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Governo Artur da Costa e Silva

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Governo Artur da Costa e Silva (1967–1969) 
Quando o marechal Costa e Silva foi escolhido para suceder Castelo Branco, o Brasil e o mundo viviam um 
contexto histórico bem diferente do da época do golpe militar. Estouravam movimentos e manifestações de diversas 
roupagens ideológicas que buscavam a derrubada de regimes opressores e a mudança das estruturas sociais. 
 
O final dos anos 1960, os chamados “anos de rebeldia”, colocaram em debate antigas verdades e 
paradigmas. A juventude global clamava por mudanças, não apenas econômicas e sociais, mas na cultura e nos 
valores conservadores. Surgia uma nova visão de mundo que questionava os valores até então em voga e a 
contracultura dava o tom da mudança que os jovens pretendiam implantar. 
 O Brasil não ficou de fora dos apelos por justiça e democracia. O povo que estava em estado de hibernação 
desde o golpe militar acordava com sede de mudança e as ruas foram o palco daqueles que ousaram desafiar o 
Regime. O governo Costa e Silva estava prestes a experimentar a fúria que vinha das ruas. Passeatas, greves, 
protestos e comícios se multiplicavam por todo o Brasil e, para reprimi-los, o Regime aumentava a escalada da 
repressão policial. 
À frente desse tsunami social estavam os jovens, jornalistas, sindicalistas, artistas, advogados e diversos 
outros membros da sociedade brasileira que clamavam por democracia, mesmo correndo o risco iminente de tortura e 
morte. A resposta as manifestações vinha por meio das forças oficiais de repressão do Estado brasileiro. Qualquer 
junção de pessoas era motivo para que policiais e soldados entrassem em cena para dispersar as multidões. Estava na 
moda o famoso jargão “circulando”, utilizado por forças policiais até os dias atuais. 
 
O estopim causador dos conflitos de rua entre populares e tropas do governo foi a morte do estudante Édson 
Luís, em março de 1968, no Rio de Janeiro. A polícia invadiu o reduto estudantil conhecido como Calabouço e, no 
conflito, o aspirante Aloísio Raposo disparou contra o jovem estudante à queima roupa. 
A morte estúpida do jovem rapaz serviu para canalizar contra o Regime todas as forças de oposição. Por 
todo o país, o que se via era uma verdadeira onda de descontentamento contra o governo Costa e Silva. Greves e 
passeatas eclodiam quase que diariamente após o brutal assassinato de Édson Luís. 
 Dentre as várias manifestações e protestos populares antiditadura, a que mais se destacou pelo engajamento 
da massa foi a “Passeata dos Cem Mil”. O povo que parecia estar em estado de hibernação desde o momento do 
golpe acordava com sede de mudança. Pelas ruas do Rio de Janeiro, milhares de pessoas protestavam contra os 
abusos cometidos diariamente. Assassinatos e perseguições políticas eram denunciadas, mesmo sob a forte ameaça de 
retaliação. 
A passeata foi organizada e encabeçada pelo Movimento Estudantil, mas contou com o apoio de artistas 
famosos, intelectuais e lideranças sindicais. Isso sem falar da grande participação de outros setores da sociedade civil 
que engrossavam o coro pela volta do regime democrático e pelo retorno dos militares ao seu habitat natural – “os 
quartéis”. 
A multidão seguia seu curso pelas ruas cariocas acompanhadas de perto por policiais militares e seus cães 
assustadores que, volta e meia, avançavam sobre os manifestantes. O povo ostentava cartazes com palavras de ordem 
contra o regime militar: “Abaixo a Ditadura” e “O Povo no Poder”. 
O ponto marcante do trajeto foi o discurso incendiário do líder estudantil Vladimir Palmeira. Sua fala 
emocionada levou milhares às lágrimas, quando ele pediu o término da ditadura e do Estado de Exceção. Sua 
coragem e ousadia lhe custaram a liberdade e ele e outras importantes lideranças do Movimento Estudantil foram 
presos pelo regime militar dias após a passeata dos Cem mil. 
 A mensagem que a passeata deixou para o governo Costa e Silva era clara, o povo havia acordado e estava 
disposto a tudo para acabar com os abusos cometidos pela ditadura que, claramente, caminhava para uma fase cada 
vez mais linha dura. A repressão era gigante, mas a vontade do povo em continuar lutando também era enorme. A 
ditadura ganhava contornos de radicalismo e o confronto entre forças do governo e manifestantes vai se transformar 
numa constante nos anos seguintes. 
Os operários e sindicalistas também engrossavam a massa de descontentes, mesmo sob constante vigilância 
e ameaças. E já que greves eram crime, elas eclodiram em várias regiões, contando com forte adesão dos 
trabalhadores. Osasco, em São Paulo, Contagem e Belo Horizonte, em Minas Gerais foram palcos de importantes 
greves desencadeadas contra o regime militar. Dispondo de aparatos legais e de inúmeras forças de repressão, o 
governo Costa e Silva desencadeou uma verdadeira “caça às bruxas” a líderes sindicais. 
 As greves foram perdendo força e apoio, à medida que aumentava a repressão desenfreada das forças 
“legalistas”. Os militares aguardavam o momento certo para apertar o cerco e diminuir ainda mais as liberdades 
individuais. O futuro não parecia nada promissor para aqueles que mantinham a luta contra o Estado de Exceção 
instalado no país desde 1964. 
A oportunidade veio após um discurso inflamado feito no Congresso Nacional pelo deputado do MDB 
Márcio Moreira Alves que, em setembro de 1968, utilizou o tempo que lhe cabia na tribuna do congresso para 
desfechar um duro ataque aos militares, denunciando abusos e supostos crimes cometidos por eles desde o Golpe de 
Estado. 
No discurso, ele pedia ao povo que boicotasse as comemorações de 7 de Setembro não comparecendo às 
tão famosas e tradicionais paradas militares comuns nessa época do ano. Não faltaram humor e ironia ao deputado 
que chegou, até mesmo, a sugerir que as jovens mulheres brasileiras não namorassem membros das Forças Armadas. 
 
O ponto de seu discurso que mais irritou os militares foram as várias e pesadas denúncias de torturas e 
abusos de poder cometidos por homens a serviço do Regime. 
 
 “Quando não será o Exército um Valhacouto de Torturadores”, Márcio Moreira Alves. 
 
A reação ao discurso foi instantânea nas Forças Armadas. Eles exigiam que o Congresso processasse o 
deputado Márcio Moreira por suas palavras ofensivas e “mentirosas” desferidas contra os homens do Exército 
Brasileiro. O pedido foi votado e negado pelos congressistas e o plenário da Câmara acabou se transformando em um 
ato político com os presentes cantando o Hino Nacional em alto e bom tom como forma de protesto. 
 Costa e Silva, enfurecido com a situação, manda fechar o Congresso em represália à rebeldia dos 
deputados. Márcio Moreira Alves, temendo por sua vida, foge para a segurança do exílio. O pior estava por vir, pois, 
no dia 13 de dezembro de 1968, o governo decreta o famigerado Ato Institucional nº 5, redigido pelo então Ministro 
da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva. 
 Estávamos em vias de conhecer os dias mais nefastos da nossa curta história republicana. Todas as 
liberdades civis foram cerceadas, nossos direitos como cidadãos jogados literalmente na lata do lixo. Nem mesmo o 
famoso poder moderador na época monárquica se assemelhava ao autoritarismo imposto pelo AI nº5 . 
 
Veja os principais pontos do Ato Institucional nº5 : 
 
- O Presidente da República tinha o poder de fechar qualquer organismo legislativo do país (Congresso 
Nacional, Câmaras Estaduais e Câmaras Municipais). 
- O Poder Executivo ficaria com a incumbência de cumprir as funções do legislativo durante os recessos. 
- Suspensão de direitos políticos e cassação de mandatos a cargo do Presidente da República. 
 - Estava extinto o direito de habeas corpus nos casos de crimes políticos e crimes cometidos contra a 
segurança nacional. 
 - Censura prévia a todos os meiosde comunicação. 
 - Direito do executivo federal de intervir em estados e municípios, mesmo contra a vontade de prefeitos e 
governadores. 
 
 Nunca uma lei tinha sido aplicada com tanta eficácia e rapidez na história do Brasil. Os presidentes 
militares ficaram ainda mais poderosos e soberanos, e o povo cada vez mais amordaçado por uma legislação que 
punia qualquer um que se atrevesse a questionar a ditadura e seus fiéis mandatários. 
 O AI nº 5 foi uma dura resposta do marechal Costa e Silva às várias manifestações que tomaram conta do 
seu governo. Dentre as que mais irritaram o velho marechal estava o Congresso Nacional da UNE, organizada na 
cidade paulista de Ibiúna. O 30º Congresso Nacional da UNE (União Nacional dos Estudantes) reuniu 
aproximadamente mil lideranças de todo o país em um sítio no bairro dos Alves, a 25km do centro de Ibiúna.
 Lideranças estudantis de todo o país debateram, nessa oportunidade, mecanismos de ação e combate ao 
Regime Militar instaurado em 1964. Uma denúncia levou 250 soldados fortemente armados a desbaratar o congresso 
e centenas de estudantes foram presos sumariamente pelo simples fato de estarem presentes no “subversivo” evento 
que atentava contra a segurança nacional. 
 Caminhões foram enviados para dar conta de transportar o elevado número de detentos. Os estudantes 
apinhados nas carrocerias viviam momentos de aflição, pois não sabiam o destino que os aguardava. Os presos foram 
encaminhados para o famoso Presídio Tiradentes, em São Paulo, hoje já extinto. 
Nas semanas seguintes, interrogatórios tentavam arrancar informações que pudessem auxiliar na repressão 
de futuras ações contrárias ao Regime. Os detidos considerados de baixa periculosidade foram liberados e enviados 
posteriormente aos seus estados de origem. Do montante, restaram 70 detidos que continuaram encarcerados por um 
bom tempo, sob a acusação de conspirar contra a segurança nacional. Dos prisioneiros detidos por participarem do 
Congresso da UNE, o mais famoso deles era José Dirceu, presidente da União Nacional dos Estudantes de São Paulo. 
Dirceu, que era um dos mentores do evento, só foi libertado na leva de presos políticos que foram trocados pelo 
embaixador americano que estava em posse da guerrilha armada. 
 Nas ironias do destino, o antes respeitado líder estudantil, homem que combateu os horrores da ditadura, 
hoje está envolto em acusações de corrupção no caso do “Mensalão do PT”, partido que ajudou a fundar, nos anos 
1980”. Culpado ou inocente, ele cumpre pena por ser um dos mentores desse que foi, com certeza, o maior caso de 
corrupção da história recente do Brasil. 
A escalada da violência era uma constante. O governo reprimia os opositores fazendo uso dos aparatos 
legais de segurança e, na outra ponta dessa disputa, surgiam as guerrilhas armadas de cunho esquerdizante. Inspiradas 
nas revoluções cubana e chinesa, grupos armados foram sendo fundados no final do governo Costa e Silva, com o 
intuito de derrubar a ditadura militar e instaurar um regime de esquerda no país. 
 
Essas guerrilhas urbanas e rurais sequestravam autoridades políticas, assaltavam bancos e instituições de 
crédito para pressionar o governo pela libertação de presos políticos e também para levantar recursos necessários à 
manutenção da luta armada. A atual presidente do Brasil, Dilma Rousseff, fez parte do grupo armado intitulado 
Colina e, posteriormente, da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. Foi presa e torturada em razão de sua 
participação na luta contra a ditadura. 
Era prática comum da guerrilha armada sequestrar embaixadores ou diplomatas para forçar o Regime a 
libertar membros da resistência. Quando os mesmos chegavam em segurança a um país estrangeiro, eles soltavam o 
sequestrado. Existiam dezenas de grupos armados, siglas que deixariam qualquer um confuso, cada qual defendendo 
ideologias confusas, e até certo ponto utópicas. Almejam derrubar uma ditadura bem armada que dispunha de 
milhares de soldados e recursos infinitamente superiores. 
Nas ações de sequestro, terrorismo e assaltos, muita gente inocente ficava no fogo cruzado. Esses grupos 
dispunham de algumas dezenas, no máximo centenas de integrantes, que, nem de longe representavam a vontade da 
grande maioria do povo que queria democracia e não uma ditadura comunista. Muito se fala da violência 
indiscriminada dos militares durante a ditadura, fato que nem mesmo o mais radical de seus integrantes teria coragem 
de negar. Mas, justiça seja feita, a esquerda armada também foi responsável por verdadeiros atos de barbarismo, ou 
seja, não existe santo nessa história. 
Como recurso didático, elenquei os principais grupos guerrilheiros que atuaram durante o Regime Militar 
Brasileiro: 
 - MNR: Movimento Nacionalista Revolucionário; 
 - AP: Ação Popular; 
 - MRB: Movimento Revolucionário 8 de outubro; 
 - PCBR: Partido Comunista Brasileiro Revolucionário; 
 - ALN: Ação Libertadora Nacional; 
 - VPR: Vanguarda Popular Revolucionária; 
 - Colina: Comando de Libertação Nacional; 
 - VAR – Palmares: Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. 
 
 Com certeza, dos grupos mencionados, os mais importantes foram a ALN, de Carlos Marighela, e a VPR, 
de Carlos Lamarca. Ambos acabaram mortos em operações policiais no governo Médici. Líder de esquerda de maior 
envergadura do período, Marighela, cujas ações representavam certa ameaça ao Regime Militar, acabou morto em 
uma operação policial chefiada por Fleury, em São Paulo. 
Em 1969, Costa e Silva foi acometido por um derrame cerebral e o vice-presidente Pedro Aleixo, que era 
civil, foi impedido de tomar posse. Mesmo com a morte do presidente, tempos depois, o poder de maneira alguma 
ficaria nas mãos de um político que não vestisse fardas. O alto comando do Exército designou para o cargo vago uma 
junta provisória com elementos das três Forças Armadas: da Marinha, um almirante; do Exército, um marechal, e da 
Aeronáutica, um brigadeiro. 
Após um curto período de três meses, o poder foi transferido para o novo presidente-militar, escolhido pelo colégio 
eleitoral. O general Emílio Garrastazu Médici era o novo chefe do Executivo e, assim como o anterior Costa e Silva, 
era membro do grupo “linha dura” do Exército. A ditadura continuaria com “pedigree”.

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