manual, negando e impedindo que os 
trabalhadores continuem produzindo saberes e se tornem capazes de determinar o uso que será feito 
deles. 
Aqui há que lembrar como a concentração dos operários nas fábricas e sua separação em 
tarefas especializadas, em meados do século XVIII, deu-se para que o capital pudesse exercer um 
melhor controle sobre o processo de produção. Posteriormente, com Taylor e Ford, este processo de 
fragmentação, fiscalização, hierarquização e disciplinarização atingiu seu apogeu, legitimado por 
uma teoria dita “científica”: a administração científica do trabalho. 
Assim, para que houvesse um melhor controle do processo de produção pelo capital, foi 
necessário que o trabalhador perdesse não somente a propriedade dos meios de produção (seus 
instrumentos de trabalho), mas também que houvesse um maior controle sobre o funcionamento 
desses meios. 
Entraram em cena os técnicos que, segundo Gorz (1980: 83), constituem 
“(...) um pessoal que, tecnicamente, a fábrica poderia 
dispensar, mas cuja função política consiste em perpetuar a 
dependência dos operários, sua subordinação, sua separação 
dos meios e do processo de produção. A função da hierarquia 
na fábrica, em última análise, é subtrair ao controle operário as 
condições e as modalidades do funcionamento das máquinas, 
tornando a função de controle uma função separada. Somente 
desse modo, os meios e o processo de produção podem 
apresentar-se como potência estranha, tornada autônoma, 
exigindo submissão dos trabalhadores.” 
 
 
2 Alguns pontos aqui abordados já o foram in COIMBRA C. M. B. - “A Divisão Social do Trabalho e os Especialismos 
Técnico-Científicos” in Revista do Departamento de Psicologia - UFF, Niterói, UFF, no 2, ano 2, 1o semestre/1990. 
 
 
6
Com isso, os operários ficam reduzidos a executar tarefas monótonas, isoladas entre si, das 
quais não vêem o sentido, passando a lidar com os instrumentos de trabalho e com os resultados da 
produção social como forças desconhecidas que escapam ao seu controle e os subjugam3. 
Foucault (1996) enriqueceria tal análise falando das “instituições de seqüestro”: uma série 
de estabelecimentos, não somente a fábrica, mas também as instituições pedagógicas, médicas e 
penais, nas quais nossa existência se encontra aprisionada. No correr do século XIX, esses 
estabelecimentos se multiplicam e têm como objetivos o seqüestro e o controle de três funções: do 
tempo, do corpo e do saber dos sujeitos a eles submetidos. 
Afirma que não apenas o tempo do nosso dia de trabalho, mas de nossa vida inteira são 
efetivamente utilizados da melhor forma pelo aparelho de produção, “fazendo com que o tempo dos 
homens, o tempo de sua vida, se transforme em tempo de trabalho”. 
A segunda função das instituições de seqüestro é a de controlar os corpos, “fazendo com 
que o corpo dos homens se torne força de trabalho” (FOUCAULT, M. 1996: 119). 
E a terceira função – a que nos interessa mais diretamente para que possamos entender 
melhor a questão da produção de verdades – é o seqüestro do saber dos sujeitos. Foucault (1996) 
chama a isto de “poder epistemológico”, a função de extrair os saberes produzidos por certas 
práticas. Chama a atenção para o saber/poder seqüestrado do operário, e os demais saberes 
expropriados do louco, do escolar, etc. No primeiro, como já afirmou Gorz (1980), pouco a pouco o 
trabalho do operário é assumido através de um certo saber da produtividade ou um certo saber 
técnico da produção. “Vemos, portanto, como se forma um saber extraído dos próprios indivíduos, 
a partir do seu próprio comportamento” (Idem: 121). 
Há, entretanto, um segundo saber/poder que nasce da observação dos sujeitos, “da sua 
classificação, do registro e da análise dos seus comportamentos, da sua comparação”. 
Ao lado daquele primeiro saber/poder chamado de “tecnológico”, há um outro: o de 
observação. Saber de certa forma clínico, do tipo da psiquiatria, da psicologia, da psico-sociologia, 
da criminologia, etc. 
Assim, são extraídos dos próprios sujeitos seus saberes, produzidos por eles em suas 
práticas, e este conhecimento será retranscrito e acumulado segundo novas normas. 
“O saber psiquiátrico se formou a partir de um campo 
de observação exercida prática e exclusivamente pelos médicos 
enquanto detinham o poder no interior de um campo 
institucional fechado que era o asilo, o hospital psiquiátrico. 
Do mesmo modo, a pedagogia se formou a partir das próprias 
adaptações da criança às tarefas escolares, adaptações 
observadas e extraídas do seu comportamento para tornarem-se 
 
3 Ainda sobre o assunto consultar GORZ, A. Crítica Da divisão Social do Trabalho – SP, Martins Fontes, 1980. 
 
 
7
em seguida leis de funcionamento das instituições e forma de 
poder exercido sobre a criança”(FOUCAULT, M. 1996: 122). 
Esta produção de novos saberes expropriados das práticas dos homens é que explica o 
surgimento, no século XIX, das chamadas ciências do homem, e este ser transformado em objeto da 
ciência. 
Portanto, afirma Foucault (1988), não há saber neutro: todo saber é político. A análise do 
saber implica necessariamente a análise do poder, visto não haver relação de poder sem a 
constituição de um campo de saber. Da mesma forma, todo saber constitui novas relações de poder, 
pois onde se exercita o poder, ao mesmo tempo, formam-se saberes e estes, em contrapartida, 
asseguram o exercício de novos poderes. 
Assim, cada formação social tem seus regimes de verdade. Nos séculos XIX e XX, tais 
verdades - pela hegemonia da concepção positivista - são dadas pela ciência. Esta acolhe 
determinados discursos como verdadeiros, fazendo distinção entre estes enunciados e outros 
considerados falsos. Foucault (1988) afirma que não se estabelecem relações entre os saberes; ao 
contrário, desqualificam-se uns como não competentes, sobrepondo-se os considerados 
“científicos”, “verdadeiros”, “objetivos” e “neutros”. Ele chama de “saberes dominados” aqueles 
que são considerados abaixo do nível requerido pelos postulados da cientificidade positivista: são 
não qualificados, locais, descontínuos e não legitimados, portanto, pela tirania dos discursos 
englobantes, hierarquizantes, universalizantes e totalizantes que condizem com os critérios da 
“ciência”. Isto fica bem claro na pergunta que faz: 
“(...) que tipo de saber vocês querem desqualificar no 
momento em que vocês dizem “é uma ciência”? Que sujeito 
falante, que sujeito de experiência ou de saber vocês querem 
“menorizar” quando dizem: “Eu que formulo este discurso, 
enuncio um discurso científico e sou um 
cientista”?”(FOUCAULT, M. 1988: 122). 
Esses discursos “científicos” e “neutros” produzem em nossa sociedade “verdades” dotadas 
de efeitos poderossíssimos. Dentre eles, o de naturalizar a divisão entre trabalho manual e 
intelectual, marcando esses lugares como os territórios do não saber e do saber, respectivamente, 
percebidos, portanto, como inferior e superior. 
Para Chauí (1982: 58) a ciência 
“(...) tornou-se poderoso elemento de intimidação 
sócio-política através da noção de competência. Poderíamosresumir a noção de competência no seguinte refrão: não é 
qualquer um que pode dizer qualquer coisa a qualquer outro em 
qualquer lugar e sob qualquer circunstância. O discurso e a 
prática científica, enquanto competentes, possuem regras, 
precisas de exclusão e de inclusão (...)”. 
 
 
8
As falas dos especialistas produzidas e percebidas como “competentes” geram o 
sentimento coletivo de incompetência, poderosa arma de dominação, pois serão elas que dirão em 
última instância, a todos como “ver, tocar, sentir, falar, ouvir, escrever, ler, pensar e viver” 
(CHAUÍ, M., 1982, p.59). 
Assim, esse sentimento de incompetência é ainda reforçado pelo saber que chega aos 
trabalhadores como algo totalmente fora do seu alcance: desconhecem como ele foi produzido e 
para que serve. Com isto, estão convencidos que todos aqueles que não tenham informações 
“competentes” e “científicas” não podem expressar suas opiniões, pois estão longe da “verdade” e, 
portanto, excluídos social, política e culturalmente. 
A divisão capitalista do trabalho, com sua separação entre trabalho manual e intelectual, 
colocando de um lado os que executam e produzem, e de outro, os que decidem e gerenciam, é 
poderosa arma de dominação e exclusão. Esta dominação é necessária para que alguns 
discursos/práticas sejam assumidos como “melhores”, como “verdadeiros”. 
Na Psicologia, pelo seu status de “ciência”, predominam tais discursos/práticas produzidos 
e fortalecidos cotidianamente por nós, os especialistas “psi’. Por ai, também, elaborou-se a 
dicotomia entre Psicologia e Política. 
Psicologia e Política: superando as dicotomias 
O próprio título deste trabalho nos fala desta binarização: de um lado a Psicologia, a 
profissionalização e de outro a Política, a militância. 
Como não entendo a Psicologia e a Política como objetos naturais e a-históricos, por sabê-
los produzidos por certas práticas em determinados momentos da História, pretendo utilizá-los a 
partir de outras práticas, de outras produções que apontam, não para sua dicotomização e exclusão, 
mas para sua inclusão, para sua complementariedade e, portanto, indissolubilidade. 
Tem sido natural para todos nós a afirmação de que Psicologia e Política são dois mundos 
separados: “ou somos “psi” ou somos militantes”; “se somos isto, não podemos ser aquilo”, sob 
pena de contaminarmos com as impurezas que circulam neste segundo mundo - o dos “leigos” - a 
“ciência” psicológica que, necessariamente, deve ser “pura”, “verdadeira” e, mais do que nunca, 
“neutra”. 
Aprendemos a caminhar neste mundo guiados por modelos. Estes nos dizem o que fazer e 
como fazer, ocultando sempre o para quê fazer. Esses discursos/práticas “competentes” 
enunciados pelos especialistas forjam a todo momento modelos onde estão as “verdades”: o bom 
cidadão, o bom pai, o bom filho, o bom aluno, etc. 
 
 
9
Se entendermos Psicologia, assim como Política, não em cima desses modelos 
hegemônicos pelos quais nos guiamos, mas como produções históricas, como territórios não 
separados, mas que se complementam e se atravessam constantemente, poderemos encarar nossas 
práticas não como neutras, mas como implicadas no e com o mundo. 
Aqui, é importante para nós a noção de implicação4, ferramenta advinda da análise 
institucional francesa, que vai se opor à posição neutro-positivista e nos vai trazer a figura do 
“intelectual implicado”. Este, além de analisar suas contra-transferências, as implicações de suas 
pertenças e referências institucionais, coloca em análise o lugar que ocupa na divisão social do 
trabalho, do qual é um dos legitimadores. Portanto, analisa o lugar que ocupa nas relações sociais 
em geral e não apenas no âmbito da intervenção que esteja realizando; os diferentes lugares que 
ocupa no cotidiano e em outros locais de sua vida profissional; em suma, na História. 
É como afirma Lourau (1977:.88) 
“Estar implicado (realizar ou aceitar a análise de 
minhas próprias implicações) é, ao fim de tudo, admitir que eu 
sou objetivado por aquilo que pretendo objetivar: fenômenos, 
acontecimentos, grupos, idéias, etc. Com o saber científico 
anulo o saber das mulheres, das crianças, dos loucos - o saber 
social, cada vez mais reprimido como culpado e inferior” 
(grifos meus). 
Ainda segundo Lourau (1977), trata-se de encontrar formas de analisar nossas implicações 
para que, em cada situação, possamos nos situar nas relações de classe, nas redes de poder, em vez 
de nos fixarmos, nos cristalizarmos numa posição que chamamos de “científica”. 
Assim, se entendemos os objetos, saberes e sujeitos como produções históricas, advindos 
das práticas sociais; se aceitamos que os especialismos técnico-científicos surgidos da divisão social 
do trabalho no mundo capitalístico têm tido como função a produção de verdades absolutas e 
universais e a desqualificação de muitos outros saberes que se encontram neste mesmo mundo; se 
achamos importante em nossas práticas cotidianas a análise de nossas implicações, assinalando o 
que nos atravessa, nos constitui e nos produz, e o que constituímos e produzimos com essas mesmas 
práticas, negaremos os binarismos, as dicotomias, as exclusões. 
Se estas ferramentas são por nós utilizadas, não oporemos teoria/prática, saber/poder, 
indivíduo/sociedade, macro/micro, interior/exterior, Psicologia/Política, etc e sim os comporemos, 
os juntaremos. Eles não se excluem, não se separam; ao contrário, atravessam-se e estão em 
contínua troca, revezando-se infinitamente. 
 
4 Esta noção surgiu no movimento da Psicoterapia Institucional francesa, na 1a metade dos anos 60, vinda da noção de 
contra-transferência psicanalítica. 
 
 
10
Articular Psicologia e Política produz uma série de outros efeitos, como a clareza de que 
nossas práticas não são neutras, elas produzem efeitos poderosíssimos no mundo; são, portanto, 
políticas. Assumir tais questões é estabelecer rupturas com o pensamento hegemônico no Ocidente: 
é romper com as “verdades” que estão no mundo e vê-las como temporárias, mutantes, provisórias; 
enfim, como produções. 
 
Bibliografia: 
CHAUÍ, M. “O Que é Ser Educador Hoje? Da Arte à Ciência: a morte do educador” in 
Brandão, C. R. - Educador Vida e Morte – Rio de Janeiro, Graal, 1982. 
COIMBRA C. M. B. - “A Divisão Social do Trabalho e os Especialismos Técnico-
Científicos” in Revista do Departamento de Psicologia - UFF, no 2, ano 2, Niterói, UFF, 1990. 
FOUCAULT, M. - A Verdade e as Formas Jurídicas - Rio de Janeiro, PUC/NAU, 1996. 
__________ - Microfísica do Poder - Rio de Janeiro, Graal, 1988. 
GORZ, A. - Crítica da Divisão Social do trabalho – São Paulo, Martins Fontes, 1980. 
GUATTARI, F. e ROLNIK, S. - Micropolítica: cartografias do desejo - Rio de Janeiro, 
Vozes, 1988. 
LOURAU, R. - El Análisis Institucional - Madrid, Campo Abierto Ed., 1977. 
VEYNE, P. M. - Como se escreve a História. Brasília, Cadernos da UNB, 1982.

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