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Sumário Prefácio Viver, amar, gozar Parte 1 Estados Unidos O estatuto da feminilidade na contemporaneidade Parte 2 Argentina/ Brasil Da crença no pai para a crença n’A Mulher Puta, o nome do supereu Mulher sinthoma do homem Sublimação e posição feminina Referências bibliográficas Lêda Guimarães GOZOS DA MULHER DA DEVASTAÇÃO À VIVIFICAÇÃO KBR/ Petrópolis/ 2014 Coordenação editorial Noga Sklar Editoração KBR Capa KBR sobre Antonio da Correggio, “Jupiter e Io”, óleo sobre tela, circa 1533. Copyright © 2014 Lêda Guimarães Todos os direitos reservados à autora. ISBN: 978-85-8180-317-3 KBR Editora Digital Ltda. www.kbrdigital.com.br www.facebook.com/kbrdigital atendimento@kbrdigital.com.br 55|21|3942.4440 PSY016000 - Psicologia, sexualidade Lêda Guimarães é psicanalista e escritora, membro da EBP — Escola Brasileira de Psicanálise, e da AMP — Associação Mundial de Psicanálise. Foi AE — Analista da Escola da EBP-AMP (2000-2003). Tem mais de cem textos publicados em várias línguas, em livros e revistas de psicanálise. Alguns deles estão reunidos pela primeira vez neste livro, seu primeiro publicado pela KBR. Email: leda.guimaraeslg@gmail.com Segredos, silêncio, obstinam-se sentados nos castelos escuros de nossos dois corações: segredos cientes de sua tirania: tiranos desejando ser destronados. James Joyce, Ulysses. PREFÁCIO VIVER, AMAR, GOZAR José Vidal1 Se, como nos orienta Lacan, a psicanálise deve fazer uma leitura do modo como uma época vive a pulsão, Lêda Guimarães nos oferece um instrumento absolutamente válido para fazê-lo. Os interessados em como tratar o mal-estar cultural no século XXI, tanto desde o ponto de vista teórico como do ponto de vista clínico, encontrarão neste livro uma abordagem nova e atualizada com relação às tradições da psicanálise e ao pensamento contemporâneo. Como bem sabemos, os achados da psicanálise sobre a sexualidade humana são notáveis. Convém, porém, deixar claro que não são formulações sob a perspectiva da sexologia, nem sequer da psicologia. Embora pudesse fazê-lo, a psicanálise não encara as condutas sexuais de homens e mulheres a partir da observação da espécie animal, como uma etologia. Essa pretensão existe de fato na cultura, onde proliferam estudos que parecem científicos, sobretudo indagações estatísticas que tentam descrever, definir e precisar o comportamento humano normal com relação à sexualidade, o que, regularmente, não conduz a nada; melhor dizendo, induz ao pior, incrementando os prejuízos e temores que pairam sobre a vida erótica. A psicanálise, diferentemente, não se concentra no comportamento, que evidentemente tem variações infinitas, mas busca fundamentalmente capturar a significação que o sexo adquire na vida subjetiva das pessoas. Isso se efetiva partindo-se do simples fato de que os seres humanos falam e desnaturalizam a sexualidade, exilando-a do que seria uma “natureza” animal ou uma determinação biológica. A vida das relações dos seres que falam, não só a vida sexual, está definitivamente separada do que poderíamos chamar de “instinto” pelo fato de que o significante, ao incidir no corpo, transforma-o radicalmente. O corpo humano, suas zonas erógenas, a boca, o ânus, os olhos, os ouvidos e quaisquer outros órgãos são passíveis de um afastamento de suas funções fisiológicas para serem transformados em aparatos de gozo, que podem fluir pela via do prazer ou sofrimento, surgindo daí possibilidades tão variadas que não poderíamos de maneira nenhuma encontrar um tipo instintual específico para a espécie humana. Aliás, Freud abriu uma verdadeira Caixa de Pandora ao inserir na cultura certas ideias, como a sexualidade infantil, os desejos incestuosos inconscientes, as fantasias de sedução e de castração, e, principalmente, as consequências psíquicas que derivam da diferença anatômica entre homens e mulheres — quer dizer, ao propor que afetos no psiquismo humano determinam o comportamento. A diferença entre os sexos passa a ser determinada por ter ou não ter um pênis, quer dizer, pela presença ou ausência do falo, sendo este o nó em torno do qual Freud organizou a clínica e a teoria psicanalítica das neuroses, baseado na angústia de castração, de onde provém a dissociação e a conversão para a histeria, os sintomas e defesas da neurose obsessiva, para as quais Lêda Guimarães formula uma hierarquia renovada, articulando-as ao supereu conforme o pensamento de Lacan. Ainda segundo Freud, os fenômenos próprios da psicose e da perversão também se organizam em torno da castração, como consequência de um rechaço fundamental ao falo — enquanto ordenador do mundo simbólico —, ou como um desmentido dessa castração simbólica, da qual o falo advém como metáfora. Para fundamentar essas proposições, Freud situou em primeiro plano a função do pai: é o pai, como figura simbólica por excelência, que atua como agente dessa ameaça de castração, tendo o falo como centro da organização subjetiva. Porém, o fato de ter ou não ter o falo, esta predominância do falo na concepção da sexualidade humana e na etiologia das neuroses e psicoses deixava todo um campo inexplorado, o que não escapou ao próprio Freud: a sexualidade feminina. Nesse território, era possível reconhecer experiências que não podiam ser explicadas a partir desse dispositivo conceitual centrado no pai/ falo, no ter ou não ter. Os artigos de Freud sobre a feminilidade, e em seguida as formulações de Lacan sobre a sexualidade das mulheres, abriram um capítulo investigativo onde proliferam mais dúvidas do que certezas, e isso tem motivado muitos analistas a questionar, debater e publicar textos em torno do tema. Com reiterada generosidade, Lêda Guimarães vem me acompanhando em algumas investigações, nas quais temos obtido importantes avanços sobre a nomeação da mulher na fantasia masculina, algo que em algum momento publicaremos. A evolução da sexualidade humana no século XXI mostra claramente que essa indagação sobre o planeta feminino não foi concluída; e mais, parece que as mudanças vertiginosas às quais a ciência nos submete, assim como o desenvolvimento das sociedades capitalistas, nos confrontam com novas experiências em relação à quais a psicanálise precisa fazer um esforço e se atualizar. Efetivamente, a queda do nome do pai como ordenador da vida subjetiva — a pedra básica da psicanálise durante o século XX — é um fato incontestável, advindo do movimento político desencadeado pelo discurso da ciência, verdadeiro mestre de nosso tempo, a partir do qual vemos surgir formas inéditas de gozo. As neossexualidades, as formas inéditas de composição da família, a obtenção de crianças por meios tecnológicos, o surgimento de novas e cada vez mais surpreendentes formas de procriação — nas quais desaparece progressivamente a ligação entre o ato sexual e a reprodução —, e a seleção genética, já uma realidade entre nós, fazem com que a tão comentada função paterna na psicanálise seja transformada em uma figura de museu. Vale também mencionar os avanços tecnológicos de drogas que garantem a potência sexual e o controle da natalidade, técnicas que permitem estabelecer a filiação e os infindáveis recursos médicos que permitem mudar a aparência, além de prolongar a juventude e a vida — todas essas coisas modificam radicalmente o modo como se vive a sexualidade, que há apenas poucos anos era condicionada pela possibilidade de gravidez indesejada e de infecções, pela decrepitude natural da idade, pela finitude da vida. Desse modo, ao modificar as condições de vida pela introdução de novos recursos, a moral e os costumes sociais tradicionais se transformam e se adaptam aos novos tempos. A fidelidade, o adultério e a poligamia são figuras que vão se retirando a partir das novas possibilidades de gozo que a civilização coloca aoalcance de todos, inclusive estimulando seu uso através do mercado. Diante da realidade, que se impõe de modo crescente à sociedade, que já não necessita de certas proteções, as próprias religiões devem modificar seus dogmas, destinados a preservar a família, a filiação e a herança. Além do mito edípico estabelecido por Freud, que organizava nosso pensamento em torno da família tradicional, fica evidente a necessidade de novos parâmetros conceituais que acompanhem essas mudanças na vida sexual. Neste sentido, a partir de uma releitura do que Miller vem chamando de “último ensino de Lacan”, Lêda Guimarães nos propõe um novo ordenamento das ideias na psicanálise, levando em conta especialmente, como instrumento privilegiado, a sexualidade feminina. O “último ensino de Lacan” foi a maneira que Miller encontrou para introduzir um corte no pensamento de Lacan e ressaltar o que surge a partir do Seminário 20, Mais, ainda, no qual Lacan abandona a doutrina do significante em que havia se apoiado desde o “Discurso de Roma”, ainda que esta referência linguística permaneça como um antecedente indispensável. Com esse recurso, esse corte forçado nas formulações de Lacan, Miller alavancou o movimento do real no século XXI, atualizando a psicanálise diante dos desafios de nossa época e proporcionando novos instrumentos para sua prática e desenvolvimento da teoria. Com o “último ensino” passamos a dispor de uma nova topologia, na qual a afirmação de uma equivalência entre os três registros — simbólico, imaginário e real — substitui o privilégio do simbólico enquanto estruturante da subjetividade, o que nos permite pensar a experiência humana sob uma perspectiva que, sem prescindir deles, transcende o falo e o pai, dando lugar a um gozo que vai além do Édipo freudiano — o que implica que além do gozo fálico masculino, relativo ao ter ou não ter, é possível conceber um Outro gozo, diverso daquele fundado pelo pai, que Lacan denomina “gozo da mulher“. Sob uma perspectiva estruturalista, isso conduz claramente a clínica psicanalítica a transpor os limites dos diagnósticos, indo para um outro campo onde prevalece a estratégia singular de cada sujeito para suprir uma falha inaugural. Lêda Guimarães nos introduz de imediato nessa dimensão impensável que mobiliza os pilares da tradição social — aí incluídos os pilares da psicanálise —, onde não se trata mais do sentido ou do discurso do Outro, da tradição, da ordem simbólica, mas do gozo, do corpo gozante, que, ainda que não seja independente da palavra, ainda que surja justamente como contragolpe do significante, não pode ser por ele capturado. Mais ainda, o determinante da subjetividade é justamente aquilo que a palavra segrega, porque não pode ser dito. Sendo a psicanálise uma experiência que se situa no campo da palavra, não poderia ser de outro modo: a dimensão que escapa à palavra passa a ser capturada no que resta de um dizer. A referência fundamental dessa ideia é sem dúvida encontrada nos quadros da sexuação propostos por Lacan no Seminário 20. Porém, o que nos chama imediatamente a atenção nos textos de Lêda Guimarães é que não são apenas mero comentário de Lacan ou de Miller, nem partem de elaborações teóricas ou de leituras eruditas, ainda que não deixe de utilizá-las, mas que ela escreve a partir da própria experiência de uma mulher que toma a palavra. Quer dizer, não se trata de uma escrita indiferente, ascética, com pretensões científicas ou universitárias, mas de uma força testemunhal que emerge da experiência própria na análise. Lêda pôde dar conta dessa experiência analítica durante os três anos em que assumiu na EBP a função de Analista da Escola. Os conceitos emprestados de Freud, Lacan e Miller foram então articulados ao que foi efetivamente experimentado em seu corpo, em sua própria análise e na análise de seus pacientes, das quais resgata momentos memoráveis. Toma inclusive como referência sua própria sexualidade, sua experiência como mulher no sexo e no amor, e disso resulta que seu livro tenha algo muito vivo, a que o leitor dificilmente poderá ficar indiferente, já que a teoria torna-se secundária em relação a algo efetivamente vivido. Essa corda é tensionada ao extremo para nos fazer perceber um fenômeno que está presente em quase todos os capítulos deste livro: o limite — um limite que pode existir entre a palavra e a letra, entre o sentido e o gozo inapreensível, um limite que distingue o masculino do feminino, o pensar da loucura, aí incluídos os confins que separam a vida da morte. Esta última formulação é um postulado de Lêda Guimarães. Ainda que a autora não o tenha expressado exatamente dessa forma, pode-se ler que, com os mesmos elementos pulsionais que habitam o corpo, o gozo conduz tanto para a vida como para a morte; tudo dependerá do uso que o sujeito faça deles quando confrontado a esse limite. Com essa margem tênue, vemos que é possível oscilar entre um supereu devastador e mortificante e experiências de gozo muito vivificantes: Eros e Tanatos se movem numa dança onde a supremacia de um ou de outro dependerá da operação analítica e da decisão do sujeito. Para Lêda Guimarães, este é o desafio que a psicanálise deve enfrentar: uma escolha de ferro entre a versão arcaica do pai superegoico, moralizante, e a liberação das forças vivificantes capturadas no gozo feminino. Audaz como Lacan, ela toca nos pilares da tradição psicanalítica, e a seu modo nos faz pensar numa certa liberação, numa emancipação — como diria meu amigo Jorge Alemán — das defesas que impedem o surgimento desses aspectos vivificantes do gozo feminino, defesas que Lêda gosta de chamar de “obsessivas”, para identificá-las ao regime fálico. Estamos, sem dúvida, no momento de síntese de uma luta que as mulheres vêm travando nos últimos cem anos, por seus direitos sociais, sexuais e humanos, e sua iminente vitória tem produzido consequências enormes no mal-estar da civilização atual. Faltava um modo de descrever estas mudanças do ponto de vista da psicanálise. A própria psicanálise, ao mostrar sua estrutura de ficção, contribuiu de maneira fundamental para a queda dos emblemas paternos, e, por consequência, para a emancipação da mulher. Nesse ponto emergem problemas teóricos que Lêda Guimarães resolve com habilidade: o gozo feminino, o Outro gozo, o que escapa da significação, o que se situa além do falo, não é algo que se limite a uma experiência feminina; ao contrário, é compartilhado por todos os seres falantes, sejam homens ou mulheres, quando se veem confrontados com o amor. Desse modo, não se trata aqui de um ensaio sobre o que ocorre às mulheres, de uma psicologia feminina, pois o homem e a mulher aparecem equiparados. O amor aparece como uma mola essencial para o entendimento da experiência do real para ambos os sexos, como causa de devastação ou como saída da cilada sintomática, fluido que eterniza o sujeito na culpa superegoica. Depois de ler Lêda Guimarães, talvez devêssemos olhar os quadros da sexuação de Lacan, não mais como uma bipartição demográfica dos seres humanos, mas como um esquema do que ocorre na experiência íntima de cada um de nós, de um corpo atravessado pela linguagem onde habitam em graus diferentes aspectos femininos e masculinos. Não se trata aqui, absolutamente, de uma perspectiva romântica e adocicada do amor. Ao contrário, Lêda nos mostra muito bem como a experiência amorosa pode conduzir perfeitamente ao limite da morte e inclusive da loucura — que Lacan denominou a devastação a que um ser falante em posição de mulher poderá ser conduzido quando se encerra no território do não-todo feminino, sem o suporte do falo como garantia do extravio. A clínica toma aqui uma nova forma. As diferenças entre neurose e psicose perdem importância, dando lugar aos modos como cada um pode situar-se em torno da falha que constitui o nóda estrutura. Como leitora atenta de Lacan, Lêda Guimarães encontrou no Seminário 23 um detalhe que nos permite ver que a relação sexual, que não existe, pode existir em algum momento. Cada um sabe quando se produziu a falha em sua relação com a linguagem, em sua experiência íntima. Haverá relação sexual sempre que a reparação dessa falha, tarefa que é sempre singular para cada um, se fizer no ponto em que foi produzido o lapso inicial, no ponto traumático no qual a linguagem fez sua irrupção no corpo, uma experiência única, solitária, que não pode ser compartilhada. Se isso ocorrer, poderá haver um encontro entre homem e mulher, não como seres biológicos, mas como posições de gozo, encontro em que o outro poderá advir com sinthoma, ou devastação. A psicanálise tem então a responsabilidade de encontrar uma forma de fazer a interpretação operar um distanciamento das defesas obsessivas, superegoicas, ponto sobre o qual Lêda insiste — um discurso que por momentos pode adquirir um aspecto quase feminista, mas que não se deixa enganar pelo canto da sereia dos ideais de nossa época, que querem situar no lugar do pai caído um novo Outro Universal, pensado como A Mulher. A idealização da mulher em nossa época não passa de um novo engano superegoico, que evita o encontro com aquilo que Lêda pretende valorizar: a experiência singular e autônoma de seres que falam com o amor, indo além das defesas — nome psicanalítico da moral. Talvez Guimarães queira nos confrontar com a ética da psicanálise — bem diferente da moral, a “ética do bem dizer” —, que indica que não se deve retroceder diante do próprio desejo e da leitura que dele se faz na experiência da análise. O passe ocupa, portanto, uma posição de privilégio no que ela escreve: trata-se da sexualidade encarnada, testemunhada, que foi vivida em seu próprio corpo, no dela e de outros que chegaram em suas análises ao ponto de poder compartilhar esse achado, elevando-o à categoria de conceito — o que, pelo contrário, restaria na ordem do inefável. Sua maneira de falar, de transmitir seu pensamento, de praticar a psicanálise, vem produzindo em torno dela um movimento importante. Aqueles que a conhecem pessoalmente não conseguem escapar à força impactante do seu desejo, à profunda convicção que imprime a seus atos, à autenticidade do seu trabalho. Lêda Guimarães atrai, inquieta, seduz, perturba, interroga. E não é possível ser indiferente a isso. Devido à força da sua palavra falada, talvez tenha demorado um pouco para reunir numa publicação alguns de seus trabalhos. Entretanto, ainda que não constitua a mesma experiência, o livro que vocês têm em mãos é uma excelente tradução escrita de tudo o que envolve o trabalho de Lêda, agora ao alcance dos que vivem em outros países e não têm a possibilidade de escutá-la. PARTE 1 ESTADOS UNIDOS O ESTATUTO DA FEMINILIDADE NA CONTEMPORANEIDADE2 Lêda Guimarães3 Gostaria de expressar minha grande satisfação em estar aqui com vocês nessa nossa tarefa de fazer a Escola existir. Agradeço especialmente a Alicia Arenas pelo convite, e a todos vocês pela recepção tão amorosa. Minha satisfação se deve também ao fato de estar na Escola de Lacan aqui neste país onde o discurso analítico requer uma sustentação do desejo do analista que beira o heroico, devo lhes dizer, considerando que Freud aqui deixou o vírus da peste que quase foi desativado. Quando esteve na Bahia, Brasil, em 1998, realizando seu seminário O Osso de uma Análise,4 no final da sua intervenção Miller pronunciou uma proposição que fez toda a audiência sorrir de modo imediato, seguramente pelo desconcerto que produziu na nossa realidade com relação ao amor, realidade psíquica atualmente constituída pelas mulheres, já que muitas delas assumiram de maneira explícita a função de uma voz que enuncia a verdade acerca das questões subjetivas. Porém, o efeito da interpretação selvagem foi suavizado por um tom de voz muito gentil, ao estilo de um convite, quase uma súplica. Falando em nome dos homens e dirigindo-se exclusivamente às mulheres, Miller disse: “Senhoras, amem-nos”. E com essa frase impactante encerrou seus comentários finais, logo depois de haver dito que na atualidade as mulheres tropeçam no amor com muita dificuldade, e que, por um movimento natural, a conquista dos direitos de igualdade em relação aos homens se traduz em dificuldades no âmbito do amor. Por que formular esse convite em nome dos homens? Para elaborar uma resposta, seria conveniente considerar que o convite de Miller guarda afinidades com uma declaração de Freud em O Mal- Estar na Civilização, muito polêmica desde o ponto de vista feminista, mas na qual considero que haja algo muito interessante que destacarei aqui: “As mulheres representam os interesses da família e da vida sexual. O trabalho da civilização tornou-se cada vez mais um assunto masculino, confrontando os homens com tarefas cada vez mais difíceis e compelindo-os a executar sublimações pulsionais de que as mulheres são pouco capazes”.5 Conforme o meu ponto de vista, há grande pertinência nessa formulação, apesar da imprecisão no que se refere à falta de capacidade sublimatória nas mulheres. Mas Freud não deixa de ter uma certa razão, pois a prática da psicanálise demonstra que há uma grande diferença entre a sublimação nos homens e a sublimação nas mulheres, especialmente no que concerne à função de suplência que essa vicissitude pulsional poderá ter para os homens, muito diferente do que sucede com as mulheres, já que a sublimação nos homens se mantém articulada ao traço perverso fantasmático que eles cultivam, conforme a análise de Leonardo da Vinci feita por Freud.6 Seguramente é esta a razão pela qual os homens experimentam uma afirmação da sua masculinidade a partir dos produtos derivados de suas satisfações sublimatórias. Ainda que nas mulheres não encontremos essa articulação da sublimação com seu lastro fantasmático, verificamos que há nelas uma capacidade de sublimação, quer dizer, elas obtêm satisfação com suas atividades dessexualizadas no campo da arte, da produção intelectual e nas diversas áreas profissionais em que têm demonstrado claramente suas grandes capacidades. Já que a sublimação nos homens tem uma relação direta com seu traço fetichista fantasmático, o que não ocorre do mesmo modo nas mulheres, pergunto então: como opera o traço singular de gozo na sublimação das mulheres? O gozo mais precioso das mulheres A questão crucial que pretendo desenvolver aqui é a seguinte: ainda que muitas mulheres de hoje tenham alcançado grandes realizações no campo da sublimação, isso não as torna mais felizes, pelo contrário, estão mais infelizes. O que se passa com muitas mulheres hoje, já que não obtêm da sublimação uma satisfação que lhes forneça um sentido para sua existência? Respondo: elas vêm se afastando de seu gozo mais precioso, que está articulado ao sonho de amar um homem, ao sonho de amar um homem que seja seu. Esta é, portanto, a dificuldade mais comum, pois é muito difícil que atualmente uma mulher se refira ao seu parceiro como “meu homem”. No campo da sublimação, elas buscam alcançar uma igualdade de diretos que se aplique a todas as mulheres; procuram consolidar suas competências no trabalho da civilização como um direito que toda mulher pode alcançar, o que indica que, através da sublimação, tentam se situar do lado masculino, do lado do Todo da sexuação, conforme as elaborações de Lacan no quadro das fórmulas da sexuação em seu Seminário 20.7 Mas porque isso não as deixa felizes? Porque seu gozo precioso se localiza, no quadro das fórmulas da sexuação, do lado em que Lacan situa o feminino, onde o simbólico tem uma abertura — S(Ⱥ) — da qual emerge o gozo feminino e a dimensão do amor. Desse modo, se do lado do Todo há satisfações para todos, o gozo mais precioso dasmulheres não se encontra aí, porém num reduto muito privado, localizado na dimensão do singular. Fórmula da sexuação de Jacques Lacan Encontrei numa canção brasileira, “Infinito Particular”,8 algo muito especial acerca desse gozo feminino. Nela, com o verso “meu infinito particular”, Marisa Monte faz uma alusão poética a esse gozo que se converteu numa frase muito apreciada, uma expressão mencionada por Éric Laurent, por ocasião do XVII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano,9 como equivalente ao “gozo sinthomático”. Para mim, porém, a expressão de Marisa é bem mais emblemática do gozo feminino, porque é exatamente aí — nesse “infinito particular” onde não há nenhuma lei, nenhum script que sirva para todas, nada que possa orientá-las no campo do amor — que as mulheres encontram seu maior desafio subjetivo, que consiste em assumir de modo permanente e singular a tarefa de construir seus laços de parceria a partir do seu modo próprio de amar. Voltando à citação “as mulheres representam os interesses da família e da vida sexual”, agora podemos afirmar que Freud estava correto, porque é precisamente nos laços amorosos que se localiza o gozo mais precioso das mulheres. Os homens, por outro lado, geralmente não lidam bem com isso; suas defesas obsessivas os impedem, o que suscita nas mulheres queixas tais como: “Tenho que lutar sozinha pela nossa relação, tudo eu, e ele nada”. Assim é! Quem, a não ser elas mesmas, poderia lutar por seu gozo precioso? O que ocorre quando as mulheres deixam de lutar pela relação amorosa, deixando-a a cargo dos homens? Quando a parceria entre um homem e uma mulher é controlada pelo homem, o que pode suceder? A mortificação poderá impregnar a parceria, conformada a uma insípida rotina obsessiva — “Podemos fazer isso amanhã, hoje não”; “Tal dia faço isso e tal dia você faz aquilo” —, conduzindo ao tédio e ao declínio do seu desejo sexual e, consequentemente, também ao declínio do desejo na mulher, já que no apaixonamento o desejo masculino é condição essencial para o gozo feminino. Assim, o convite de Miller — “Senhoras, amem- nos” — representa uma súplica em nome dos homens, não em nome das mulheres, pois ele estava falando como homem, como se estivesse dizendo para as mulheres: “Não nos deixem mumificados, mortos, em nossa armadura obsessiva”. E nos convoca a interrogar: o que se passa com muitas mulheres atualmente, que parecem ter se esquecido do amor? Uma tentativa estrutural de suplência para A Mulher que não existe Para elaborar uma resposta para essa pergunta, convém recordar que a histeria é uma neurose naturalmente feminina, pois se assenta na pergunta “O que é ser mulher?” — uma pergunta sobre a identidade feminina. Bem sabemos, porém, que se trata de uma pergunta que não encontra respostas no campo simbólico, e essa ausência de referências simbólicas também está articulada ao gozo feminino, já que esse gozo não se enquadra nas medidas fálicas. Há uma citação de Lacan — correspondente ao período inicial de seu ensino, mas pode ser lida desde a perspectiva dos nós do final do seu ensino — que me parece preciosa, pois nela Lacan indica de modo muito preciso o movimento espontâneo da estrutura na busca de uma suplência para uma identidade feminina. Na medida em que o feminino se localiza na falha do simbólico, ali onde nada pode ser dito acerca de uma identidade feminina, ocorre na estrutura neurótica das mulheres um esforço espontâneo para produzir uma suplência. A citação à qual me refiro encontra-se em “Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina”, e, segundo meu ponto de vista, antecipa o que Lacan viria a formular em seu seminário Mais, ainda: (…) na posição de ou-isto-ou-aquilo em que se vê preso o sujeito, entre uma pura ausência e uma pura sensibilidade, não é de surpreender que o narcisismo do desejo se agarre imediatamente ao narcisismo do Eu que é seu protótipo.10 Quando lemos essa frase de Lacan sob a perspectiva do seminário Mais, ainda — “na posição de ou-isto-ou-aquilo em que se vê preso o sujeito, entre uma pura ausência [de referências simbólicas] e uma pura sensibilidade [do gozo feminino]” — podemos perguntar: que movimento espontâneo se produz na estrutura, na tentativa de alcançar uma suplência para a identidade feminina, já que o feminino emerge do buraco no simbólico e de um gozo real? Lacan nos dá a resposta em seguida: “(…) não é de surpreender que o narcisismo do desejo se agarre imediatamente ao narcisismo do Eu que é seu protótipo”. Desse modo, formula a solução espontânea da estrutura: “o narcisismo do desejo se agarra — se enlaça, poderíamos dizer — imediatamente ao narcisismo do Eu”. E o que isso significa? Lacan parece situar aqui a função da mascarada como um movimento espontâneo da estrutura, uma tentativa de fazer consistir uma suplência para a identidade feminina que não existe. A partir do buraco do simbólico e de um gozo real, o narcisismo do desejo feminino, que aspira a uma identidade na parceria amorosa, se aferra imediatamente ao narcisismo do Eu, erguendo no imaginário uma máscara que tem como função instituir um semblante para a feminilidade. Podemos conceber dessa maneira que a mascarada é um recurso imaginário que tenta salvaguardar o narcisismo do Eu, um instrumento privilegiado de que as mulheres dispõem para abordar sua parceria no campo do desejo. Por essa razão, Freud já nos dizia como são narcisistas as mulheres nos seus vínculos amorosos, afirmando que não são propriamente inclinadas a amar, porém, mais precisamente, querem ser amadas. Além disso, Lacan nos permite entender nessa citação que o narcisismo feminino não significa que as mulheres amem a si mesmas, mas que esse narcisismo é fundamentalmente um instrumento espontâneo da estrutura no esforço de constituir uma identidade feminina. Porém, sabemos muito bem que essa tentativa de suplência tende a falhar, pois a inflação narcisista feminina se transmuda muito facilmente em um estado de aflição ou de devastação. O problema todo é que essa máscara é um recurso imaginário fortemente associado à significação fálica, que afasta as mulheres da feminilidade, como disse Lacan no texto “A significação do falo”: Por mais paradoxal que possa parecer esta formulação, dizemos que é para ser o falo, quer dizer, o significante do desejo do Outro, que a mulher vai rejeitar uma parte essencial da feminilidade, nomeadamente todos os seus atributos na mascarada. É pelo que não é, que ela pretende ser desejada, ao mesmo tempo que amada.11 Aqui reside o paradoxo da inconsistência do narcisismo na mulher: desejar ser amada e desejada exatamente pelo que não é! Convém considerar, inclusive, que a função da mascarada consiste em proporcionar um semblante d’A Mulher como exceção ao campo do Todo. Portanto, não se trata de ser igual a todas; nenhuma mulher quer situar-se como sendo “igual a todas”, ao contrário, almejam ser “a única” dentre as outras, mais precisamente a única como “razão do desejo do Outro”! Deste modo, o narcisismo do Eu nas mulheres é um modo de situá-las na função da exceção, como a melhor! Acima de todas as demais! É disso que se trata o narcisismo do Eu nas mulheres, o sonho mais elevado, o ideal inalcançável: ser única diante do desejo masculino, inigualável dentre todas, como condição necessária para sustentar uma posição de desejante na parceria. Essa máscara tende a desmoronar, a sucumbir muito facilmente, como lhes disse há pouco. Nesses momentos, desafortunadamente, a estrutura tende a fazer consistir outro semblante que nas mulheres também está localizado como uma exceção ao Todo, porém, conforme uma lei muito severa, a lógica binária de oposição entre os significantes, situando o semblante do feminino no extremo oposto do ideal, precisamente no semblante de objeto-dejeto. Assim, o movimento espontâneoda estrutura, de acordo com a lógica implacável dos significantes articulada à significação fálica, ainda mantém o feminino na posição de “exceção”, porém agora como “excluído” do Todo, abaixo de todas as outras mulheres, como um objeto descartável, depreciável, desvalorizado. O sentimento de exclusão resultante da inevitável queda desse sonho narcisista se traduz nos enunciados muito comuns em mulheres apaixonadas, que se referem à experiência do apaixonamento como se estivessem numa montanha russa, pois se num momento se consideram “tudo para ele”, “a única”, no momento seguinte se sentem um “nada”, “não sou nada para ele”. Podemos, então, concluir que a mascarada é um esforço imaginário de suplência nas mulheres que se sustenta numa leitura fálica, como uma tentativa de salvaguardar as mulheres da posição de objeto que é tão insuportável para as feministas. De acordo com cada cultura, em cada momento histórico, a máscara da feminilidade se transmuda, muitas vezes numa velocidade alucinante, tal como as mulheres mudam de roupa e adereços todos os dias, numa corrida vertiginosa para tentar alcançar A Mulher, que é sempre Outra em si mesma. A máscara da feminilidade contemporânea Vejamos como isso ocorre na atualidade. O interessante desta época, que temos denominado através de Miller como os “tempos do Outro que não existe” — da perda dos significantes mestres, da ausência de elementos simbólicos que assegurem identificações que sirvam para todos — assistimos a um fenômeno surpreendente, que se ergue muito sólido e potente em nome de uma nova identidade feminina: a máscara da feminilidade contemporânea. E que máscara seria essa? A mulher multimídia, multitarefa, polifacetada, com funções diversas, autônoma, independente, capaz, a super supermulher, que, frequentemente, pretende ser mais potente que os homens. Essa máscara tem várias aspectos, e é importante considerar que o modo de nomear o feminino através dela traz uma conexão implícita, uma posição diante dos homens, ou seja, os desfaliciza, colocando-se no mesmo nível ou acima deles. Conforme os ditos extraídos da boca das mulheres, essa máscara poderia assim ser nomeada: — A profissional realizada em suas competências sublimatórias, sejam científicas, artísticas ou técnicas, de tal sorte que o mundo do trabalho, inventado e construído pelos homens, não poderá mais prescindir das mulheres; — A politizada, culta, inteligente, dedicada à luta em defesa dos direitos dos excluídos, especialmente dos direitos das mulheres diante dos homens; — A administradora do lar, que já não é mais a dona de casa, subiu de posto, passando inclusive a provedora financeira do lar em proporção cada vez maior, muitas vezes com homens situados numa posição de dependentes economicamente. Por ser uma máscara múltipla, pois atende ao imperativo de ser várias em si mesma, requer outras faces: — A mãe psicopedagogizada, especializada nos saberes relativos ao desenvolvimento infantil, situando o parceiro como seu aluno predileto e ensinando-lhe como deve ser pai; — A malhadora diet, linda em qualquer idade e muito mais saudável do que os homens, pois se encarrega da contabilização obsessiva das calorias e nutrientes de modo mais eficiente do que eles. Há ainda uma face a ser agregada que inclui a sexualidade, restrita à dimensão erótica: — A amante liberada, especializada nos receituários de como incluir o orgasmo clitoriano no ato sexual, transformando os homens em seus alunos e lhes ensinando como fazê-la gozar. Essa lista poderia ainda incluir outras faces, conforme a tendência de agregar mais e mais habilidades que, em última instância, nunca são suficientes para denominar A Mulher. Existe também uma face que não pode fazer parte da lista: onde estará a mulher apaixonada, que sonha e morre de amores por seu homem? Foi excomungada! Não faz parte da lista da máscara da feminilidade contemporânea, como se o apaixonamento fosse um pecado mortal, o que se verifica nas expressões habituais entre amigas: “Querida, seja (...)” — assim tendem a se expressar, fazendo uso do verbo no modo imperativo, enquanto um imperativo de “dever ser”: “Querida, seja linda, seja independente, seja poderosa, mas não se apaixone”.12 Essa peculiar propriedade de manter vários traços identificatórios imaginários já havia sido formulada por Lacan como própria à identificação na melancolia psicótica;13 Lacan, inclusive, formulou que os melancólicos tem uma identificação estrelada, quer dizer, como as estrelas no céu, já que são traços identificatórios que não constituem um elo de ligação entre si. Pois bem, a máscara da feminilidade contemporânea tem a mesma configuração imaginária da identificação nos melancólicos, o que nos convida a indagar as razões dessa insólita semelhança. Há, porém, uma diferença fundamental entre a identificação melancólica psicótica e a função da mascarada na feminilidade, já que a estrutura neurótica contém a significação fálica no centro das identificações imaginárias. E o que isso implica? Que, mediante essa máscara, as mulheres contemporâneas pretendem fazer-se o falo para o desejo masculino — um artifício narcisista para abordar o parceiro, apresentar-se como uma mulher plena de talentos e realizações. O foco dessa máscara tende, muitas vezes, a emergir nos enunciados das mulheres de hoje através da negação, conforme uma expressão atual muito comum: “Para que preciso de homem?” O problema é que essa grande inflação fálica tende a cultivar uma tristeza nas mulheres, pois essa máscara da feminilidade contemporânea muitas vezes não produz o efeito esperado de fetichização para o desejo masculino. Assim, o tiro sai pela culatra, como se denuncia nas próprias palavras de muitas mulheres que se dizem realizadas, independentes, liberadas, porém infelizes: “Onde estão os homens? Já não há mais homens”. Por que os homens tendem a se afastar dessas mulheres tão poderosas? Parece-me que uma das razões fundamentais é que essa máscara da feminilidade contemporânea não se ergue como um falo, mas sim, mais precisamente, como uma multiplicação de falos, a própria cabeça da Medusa que ressurge do cenário mitológico em nossa época. Como Freud bem formulou em seu texto “A cabeça da Medusa”,14 tal visão causa pavor, fobia, petrifica o homem, faz com que ele se distancie em seu desejo dessas mulheres que representam a ameaça de castração, pois a multiplicação do falo não deixa de ser um símbolo da castração. Por isso o horror de muitos homens e seu tão comentado desaparecimento depois de um primeiro encontro. Porém, para a sorte das mulheres, nem todos fogem, há aqueles que permanecem mesmo diante desse risco. E quando eles permanecem ao lado das mulheres, o que sucede? Quando creem nelas, quando creem na máscara com a qual se apresentam, ou seja, quando tomam uma mulher como causa de seu desejo, instituindo-a como parceira-sinthoma, passam a tomá- la na função de Sujeito Suposto Saber — algo que geralmente elas mesmas não sabem, pois não costumam se dar conta dessa função tão importante que ocupam na subjetividade dos homens. As mulheres que decidem fazer análise costumam demoram muito tempo para descobrir o enorme poder que suas palavras têm sobre os homens. E o que ocorre com os homens quando creem nelas? Tendem a submeter-se ao seu discurso, aos seus mandatos, mandatos que muitas mulheres atuais sustentam com eficiência, construindo um discurso sobre como formar parcerias, como deve ser o homem como parceiro, como ele deve ser pai para seus filhos etc. Enfim, muitas mulheres atuais dizem aos homens que homens eles devem ser. Pois bem, a máscara da feminilidade contemporânea está diretamente articulada a um discurso das mulheres que pretende inscrever o “politicamente correto” nos laços afetivos. Desse modo, a crença nessa mulher multipotentemantém no centro dos laços amorosos o script delirante de um “amor politicamente correto”, que faria existir a relação sexual. Retomemos então a questão: por que “a mulher apaixonada” foi excomungada da máscara da feminilidade contemporânea? O estado de apaixonamento das mulheres, definido por Lacan em “Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina” como erotomaníaco, pode perfeitamente ser concebido a partir da prevalência do gozo feminino. Despertado pelo apaixonamento, esse gozo tende a expandir-se sem limites, o que lhe é próprio, já que, diferentemente do gozo fálico, não conhece medidas, não se sujeita a limitações, nem se localiza em zonas erógenas, por isso se expande no próprio corpo intrinsecamente desarticulado de qualquer nomeação. Por essa razão, tal gozo poderá fazer borda no campo simbólico através das palavras de amor, das mensagens de amor, das cartas de amor, que acabam se instituindo como uma envoltura fundamental, e, ao mesmo tempo, como uma condição para a emergência do gozo feminino. E quando a dimensão sexual erótica desse gozo permanece latente, ou mesmo reprimida, a vertente do amor adquire um caráter de exigência insistente, impulsionando a demanda imperativa de amor. Desse modo, a excitação gozosa erotomaníaca se traduz numa exigência de amor: “me ame mais, mais, e mais ainda...” O grande desafio subjetivo para as mulheres, quando são tomadas pelo apaixonamento, consiste no fato de que a aceleração erotomaníaca, que é própria a esse gozo tende muito facilmente a adquirir um caráter imperativo do qual as mulheres já não têm controle, um imperativo que se impõe sobre muitas mulheres, fazendo com que se dirijam ao parceiro exigindo que ele diga incessantemente que as ama, que olhe para elas, que lhes por telefone etc. Tal estado de aflição indica precisamente a presença do imperativo do supereu infiltrado nesse modo de gozo. Lacan nos disse de uma maneira muito clara no Seminário 20, Mais, Ainda:15 “Nada obriga ninguém a gozar, a não ser o supereu”. Assim, proponho que a aceleração do gozo erotomaníaco na direção de um impulso incontrolável e devastador denuncia que o imperativo mortífero do supereu se infiltrou muito rapidamente nesse estado de gozo, que é inerente ao feminino. Porém, abro aqui uma distinção fundamental entre o gozo feminino e o imperativo do supereu: o gozo feminino não é devastador, pelo contrário, é fundamentalmente vivificante, mas por estar situado no campo do silêncio, distante das palavras, tende a sofrer os efeitos da infiltração do supereu. Desse modo, quando sofre a intromissão do supereu, o estatuto real do gozo feminino passa a sustentar um imperativo “goza” num caráter mortificante próprio ao supereu — uma vertente mortífera de gozo que se mantém sempre à espera de uma oportunidade para ativar sua imposição. Isso faz com que o gozo feminino, quanto mais se acelera, até alcançar o topo de excitação — muitas vezes experimentado no êxtase de se sentir a “a única” —, se reverte muito rapidamente, se transmuda em um estado de devastação pela infiltração do supereu. O paradoxo do supereu Além dos efeitos mortíferos próprios ao imperativo do supereu, o grande problema é que a máscara da feminilidade contemporânea já está intimamente articulada ao imperativo superegoico, com muitas mulheres se mantendo na subjetividade a partir de uma fixação de gozo no paradoxo do supereu. Por um lado, a máscara da feminilidade atual mantém de modo muito explícito uma das vertentes do paradoxo do supereu, aquela que diz “Não” ao gozo do apaixonamento, ao gozo próprio ao feminino — “Não se apaixone”, “Seja livre, autônoma, realizada, linda, poderosa etc., porém não se apaixone”, de acordo com os ditos de muitas mulheres —, impondo assim a renúncia dessa satisfação para que a face do eu ideal d’A Mulher superpotente possa supostamente ser mantida, o que é um terrível engodo para as mulheres, porque a razão desse imperativo “Não se apaixone” ser tão necessário para manter o sonho de potência se deve precisamente ao fato de que o sonho está sempre prestes a se desmoronar. O crucial é que o imperativo explícito “Não se apaixone” já denuncia em si mesmo, para quem mantém seus ouvidos bem atentos, seu silencioso aspecto paradoxal, pois se as mulheres necessitam tanto dele é justamente porque são vulneráveis às garras do apaixonamento, necessitam tanto desse “não” exatamente porque há aí um impulso em direção ao “sim”. Além disso, diante de tanta liberação na atualidade, é muito fácil e bastante frequente que se apaixonem a partir de um encontro: “Não há relação sexual que possa se inscrever”, porém há encontros e há ato sexual. Dizer, como Lacan, que “não há relação sexual”, não quer dizer que nas parcerias não se possa alcançar um certo estado de felicidade, e apoiar-se nessa formulação para justificar uma defesa contra o apaixonamento é fazer uso de termos lacanianos para gozar da castração neuroticamente. Pois bem, o sonho de amor está sempre presente nas mulheres, de tal modo que, diante de um encontro contingente com o objeto voz ou olhar no semblante de um homem qualquer, uma mulher poderá facilmente ser invadida por uma sensibilidade explosiva que se expande por seu corpo. A expressão “amor à primeira vista” é apropriada para nomear o que ocorre a partir de um encontro de olhares: “nos olhamos, e vi naquele instante que ele era o homem que eu estava esperando” — isso é o que se chama contingência. O efeito de emergência do gozo feminino fará com que o olhar, ou a voz, se instituam como porta-vozes do sonho idílico do apaixonamento. O amor é um sonho sempre presente nos devaneios secretos das mulheres, sonho que elas guardam escondido nos porões da sua subjetividade, ao mesmo tempo em que, muitas vezes, o refutam. Que sonho é esse? É o sonho de entregar-se a um homem, de fazer-se causa do seu desejo, de deixar-se invadir pela pura sensibilidade do seu gozo feminino, ali onde há também uma pura ausência de sentido sobre seu ser, para desse modo se fazer mulher para um homem. Porém, diante de um encontro com o objeto olhar-voz localizado no semblante do parceiro, a economia de gozo do supereu poderá ser imediatamente disparada, injetando no gozo feminino os efeitos daninhos da significação fálica superegoica. Este imperativo silencioso — ou talvez latente, já que pode ser enunciado conforme a lógica fálica, ainda que de modo sigiloso, como se confessasse um segredo — pode ser formulado da seguinte maneira: “Entregue-se a este homem sem medidas, sem pensar, deixando-se ser invadida por esse impulso até o extremo de suas exigências, ainda que isso te custe a desgraça de sua própria vida”. É como um “nada mais me importa”, somente esse gozo. Assim, as duas vertentes do paradoxo do supereu estão articuladas à máscara da feminilidade contemporânea, onde o “não”, imperativo explícito ao gozo feminino, é uma defesa contra outro imperativo que este “não” tenta refutar: “Apaixone-se e morra de amor” — em outras palavras, este “não” implica a presença do seu oposto latente, e a isso se deve o pavor de certas mulheres ao apaixonamento. E bem sabemos a que extremos uma mulher pode chegar quando se apaixona. Diante de tudo isso, que posição muitas mulheres contemporâneas vêm adotando? Numa tentativa de estabelecer uma definição para o apaixonamento, inventaram-lhe novas designações, como por exemplo, “dependência afetiva”, diagnosticando o apaixonamento como uma “patologia”. Tais designações fazem parte de alguns dos nossos debates psicanalíticos, inclusive quando confundimos conceitualmente o gozo feminino com o gozo superegoico, e creio que isso denota uma certa alienação a essas proposições, tomando-as como verdades universalizantes, ainda que se tratem fundamentalmente de formulações claramente neuróticas. Quando no exercício da nossa prática psicanalíticaacreditamos no apaixonamento como uma “patologia”, estaremos fixando, reforçando nas mulheres essa lógica do paradoxo do supereu. Por isso é muito importante afirmarmos, insisto em deixar isso muito claro, que a patologia devastadora que invade as mulheres não é uma patologia da paixão amorosa, mas, sim, uma patologia do supereu. É importante recordar que Freud, ao considerar a pulsão de morte ineliminável — já que há um quantum de energia pulsional de vida e de morte que não pode ser eliminado — se perguntava: qual seria o destino da pulsão de morte num final de análise? Na sua prática psicanalítica, constatou que a pulsão de morte era melhor apaziguada quando se mantinha bem fusionada à libido, quer dizer, quando a pulsão de morte e a libido se uniam, isso resultava no erotismo, o que reduzia a ferocidade da pulsão de morte, já que seu furor era empregado para sustentar as ganas do desejo sexual. Considerando seriamente essa formulação de Freud, acrescento uma formulação à qual eu mesma só pude chegar depois do meu final de análise: para sustentar qualquer posição vigorosa de desejo, se usa a ferocidade da pulsão de morte, se usa a ferocidade que não está dirigida contra o outro nem contra si mesmo, porém a favor de uma posição decidida de sustentação de desejo. Para que fins? Para os fins da pulsão de vida. Deste modo, podemos agora formular que o excesso de gozo da paixão amorosa pode, sem dúvida alguma, produzir uma vivificação do corpo, algo muito diverso do gozo produzido pelo supereu, que é essencialmente mortificante. A vivificação que advém da paixão é bem conhecida pelas mulheres, pois quando encontram uma amiga cujo aspecto está muito diferente, com um brilho muito especial, costumam dizer: “você está apaixonada”. Sabem muito bem, portanto, o quanto o amor vivifica uma mulher. Assim, podemos afirmar que o campo da paixão amorosa somente expande suas fronteiras ao terreno do padecimento, da devastação, quando o imperativo superegoico se infiltra no excesso de gozo que vivifica o corpo, produzindo nele seus estragos mortificantes. O estado de devastação produzido pelo imperativo do supereu tende a manifestar-se nas lamentações das mulheres sob a forma de uma queixa — “Ele não me ama”; “Ele só quer me usar como objeto” — enunciada através do recurso da significação fálica, propondo uma interpretação dolorosa para as mulheres na parceria sexual, quando a vertente erótica do gozo feminino é enlaçada ao sentimento de culpa inconsciente, resultando na devastação. Deste modo, o gozo superegoico nas mulheres tende a projetar nos parceiros o semblante da figura obscena e feroz do supereu, como se os homens fossem responsáveis por todas as desgraças sofridas por elas, de tal modo que, quando muitas mulheres empreendem seus esforços na luta contra os homens, lutam na verdade contra seu supereu projetado imaginariamente neles. Quando Lacan nos diz que um homem pode ser devastador para uma mulher, o que ele assinala não é um mero detalhe entre outros acerca do feminino. A experiência psicanalítica nos demonstra o quanto esta questão é relevante, pois a devastação de que uma mulher pode padecer na relação amorosa com um homem constitui um ponto privilegiado para que uma entrada em análise tome como direção o tratamento do real do gozo mortificante. Muitas outras questões podem ocupar a subjetividade de uma mulher que busca uma psicanálise; porém, quando a questão central da análise de uma mulher não é definida sobre o eixo da devastação, os efeitos terapêuticos poderão não ter muito alcance. O supereu nas mulheres Para situar o modo como funciona o supereu nas mulheres, tomo uma proposição de Éric Laurent extraída da aula de 18 de dezembro de 1996 do curso de Miller “O Outro que não existe e seus comitês de ética”:16 “As mulheres acreditam mais no juiz do que na lei”. Para fundamentar essa afirmação, Éric Laurent se apoiou numa citação de Freud em sua conferência sobre a feminilidade,17 na qual Freud diz que a menina permanece no Édipo com o pai durante um tempo indeterminado, modificando-o mais tarde, porém de forma imperfeita, de modo que a formação do supereu se vê afetada por essas circunstâncias. A partir dessa referência freudiana, Laurent nos disse: “A formação do supereu sofre dessas circunstâncias e nunca chega a ser verdadeiramente impessoal. O pai permanece marcado por um apego terno, que seguramente orienta e faz com que a crença feminina sempre se dirija mais ao juiz do que à lei”.18 Desta formulação de Éric Laurent podemos destacar três proposições muito importantes sobre o supereu nas mulheres: 1. o supereu nunca chega a ser verdadeiramente impessoal; 2. porque sofre do resto de amor do Édipo com o pai; 3. por isso, a crença feminina sempre se dirige mais ao juiz do que à lei. Essas proposições se aproximam do que Freud formulou acerca do supereu em O mal-estar na civilização, quando disse que a estruturação do supereu se efetua em dois tempos.19 O primeiro tempo se constitui a partir de uma “autoridade externa”, à qual a criança se submete unicamente por um motivo: o medo da perda do amor. Ao concluir o Édipo — início da segunda etapa da estruturação — as crianças internalizam essa “autoridade externa”, convertendo-a numa “autoridade interna” sob a forma de leis morais, o que resulta no modo de funcionamento do supereu nos homens. Os homens acreditam na lei moral, disse Lacan em seu texto “Kant com Sade”;20 creem numa lei que faça da sua ação uma medida universal que sirva para todos. Esse supereu se torna um aborrecimento para os homens, pois seus pensamentos fazem muito ruído, ocupados com as regras que poderiam orientar seus atos, porém resultando quase sempre numa afirmação de culpabilidade, como, por exemplo: “Eu deveria ter feito tal coisa a semana passada, e não haveria ocorrido isso hoje”. Quando os homens andam muito calados, ensimesmados, geralmente estão muito ocupados com seu supereu. Enquanto isso, quando as mulheres se encontram também ocupadas com seu próprio delírio devastador — o delírio da Outra projetada em outra mulher — lhes perguntam: “Em quem você está pensando?” E assim, cada um sofre com seu delírio particular. Enquanto os homens creem na sua medida universal, nas mulheres — como seu Édipo não se conclui, já que conserva um resto do vínculo amoroso com o pai — o supereu nunca chega a ser verdadeiramente impessoal. Assim, apoiados em Laurent, podemos concluir que a “autoridade externa”, o “juiz”, se mantém articulado ao “medo da perda do amor”, fixando essas duas características fundamentais no funcionamento do supereu das mulheres. Em função do medo da perda do amor, as mulheres se submetem ao juiz, projetado primariamente na mãe, a seguir no pai, depois no parceiro, e com frequência acabam se submetendo aos seus ditames. Esse temor se manifesta quando as mulheres se inclinam mais diretamente para seus próprios desejos, especialmente quando são tomadas por seus desejos eróticos em suas paixões femininas singulares, ocasiões em que muitas vezes lhes surge o temor superegoico: “O que ele vai pensar de mim?” Muitas mulheres dizem atualmente: “Sou uma mulher liberada, minha sexualidade não representa qualquer conflito moral para mim, sou dona do meu corpo e tenho o direito de fazer o que eu quiser com ele, porém a sociedade está aí, sempre pronta para me culpabilizar”. Portanto, além da mãe, do pai, do marido ou companheiro, o juiz pode estar por todos os lados, em “todo mundo”, como uma projeção superegoica. Assim, ela se detém e diz “não” aos seus desejos pelo temor do que “todo o mundo poderá pensar”. Laurent disse também que as mulheres não creem nas leis porque têm muita afinidade com a falta do Outro, com as bordas do simbólico, com os limites da simbolização diante do real. Por essa razão, por estarem muito próximas desse limite,não creem na lei e podem deixar de se preocupar com regras que lhes pareçam ridículas. Porém, se podem tomar distância das leis o mesmo não ocorrerá com o juiz, já que acreditam firmemente nele. Pelo fato de o Édipo nas mulheres não resultar numa conclusão e por elas se manterem em numa posição de indiferença às leis, Freud chegou a considerar que o supereu nas mulheres era mais frágil, mais suave, o que não é muito preciso, pois o supereu nas mulheres é devastador e terrível, porém de modo diferente. O próprio Freud, em dado momento, assinalou os indicadores da ferocidade do supereu nas mulheres em seu texto O Ego e o Id, especialmente na histeria e nos estados do tipo histérico, onde encontramos predominantemente o sentimento de culpa inconsciente”.21 Portanto, quando uma mulher diz “não sinto culpa de nada, só faço o que bem quero”, ela afirma que, no plano da sua consciência, não está preocupada com as leis morais, porém seu grande temor “o que vão pensar de mim?” é o testemunho mesmo do sentimento de culpa inconsciente, tão “inconsciente” que não está inscrito no inconsciente definido como cadeia significante. Minha experiência de fim de análise me permitiu constatar que esse “sentimento de culpa inconsciente” só pôde ser subjetivado e reduzido em sua ferocidade quando foi nomeado o traço do objeto voz que dava consistência ao semblante desse juiz aterrorizador. Quando se referia ao “sentimento de culpa inconsciente”, ao próprio Freud não parecia muito preciso o termo “sentimento”, pois afirmava que a repressão não incide sobre os sentimentos, os afetos, e sim sobre os representantes da representação da pulsão; não encontrou, porém, outro termo mais adequado para se referir a essa culpa que se mantinha fora de qualquer subjetivação. Portanto, esse “sentimento de culpa inconsciente” que está fora da palavra tende a produzir seus efeitos silenciosamente, por isso o estrago que acaba causando pode chegar a graus muito extremos. Lacan, em seu seminário L’insu que sait de l’une bévue s’aile à mourre,22 disse que o “amor ao pai” sustenta o eixo da histeria, e desse modo faz consistir o inconsciente, o que quer dizer que a histeria se sustenta no amor ao pai e implica também que a crença no inconsciente tem seu lastro no amor ao pai. Isso nos leva a concluir que sem a crença no amor ao pai, a crença no inconsciente não se sustenta. A prática psicanalítica tem me demonstrado que o Édipo das meninas com o pai é introduzido, desde o princípio, pela repressão da corrente erótica — uma constatação preciosa na clínica psicanalítica. Quando a menina sai do Édipo com sua mãe e entra no Édipo com seu pai, a corrente erótica nessa transposição é soterrada pela repressão, de tal maneira que a passagem do Édipo com a mãe para o Édipo com o pai introduz a menina na fase de latência — isso é fundamental. Ainda que Freud não o tenha afirmado assim tão explicitamente, articulei suas formulações à minha prática: o amor edipiano pelo pai faz consistir a operação da repressão nas meninas, e desse modo faz consistir o inconsciente, através do qual se pode construir o saber reprimido relativo ao erotismo da menina com seu pai. É importante levar em conta que essa passagem do Édipo com a mãe para o Édipo com o pai é mencionada por Lacan, em seu texto “A significação do Falo”,23 como uma transferência, no sentido analítico do termo, o que indica que a demanda através da qual a menina esperava saber como “ser amada como mulher”, antes dirigida à mãe, é transposta para o pai. Ela nunca obtém essa resposta da mãe, o que resulta numa profunda decepção, cheia de ódio, e essa demanda impulsiona a passagem do Édipo para o pai. Paralelamente, se efetua também uma operação de transferência do supereu — da mãe para o pai — e assim o pai passa a ser instituído como o juiz que determinará para a menina o seu “ser enquanto mulher”. Graças a essa transposição poderá advir um apaziguamento da devastação antes experimentada pela menina através do supereu materno, pois a crença no amor do pai a leva a supor que através desse amor irá encontrar uma resposta dignificante para seu “ser” de mulher. O certo é que esse apaziguamento surge do “amor ao pai”, concebido como recíproco, ao mesmo tempo em que a vertente erótica da sexualidade da menina é reprimida e resguardada nas fantasias inconscientes. Consequentemente, “o amor ao pai” se institui como a envoltura que mantém latente a vertente erótica do Édipo com o pai, e esta é uma questão fundamental na prática da psicanálise na atualidade, já que o “amor ao pai” está em declínio, e por isso encontramos nas neuroses das mulheres contemporâneas uma versão do “pai erotizado” mais consistente do que a versão do “pai do amor”, o que tende a ampliar a vertente devastadora sobre o gozo feminino. Será o amor ao pai o que promoverá uma envoltura do gozo feminino, fazendo consistir as fantasias inconscientes de sedução sexual do pai que estão no centro erótico do Édipo da menina, instituindo nessas fantasias uma versão do pai como o agente do impulso que faz a menina gozar sexualmente. Quando esse amor do pai é questionado, ou perde sua consistência, a devastação pode produzir-se como efeito da mortificação superegoica sobre o gozo feminino. Deste modo, temos na histeria, articulados num mesmo nó, a crença no amor do pai, as fantasias eróticas inconscientes, o gozo feminino e o “sentimento de culpa inconsciente”. A crença da menina no amor do pai faz com que ela suponha que é “a única”, “sua princesa”, e que se fosse adulta seu pai a preferiria à mãe como mulher. Por outro lado, a vertente erótica reprimida que mantém o sonho de sedução do pai se institui como um terreno fértil para a culpa inconsciente da menina em relação a seu gozo feminino, despertado pelo apaixonamento por seu pai. Já abordei aqui que este “sentimento de culpa inconsciente” fora da palavra mantém a projeção paranoica do imperativo devastador nos homens, como se o imperativo de gozo viesse do outro: “Eu não teria motivos para me sentir mal, é ele quem me faz me sentir sem nenhum valor”. Isso poderá resultar no desafio histérico, que se constitui como um mecanismo defensivo fundamental que poderá se manter sob a base de uma posição feminista. O desafio histérico tem como objetivo castrar o pai, para reduzir a potência desse Outro que despertou o gozo feminino, castrar o mestre do saber sobre sua subjetividade como mulher, castrar o companheiro ou todo aquele que se erga como semblante do supereu, constituído pelo amor feminino por ele. Disso se alimenta o ódio/ enamoramento das mulheres: “Te amo, te odeio”. Tal estratégia se mantém como um mecanismo defensivo muito privilegiado, hoje em dia, ao tentar destruir a potência viril dos homens, supondo que dessa maneira se estaria eliminando o supereu, o que resulta numa guerra sem fim, pois seu objetivo é equivocado. E o que se passa com os homens, que sofrem os efeitos de toda essa ferocidade que advém da luta das mulheres contra seu próprio supereu, neles projetado paranoicamente? O declínio do amor cortês Hoje já não se faz promessas de amor, num mutismo próprio à nossa época que põe fim a uma etapa do movimento civilizatório no qual floresceu o amor cortês. Nós, os psicanalistas, propomos que o ocaso do amor cortês se deve à vigência do discurso capitalista, modo discursivo presente na atualidade que produziu a queda da função paterna. Deveria o discurso capitalista ser responsabilizado pelo declínio do amor cortês, melhor dizendo, pelo declínio do amor nas parcerias entre homens e mulheres? O grande perigo para a prática psicanalítica é abordar essa questão sob o ponto de vista sociológico. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês que tem sido muito citado por nossos grandes psicanalistas, não tem essa visão tão apocalítica do amor. Bauman não considera que haja umadecadência do amor, mas sim que o amor mudou de forma, passou a ter a mesma forma da nossa sociedade atual, do mundo atual, os quais descreve como “mundo líquido”, fluido, “sociedade líquida”. E considera que esta sociedade líquida impõe uma nova forma de amor denominado também “amor líquido”, que dá título a um dos seus livros, Amor Líquido – Sobre a fragilidade dos laços humanos.24 Bauman afirma que o “amor líquido” se deve à grande variedade de modelos das relações a partir da grande liberdade de escolha e de troca de parceiros, onde o sonho do amor eterno tem sido substituído por relações tão fluidas quanto as relações virtuais, diante das quais bastaria apertar a tecla “delete”, sem maiores constrangimentos, para cortar qualquer fixação de libido. Disse-me uma ginecologista brasileira, mulher muito bonita e hipermoderna — tem em torno de 50 anos, porém com o avanço da ciência conserva um aspecto de uma mulher de 30: “É incrível, me apaixono e me desapaixono muito depressa”. Referia-se à “montanha russa” do apaixonamento, em que deixa facilmente um estado de êxtase para entrar no estado de devastação, quando pensa imediatamente: “Já não quero mais esse homem, então o deixo e logo mais já estou apaixonada por outro... é incrível como me esqueço daquele homem, que rapidamente já não é mais nada para mim”. Seu problema subjetivo começou quando não conseguiu esquecer um dos homens dessa série. Para abordar a questão do amor nesse “mundo líquido” de Bauman, tomarei como base o ensino de Lacan a partir de certo momento, quando propõe como ponto de partida, para abordar qualquer sujeito, não mais a perspectiva do Outro social de Bauman, não mais o predomínio do Outro simbólico sobre o sujeito, mas a perspectiva da prevalência do gozo, quer dizer, da sexuação, do modo de gozo escolhido diante do real da diferença anatômica entre os sexos. Há um real do corpo, não no sentido da determinação dos instintos orgânicos, mas do real anatômico da diferença sexual e, concomitantemente, uma leitura simbólica desse real que sustenta uma decisão de gozo diante desse real. Cada um se sustenta em sua versão de gozo, articulada à leitura do que significa para si essa diferença entre seu corpo e o corpo do outro sexo, que tem ou não tem um pênis. A subjetivação da sexuação tem como ponto de partida o encontro do sujeito com o real anatômico do seu corpo, diferente do corpo do outro, de tal modo que não basta dizer que para a psicanálise pouco importa se alguém nasceu organicamente homem ou mulher, e que a questão da sexuação é inteiramente independente do real anatômico do corpo, formulando que bastaria simplesmente sustentar uma posição masculina ou feminina para inscrever a escolha do seu sexo. Creio que não podemos reduzir a questão a esse simplismo, já que verificamos no exercício da psicanálise que, por exemplo, a economia de gozo nas variadas homossexualidades nos homens é muito distinta das variadas homossexualidades nas mulheres, e inclusive que as neuroses obsessivas ou histéricas nos homens são também muito diferentes das mesmas neuroses nas mulheres. A propósito, num seminário realizado em Salvador, Bahia, nossa colega argentina Nieves Soria Dafunchio, membro da AMP-EOL,25 propôs que há psicoses masculinas e psicoses femininas. Mais precisamente, propôs que a paranoia masculina difere da paranoia feminina, postulando que o delírio de perseguição poderia ser denominado como uma paranoia masculina, enquanto a erotomania estaria do lado da paranoia feminina. Isto nos impõe, portanto, um esforço para tentar formular como se efetua a subjetivação da sexuação nas psicoses sem o recurso da significação fálica. Seguindo a orientação de Lacan, que a prática psicanalítica nos confirma, devemos abordar os sujeitos a partir do seu modo de gozo, quer dizer, a partir do seu modo de gozo enquanto sexuado. Assim, tomando em consideração o mundo líquido de Bauman, nosso mundo líquido atual, pergunto: como estão nadando, ou se afogando, os homens e as mulheres neste amor líquido de Bauman, cada um com seu modo próprio de subjetivar a sexuação? Mais precisamente: como gozam desse amor líquido, segundo sua sexuação? Esta me parece ser a pergunta-chave acerca das parcerias na atualidade. Assim, levanto a questão de como homens e mulheres estão se servindo da vigência do discurso capitalista para gozar em suas parcerias sintomáticas, o que não implica que o discurso capitalista determine o modo de gozo, mas sim a forma como os sujeitos estão se utilizando desse laço social para gozar conforme sua sexuação enquanto homem ou mulher. Uma citação de Lacan no Seminário, Livro 18, nos será útil a este respeito: O importante é o seguinte: a identidade de gênero não é senão o que acabo de expressar com estes termos, “homem” e “mulher”. Claro que a questão do que surge precocemente só se coloca a partir do que, na idade adulta, é próprio do destino dos seres falantes que se distribuam entre homens e mulheres. Para compreender a ênfase que se põe nessas coisas, neste caso, é necessário nos darmos conta de que o que define o homem é sua relação com a mulher e vice- versa.26 Ainda que Lacan, por um lado, tenha formulado que “não há relação sexual que possa ser inscrita”, já que não há um script que possa inscrever a relação entre os sexos, por outro nos adverte, através dessa citação, que o homem se define por sua relação com a mulher e vice-versa — um aparente paradoxo que nos convida a considerar que a sexuação dos sujeitos se inscreve a partir da crença que cada um cultiva em si mesmo acerca da versão de gozo da sua sexuação diante do outro sexo. Considerando seriamente essa implicação proposta por Lacan, proponho, sob a perspectiva das versões de gozo que sustentam as sexuações, que há uma correlação direta entre a histeria contemporânea das mulheres e o declínio do viril nos homens de hoje; também levanto aqui a hipótese de que o declínio do viril não poderia ser engendrado na civilização sem a contribuição, ou até mesmo a imposição do laço sintomático de gozo dos homens com as mulheres. Então, voltemos a falar de amor. Não se dizem mais palavras de amor, não se fazem mais as promessas de amor eterno das cartas dos apaixonados! Voltemos um pouco no tempo para recordar que, em certo momento, se produziu um fenômeno inteiramente novo na civilização: no século XII, o sonho do amor eterno, que faz pulsar o coração secreto da feminilidade, alcançou um estatuto simbólico no campo social através do surgimento do amor cortês, quando o cavalheiro gentil começou a oferecer palavras de amor à dama inacessível, e este foi um fato raro, que se manteve durante sete séculos. Durante esse período, floresceu a escrita das histórias de amores impossíveis, e passou também a ocorrer uma vinculação dos amantes através das cartas de amor, de tal sorte que essa transposição da palavra falada para a palavra escrita acabou instituindo a crença num estatuto de verdade do amor cortês — esta é a minha hipótese. Seguindo a história da civilização, depois do surgimento do amor cortês, a liberdade social para constituir parcerias baseadas nos vínculos amorosos só foi possível no início do século passado, exatamente na mesma época em que o feminismo surgiu de maneira decisiva na sociedade. O feminismo se instituiu inicialmente como uma luta das mulheres por sua independência, sua liberdade de escolha — liberdade de escolha para quê? Para escolher um parceiro com o qual viver. Tomando a sério as declarações do amor cortês e tentando pô-lo à prova, o que fizerem as mulheres? Empreenderam uma luta contra as tradições da família patriarcal, que determinavam com quem deveriam se casar. Em sua aposta feminista, as mulheres começaram uma luta contra a autoridade paterna, para tentar reduzir, ou eliminar, o poder desse juiz do seu destino, supondo quesobre ele incidia a culpa da impossibilidade de realizar seu sonho de amor eterno. Para instituir a liberdade de escolha do parceiro do amor eterno as mulheres fizeram desmoronaram a autoridade paterna utilizando- se de seu ingresso no mercado de trabalho, pois assim supunham que ficariam livres para viver de amor. Podemos, então, considerar que a gênese do feminismo tomou como ponto de partida a posição de desafio à autoridade paterna, àquele que era concebido como o juiz que decretava a linha do destino das mulheres. Podemos supor, assim, que o feminismo foi impulsionado pela aposta nas promessas do amor cortês, instituindo com suas ganas o declínio da imago paterna. Oh!… Lindo e esplendoroso amor, onde o cavalheiro servil curvava-se embriagado de paixão diante de sua Deusa: a Mulher Impossível! Porém, a partir do avanço do feminismo, esse lindo sonho de amor imediatamente começou a se esboroar. Por quê? É bem possível — e estas continuam sendo suposições minhas — que outro fato novo tenha sido gerado pelo amor cortês. Seguramente, a partir da aposta das mulheres nas promessas de amor eterno, a dama inalcançável passou a falar também, em resposta ao apelo de seu apaixonado. Deste modo, das entranhas do amor cortês emergiu uma nova mulher, com o poder que as declarações de amor lhe conferem: o poder da réplica. E quando ela começou a falar, provavelmente a desgraça começou a se abater sobre a virilidade do amante, reduzindo suas promessas de amor eterno ao ridículo de meras falácias. E hoje, realmente, as declarações de amor eterno são consideradas ridículas. Por exemplo, a filha da ginecologista que citei, de aproximadamente 15 anos de idade, começou a sair com um garoto e, conforme os comentários de sua mãe, já era bem evidente que ambos estavam apaixonados, porém ainda não haviam nomeado essa parceria como “namoro”. No Brasil, esse tipo de relacionamento “não assumido”, sem compromissos, é denominado “ficar”, ou “estar ficando”, que corresponde a sair juntos, e às vezes ter relações sexuais, sem considerar que há uma relação amorosa formal. Essa relação não pode ser denominada de “namoro”, pois não se estabeleceu nenhum compromisso de direitos e deveres entre eles, e é um tipo de vinculação muito comum, ao estilo das “relações líquidas” de Bauman, acerca das quais não se pode dizer que haja efetivamente um compromisso entre os parceiros, pois nunca se sabe bem se voltarão a se encontrar, ou se a denominação “namorados” será estabelecida em algum momento. Tal indefinição se converte num grande tormento para as mulheres quando se apaixonam por um “ficante”. Pois bem, essa garota estava “ficando” com o rapaz quase todos os dias durante duas semanas e, abruptamente, passou a recusar se encontrar com ele. Sua mãe, preocupada, lhe perguntou o que tinha ocorrido, e a garota respondeu: “Não quero mais falar com ele.” “Por que terminou antes de começar?” perguntou sua mãe. E a filha lhe respondeu: “Ele começou a mentir, me disse: ‘eu te amo’.” Diante disso, a mãe, horrorizada, verificou em sua filha a que extremo o feminismo atual havia chegado, constatando que atualmente os homens já não podem mais dizer palavras de amor, pois são consideradas “mentira”. Prosseguindo em minha hipótese, pergunto: teria a gênese libidinal do feminismo, instituída a partir do amor cortês, constituído uma oportunidade extraordinária para que o desafio histérico — advindo da projeção superegoica do juiz, no pai e nos homens em geral, aos quais se atribui a culpabilidade pela devastação feminina — apontasse seu golpe certeiro na direção da impostura fálica do amante? Depois do amor cortês, temos, na atualidade, um novo modelo de parceria no centro erótico do “mundo líquido” de Bauman: a supermulher potente e castradora com seu homem desvirilizado. A mulher superpotente e seu homem desvirilizado Conforme as versões de gozo da gramática fantasmática pulsional, temos, de um lado da balança, a Mulher Multifacetada com suas diversas potências, super supermulher; e do outro lado, que mantém o equilíbrio da gramática pulsional, o que temos? O que podemos dizer acerca dos homens atuais? Oh... pobre amante eterno cada vez mais raro, cada mais difícil de encontrar e de manter como parceiro, como dizem muitas mulheres, pois acaba pagando o preço da economia de gozo do supereu das mulheres. O que resta para aqueles que sobrevivem ao primeiro encontro com essa amante liberada, e ainda conseguem sustentar seu desejo, tomando essa mulher como sua? “Discutir a relação” — algo que Éric Laurent, na aula de 18 de dezembro de 1996 do curso de Miller “O Outro que não existe e seus comitês de ética”, definiu como a própria estrutura do casamento contemporâneo. Formulando de modo mais preciso, Laurent nos disse que essa estrutura do casamento atual, “discutir a relação”, corresponde a “discutir o abismo da relação”, discutir o que não funciona nas parcerias. Essa proposta de “discutir a relação” proferida pelas mulheres tem como objetivo fundamental castrar o parceiro — exigir que nesse suposto diálogo ele admita suas falhas, se culpe, se retrate, prometa mudar e depois volte a admitir que falhou novamente. Então, o suposto valor “politicamente correto” dessa proposta de que “tudo se resolve conversando” se desvela como um golpe certeiro da navalha afiada do sadismo feminino. E quando esse homem decaído, ferido de morte em sua virilidade, ainda permanece na parceria, o requinte sádico feminista poderá descarregar seu último golpe mortal diante do macho moribundo, em seus últimos suspiros de vida, ao disparar: “Seja homem!” Assim se estabelece o lastro de gozo mortificante nas parcerias contemporâneas entre homens e mulheres. De um lado da balança, conforme a lógica fantasmática da gramática pulsional, temos a mulher multipotente que ataca sadicamente seu parceiro, instituído como agente da sua devastação pela projeção imaginária da lógica infernal do supereu. Do outro lado, temos o parceiro que aceita de bom grado fazer-se castrado, sustentando-se no gozo superegoico obsessivo de fazer-se um objeto-dejeto corroído pela culpa, e afirma: “Sou uma merda mesmo”. É essa parceria sintomática superegoica que sustenta muitas vezes o gozo mortificante do matrimônio contemporâneo. O que ocorre do lado dos homens? Para orientar o tratamento desta questão, retomarei um termo que Lacan utilizou para nomear os homens em sua “Conferência de Genebra sobre o Sintoma”.27 Diferentemente dos nomes insultantes que muitas mulheres com frequência lhes imputam, impulsionadas por seu gozo superegoico, a denominação proposta por Lacan me parece uma expressão muito linda, e ao mesmo tempo instigante: “Drôle d’oiseau”, que se traduz para o português como “ave rara”, o “pássaro raro”. Nomear o homem como “pássaro” me remete ao provérbio popular “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando”, provérbio que encontrei parafraseado como chiste nas mensagens que têm ampla circulação entre mulheres através da internet, “Mais vale beijar um homem feio do que olhar dois lindos se beijando”, e que tem a propriedade de expressar a ambiguidade atual de certas mulheres, para as quais “vale mais beijar um homem feio” — quer dizer, vale mais “um homem na mão”, ainda que desvalorizado no campo da escolha narcísica de objeto, conforme o eu ideal — “do que olhar dois lindos se beijando” — agora se acrescenta no plano da enunciação do desejo uma intensificação do sadismo feminista, que parece dizer: “Os homens que desejo e aos quais não tenho acesso são gays”. Porém, atribuir ao homem a denominação de “pássaro”, conforme o provérbio que atualmente algumas mulheres estão usando, denuncia sua condição agalmática de objeto-causa-de-desejo para as mulheres, na medida em que o “pássaro” é um animal vivo muito gracioso, muito atraente, porém, ao mesmo
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