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REDAÇÃO PUBLICITÁRIA DIGITAL AULA 1 Prof. Ivan Bonfim 2 CONVERSA INICIAL Estamos iniciando a disciplina de Redação Publicitária Digital. Nesta primeira aula, cujo assunto é “Características dos meios digitais (parte 1)”, faremos uma introdução ao universo digital para começarmos a entender o funcionamento dos meios digitais. Qual o contexto de seu surgimento? O que motivou esse desenvolvimento tecnológico? Como os meios digitais impactaram a sociedade? A digitalização do mundo é um produto do homem e, ao mesmo tempo, o modificou também. Vale ter em perspectiva que essa trajetória não foi tranquila, pois aconteceu na interação entre muitos interesses e poderes. Se a nossa realidade é cibercultural e convergente, as motivações estão à nossa vista. Entender a infraestrutura que sustenta nossa vivência coletiva atual é vital para se tornar um profissional da publicidade – afinal, estamos todos imersos e juntos nesta nova era. CONTEXTUALIZANDO Apesar de vivermos atualmente em um mundo dominado pela tecnologia, essa situação é muito recente. Há cerca de vinte anos, a internet, que ainda engatinhava no mundo, acabava de chegar ao Brasil. Aliás, pouquíssimas famílias dispunham de computador em casa. Os telefones celulares também eram raros no país, pois os aparelhos eram caros e o serviço, ruim. As fotografias dependiam do manejo correto de câmeras com filme, e sempre havia a possibilidade de se perder todas as fotos. Os aparelhos de som que tocavam LPs estavam sendo gradualmente substituídos pelos que reproduziam CDs, e as fitas K7 ainda eram comuns. É incrível a rapidez com a qual os dispositivos midiáticos digitais adquiriram espaço na sociedade nas últimas décadas. Nesse movimento, fomentaram novas formas de relacionamento dos seres humanos – tanto com as máquinas como entre si – e distintas maneiras de ver e entender o mundo foram surgindo. Hoje falamos de nativos digitais e millenials quando nos referimos a pessoas que já nasceram nessa realidade marcada pela digitalização, e como essa geração se mostra diferente em vários aspectos das anteriores. 3 Reflita, ao longo da aula, sobre a influência dos dispositivos digitais na vida cotidiana, imaginando as consequências sobre o universo publicitário caso os aparelhos e sistemas baseados em tecnologia digital que utilizamos deixassem de existir. TEMA 1 – DO ANALÓGICO AO DIGITAL Somos dependentes das mídias. Por meio dos dispositivos e sistemas de comunicação midiática, interagimos, estudamos, conhecemos o mundo, trabalhamos, consumimos e nos divertimos. A importância dos meios de comunicação na realidade das pessoas e na sociedade é um fator indiscutível, sendo que a humanidade só atingiu o atual nível de desenvolvimento a partir das possibilidades abertas pela tecnologia comunicacional, que interligou o globo e modificou a história. O desenvolvimento dos meios de comunicação sempre acompanhou os avanços tecnológicos das sociedades. Assim, no longo período entre o século XIV e o XX, dos jornais impressos ao cinema, passando pela fotografia e pela reprodução fonográfica, o modelo dos sistemas de comunicação midiática era analógico. Relacionando ao conceito de analogia, oriundo da palavra grega αναλογία (“proporção”), podemos notar que, na raiz das invenções, há uma concepção que mira a reciprocidade de formas entre um elemento inicial A e outro B. Como aponta John B. Thompson (2009), refletindo os ideais Iluministas da Modernidade de domínio da natureza pela ação racional do homem, as máquinas que permitiram a difusão de mensagens e desafiaram a barreira de espaço-tempo geográfico funcionaram com base na similaridade/equivalência material aliada à produção massiva. Assim, a crescente mecanização permitiu que periódicos fossem impressos em larga escala e transmissões de rádio e televisão alcançassem pontos longínquos de um país, por exemplo. Porém, no limiar do século XX, tudo começa a mudar. O desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, cuja grande representação são o aperfeiçoamento e a popularização dos computadores, modificou por completo o panorama dos meios de comunicação. O processo de digitalização teve início nos países considerados desenvolvidos, mas a rapidez com que alcançou grande parte das chamadas nações em desenvolvimento é espantosa. Atualmente, um expressivo número de atividades que as pessoas realizam ao longo do dia dependem de sistemas digitais, o que envolve aparelhos de alta 4 tecnologia como notebooks, smartphones, tablets e smarTVs. E o que caracteriza um meio como digital? Os meios digitais são formatos de mídia que possibilitam a armazenagem, compressão e transmissão, assim como criação, correção de erros, consumo e preservação de energia nos processos de transmissão de informação. Os dados são codificados em uma forma designada como digitalização, que utiliza uma linguagem própria, e essa ordenação é instituída em um âmbito numérico (de onde provém o termo “dígito”) e binário, empregando os sinais 0 e 1 para a efetivação de sua “inteligência”. Desta maneira, “toda a linguagem digital se expressa numa relação lógica ‘on-off’, ‘true-false’ ou ‘yes-no’. Um determinado circuito está aberto ou fechado. Não existe meio-termo na linguagem binária”, explica José Carlos Moreno (2013). As informações codificadas não existem fisicamente (apenas como signos) até se tornarem materializadas, como ao serem impressas. Imagem 1: Sistema de código binário O pesquisador português observa que a dualidade sim/não se constitui no principal suporte da ideia de exatidão dos dispositivos computacionais: não há espaço para interpretações ou sinais alternativos na dinâmica, pois as informações (imagens fixas ou em movimento, áudio, texto etc.), durante a digitalização, conservam todos os aspectos dos dados convertidos à estrutura binária. Seria excluída, assim, a possibilidade de “ruído” – interferência não desejada – no referido circuito, ao mesmo tempo em que permitiria sua decomposição à menor parte da matéria no domínio digital: os bits. 5 Comparando à dimensão “física”, podemos pensar nos bits (do inglês binary digit, “dígito binário”) como algo similar aos átomos, os elementos que constituem todo tipo de material existente no universo. Esta relação, porém, vai além. Para entender porque a digitalização tem impacto fundamental na constituição do mundo contemporâneo, vale pensar nas quantidades de átomos e bits necessárias para o compartilhamento de um livro, por exemplo. No caso da informação digital, o envio do arquivo em PDF de uma obra via e-mail leva poucos segundos, sendo que este mesmo texto poderá ser replicado e enviado a um virtualmente infinito número de destinatários. Caso o mesmo livro fosse remetido em sua materialidade, via correio, é evidente que, além de demorar dias, apenas uma cópia do material seria compartilhada. Em virtude dessa arquitetura constitutiva, as informações digitais podem ser transmitidas a uma velocidade muito superior e a um custo financeiro significativamente menor. Isso ocorre porque os sistemas computacionais só funcionam a partir da linguagem binária e, ao registrar informações, não fazem diferença entre texto, gráficos, dados, som e imagem fixa ou em movimento, ao contrário da tecnologia analógica: as fitas magnéticas usadas para gravações audiovisuais (como as de televisão ou cinema), utilizam canais distintos de registro de som e imagem, e o mecanismo utilizado na recepção realiza uma operação de junção dos sistemas. Essa característica possibilita que o substrato digital possa ser transmitido e reconstituído em qualquer outro dispositivo que utilize a mesma “linguagem”. A área da fotografia nos fornece outro bom exemplo. Até o início do século XXI, as máquinas fotográficaseram todas analógicas: o registro das imagens dependia fundamentalmente da captação de luz no filme fotográfico por meio de reações químicas, em uma “imitação mecânica” do momento enquadrado pelo fotógrafo. Cada espaço no filme era relativo a um determinado clique, e as substâncias contidas na fita magnética serviam à tentativa de registro do momento em uma perspectiva de transposição daquilo que fora “visto” na vida real, para um pedaço de papel. As modificações introduzidas pela digitalização possibilitaram um enorme avanço tecnológico, visto que diminuíram os custos à prática. Questões como armazenamento, revelação e reprodução do material deixaram de ser uma preocupação tanto dos fotógrafos profissionais como dos amadores. 6 O impacto na sociedade foi visível: a cada dia, milhões de fotos são feitas por câmeras (tanto profissionais quanto de celulares e tablets) ao redor do mundo – algo possibilitado pela convergência midiática, que trataremos posteriormente – e a onipresença das imagens acabou influenciando profundamente as dimensões profissionais e pessoais dos indivíduos. É justamente a força apresentada pelo entrelaçamento dos processos de digitalização às sociedades que constitui o aspecto mais importante de toda a revolução digital. Para que pudéssemos chegar a este estágio, foi necessária uma reestruturação da arquitetura do complexo tecnológico mundial, cuja base se encontra na combinação entre aperfeiçoamento da eletrônica e desenvolvimento das telecomunicações. Desta maneira, a Sociedade da Informação começa a ganhar contornos. Vídeo Assista à entrevista com Pierre Lévy, no programa Roda Viva, da TV Cultura. “Roda Viva | Pierre Lévy | 08/01/2001”, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DzfKr2nUj8k>. Uma breve história do computador A trajetória que levou à existência dos computadores como os conhecemos na atualidade teve início há séculos, e se apresenta como uma combinação entre o aperfeiçoamento de tecnologias e o desenvolvimento do conhecimento matemático (em especial na área da álgebra) e de outras áreas, como lógica e programação. Podemos dizer que o computador tem suas mais remotas origens na invenção do ábaco (Imagem 2), uma ferramenta de cálculo, há mais de quatro mil anos, na antiga Babilônia. Com o passar dos séculos, a busca por melhores sistemas de computação – aqui, entendidos como formas para a realização mais rápida e acurada de cálculos – teve no avanço do conhecimento matemático seu principal aliado. Entre os séculos XVIII e XIX, há a introdução de elementos como os algoritmos e as equações lineares e quadráticas com base nos trabalhos do persa Musa al-Khwarizmi, considerado, junto ao grego Diofante, o pai da álgebra (o termo, inclusive, é uma adaptação latina de seu nome). 7 Imagem 2: Ábaco No início do século XVII, o escocês John Napier desenvolveu um sistema para a realização de operações aritméticas que ficou conhecido por Ossos de Napier ou ábaco neperiano, que consistia de tabelas de multiplicação que eram manipuladas por barras (estas, feitas de ossos). O matemático também ficou conhecido pela invenção dos logaritmos. Em 1642, o francês Blaise Pascal criou a pascalina, a primeira máquina de somar, realizando operações por meio do giro de discos em forma de engrenagem, e seu invento daria origem, muito tempo depois, às calculadoras atuais. A estrutura que demarca a origem do computador em sua forma moderna foi criada em 1822, pelo cientista britânico Charles Babbage, que apresentou um sistema que possibilitava operações com funções que usavam trigonometria e logaritmos. Doze anos depois, o cientista apresentou ao mundo a ideia da máquina analítica – que não chegou a ser construída – dispositivo automático que, pela perfuração de cartões, realizaria as operações de soma, subtração, multiplicação e divisão, além de armazenar dados em um modelo de protomemória e possibilitar sua impressão (Imagem 3). A também britânica Ada Lovelace participou do projeto de Babbage, criando um algoritmo específico para o cálculo da Sequência de Bernoulli pelo aparelho. Com a publicação das notas que produziu, cerca de um século após sua morte, Lovelace ficou conhecida como a primeira programadora da história. 8 Imagem 3: Detalhe do projeto da máquina analítica de Babbage Por volta de 1930, o norte-americano Vannevar Bush cria o analizador diferencial, uma estrutura complexa que dá início à nova fase dos sistemas computacionais, sendo que, em 1945, no célebre texto As we may think (“Como deveríamos pensar”), ele idealiza a invenção do MEMEX, dispositivo que serviria à armazenagem de volumosos arquivos de memórias. No ano seguinte, foi finalizado o desenvolvimento do ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer), considerado o primeiro sistema computacional eletrônico digital de grande escala da história. O ENIAC, criado pelos norte-americanos John Mauchly e John Presper, teve sua construção iniciada em 1943, dentro do esforço da Segunda Guerra Mundial. A máquina, de tamanho colossal, tinha capacidade de realizar cinco mil operações aritméticas em um segundo. Entre 1947 e 1949, são produzidos o primeiro transistor, memória e programa. Em 1951, com o EDIVAC, a computação avança de forma considerável: a máquina funcionava por sistema binário (não decimal como as anteriores) e teve o primeiro programa desenvolvido para ser armazenado. Em 1957, é construído o circuito integrado e, no ano seguinte, o surgimento dos aparelhos que usavam circuitos transistorizados marca o início da segunda geração de computadores. Os anos 1960 trazem muito das tecnologias e configurações que constituem elementos computacionais até hoje: conceito de paginação de memória, a capacidade de recriar o próprio código-fonte, o minicomputador, o 9 disquete, os jogos eletrônicos e, ao final da década, a rede ARPANET, que, como vimos, daria origem à internet. Na década de 1970, surge a memória RAM, os microprocessadores, o correio eletrônico (na ARPANET), o microcomputador para uso pessoal e o primeiro vírus. A partir dos anos 1980, a informatização adquire espaço de vez na sociedade. Saiba mais Leia o texto de Vannevar Bush, “Como poderíamos pensar”. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415- 47142011000100002>. TEMA 2 – SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Para entender a importância dos meios digitais na contemporaneidade, é imprescindível ter em vista que nos encontramos em uma nova etapa da humanidade, estruturada no desenvolvimento tecnológico que se fez presente a partir da segunda metade do século XX, mas cujos impactos puderam ser amplamente notados nas sociedades mundiais das décadas de 1980 e 1990 até a atualidade. Deste momento em diante, as chamadas Novas Tecnologias de Comunicação e Informação (NTICs) passaram a ser elemento cada vez mais comum, mudando, para sempre, a maneira pela qual nos comunicamos, e como sentimos, vivemos, aprendemos, trabalhamos, viajamos e nos divertimos. Entre as NTICs, podemos elencar sistemas de transmissão e dispositivos, como computadores de uso pessoal e seu conjunto de elementos relacionados (dos antigos disquetes aos cartões de memória e discos rígidos atuais), aparelhos e redes de telefonia fixa e móvel, câmeras para registro de imagens fixas ou em movimento, video games, televisão a cabo e por antena parabólica, tecnologia para envio de dados sem fio e a própria internet. A irrupção do conjunto de tecnologias relacionadas ao domínio das telecomunicações e da mídia teve grande influência das tensões políticas, militares e econômicas que caracterizaram o mundo logo após a Segunda Guerra Mundial. O desenvolvimento da tecnologia atômica por Estados Unidos e União Soviética, assim como a disputa ideológica entre as duas superpotências,fomentou avanços com vistas à conquista da hegemonia mundial: neste intuito, os meios de comunicação, tanto no sentido de sistema de 10 troca de informações quanto de difusão de mensagens de maneira ampla, constituem-se importantíssimo recurso de poder. Contudo, as motivações não foram apenas bélicas. O movimento de expansão do capital depois de 1945 representou uma aceleração do sistema capitalista, com a atuação das empresas multinacionais tomando vulto. Nesta dinâmica, a estrutura dos sistemas de comunicação se viu privilegiada, já que a necessidade de transmissão de informações aumentou dinamicamente – o sistema financeiro mundial é um domínio que depende intrinsecamente da velocidade dos fluxos de informação. O processo de globalização tanto permitiu quanto foi incentivado pelo aprimoramento das redes telemáticas – infraestruturas de envio, recebimento, armazenamento e processamento de dados resultantes da combinação de tecnologias das áreas de telecomunicação e informática que possibilitaram o surgimento das NTICs. Uma considerável parte dessa transformação, talvez a mais visível inicialmente, deu-se com o incremento dos artefatos analógicos. A transmissão via satélite permitiu larga difusão dos sinais de televisão e rádio – estes aparelhos, inclusive, foram tomando várias formas e tendo suas funções reestruturadas pela introdução de novidades como as fitas VHS e K7, que incentivaram o uso de apetrechos como o videocassete e o walkman. Todavia, a combinação entre meios analógicos e digitais (como a modernização dos parques gráficos para a impressão de produtos criados em computadores) se estabeleceu como uma tendência irreversível. Amparadas nos progressos da microeletrônica, as novas gerações de sistemas e dispositivos digitais foram se tornando menores e mais acessíveis, sendo inicialmente consumidas por instituições dos setores público e privado e, algum tempo depois, pelos indivíduos em geral. Ao final da década de 1970, os estudantes universitários Steve Jobs e Steve Wozniak criam a empresa Apple e desenvolvem o primeiro microcomputador de uso pessoal, batizado de Apple II. No início dos anos 1980, a fabricante IBM passa a investir no ramo dos microcomputadores, utilizando o sistema operacional criado pela Microsoft. O lançamento dos computadores pessoais (personal computers, ou PCs) popularizou as outrora grandes e complexas máquinas de processamento de dados, e representa o início da era das grandes empresas de informática. Seu uso começou a ser difundido, principalmente nos EUA, Europa Ocidental e Japão. O país asiático, vale notar, 11 percebeu que o investimento nesse setor constituiria uma oportunidade econômica, tornando-se referência produtiva em áreas como a de jogos eletrônicos e aparelhos digitais. Imagem 4: Super Mario, personagem ícone dos videogames da empresa japonesa Nintendo Os anos 1990 trazem a liberação do uso comercial daquilo que se tornaria o principal marco de uma nova época: a internet. O sistema que interliga redes de computadores em escala mundial pode ser tomado como a principal consequência da Sociedade da Informação, pois revolucionou o acesso a um universo virtualmente infinito de dados e informações e possibilitar o estabelecimento de fluxos comunicacionais entre pessoas, empresas, organizações e governos a partir de qualquer ponto da Terra. Como previu Nicholas Negroponte, na primeira metade da década de 1990, [...] a comunidade de usuários da Internet vai ocupar o centro da vida cotidiana. Sua demografia vai ficar cada vez mais parecida com a do próprio mundo (...). O valor real de uma rede tem menos a ver com informação do que com a vida comunitária. A superestrada da informação é mais do que um atalho para o acervo da Biblioteca do Congresso. Ela está criando um tecido social inteiramente novo e global (NEGROPONTE, 1995, p. 175). Saiba mais Assista à palestra de Nicholas Negroponte para o TEDx. Acesse “A 30-year history of the future | Nicholas Negroponte” em <https://www.youtube.com/watch?v=5b5BDoddOLA>. 12 TEMA 3: A INTERNET Impactando profundamente os hábitos, costumes e valores das pessoas, a internet implicou novas formas de interação e sociabilidade. Os reflexos dessa dimensão sociotécnica podem ser vistos em quase todas as áreas de atividade humana: organização política, mobilização social, temas ambientais, educação, consumo, entretenimento, sistema financeiro etc. A origem da internet se encontra no projeto ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network), iniciado pelo Departamento de Defesa dos EUA, no contexto da Guerra Fria com os soviéticos. A ideia era criar um sistema de trocas de dados descentralizado e sem fluxo de direção pré-definido. Embora seja comum pensar no empreendimento como uma tática de defesa em caso de ataque militar, Castells (2010) comenta que, em realidade, a rede surgiu mais pelo interesse de pesquisadores em construir uma estrutura de troca de dados, e sua aplicabilidade por parte dos militares seria uma temática secundária. A ARPA, agência que coordenava a empreitada, possuía significativa autonomia. Não à toa, a primeira experiência com a estrutura, em 1969, conectou quatro computadores localizados em centros de pesquisa universitários nas cidades de Los Angeles, Stanford, Santa Barbara e Salt Lake City. No início da década de 1970, foi permitido o acesso de instituições universitárias à ARPANET, sendo que, em 1975, quando já contava com cerca de uma centena de sites, esta foi considerada “operacional”. Na passagem aos anos 1980, a rede adotou o chamado protocolo de comunicação TCP/IP, o que possibilitou sua expansão. Em 1989, o britânico Tim Berners-Lee cria a World Wide Web (em português, “teia mundial”), um espaço informacional que permite o acesso a diversos tipos de documentos e recursos digitais localizados em páginas (websites), o que é realizado por meio de softwares denominados navegadores. Berners-Lee precisou desenvolver três padrões tecnológicos que, combinados, possibilitaram o funcionamento da web: URL (Uniform Resource Locator), sistema de unificação global dos recursos espalhados nas redes (os endereços das páginas); HTTP (Hypertext Transfer Protocol), um protocolo de troca de dados entre navegadores e servidores de transmissão de dados da rede; e HTML (HyperText Markup Language), linguagem utilizada para codificar e exibir as informações. Os dois últimos padrões são baseados em ligações hipertextuais. 13 Imagem 5: Tim Berners-Lee, inventor da World Wide Web A noção de hipertexto contempla a existência de um conjunto de “nós” de significações que são interconectados por meio de diversos elementos verbais e não verbais, gráficos e sonoros, como frases, imagens, fotografias, sequências sonoras etc. As possibilidades abertas pelo hipertexto confrontam-se com a lógica da linearidade, representativa das mídias analógicas, por exemplo. As conexões hipertextuais permitem que os conteúdos informativos sejam modelados na forma de blocos, podendo ser acessados por hiperlinks, que produzem vinculações entre páginas e arquivos. Desta forma, a própria ideia de “começo” e “fim” no universo das redes perde uma razoável carga de sentido, pois o acesso às informações na web pode ser iniciado em qualquer ponto. Outros dois conceitos que se apresentam como essenciais à ambiência da rede são os de interatividade e multimidialidade. Lev Manovich (2001) comenta que o termo “interatividade” remete a uma gama de possibilidades, mas, buscando um significado mais preciso, devemos considerar a interface que permite o acesso e ação do indivíduo no ambiente virtualizado, formalizando a estrutura de comunicação marcada pela bidirecionalidade. Alex Primo (2007) utiliza a definição “interação mediada por computador” para defender que achave de compreensão do processo interativo é o foco no entremeio das relações entre os participantes da ação – “o que se passa entre os sujeitos, entre o interagente humano e o computador, entre duas ou mais máquinas” (PRIMO, 2007, p. 14). Deste modo, a natureza relacional é destacada, possibilitando analisar a complexidade da situação em uma perspectiva horizontalizada, na qual a divisão entre instância emissora e receptora faz pouco sentido. No que tange à multimidialidade, esta é relativa à viabilidade da mescla de linguagens na constituição da mensagem midiática (como o cruzamento entre 14 foto, texto e som em uma mesma peça publicitária on-line, por exemplo): é a qualidade de ser multimídia sustentada pela rede. No entanto, assim como a interatividade, a multimidialidade deve ser enquadrada sob uma perspectiva que extrapole a visão puramente tecnicista, segundo Castells (1999; 2010) e Manovich (2001), pois é significativamente uma ação em dimensão cultural. Com a entrada em cena da internet, a tecnologia digital passa a ser um elemento cada vez mais cotidiano, abarcando diversas formas de interação e incorrendo na constituição dos significados da contemporaneidade. Para Manuel Castells (2010), a rede mundial não é apenas uma tecnologia, mas um meio de comunicação que acabou por constituir a organização das sociedades na atualidade. A internet é o coração de um novo paradigma sociotécnico, que constitui na realidade a base material de nossas vidas e de nossas formas de relação, de trabalho e de comunicação. O que a Internet faz é processar a virtualidade e transformá-la em nossa realidade, constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que vivemos (CASTELLS, 2010, p. 287). A reflexão do teórico catalão não estipula se a internet é boa ou má, conservadora ou libertária por si só, mas que pode ser tudo isso ao mesmo tempo – e que, principalmente, é uma realidade da qual não se pode fugir. Esse panorama é essencial para compreender que a Sociedade da Informação e a internet deram forma a um ambiente de existência digitalizado (ou virtualizado) e suas conformações socioculturais: o ciberespaço e a cibercultura. Vídeo Assista ao vídeo “Como funciona a internet: Introdução” (ele está no material dialógico). Acesse <https://www.youtube.com/watch?v=E4gcWJaw8aQ>. TEMA 4: CIBERESPAÇO E CIBERCULTURA O substantivo ciberespaço ganha notoriedade por meio do romance Neuromancer, de William Gibson, publicado em 1984 (embora o autor o tivesse cunhado em um conto publicado anos antes). A ideia de uma realidade instituída pelos processos de digitalização/virtualização, na qual as pessoas experienciam uma vivência simulada, reflete as preocupações sociais e filosóficas de uma época marcada pelo avanço da tecnologia sobre a vida cotidiana. 15 O termo [ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY, 1999, p. 17). O âmbito ciberespacial toma forma pela participação dos indivíduos em uma dimensão virtualizada, que ignora elementos territoriais ou institucionais. Constitui-se como um “não lugar”, ou “um universo sem totalidade”, na concepção de Lévy. Para Lucia Santaella (2004), o ciberespaço se caracteriza pelo que ela denomina “circuitos informacionais navegáveis”, acessível a partir da interface com a tela do dispositivo. Ao acessarmos a internet por um smartphone ou notebook, incorporamo-nos ao universo das redes e, assim, temos contato com o infindável conjunto de informações digitalizadas que, ao serem decodificadas pelo aparelho, apresentam-se como realidade. Há décadas, pensadores como Jean Baudrillard e Umberto Eco utilizam conceitos como hiper-realidade e simulacro/simulação para tentar explicar a complexidade dessa experiência. Imagem 6: O teórico francês Jean Baudrillard Lévy afirma que o ciberespaço é estruturado pelos princípios essenciais de interconexão, estabelecimento de comunidades virtuais e inteligência coletiva. A interconectividade é a estrutura primordial do ciberespaço, visto ser este dependente do estabelecimento de conexões entre indivíduos para existir. As comunidades virtuais, por sua vez, são construídas pela confluência de interesses e projetos das pessoas, fomentando cooperação. A inteligência 16 coletiva se constitui no compartilhamento de conhecimentos dos sujeitos, com base na concepção de que os saberes de todos se complementam. As características dessa dimensão virtualizada promoveram formas originais de contato entre as pessoas e reapropriações dos recursos tecnológicos. O entrelaçamento estimulou a constituição de imaginários, simbolismos, esquemas mentais, hábitos, valores e visões de mundo próprios entre seus interagentes, e foi sendo constituída uma dimensão cultural que, pela primeira vez na trajetória humana, abrange indivíduos sem que estes necessitem conviver no mesmo local e ter origens em comum. A cibercultura tem suas raízes ainda na década de 1960, segundo André Lemos (2003), quando novas configurações de relação social orientadas por lógicas pós-modernas se entrecruzam às mudanças imprimidas pelo avanço da digitalização. A cibercultura não deve ser pensada como uma forma de substituição das culturas originadas pelas interações entre grupos humanos localizados geograficamente, mas como um âmbito distinto que interage com as culturas institucionalizadas. Para Lemos, o traço fundamental da cibercultura é o predomínio das tecnologias digitais, presentes no dia a dia de qualquer pessoa, e sua dimensão comunicacional incorre na flexibilização do contexto espaço- temporal. Não é exagero pensar a emergência do cibercultural como uma nova narrativa de significação do mundo, um farol de orientação aos homens. O processo de conhecimento, segundo Lemos, é possível a partir do ciberculturalismo em decorrência de três de suas prerrogativas, denominadas por ele como “leis”: a lei da reconfiguração (as práticas e modelos são transformados, não aniquilados e descartados), a lei da liberação do polo emissor (a pluralização das vozes, tornadas visíveis) e a lei da conectividade (possibilidade de contato de indivíduos entre si, deste com máquinas e de máquinas entre si, modificando a relação espaço-tempo). A universalidade dos paradigmas que compõem a noção de cibercultura, em geral baseada na interconexão e suas consequências, põe em marcha alguns dos ideais iluministas, como o avanço tecnológico permitindo a concretização da liberdade. Na definição de Lévy, […] a cibercultura dá forma a um novo tipo de universal: o universal sem totalidade. E, repetimos, trata-se ainda de um universal, acompanhado de todas as ressonâncias possíveis de serem encontradas com a filosofia das luzes, uma vez que possui uma relação profunda com a ideia de humanidade. Assim, o ciberespaço 17 não engendra uma cultura do universal porque, de fato, está em toda parte, e sim porque sua forma ou sua ideia implicam de direito o conjunto dos seres humanos (1999, p.119). A cibercultura pode ser vista como o encontro entre a alta tecnologia e o universo dos valores sociais, o que fomenta novos contextos de relações entre indivíduos e destes com as instituições. Sob essa perspectiva, apontamos a irrupção de tecnologias que ampliam a integração entre os próprios dispositivos eletrônicos, repercutindo transformações de hábitos, costumes e valores da sociedade. Esse movimento é empreendido dentro das lógicas da convergência digital.Saiba mais Assista às entrevistas destes três pesquisadores: Entrevista Pierre Lévy: <https://www.youtube.com/watch?v=DzfKr2nUj8k>. Entrevista André Lemos: <https://www.youtube.com/watch?v=D4x5tIiWGpA>. Entrevista Alex Primo: <https://www.youtube.com/watch?v=N382tTbebLQ>. TEMA 5 – CONVERGÊNCIA DIGITAL Como exposto anteriormente, a atual era da cibercultura trouxe significativas mudanças em escala global. Com os adventos tecnológicos presentes no dia a dia de bilhões de pessoas e a instituição de parâmetros novos parâmetros socioculturais, é interessante perceber que o domínio tecnológico se viu, de certa forma, afetado pelas transformações que ele próprio implicou nas sociedades mundiais. Os desejos e necessidades que se constituíram a partir das mudanças proporcionadas pelos artefatos (e lógicas) digitais fomentam as novas gerações de elementos tecnológicos, adequados e adaptados às configurações contemporâneas das interações sociais, produção econômico- industrial, serviços etc. Segundo Henry Jenkins (2008), nos encontramos em um processo de convergência digital. Para o pesquisador norte-americano, além de obviamente tecnológico, o âmago da convergência é cultural – as práticas mudam, mas pela constituição de novos horizontes interpretativos dos indivíduos, pois o uso da tecnologia não é mais um intruso, mas algo acoplado à vivência social e profissional. Modificam-se as relações entre tecnologias, indústrias, mercados, 18 gêneros, audiências e consumo dos meios – o que afeta, ao mesmo tempo, as sociabilidades e a economia como um todo. A convergência é um processo cultural. Refere-se ao fluxo de imagens, ideias, histórias, sons, marcas e relacionamentos através do maior número de canais midiáticos possíveis. Um fluxo moldado por decisões originais, tanto em reuniões empresariais quanto em quarto de adolescentes. Moldado pelo desejo de empresas de mídia de promover ao máximo marcas e mensagens, e pelo desejo dos consumidores de obter a mídia que quiserem, quando, onde quiserem. (JENKINS, 2008, p. 27) Nesse encadeamento, podemos perceber a transformação de muitas características das empresas ao longo dos últimos anos. Um exemplo é o investimento crescente nas chamadas redes sociais (tema que abordaremos na próxima aula). A questão das redes chama a atenção para o fato de que o setor comunicacional-midiático adquiriu uma importância vital à própria existência das instituições, sejam estas de qualquer ramo. Jenkins defende que a cultura da convergência tem como base a convergência dos meios, a cultura participativa e a inteligência coletiva. A interação, tanto com o público quanto com outras empresas, constituiu- se uma necessidade impositiva. Por meio dessas ações, consegue-se um expressivo feedback do público consumidor, o que influenciará nos processos produtivos e no estabelecimento dos processos comunicativos. Convergir implica mudanças significativas na produção e no consumo de produtos midiáticos. A era da convergência trouxe, de forma definitiva, a questão da interação com os conteúdos midiáticos. Relembrando a definição de inteligência coletiva de Pierre Lévy, Jenkins chama a atenção para a arquitetura de uma “economia afetiva” que envolve empresas e públicos: o consumo também passa a se constituir como um processo coletivizado, complexificado diante de um universo de possibilidades, no qual a união de recursos e habilidades dos indivíduos implica no fortalecimento e protagonismo do polo que antes era entendido apenas como receptor das mensagens. Sob esse parâmetro, a marca é mais importante que o suporte usado no processo de comunicação, e é clara a implementação de diferentes formas de difusão de conteúdo, a partir de distintas plataformas midiáticas. Em realidade, a criação de novas plataformas é relacionada ao cada vez mais acelerado e hegemônico fluxo de imagens, ideias, 19 histórias, sons e relacionamentos. Em um momento de difusão multiplataforma, a circulação de conteúdos possui forte dependência da participação ativa dos consumidores, e possuir uma marca de reconhecimento amplo e de credibilidade é uma questão chave. A digitalização obriga empresas a migrarem de um modelo de produção ligado às formas de recepção para outro relativamente independente deste fator: uma mesma informação pode ser consumida por meio de múltiplos canais e suportes, de maneira instantânea. Nesse cenário, observamos a necessidade da atuação midiática conjunta, aglutinando processos e produtos e investindo no reforço dinâmico da identidade da instituição. Tendo em vista que o corrente processo de convergência está sendo levado a cabo por empresas de telecomunicação, produtores de dispositivos e desenvolvedores de aplicações digitais, há uma crescente hibridação de conteúdos e formatos ofertados ao público por meio de distintas plataformas, o que é representado pela produção de conteúdos narrativos transmidiáticos e cross-midiáticos. As ações cross-mídia (ou crossmedia) são definidas pela efetivação de diálogo entre mídias, com a disponibilização de conteúdo por meio de diversos formatos e plataformas. Iniciadas em larga escala a partir dos anos 1990, com a utilização dos espaços de TV, cinema, publicações etc., o termo vem do inglês cross, “atravessar”, e significa a produção de material midiático para difusão por muitos meios. O intuito é alcançar o público com uma abordagem ampla sem que a mensagem passe por alterações, em uma concepção de soma cumulativa de meios para reforço da mensagem. Já quando nos referimos aos conteúdos transmídia, enfocamos a disponibilização do tema da mensagem em múltiplos formatos – ou seja, o conteúdo se impõe como mais importante que a mídia utilizada. O conteúdo é fluido, transmitido por diferentes histórias (independentes) e meios (linguagens) que, em conjunto, oferecem uma nova narrativa – transmedia storytelling – passível de comentários e circulação por redes sociais e dispositivos móveis. O objetivo é estabelecer um mote a captar a atenção dos indivíduos, sob uma perspectiva de complementaridade entre os meios. A lógica crossmidiática deu origem à transmidiática, sendo que esse desenvolvimento passa pelas novas tecnologias e, especialmente, pelas apropriações e usos que os indivíduos fazem destas na atual cultura convergente. Diante de uma considerável oferta de dispositivos e sistemas 20 midiáticos, a atenção do público se mostra cada vez mais difusa, sendo necessária a abrangência de um amplo território comunicacional para criar interesse, repercussão, reconhecimento e engajamento com uma marca. O conteúdo publicitário depende da criatividade tanto do emissor quanto dos receptores, sendo esperado que estes façam circular, em diferentes abordagens, a mensagem produzida. Vídeo Assista ao vídeo “Cultura da Convergência – Henry Jenkins on transmedia”. Acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=bV8C3q0DIYI>. Narrativas transmídia A produção das narrativas transmidiáticas – ou transmedia storytelling – representa um dos maiores desafios atuais aos redatores publicitários. Ao mesmo tempo, constituem-se como incrível oportunidade de exercer o máximo da criatividade. O núcleo da atividade transmídia está em envolver o consumidor em um enredo, instigar sua disposição de desvendar a história oferecendo elementos que necessitem ser buscados em diferentes meios. Nuno Bernardo (2015), produtor e diretor português especializado em narrativas transmídia, observa que a principal forma de produzir roteiros e histórias adequadas ao ambiente transmidiático – e, dessa maneira, permitir que eles deem estruturas narrativas articuladas e integradas – é examinar a qualidade e atratividade do mundo no qual a história acontece. “É essencial que você desenvolva um mundo de histórias que descreva seu universo fictício comoaparece antes, durante e após a resolução de sua narrativa central”, afirma. Gosciola (2014) aponta que a questão do engajamento sucessivo em cada mídia é decisiva no transmedia storytelling, pois indica o processo de compreensão e diversão do público com a narrativa com base em cada meio utilizado. De fato, as partes são definidas pela sua qualidade narrativa, isto é, escrita a história – ou a grande história, ou a história completa –, primeiramente é identificado o seu enredo mais importante. Em seguida, relacionam-se as ações determinantes dessa trama de modo que, independentemente das outras partes da grande história, elas deem conta de contar a história. Sim, a história principal deve ter a dosagem certa de ações que permitam à audiência compreendê-la, mas não deve contar tudo. Sendo assim, o jogo entre as narrativas, ou as partes da história, deve despertar a curiosidade do seu público em saber maiores detalhes da história principal. Essa é 21 basicamente a grande diferença entre a narrativa transmídia e qualquer outra forma de contar histórias (GOSCIOLA, 2014, p. 20). Alguns cases de sucesso ajudam a entender a composição transmidiática. Apresentaremos duas situações. Oliveira et alli (2016) analisam a campanha do biscoito Trakinas, produzida pela agência W3Haus e batizada como Trakinas 3.0. Segundo a agência, o centro da ação estava na internet, e a construção do material buscou destacar este meio. Assim, na história, o herói (Dr. T) precisa derrotar o vilão (Mundrov), que tem a intenção de destruir a fábrica dos biscoitos. A narrativa se desenvolve especialmente na plataforma Trakinas 3.0, site criado para abrigar jogos on-line em forma de episódios, sendo preciso fazer um cadastro virtual – no caso de menores de 13 anos, o e-mail dos pais era item obrigatório. Para manter o público conectado à história, além dos episódios serem lançados a cada 15 dias, eles também trazem um novo desafio e, em todos eles, o jogador apresenta vantagens ao informar um código nas embalagens do produto (...). A ideia é que cada sabor libere um tipo de benefício. Assim, a marca pode identificar os produtos menos vendidos e fazer com que permitam vantagens maiores no game, aumentando, assim, as vendas do produto (OLIVEIRA ET ALLI, 2016, p. 88). A promoção da campanha foi realizada em mídias on-line e off-line, com a publicação de anúncios na revista Recreio e o desenvolvimento de um hotsite na página do Cartoon Network, canal de televisão por assinatura voltado ao público infantojuvenil. O retorno da campanha se mostrou bastante positivo: a plataforma Trakinas 3.0 alcançou sites de referência no âmbito infantil. Foram “quase 2 milhões de visitantes únicos e mais de 600 mil usuários cadastrados e uma média de 12 minutos de permanência” (OLIVEIRA ET ALLI, 2016, p. 89). Um case de transmedia storytelling com repercussão global é o da saga cinematográfica Star Wars (“Guerra nas Estrelas”, título em português que foi sendo deixado de lado com o passar dos anos). A trilogia inicial, lançada entre as décadas de 1970 e 1980, criou uma legião de fãs. Entre os anos 1990 e a década de 2000, foi lançada uma segunda trilogia, que representava uma prequel (pré-sequência) dos acontecimentos dos três primeiros filmes. Até esse momento, a obra do diretor George Lucas já havia dado origem a uma imensa gama de produtos, como brinquedos e video games, por exemplo. Mas o mais interessante é o impacto que Star Wars teve na cultura pop, estabelecendo 22 ícones como a imagem sombria de Darth Vader e a trilha sonora que o acompanha, os simpáticos robôs C-3PO e R2-D2, o exótico e sábio Yoda, entre outros. O reflexo dessa influência é a aura que a história conseguiu estabelecer, tornando-se um produto referencial e cujo consumo se espalha ao longo de gerações (o primeiro filme foi lançado em 1977). Nos últimos anos, foram lançados dois episódios que fazem parte da série. Da sequência principal, Star Wars: O Despertar da Força, de 2015; da série “Antologias”, Rogue One: A Star Wars Story, em 2016. De forma a produzir buzz para as novas produções, as campanhas publicitárias dispararam mensagens sobre as obras, via diversas mídias, e esperaram que os milhões de fãs compartilhassem o material – o que realmente aconteceu, valorizando e deixando a saga ainda mais mítica. Os teasers (trechos do filme, mas que não são considerados o trailer oficial) foram assistidos por dispositivos móveis e computadores ao redor do globo. O engajamento do fandom faz com que Star Wars fique em evidência a cada lançamento principal, tornando-se uma verdadeira febre: quando O Despertar da Força chegou ao circuito comercial, o Google lançou aplicativo que possibilitava transformar smartphones em “sabres de luz”, a arma de maior destaque da história do cinema. Por sua vez, o Spotify disponibilizou playlists produzidas a partir do gosto musical que alguns dos personagens da série poderiam exibir. Imagem 7: Star Wars Algo que expõe de forma significativa a lógica transmidiática de Star Wars é o chamado “Universo Expandido” da trama, uma espécie de ambiência que possibilita a “existência” das narrativas num longo espaço de tempo. Isso permite que diversas histórias paralelas, satélites ou spin-offs sejam produzidas, e uma boa parte dessa produção aconteça por meio de animações e HQs, por exemplo. 23 Como algumas dessas histórias contradizem a sequência original da saga, elas foram batizadas de Legends. Esse universo também alimenta as centenas de jogos eletrônicos lançadas sobre a série, aumentando o entrelaçamento entre fãs-consumidores e narrativas. Saiba mais Leias estas matérias: “Google transforma celular em sabre de luz de Star Wars; saiba como usar”, por Cássio Barbosa, do Tech Tudo. <http://www.techtudo.com.br/dicas-e- tutoriais/noticia/2015/12/google-transforma-celular-em-sabre-de-luz-de-star- wars-saiba-como-usar.html>. “Star Wars: Spotify diz qual personagem curte as mesmas músicas que você”, por Felipe Alencar. Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/dicas-e- tutoriais/noticia/2015/12/star-wars-spotify-diz-qual-personagem-curte- mesmas-musicas-que-voce.html>. Vídeo Assista ao vídeo “Storytelling, por Martha Gabriel” no qual ela aborda conceitos de transmedia storytelling. Acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=- Izv7kxmupc>. Assista ao vídeo de Steve Jobs apresentando o Iphone ao mundo pela primeira vez: “Storytelling – Steve Jobs e o primeiro Iphone (2007)”. Acesse em <https://www.youtube.com/watch?v=gV4tx_ga_vU>. TROCANDO IDEIAS Ao longo desta primeira aula, vimos como as pessoas foram se adaptando a um novo universo, uma realidade construída com base na tecnologia e nas redes. Desta junção, tomou forma uma dimensão cultural inédita, que existe sem que os indivíduos se encontrem no mesmo local: a cibercultura. Acesse o fórum da disciplina e comente: em sua opinião, uma estrutura cultural desterritorializada como a cibercultural pode se tornar a principal dimensão cultural dos indivíduos? Por quê? 24 NA PRÁTICA Entender os processos que criaram a configuração dos meios digitais é mergulhar na história da engenhosidade humana. Os indivíduos e sociedades buscam, desde sempre, estabelecer formas de contato, em uma maneira de aproximar realidades distintas. Ao mesmo tempo, o movimento é marcadamente guiado por interesses econômicos e políticos, de forma que a interligação global indica também uma nova fase nas relações de poder mundiais. A realidade contemporânea tem no ambiente midiático digitalizado uma de suas definidoras. A esta configuração correspondem distintas maneiras de ver, pensar e sentir, sendo que as relações humanas – representadas por dimensões como sociabilidade, formas de consumo, memórias coletivas etc. – ao passo que são afetadas, reconfiguram-sepela influência da nova dimensão marcada pelo binômio da infraestrutura ciberespaço-cibercultura. Dentre as consequências de todos esses processos, vemos a constituição dos movimentos de convergência. Imagine que a você seja demandada uma ação no Facebook para anunciar um smartphone que tem como objetivo refletir positivamente as consequências da cultura da convergência no mundo atual. Seu target é o público adulto nacional, dos 35 aos 49 anos, que não faz parte da geração millenial – ou seja, que participou do processo de popularização dos computadores pessoais e da internet, mas não pode ser considerado “nativo digital”. 25 PROTOCOLO DE RESOLUÇÃO/PROTOCOLO DE RESPOSTA A. Leitura do caso; B. Identificação do que deve ser feito: A questão pede que seja produzida uma ação no Facebook enfocando como os jovens adultos e adultos são atingidos positivamente e podem se beneficiar do movimento de convergência digital a partir da compra de um smartphone. Como não foi determinado explicitamente na questão, a ação poderá contar com qualquer tipo de material: audiovisual, imagens fixas, narrativa cross ou transmídia etc. C. Identificação da teoria/conteúdo que resolve o problema. A chave para a resolução está na atenção aos dois últimos temas da aula (ciberespaço-cibercultura e convergência), que tratam das formas pelas quais as novas tecnologias de comunicação e informação modificaram a realidade cotidiana das pessoas. A temática é relativa à nova organização sociocultural que emerge do uso cada vez mais intenso do computador e da internet e da possibilidade de realizar distintos tipos de atividades (lazer, educação, trabalho etc.) por meio da utilização de um smartphone. D. Indicação de leitura complementar, se necessária. E. Apresentação da solução do problema. A ação deve indicar quais as plataformas de mídia digital com maior possibilidade de alcançar o público, por meio de quais canais será realizada a comunicação. Em relação à mensagem, seria interessante o acionamento de referências culturais da década de 1990, como relembrar personagens, casos ou acontecimentos que tiveram visibilidade à época. É importante, também, destacar como o público-alvo se adapta fácil às novas tendências, mas não possui as características dos millennials – nesse intuito, é significativo apresentar a faixa-etária em questão como madura e, ao mesmo tempo, jovial, de maneira que esteja distante da faixa de idade mais avançada e dos adolescentes. É preciso passar a ideia de que as pessoas de 39-45 anos sabem bem o que querem, e que isso vai ser representado pelo uso do smartphone que a empresa promove. 26 FINALIZANDO Terminamos aqui a primeira aula da disciplina de Redação Publicitária Digital. Neste encontro, de caráter mais teórico, vimos como as Novas Tecnologias de Comunicação e Informação (NTICs) mudaram o mundo nas últimas décadas. O surgimento da internet e seus efeitos nas sociedades, com a constituição de um referencial cultural próprio, são demonstrações do poder que tanto a tecnologia possui, mas este é dependente justamente das interações humanas. As pessoas buscam umas às outras, e se os dispositivos eletrônicos são populares, é por esta razão. Chegamos, na atualidade, a ter aparelhos que possibilitam diversos tipos de comunicação de qualquer parte do mundo, e a cultura da convergência se alimenta das fotos que tiramos com o celular e compartilhamos nas mídias sociais como Facebook e Twitter e dos vídeos que enviamos para parentes distantes via WhatsApp. Toda essa transformação indica e fomenta novos caminhos para a atuação publicitária. Os desafios são imensos, e a criatividade deve seguir junto ao conhecimento dos sistemas tecnológicos e sua repercussão em distintos espaços sociais. Na próxima aula, estaremos entrando nos temas relativos à publicidade on-line. Iniciaremos um estudo sobre formas e estratégias publicitárias na rede, buscando entender mais a fundo o usuário no atual período de transição da Web 2.0 para a Web 3.0, examinando temáticas como a proliferação dos dispositivos tecnológicos móveis e a maior expressão de análise do consumidor: o Big Data. REFERÊNCIAS BERNARDO, N. How to build an exciting and convincing transmedia storyworld. Nuno Bernardo, 20 nov. 2015. Disponível em: <http://nunobernardo.com/build- exciting-convincing-transmedia-storyworld/>. Acesso em: 19 abr. 2017. CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. _____. Internet e sociedade em rede. In: MORAES, D. (Org.). Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003. 27 GOSCIOLA, V. Narrativa transmídia: conceituação e origens. In: CAMPALANS, C.; RENÓ, D.; GOSCIOLA, V. Narrativas transmídia: entre teorías y prácticas. Barcelona: Editorial UOC, 2014. JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008. LEMOS, A. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2003. LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. MANOVICH, L. The language of new media. London: The MIT Press, 2001. MORENO, J. Do analógico ao digital: como a digitalização afecta a produção, distribuição e consumo de informação, conhecimento e cultura na sociedade em rede. OBS [on-line]. 2013, vol. 7, n. 4, p.113-129. ISSN 1646-5954. NEGROPONTE, N. A vida digital. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. PRIMO, A. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. Porto Alegre: Sulina, 2007 SANTAELLA, L. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.
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