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Objetivos 1. Caracterizar síndrome da fragilidade e idoso frágil. 2. Descrever a síndrome consumptiva, identificando os tipos e as causas mais comuns. 3. Caracterizar o delirium no idoso (etiologia, quadro clínico, fatores de risco e fisiopatologia). 4. Identificar as alterações do sistema imune (imunossenescência) decorrentes do envelhecimento. Descrever as alterações do sistema hematopoiético, serie branca e vermelha, destacando a imunossenescência decorrentes no idoso. 5. Descrever as alterações do sistema respiratório decorrentes do envelhecimento. 6. Descrever a fisiopatologia da AIDS, caracterizando dados epidemiológicos e manifestações clínicas em idosos. 1. Síndrome da Fragilidade. REFERÊNCIA: Tratado de Geriatria e Gerontologia. INTRODUÇÃO: Perspectivas para o século 21 apontam que a identificação, a avaliação e o tratamento de pessoas idosas frágeis constituirão o centro da atenção em geriatria e gerontologia com especial ênfase na prevenção da perda de independência e de outros desfechos adversos de saúde a que eles estão mais suscetíveis. Tal condição é altamente prevalente entre os idosos longevos, em especial os com idade igual ou superior a 85 anos, transformando-os no grupo que mais necessita de cuidados e de serviços de suporte formal, informal e comunitário. A capacidade de que o sistema de saúde dispõe para cuidar efetivamente dessas pessoas e, ainda, prevenir a fragilidade está diretamente relacionada com a formação de profissionais capacitados e em número adequado e com a existência de recursos suficientes reconhecendo que o cuidado dispensado a esse grupo requer habilidades especiais, além de maior tempo de intervenção. O termo “frágil” pode ter diferentes significados como, por exemplo, facilmente quebrável ou destrutível; com probabilidade de falhar ou morrer rapidamente, mais suscetível a doenças ou agravos; fraco e/ou muito magro. Em gerontologia, esse termo relaciona-se com fraqueza muscular, fragilidade óssea, índice de massa corporal muito baixo, vulnerabilidade ao trauma, ao risco de infecção, ao delirium, instabilidade e/ou capacidade física significativamente diminuída. Pode, ainda, descrever uma condição na qual um número crítico dessas alterações específicas possa ocorrer em paralelo. Verifica-se na literatura uma tendência à concordância do significado de fragilidade com a falha em prosseguir a vida em suas condições mais prósperas. Embora importantes avanços tenham sido obtidos, em especial na última década, o termo “fragilidade” ainda carece de um consenso, relacionando-o com multimorbidade e incapacidade. Nos últimos 20 anos, foram desenvolvidos muitos estudos buscando clarificar a definição e as características da fragilidade, bem como sua etiologia, de forma a fundamentar as intervenções e implementar estratégias de prevenção. Em uma retrospectiva histórica verifica-se que, antes da década de 1980, poucos estudos abordavam o tema “fragilidade”. A denominação “idoso frágil” aplicavase às pessoas com debilidade física que requeriam assistência contínua. Na década de 1970, nos EUA, esse termo foi utilizado por órgãos governamentais para descrever a pessoa idosa com condições socioeconômicas desfavoráveis, que apresentasse declínio físico e/ou cognitivo. O planejamento assistencial dirigido a esse grupo estabelecia como critérios idade igual ou superior a 75 anos e dependência (em maior ou menor grau) identificada a partir da necessidade de auxílio na realização das atividades cotidianas. Tal publicação foi considerada estereotipante e não foi bem recebida pela comunidade científica especializada. Idade avançada (≥ 75 anos), maior vulnerabilidade, comprometimento físico e/ou funcional, declínio cognitivo e necessidade de assistência contínua passaram a ser características atribuídas às “pessoas idosas frágeis” em inúmeras publicações a partir da segunda metade da década de 1980, o que reforçou a associação, em termos conceituais, entre fragilidade e incapacidade. Em 1990, Fretwell descreveu fragilidade como “uma vulnerabilidade inata aos desafios do ambiente”. A partir do desenvolvimento de estudos longitudinais foi possível observar que muitos idosos alcançavam a velhice avançada em boas condições de saúde e funcionalidade, o que fez com que, na década de 1990, o conceito “ser frágil” fosse gradativamente sendo substituído por “tornarse frágil” acreditandose ser essa uma condição que, embora relacionada, é independente da presença de multimorbidade, incapacidade e vulnerabilidade essencialmente social. A síndrome de fragilidade passou assim a ser compreendida como uma precursora do declínio funcional, da institucionalização e da morte precoce com fortes evidências étnicas e culturais. Em 1992, uma conferência realizada para discutir a fisiologia da fragilidade concordou que controvérsias em sua definição, bem como compreensão limitada de sua etiologia, retardariam a adoção de estratégias preventivas, além de apontar que essa síndrome constituiria a maior ameaça a uma expectativa de vida ativa. Posteriormente, Fried et al, em 2010, sugeriram que fragilidade e failure to thrive representavam o continuum de uma síndrome clínica, sendo o segundo sua manifestação mais extrema associada a ineficácia de recuperação e proximidade da morte. Ruggiero e Ferrucci descreveram os sinais e sintomas relacionados com a fragilidade que mais concordância apresentavam: perda de massa muscular, fraqueza, alentecimento dos movimentos, diminuição da atividade e dos compromissos, baixa ingestão calórica e inexplicável perda de peso. Os indivíduos frágeis apresentam, assim, maior risco para um número importante de desfechos adversos em saúde incluindo dependência, institucionalização, quedas, lesões, doenças agudas, hospitalização, recuperação lenta ou ineficaz dessas alterações e morte. Como resultado, a manutenção de sua vida, seu bem-estar e sua autonomia dependem do uso de compensações extrínsecas devido à sua baixa capacidade de compensação fisiológica. Segundo a União Europeia, a definição de fragilidade é fundamental pois as pessoas frágeis são importantes consumidores dos serviços sociais e de saúde. A adoção de intervenções precoces pode contribuir para a melhora da qualidade de vida dos idosos e redução dos custos relacionados com o cuidado. Collard et al., em revisão sistemática com 31 estudos de fragilidade em idosos (≥ 65 anos), encontraram uma prevalência de 4,0% para 17,0% (média de 9,9%) da fragilidade física, sendo o aumento da prevalência associado à inclusão de aspectos psicossociais. As mulheres (9,6%) apresentam duas vezes mais chance que os homens (5,2%) de serem frágeis e essa prevalência é significativamente aumentada entre os idosos longevos (≥ 80 anos). Visando ao estabelecimento de um consenso sobre essa temática, a Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria e a Organização Mundial da Saúde convocou uma conferência de consenso em Orlando, Flórida, em 7 de dezembro de 2012, com o objetivo de estabelecer uma definição operacional de fragilidade envolvendo aspectos de triagem e tratamento de forma a ser possível à população mais suscetível a tal condição. Como conclusão principal, o grupo acordou distinguir entre uma definição mais ampla de fragilidade, associada a um estado ou condição geral do indivíduo, e uma síndrome clínica mais específica que foi denominada fragilidade física. Como resultado, definiu-se que “a fragilidade é um estado clínico em que há um aumento da vulnerabilidade do indivíduo à maior dependência e/ou mortalidade quando exposto a um estressor. Pode ocorrer como resultado da presença de multimorbidades diversas”. Foram estabelecidos três pontos de consenso sobre fragilidade física: → Fragilidade física é uma síndrome clínica com múltiplas causas e fatores associados que se caracteriza pela diminuição da força, resistência e função fisiológica, aumentando a vulnerabilidadede um indivíduo para o desenvolvimento de maior dependência e/ou morte. → Fraqueza física pode potencialmente ser prevenida ou tratada com exercícios, suplementação proteico-calórica, vitamina D e redução da polifarmácia. → Testes de rastreio simples e rápidos têm sido desenvolvidos e validados para permitir que os profissionais de saúde identifiquem objetivamente as pessoas frágeis. Esse grupo também discutiu que a fragilidade não é apenas uma condição física, mas também psicológica ou uma combinação das duas. Concluíram que existem duas abordagens para definir fragilidade física que se tornaram populares, o modelo de acumulação de déficits que gera o índice de fragilidade e o fenótipo de fragilidade que consiste na apresentação de um ou mais de cinco componentes (perda de peso, fadiga, fraqueza, lentidão e redução da atividade física) em decorrência de um sistema múltiplo de desregulação. Ambas as definições são usadas atualmente para definir pré-frágil, uma condição entre frágil e não frágil. Em ambos os constructos, a força física aparece como uma característica discriminante. O Royal College of Physicians e a Sociedade Francesa de Geriatria e Gerontologia defenderam a necessidade de screening de fragilidade entre as pessoas idosas por meio de tais testes. Entre os mais utilizados foram citados a Cardiovascular Health Study Frailty Screening Measure, o FRAIL, a Clinical Fraity Scale e a Gêrontopóle Frailty Screening Tool. Para efeitos de otimização na identificação de idosos frágeis, recomendou-se que todas as pessoas a partir dos 70 anos e todos os indivíduos com perda de peso não intencional significativa (≥ 5%) devem ser rastreados para a fragilidade. Outros tópicos relacionados com a fragilidade que obtiveram 80% de concordância foram: → Ser uma síndrome clínica → Não ser deficiência ou incapacidade → Aumento da vulnerabilidade em que o mínimo de estresse pode causar comprometimento funcional → Pode ser reversível ou atenuada por intervenções ativas → Necessidade de detecção precoce pelos profissionais de saúde → Especialmente útil na atenção básica visando à identificação precoce. Segundo Morley et al, não foi possível nessa conferência o estabelecimento de uma clara recomendação sobre fragilidade que satisfizesse todos os especialistas presentes dada a heterogeneidade do grupo. No entanto, independente do instrumento utilizado, recomendou-se fortemente a implementação de um screening de fragilidade e seu monitoramento na prática clínica em todo o mundo, pois, considerando o envelhecimento da população mundial, essa é uma medida que não deve mais ser postergada. Inicialmente é importante diferenciar fragilidade, incapacidade e multimorbidades. A incapacidade é definida como limitações físicas e/ou cognitivas, dependência em mobilidade e/ou atividades de vida diária, básicas ou instrumentais. Limitações funcionais são prevalentes em pessoas idosas, particularmente nas mais longevas, e estão associadas com o declínio nas condições de saúde. São preditoras do aumento na utilização de serviços de saúde, bem como nos índices de hospitalização e óbito. Assim, idosos com essas limitações pertencem a um grupo de alto risco para outros desfechos adversos na área de saúde e, por esse motivo, parece mais apropriado considerar que uma pessoa idosa com problemas funcionais seja mais frágil que outra que não os apresente. Do total de 2.762 indivíduos que apresentavam comorbidades, incapacidades e/ou fragilidade, 368 eram frágeis. Dos 2.576 que apresentavam duas ou mais doenças, 249 eram frágeis e, dos 363 que tinham incapacidades, apenas 100 eram frágeis. Concluiu-se que a incapacidade poderia ser considerada um desfecho da síndrome ou, ainda, um elemento contributivo para seu desenvolvimento e não sua essência. Assim, os termos incapacidade e fragilidade não podem ser considerados sinônimos. A presença simultânea de múltiplas doenças crônicas costuma ser outro marcador frequentemente utilizado para indicar fragilidade. Embora tal condição esteja associada ao aumento do número de desfechos adversos em saúde, quando comparados ao grupo de idosos sem doenças, ela não pode identificar, por si só, os indivíduos frágeis. Tradicionalmente, as doenças são definidas por sinais, sintomas e mecanismos fisiopatológicos que surgem quando sistemas fisiológicos específicos ou determinadas estruturas anatômicas são prejudicados e, diante de um desafio entrópico, não podem ser plenamente contrabalançados por um mecanismo homeostático. Entre as pessoas idosas, os mecanismos fisiopatológicos específicos para cada doença podem não ser tão claros e sua apresentação clínica pode ser atípica. Com o avançar da idade, há um aumento da suscetibilidade para múltiplas doenças crônicas que não é explicado pelos clássicos fatores de risco. Esse aumento poderia estar relacionado com o progressivo colapso da rede regulatória destinada a manter o equilíbrio homeostático. Acredita-se, assim, que outros processos fisiológicos, para além das doenças e das incapacidades isoladamente, devam estar associados ao desenvolvimento da fragilidade e que essas, embora relacionadas, são entidades distintas. DEFINIÇÃO: Serão aqui apresentados os dois grupos que mais apresentam publicações sobre fragilidade. Segundo a Clinical Fraity Scale, desenvolvida por um grupo de pesquisadores do Canadian Initiative on Frailty and Ageing, fragilidade seria decorrente do acúmulo de vários fatores: doenças potencialmente não relacionadas, disfunções subclínicas e deficiência em determinados órgãos, partes ou sistemas do organismo. Todos os déficits potenciais presentes em um indivíduo (sinais, sintomas, condições geriátricas, alterações laboratoriais, incapacidades) são listados e posteriormente somados. O somatório dos déficits acumulados em diferentes condições de saúde e em níveis distintos (clínico, fisiológico, funcional) seria preditor de mortalidade. Nesta teoria, a fragilidade seria um constructo intermediário que surgiria como resultado do efeito dessa somatória nas reservas homeostáticas, ou seja, o número de déficits conduziria a um efeito dose-resposta com relação à mortalidade, presumivelmente por meio desse mecanismo intermediário. Fried et al, eFried e Walston descreveram fragilidade como processo fisiopatológico único, resultante de alterações em uma série de mecanismos biológicos, que leva a modificações de múltiplos sistemas e, eventualmente, ao rompimento do equilíbrio homeostático. Segundo os autores, os sistemas são inter-relacionados e formam uma rede de regulação homeostática que apresenta, quando íntegra, habilidade compensatória aos estressores graças a sua reserva e resiliência. A desregulação de múltiplos sistemas e a diminuição da efetividade dessas interconexões pode conduzir à perda dessas reservas e, consequentemente, comprometer a manutenção da homeostase diante dos estressores. O resultado final da agregação dessas múltiplas perdas de reserva tem impacto na capacidade do organismo de responder aos estressores mantendo seu equilíbrio homeostático. A fragilidade surge quando a capacidade fisiológica para responder de maneira apropriada a situações dinâmicas estressoras (exercícios, temperaturas extremas, doenças agudas) mostra-se insuficiente ou inadequada, possivelmente associada ao intervalo e à complexidade de resposta ao estressor que, agora, o organismo é capaz de elaborar. Em decorrência de um estreitamento regulatório, ocorre a diminuição na efetividade das respostas compensatórias. De modo geral, a perda de reserva agregada em múltiplos sistemas pode conduzir a um declínio global na habilidade do organismo como um todo em tolerar estressores, aumentando, assim, o risco de ocorrência de desfechos adversos associados à fragilidade. Em última análise, tais mudanças levariam a uma espiral negativa de declínio funcional. Os principais sistemas envolvidos incluiriamos que mantêm a estabilidade na produção, distribuição e utilização de energia, abrangendo os que envolvem processos hormonais, imunológicos, inflamatórios e neurológicos. A diminuição da energia disponível afetaria múltiplos sistemas fisiológicos, levando ao seu comprometimento funcional e, em última instância, desencadearia um progressivo declínio no funcionamento físico. Em um organismo saudável, a rede homeostática é complexa e adapta-se, rápida e flexivelmente, a diferentes tipos de perturbações internas e externas. O envelhecimento ocasionaria mudanças nessas estratégias adaptativas que, progressivamente, se tornariam limitadas. Esse mecanismo patogenético único e bem definido foi proposto por Fried et al. como um ciclo decrescente de energia cujas manifestações clínicas aumentariam à medida que a fragilidade se agravasse. Enquanto o declínio nas reservas em múltiplos sistemas pode justificar o risco elevado de desfechos adversos que os profissionais de saúde associam com fragilidade, eles, em si, não explicam necessariamente a síndrome de fraqueza, perda de peso e declínio da atividade, bem como as anormalidades comumente observadas no equilíbrio e na marcha. A integração desses sinais e sintomas clínicos ocorreria como um segundo estágio da fragilidade quando a reserva acumulada declinaria a um nível limítrofe. A figura mostra o círculo vicioso ou espiral da síndrome de fragilidade que pode ter início em qualquer ponto como, por exemplo, na ingestão alimentar. Existem evidências mostrando a associação entre envelhecimento e diminuição na habilidade de modular, de maneira equilibrada, a ingestão alimentar com o total de gasto energético despendido, o que aumenta a probabilidade de consumo alimentar inadequado e/ou insuficiente. Essa anorexia do envelhecimento pode ser composta por muitos fatores capazes de diminuir a ingestão alimentar, incluindo diminuição do paladar e do olfato, problemas odontológicos, depressão, demência e outras doenças. A ingestão energética menor que as calorias necessárias para suprir o gasto energético despendido pode conduzir a um estado crônico de subnutrição proteico-energética que levaria à perda de massa muscular, resultando em sarcopenia. A sarcopenia contribui para a perda de força e para o declínio da tolerância máxima ao exercício (VO2 máx.), que, juntos, levam à lentidão de velocidade de caminhada e, posteriormente, à incapacidade no desempenho de tarefas que exijam força e/ou tolerância ao exercício e, por fim, à diminuição da taxa metabólica latente que, concomitantemente a outros declínios, culmina com a queda no total de energia despendida. Esse ciclo teria manifestações clínicas como declínio de força, energia, velocidade de marcha, atividade física e perda de peso, todas inter-relacionadas. Essas manifestações seriam detectáveis por um fenótipo mensurável constituído por cinco componentes: ■ Perda de peso não intencional (4,5 kg ou mais no último ano ou pelo menos 5% do peso corporal) ■ Fadiga (obtida por autor-referência de exaustão a partir de duas questões do Center for Epidemiologic Studies – Depression) ■ Diminuição da força (mensurada por dinamômetro em membro superior dominante ajustado por gênero e índice de massa corporal [IMC]) ■ Baixo nível de atividade física (obtido pelo cálculo do dispêndio médio semanal de quilocalorias obtidos pelo relato das atividades físicas desenvolvidas no período ajustadas por gênero) ■ Diminuição da velocidade da marcha (obtida pelo tempo despendido para caminhar um espaço de 4 m ajustado por gênero e altura). Um ou dois componentes do fenótipo seria indicativo de alto risco de desenvolver a síndrome (pré-frágeis), e três ou mais componentes estariam presentes em idosos frágeis. Essa definição foi submetida a diferentes tipos de validação - face, critério, constructo, preditiva – em mais de cinco estudos de base populacional como capazes de identificar as pessoas idosas com elevado risco de incapacidades, quedas, hospitalização, fraturas e óbito. Na figura, a fragilidade é apresentada como um fenótipo clínico associado à ocorrência de desfechos adversos em saúde que resulta de declínio da reserva e da função fisiológica e pode ser precipitado pela presença de doenças anteriores. Com base nesse contructo, Fried et al. identificaram uma prevalência de 7% de idosos (≥ 65 anos) frágeis vivendo na comunidade, e tal condição acompanhava o avançar da idade (3% entre 65 e 74 anos e 25% entre os com idade ≥ 85 anos). Segundo os autores, fragilidade é uma condição progressiva, dinâmica e geralmente crônica, com uma transição, em 18 meses, de 43% evoluindo para a condição de frágil, 23% para a condição de pré-frágil. Fragilidade pode, assim, ser considerada uma síndrome clínica geriátrica, com um conjunto de sintomas e sinais centrais ligados à fisiopatologia subjacente que são capazes de identificá-la. Nesse processo, o nível normal de mecanismos homeostáticos pode não ser mais suficiente para produzir uma resposta homeostática eficiente, sendo necessário selecionar outros estados de equilíbrio menos eficientes. Nessa perspectiva, o fenótipo de fragilidade ou sua condição fisiológica subjacente (fisiotipo) pode representar o melhor estado possível de equilíbrio de uma pessoa, em qualquer nível de função fisiológica, em uma tentativa de evitar a espiral de deterioração para o óbito. Como as respostas adaptativas teoricamente podem ser melhoradas, prevenção e tratamento tornam-se possíveis. A ideia de um processo fisiopatológico único envolvido na gênese de ambos – vulnerabilidade e fragilidade – enquanto apresentação clínica é particularmente atrativa, pois torna o diagnóstico de fragilidade possível com base em um número finito de critérios e permite atuar de forma proativa na identificação das pessoas que já mostram manifestações clínicas e na identificação daquelas em estágios subclínicos. Sugere-se que o fenótipo descrito, com medidas padronizadas e critérios bem definidos, construído com base em uma teoria biológica e validado com critérios diagnósticos fortemente relacionados com a idade, pode ser utilizado como rastreamento diagnóstico fácil e confiável e servir como base para prevenção e tratamento da fragilidade. A principal desvantagem dessa definição em particular é que sua avaliação requer aproximadamente 10 ou 15 min. Ruggiero e Ferrucci, com base no paradigma de fragilidade previamente proposto por Fried e Walston, desenvolveram uma teoria sobre a existência de um ciclo energético vicioso que conduziria à fragilidade, o qual está sumarizado na figura: Na barra à esquerda, encontra-se o total de energia acumulada (moléculas de trifosfato de adenosina [ATP]) que pode ser gerado em uma unidade de tempo. Considerando que o metabolismo energético é aeróbico, a dimensão total da barra pode ser definida como o consumo máximo de O2 (MVO2 máx.). Uma grande quantidade de energia ou taxa de metabolismo basal é necessária para manter o organismo humano em equilíbrio homeostático. Na parte inferior, encontra-se o mínimo requerido para a homeostase em função de idade, sexo, composição corporal e atividade física. No caso dos idosos, deve ser considerada uma cota extra (esforço homeostático) necessária para equilibrar a homeostase instável causada pela presença de doenças. Em indivíduos saudáveis, essa cota é desprezível, porém aumenta rapidamente com a deterioração da saúde. A energia restante é utilizada em atividades físicas e cognitivas que pode ser muito reduzida quando o esforço homeostático aumenta. Se houver aumento da carga de trabalho individual no intervalo de energia usado para as atividades, o indivíduo começará a apresentar fadiga. O limite para que isso ocorra é influenciado por uma quantidade indefinida de fatores que incluem os biológicos (inflamação, estresse oxidativo, hormônios, metabolismo anabólico), os psicológicos e osfisiológicos. Quanto menor o limite e maior a atividade, mais rapidamente a fadiga ocorre. Indivíduos sedentários podem entrar em um estado de fadiga apenas com uma pequena carga de trabalho, o que não ocorre com os indivíduos ativos. A longo prazo, o sedentarismo reduz a quantidade total de energia que pode ser produzida, precipitando um ciclo vicioso que conduzirá a um progressivo e acelerado declínio na função física. Com base nesse modelo, a manutenção de um estilo de vida ativo seria a melhor maneira de prevenir a fragilidade. Segundo Fried et al., alguns idosos podem ser ativos e com boa funcionalidade; no entanto, diante de estressores como, por exemplo, uma fratura de fêmur, mostrariam pouca reserva funcional e apresentariam rápido declínio em múltiplos sistemas. Esses indivíduos podem estar em um estágio precoce do ciclo de fragilidade que ainda não é clinicamente aparente. Aqueles com uma ou duas das características do fenótipo apresentam risco duas a cinco vezes maior de progredir para fragilidade (definida como três ou mais componentes presentes simultaneamente) quando comparados aos que não têm nenhuma característica, o que dá suporte à hipótese da existência de um estágio subclínico de fragilidade. O ciclo de balanço energético negativo combina com o fenótipo clínico de fragilidade, mas não explica completamente a vulnerabilidade aos estressores e a diminuição da reserva que são centrais na definição da síndrome que, possivelmente, é mais complexa. Fragilidade pode, portanto, ser compreendida como um continuum que avança de um estado latente de alterações fisiológicas para a síndrome clinicamente aparente. Atualmente, defende-se que um “fisiotipo” de alterações básicas ocorre nos sistemas fisiológicos com consequente desenvolvimento de apresentações clínicas ou “fenótipo” passado certo nível de disfunção global. Esse “fisiotipo” pode tornarse clínica ou fenotipicamente aparente quando sistemas vulneráveis descompensam diante dos estressores. Resiliente Frágil Frágil Normal ou hígido Fragilidade subclínica Fragilidade inicial Fragilidade tardia Fragilidade em estágio final Resiliente, recupera-se prontamente dos estressores Parece resiliente, mas recupera-se lenta ou incompletamente dos estressores; pode apresentar desfechos adversos de saúde. Fragilidade clinicamente aparente; baixa tolerância aos estressores, sem incapacidades. Fragilidade clinicamente aparente; baixa tolerância aos estressores, recuperação muito alentecida, incapacidade, diminuição de energia e força. Aparenta fragilidade grave, diminuição de força, perda de peso, baixos níveis de LDL e colesterol, dependência e risco elevado de óbito em 12 meses. Três sistemas fisiológicos parecem ser componentes integrais da fragilidade e centrais na compreensão das causas relacionadas com a maior vulnerabilidade aos estressores associados à síndrome. São eles sarcopenia ou perda de massa muscular, disfunção imunológica e desregulação neuroendócrina. A sarcopenia ou perda de massa muscular associada ao envelhecimento inicia-se aproximadamente aos 35 anos e avança de maneira regular, podendo alcançar uma perda de até 50% da massa muscular (musculoesquelético), que é reposta com tecido adiposo e fibrótico. Essa perda cumulativa resulta em diminuição de força e de tolerância ao exercício, fadiga, fraqueza e diminuição da capacidade de desempenhar muitas atividades de vida diária. O declínio na força constitui fator de risco para comprometimento de equilíbrio, velocidade de caminhada e quedas. A perda musculoesquelética resulta em declínio da taxa metabólica de repouso com consequências metabólicas diretas que ainda não são claras. No entanto, a termorregulação parece constituir um elemento crítico nesse contexto e muito da intolerância ao frio e ao calor observada nos idosos está relacionada com esse fenômeno. A reposição gradual dessa perda tecidual com gordura e tecido fibroso é parcialmente responsável pelo aumento da resistência à insulina e da intolerância à glicose observada na meia-idade e nos idosos. Como a insulina é um dos mais importantes hormônios anabólicos, a diminuição, em nível tecidual, dos seus valores efetivos pode contribuir para um estado catabólico generalizado que caracteriza os indivíduos frágeis. O sistema imunológico é composto por um complexo e interativo grupo de órgãos, tecidos e células que agem em conjunto para defender o organismo contra agressões externas de maneira rápida e apropriada. Parece que o somatório das complexas mudanças relacionadas com o avançar da idade torna o indivíduo mais vulnerável a infecções. A possível razão para tais modificações estaria relacionada com o declínio na habilidade das células T em secretar interleucina-2, uma citocina importante no aumento da resposta de hipersensibilidade, com a geração de células citotóxicas e estimulação da proliferação de células B e, consequentemente, com a imunidade humoral. A imunidade humoral é responsável pela produção de anticorpos específicos que atuam no isolamento e combate a patógenos infecciosos. A produção de anticorpos declina com o avançar da idade e, por atuarem na primeira linha de defesa do organismo contra todos os tipos de antígenos, quando em níveis mais baixos, tornam os indivíduos idosos mais vulneráveis ao ataque e à propagação de infecções. O processo envolvido nessas alterações ainda não é totalmente conhecido. Evidências sugerem que as possíveis causas estariam relacionadas com modificações nas células B com o avançar da idade ou a seu declínio numérico. As duas situações parecem ser resultantes de modificações nas células T com consequente falta de estímulo apropriado do sistema humoral. O resultado combinado dessas modificações seria a alteração na habilidade do organismo em responder às infecções. Devido à existência de uma variabilidade individual em tais modificações, algumas pessoas são mais vulneráveis que outras à ocorrência de infecções. Acredita-se que os idosos frágeis estejam incluídos no subgrupo que apresenta maior vulnerabilidade imunológica. Em contrapartida, o nível de autoanticorpos não relacionados com uma disfunção autoimune identificável aumenta de acordo com a idade. O número de marcadores de inflamações encontra-se elevado nos indivíduos idosos e, em alguns casos, está relacionado com a incapacidade física e não com doenças específicas. Esse aumento parece vir do declínio dos mecanismos regulatórios que permitem que as células ativadas continuem secretando potentes agentes catabólicos bem depois de o estímulo ter sido iniciado. Exposição crônica a elevados níveis desses agentes pode contribuir com o ciclo de fragilidade pela influência catabólica no músculo e piora na desregulação neuroendócrina mediante aumento da estimulação adrenocortical. O somatório de aumento da vulnerabilidade a infecções com aumento do estado inflamatório geraria um subgrupo de indivíduos especialmente vulneráveis a estressores, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da fragilidade. O sistema neuroendócrino funciona de maneira integrada com o sistema regulatório, que monitora os estímulos internos e externos e mantém o equilíbrio homeostático. Evidências mostram que a perda de complexidade dos sistemas com o envelhecimento está relacionada com a diminuição de reserva e a variação e precisão de sua resposta. As respostas do sistema neuroendócrino são normalmente pulsáteis, sendo rapidamente acionadas e desligadas. Com o avançar da idade, a sensibilidade dessa complexa rede de controle de respostas diminui e a velocidade de transmissão é alentecida. Diante de um estímulo estressor, a resposta orgânica pode apresentar início mais tardio e, também, um “desligamento” mais alentecido. Essa desregulação constitui, segundo Fried e Walston, o componente central da síndrome de fragilidade,sendo mais observada nas pessoas em velhice avançada, colocando sua resposta aos estressores em um nível crítico. Observa-se que parte significativa da definição de fragilidade proposta pelos autores citados implica maior vulnerabilidade aos estressores. A resposta mais importante do organismo humano ao estresse está relacionada com a liberação de epinefrina e norepinefrina pelo sistema nervoso simpático e com a elevação dos níveis plasmáticos de glicocorticoides. Os efeitos dos níveis elevados de glicocorticoides incluem elevação nos níveis de glicose e de lipídios que podem representar a principal fonte de liberação de energia durante a resposta ao estímulo estressor. Em um sistema bem regulado, essas respostas são bem sintonizadas e atuam minimizando o impacto das situações perigosas e estressantes. Contudo, os efeitos da ativação crônica ou repetitiva desse sistema de respostas podem ser deletérios ao organismo, em especial quando essas respostas forem prolongadas, incluindo supressão da função imune, aumento de resistência à insulina, aumento de massa gordurosa e perda de massa muscular e óssea. O hormônio do crescimento tem papel significativo no crescimento e no desenvolvimento de organismos imaturos, o qual permanece importante no desenvolvimento e na manutenção da massa muscular na idade adulta e na velhice. Estudos têm demonstrado que a diminuição dos níveis de hormônio do crescimento tem impacto na manutenção das massas óssea e muscular, ambas componentes do fenótipo de fragilidade. Com a menopausa, há uma perda acentuada de estrógenos levando a alterações em várias funções metabólicas, como declínio rápido da densidade mineral óssea, diminuição da massa muscular e aumento do tecido gorduroso e, consequentemente, aumento do risco cardiovascular. Entre os homens, observa-se declínio gradual nos níveis de testosterona, o que contribui diretamente para a diminuição da massa muscular (sarcopenia). Possivelmente, o efeito agregado de sarcopenia, a disfunção imunológica e a desregulação neuroendócrina sejam a maior vulnerabilidade do organismo aos estressores e a menor capacidade de adaptação, compensação ou adequação diante deles. Cada um desses componentes exerce efeito significativo sobre os outros, conduzindo ou acelerando o declínio em outros mecanismos regulatórios que, ao final, podem contribuir para os desfechos clínicos da fragilidade independentemente de qualquer processo de doença específico. Essas alterações subjacentes podem ser precipitadas por doenças, lesões ou medicações. Em suma, essas alterações fisiológicas inter-relacionadas contribuem com mudanças em outros componentes fisiológicos, acelerando, assim, a instalação do ciclo de fragilidade. Na figura observa-se um possível caminho, proposto por Fried et al. e Fried e Walston, no qual estão representadas duas possíveis etiologias para o desenvolvimento da síndrome de fragilidade. A primeira, fragilidade primária, resultaria de mudanças relacionadas com o envelhecimento; e a segunda, fragilidade secundária, de doenças específicas. Possivelmente, as duas condições poderiam contribuir para o desenvolvimento da síndrome por meio das alterações fisiológicas descritas. Potenciais mecanismos moleculares envolvidos na Síndrome da Fragilidade O ciclo de fragilidade corresponde a um espiral de declínio e de vulnerabilidade fisiológica básica causada pela desregulação de múltiplos sistemas. Aparentemente independentes de doenças e da idade, sugerem que mecanismos subjacentes básicos relacionados com o envelhecimento possam ser responsáveis pelo desenvolvimento dessa maior vulnerabilidade. A produção de radicais livres provenientes da fosforilação oxidativa e de outros processos metabólicos celulares causa danos ao DNA genômico e mitocondrial na maioria dos tecidos metabolicamente ativos. No DNA genômico, normalmente os danos são reparados, o que possibilita que os processos reprodutivo celular e de transcrição permaneçam inalterados. A funcionalidade desses mecanismos de reparação, no entanto, altera-se com a idade, conduzindo ao declínio da mutagênese no DNA e, consequentemente, a um potencial declínio funcional em uma variedade de sistemas. Essas evidências são derivadas de estudos sobre os mecanismos de algumas síndromes progeroides como, por exemplo, a de Werner. A síndrome de Werner, síndrome progeroide, é uma doença autossômica recessiva rara caracterizada por mutações no gene WRN, localizado no cromossomo 8p12 e identificado como uma helicase1 tipo RecQ que tem função catalítica e de exonuclease. Indivíduos homozigotos para a mutação nesse gene desenvolvem um acelerado fenótipo de envelhecimento. Foi relatada pela primeira vez em 1904 por Otto Werner. Clinicamente, caracteriza-se por surgimento de envelhecimento precoce, associado a um fenótipo variável, com manifestações em múltiplos órgãos. Após infância e início da adolescência normais, os pacientes apresentam retardo e parada precoce no crescimento, seguidos pelo surgimento de uma série de alterações geralmente sequenciais: cabelos precocemente grisalhos e eventual alopecia, voz estridente, alterações cutâneas esclerodermiformes, catarata, diabetes melito, úlceras cutâneas, hipogonadismo, disfunção da tireoide, hiperlipidemia, osteoporose e aterosclerose. Neoplasias têm incidência aumentada, principalmente as de origem mesenquimal. A expectativa média de vida é de 46 anos, e as principais causas de óbito incluem doenças malignas, acidentes vasculares encefálicas e infarto agudo do miocárdio. O fenótipo dos portadores dessa síndrome é similar ao dos idosos frágeis, o que sugere que alguns mecanismos similares estejam envolvidos. Especial interesse no estudo de várias síndromes progeroides, como as de Werner e de Hutchinson-Gilford, tem surgido nas últimas décadas, já que elas simulam várias manifestações associadas ao envelhecimento natural e poderiam auxiliar na melhor compreensão dos mecanismos moleculares e biológicos envolvidos no envelhecimento. Em nenhuma dessas síndromes, no entanto, os pacientes apresentam todas as manifestações observadas no envelhecimento natural. Além disso, são observadas diferenças qualitativas e quantitativas entre as síndromes e o envelhecimento natural, como a extensão das alterações de coloração do cabelo e a associação dessas síndromes com neoplasias raras. As diferenças nos desfechos clínicos deixam clara a existência de outros mecanismos envolvidos no desenvolvimento da fragilidade. O DNA mitocondrial é especialmente vulnerável ao dano oxidativo cumulativo gerado pelos radicais livres provenientes da fosforilação oxidativa, uma vez que, por um lado, não existem mecanismos para reparar o genoma mitocondrial e, por outro, as mitocôndrias são as maiores geradoras de fosforilação oxidativa e, consequentemente, de radicais livres. A energia utilizada na maioria dos processos celulares que mantêm a homeostase (ATP) é proveniente das mitocôndrias pelo processo de transformação da glicose. Com o envelhecimento, parte do DNA mitocondrial é deletado, gerando, assim, o acúmulo de determinado número de mutações. Tais modificações afetariam a produção de energia necessária para a manutenção da integridade metabólica e celular. Considerando a marcante fadiga e perda de energia observada em idosos frágeis e a reduzida capacidade de responder a vários estímulos, acredita-se que essas alterações moleculares podem ter um papel significativo no desenvolvimento da síndrome. Pesquisadores observaram que as células em meio de cultura apresentam ciclos reprodutivos finitos e um aumento exponencial de células senescentes com a idade da cultura, gerando a hipótese de que, nos seres vivos, as células poderiam, eventualmente, chegar a um estado de senescência e não mais se replicarem, incluindo as fundamentais para os processos metabólicos e homeostáticos. A explicação para essenúmero finito de divisões celulares estaria relacionada com a perda dos telômeros dos cromossomos. Essa hipótese é consistente com o fenótipo de fragilidade e, em especial, com a condição conhecida como failure to thrive, na qual se observa uma perda significativa da capacidade de resposta dos idosos acometidos. FAILURE TO THRIVE: Foi considerada um diagnóstico clinicamente significativo em muitos artigos de revisão, foi importado da Pediatria na década de 1970 e incluído na Classificação Internacional de Doenças, nona revisão (CID-9) em 1979 (R62.8 – Outras formas de retardo no desenvolvimento fisiológico normal). É utilizado para descrever o declínio gradual da função física e/ou cognitiva de uma pessoa idosa, acompanhado, geralmente, de perda de peso sem explicação consistente e isolamento social. Não há uma tradução adequada para esse termo, o qual também não foi traduzido na Classificação de Doenças na língua portuguesa. Além disso, há controvérsias quanto à sua utilização reforçar, de forma pejorativa e fatalista, as imagens associadas ao envelhecimento. Por esses motivos, ele será mantido, neste capítulo, em seu idioma de origem. Esse termo foi desenvolvido por pediatras e, na área de gerontologia, foi inicialmente utilizado para descrever a condição de alguns idosos residentes em instituições de longa permanência para idosos (ILPI) que gradualmente apresentavam pouco apetite, perdiam peso, afastavam-se das atividades sociais e evidenciavam declínio em sua condição física e cognitiva. Quatro síndromes conhecidas por serem individualmente preditivas de resultados adversos em pessoas idosas são repetidamente citadas como prevalentes em pacientes com diagnóstico de failure to thrive: funcionamento físico deficiente, desnutrição, depressão e déficit cognitivo. O diagnóstico diferencial de cada uma dessas síndromes inclui as outras três, as quais, muitas vezes, existem simultaneamente. A principal característica do diagnóstico de failure to thrive é a perda de peso inexplicável, possivelmente decorrente de má nutrição, que resulta em perda de gordura e massa muscular. Está, assim, relacionado com a sarcopenia e muitas das complicações associadas à fragilidade. Os componentes individuais associados são, por si, preditivos de mortalidade. Diversos estudos descrevem a incapacidade de pacientes com diagnóstico de failure to thrive em viver com problemas multissistêmicos, uma vez que não conseguem responder por muito tempo às intervenções terapêuticas. Assim, clinicamente, o termo failure to thrive pode ser utilizado para descrever o estágio final das doenças ou, ainda, o final irreversível da história natural da síndrome de fragilidade. PREVENÇÃO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO: Prevenção, diagnóstico e intervenções terapêuticas acompanham a atual compreensão sobre fragilidade. Torna-se assim fundamental que as pessoas idosas vulneráveis e frágeis sejam identificadas antes que os desfechos adversos associados a tais condições ocorram. A identificação da fragilidade secundária, decorrente de doenças latentes ou não tratadas, deve ser incluída na avaliação, uma vez que pode conduzir também a um estado catabólico com perda de peso ou diminuição da ingestão calórica. Boa parte das doenças consumptivas pode ser tratada, incluindo insuficiência cardíaca congestiva, doenças da tireoide, diabetes, tuberculose e outras infecções crônicas, câncer e condições inflamatórias e condições neuropsicológicas como depressão, demência, psicose e luto. Nessa avaliação, devem-se ainda rastrear os fatores que podem exacerbar a vulnerabilidade, como medicações inadequadas ou polifarmácia, hospitalizações, cirurgias ou outras intervenções com potenciais efeitos iatrogênicos. Uma avaliação geriátrica global centrada na pessoa idosa envolvendo a família e/ou cuidador e monitoramento regular por equipe de saúde capacitada auxiliará na identificação proativa de tais condições e no estabelecimento de intervenções precoces. Evidências sugerem que o monitoramento e o cuidado contínuo são capazes de alentecer o declínio funcional e reduzir a ocorrência dos desfechos adversos associados à síndrome. Se a fragilidade for uma condição primária, o objetivo do tratamento deve ser a instituição precoce de intervenções de suporte para prevenir a perda de massa muscular e melhorar a força e a energia. Essas intervenções visam controlar os fatores que podem desencadear ou acelerar as manifestações de fragilidade, especialmente baixa atividade, inadequação nutricional e uso de medicações com efeitos catabólicos. Devem-se considerar, se indicadas, a prescrição de exercícios regulares e a adição de suplementação nutricional. Existem evidências indicando que exercícios resistidos contribuem para o aumento da força nos idosos frágeis, além de atuar na prevenção da síndrome. Os melhores resultados foram obtidos entre os que apresentavam diminuição de força, mas não tinham atrofia muscular. A suplementação alimentar, no entanto, só se mostrou efetiva quando associada à realização de exercícios, pois, quando isolada, não levou a aumento da massa muscular, força ou melhora funcional. A manutenção da força auxilia na manutenção da tolerância ao exercício, o que contribui com o engajamento espontâneo dos idosos em outras atividades. Isso pode ser explicado pela associação entre o declínio da força e a tolerância ao exercício, o que faz com que os idosos nessas condições consumam maiores proporções de VO2 máx. para o desempenho de suas atividades de vida diária. Idosos sedentários, por exemplo, requerem cerca de 90% de seu VO2 máx. para conseguirem desempenhar suas atividades diárias. Embora as várias modificações observadas no sistema endócrino com o avançar da idade sejam mensuráveis (queda nos níveis de estrógeno, testosterona, hormônio do crescimento e desidroepiandrosterona [DHEA]), as evidências ainda não são claras quanto à sua utilização para o diagnóstico da síndrome de fragilidade. Como tais hormônios são importantes na manutenção da massa magra e densidade mineral óssea, há vários estudos sendo desenvolvidos na busca de terapias de reposição eficientes que, prevenindo ou tratando o declínio hormonal, possam, em alguns casos, evitar o declínio da massa muscular. A terapia hormonal mais conhecida e aceita é a reposição de estrógeno entre as mulheres. Há poucas evidências mostrando que ela prolongue a sobrevida ou aumente a massa magra, mas está associada à manutenção da densidade mineral óssea e, ainda, parece ter algum papel na prevenção de doença cardiovascular e nas demências. Nos homens, os níveis de testosterona não declinam tão acentuadamente quanto o estrogênio nas mulheres em menopausa, além de haver uma grande variabilidade nos níveis encontrados entre os homens. A terapia de reposição hormonal de testosterona em homens jovens com hipogonadismo leva ao aumento da massa muscular. No entanto, isso não ocorre, necessariamente, nas pessoas idosas. Por outro lado, essa suplementação costuma ser acompanhada pelo aumento do risco de desenvolvimento de hiperplasia benigna da próstata e do potencial efeito estimulatório do hormônio em câncer de próstata preexistente. Quem são os idosos frágeis em nosso contexto? Para o desenvolvimento desse estudo foi utilizada a base de dados do Estudo SABE – Saúde, Bem-estar e Envelhecimento – estudo longitudinal sobre as condições de vida e saúde e suas modificações com o transcorrer do tempo dos idosos residentes no município de São Paulo, em 2010 (n = 1.344), tendo como desfechos os óbitos identificados no período (2010-2015) por meio de visitas domiciliares e necropsia verbal. Embora São Paulo não apresente maior proporção de idosos do país, o município tem, sem dúvida, o maior número absoluto (aproximadamente 1,5 milhão em 2015) e uma das maiores diversidades populacionais, o que torna os resultados obtidos aplicáveis em outras realidades. Os dadosforam obtidos por meio de questionário padronizado realizado por entrevistadoras treinadas. As medidas antropométricas e funcionais foram realizadas por nutricionistas treinadas especificamente para esse fim. O modelo utilizado no Estudo SABE para análise de fragilidade é o proposto por Fried et al. Nesse capítulo, no entanto, será apresentada a comparação entre os modelos de Fried et al. e Rockwood et al. por meio da Edmonton Frail Scale, derivada do Frailty Index. Inicialmente construiu-se um modelo de fragilidade para cada modelo escolhido, foi feita a regressão simples, verificando-se os fatores associados, e a múltipla, para verificação dos determinantes. Segundo o fenótipo de fragilidade proposto por Fried et al., no Município de São Paulo temos 8,3% de idosos frágeis e 50,5%, pré-frágeis, ou seja, a maioria da população idosa (58,8%) está em processo de fragilização e apenas 41,2% são considerados robustos. Dentre esses, observouse que 36,4% apresentaram baixa atividade física; 22,4%, diminuição da força muscular; 19,8%, lentidão na velocidade da caminhada; 9,9%, exaustão e 5,4%, perda de peso. Quanto ao número de componentes simultâneos apresentados, 35,5% dos idosos apresentavam apenas um componente; 15,0% apresentavam dois; 6,2% apresentavam três; 1,9%, quatro; e apenas 0,24% apresentava os cinco componentes. O processo de fragilização é muito mais acentuado nos idosos mais longevos, fato esse muito preocupante, dado ser esse o grupo populacional que mais rapidamente cresce em nosso meio. Também é mais prevalente entre as mulheres, embora essa diferença não seja estatisticamente significativa. Os fatores associados à fragilização, nesse modelo, foram: escolaridade, autopercepção de saúde, diabetes, doença cerebrovascular, doença cardíaca, doença articular, osteoporose, declínio cognitivo, multimorbidades, limitações funcionais em ABVD e AIVD, quedas e hospitalização no último ano. Observa-se que a condição de fragilidade é mais acentuada entre as mulheres e os idosos mais longevos. A fragilidade é mais importante entre os idosos sem escolaridade, indicando que, em nosso meio, ela também se mostra como uma iniquidade. Na análise das variáveis relacionadas com as condições de saúde, observa-se associação da condição de fragilidade com a maioria das doenças consideradas, com especial atenção para as doenças cerebrovasculares sabidamente geradoras de importantes demandas assistenciais. As comorbidades e o comprometimento cognitivo mostram-se fortemente associados a essa condição. A partir desses resultados, pode-se configurar o perfil de demandas acentuadas que acompanha os idosos mais fragilizados, o que permite compreender a sobrecarga relatada pelos cuidadores e a urgente necessidade de desenvolvimento de apoio complementar. Quando se analisa a associação entre a condição de fragilidade e os desfechos de saúde, observa-se que os idosos frágeis ou em processo de fragilização são mais dependentes e, assim, requerem mais cuidados formais e informais. Dada sua condição, utilizam mais os serviços de saúde, em especial a hospitalização e os serviços de urgência, que, muitas vezes, representam a principal porta de entrada desse grupo no sistema de saúde. Isso talvez possa ser explicado pela associação entre a dificuldade de acessar os serviços e a pior condição funcional dos idosos. Tendo em vista a maior dificuldade em mobilizá-los, a procura pelos serviços pode ser postergada ao máximo, só ocorrendo em casos mais extremos, o que tende a piorar ainda mais sua condição de fragilidade. É importante considerar as diferenças de cuidado demandadas pelas pessoas idosas e que os fatores clínicos considerados isoladamente não são capazes de determinar a real necessidade de serviços desse grupo etário. Existem muitas evidências mostrando que fatores culturais influenciam o papel da família no cuidado de seus idosos mais fragilizados e, assim, afetam suas demandas assistenciais. Um sistema fragmentado com pouca compreensão ou aceitação da grande heterogeneidade social e cultural que envolve esse grupo possivelmente falhará nas respostas às suas necessidades, implicando a alocação de muitos recursos com um resultado ineficiente e inapropriado. É possível verificar a significativa diferença na sobrevida dos idosos segundo condição prévia de fragilização o que reforça a importância de detecção precoce da síndrome e intervenções pró-ativas. O segundo modelo mais utilizado para avaliar fragilidade é o Frailty Index. Segundo esse modelo, praticamente inexistem idosos não frágeis. Observa-se que 98,51% dos idosos estão distribuídos entre as categorias de fragilidade (leve, moderada ou grave) e apenas 1,49% são considerados não frágeis. Observa-se, também, que, nesse modelo, a diferença entre os sexos é significativa, sendo as mulheres mais fragilizadas que os homens. As diferenças observadas estão possivelmente associadas ao constructo teórico pois, nesse modelo, considera-se a acumulação de déficits. CONCLUSÕES Dada sua complexidade, lidar com a síndrome de fragilidade tanto em sua prevenção quanto nas intervenções propostas representa um grande desafio para todos. Atualmente, o conhecimento sobre o tema propicia as seguintes considerações: ■ Fragilidade é uma síndrome decorrente da interação de múltiplos fatores ao longo do curso de vida e pode ser precocemente identificada. ■ Representa um continuum resultante do impacto de déficits em múltiplos sistemas, principalmente nos sistemas neuroendócrino, imunológico e musculoesquelético, provocando alteração na homeostase e desencadeando efeitos adversos (declínio da capacidade funcional, institucionalização, incapacidade e óbito) ■ É considerada um fenômeno clínico em que há forte associação com a idade ■ Não é um fenômeno uniforme no envelhecimento ■É uma condição progressiva, porém com forte potencial para prevenção e tratamento dos sintomas, o que pode resultar em reversibilidade do quadro. REFERÊNCIA: Geriatria: Prática Clínica SÍNDROME DA FRAGILIDADE Definição: Há algumas décadas, o conceito de fragilidade era restrito à funcionalidade do paciente e eram considerados frágeis aqueles idosos com algum grau de dependência física ou incapacidade. Entretanto, com os avanços científicos relacionados com o tema, esse conceito foi se transformando ao longo do tempo, levando em consideração os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, apesar de ainda ser utilizado de forma errônea. A definição mais utilizada para síndrome da fragilidade foi proposta por Fried e seus colaboradores em 2001, que definiram essa condição como um estado de vulnerabilidade fisiológica relacionado com a idade, resultante de reservas homeostáticas multissistêmicas comprometidas e de capacidade reduzida do organismo de resistir aos estressores. Embora existam divergências com relação aos critérios diagnósticos dessa condição, a definição é praticamente consensual entre os diferentes autores. Na prática clínica, o que se observa é que idosos frágeis são mais vulneráveis a eventos estressores, quando comparados com aqueles não frágeis, evoluindo com perda progressiva de funcionalidade a cada novo evento. A Figura ilustra a resposta do idoso frágil a algum evento estressor comparada com a do idoso não frágil. Em 2013, foi publicado um consenso sobre a síndrome da fragilidade, após uma reunião das principais autoridades sobre o tema, com o objetivo de reavaliar sua definição e estabelecer as prioridades de pesquisa acerca dessa importante condição. Nesse consenso, foi definida como uma síndrome médica, com múltiplas causas e contribuintes, caracterizada pela diminuição da força, resistência e função fisiológicas, que aumenta a vulnerabilidade do indivíduo a um estado de maior dependência, com elevado risco de morte. Independentemente do conceito utilizado, sabe-se que idosos frágeis são grandes usuários dos serviços de saúde por apresentaremrisco maior de quedas, perda de funcionalidade, hospitalizações, institucionalizações e óbito. Portanto, é fundamental o entendimento dessa condição para a identificação e intervenção precoces, reduzindo as taxas de complicações e os custos em saúde. Epidemiologia: Estima-se que a prevalência da síndrome da fragilidade varie de 4 a 59% em idosos da comunidade, com prevalência média de 9,9% de frágeis e 44,2% de pré-frágeis. O número variado de definições operacionais e a heterogeneidade das amostras envolvidas nos estudos populacionais explicam a substancial diferença entre as taxas de prevalência dessa condição na população geral. Observa-se ainda que a prevalência da síndrome da fragilidade aumenta substancialmente com a idade, sendo de 4% entre 65 e 69 anos, 7% entre 70 e 74 anos, 9% entre 75 e 79 anos, 16% entre 80 e 84 anos e 26% acima de 85 anos. No estudo FIBRA, realizado no Brasil, observou-se prevalência de frágeis de 9,1%, com elevada prevalência de idosos pré-frágeis, 49,6%. Além disso, observou-se que os frágeis eram mais velhos, realizavam mais consultas médicas, tinham maior chance de internação e mais eventos cerebrovasculares, diabetes, neoplasias, osteoporose e incontinência fecal e urinária, o que confirma que a presença de fragilidade implica desfechos negativos. Fisiopatologia: A síndrome da fragilidade é uma condição clínica caracterizada por declínio espiral de energia decorrente de um tripé de alterações relacionadas com o envelhecimento, composto por sarcopenia, desregulação neuroendócrina e disfunção imunológica. A combinação dessas alterações fisiopatológicas leva a redução acentuada da massa muscular e a um estado inflamatório crônico que, quando associados a algum evento estressor, como doenças agudas ou crônicas, imobilidade e redução da ingestão alimentar, leva a um ciclo vicioso de redução de energia e aumento da dependência e suscetibilidade a agressores. Essa diminuição acelerada das reservas fisiológicas do indivíduo frágil acomete vários sistemas além do muscular e é determinada por mecanismos complexos do envelhecimento, como combinação de fatores genéticos e ambientais com mecanismos epigenéticos que regulam a expressão de múltiplos genes, causando danos celular e molecular cumulativos. A Figura 4 ilustra resumidamente a fisiopatologia da síndrome da fragilidade. Quadro clínico e diagnóstico: A síndrome da fragilidade manifesta-se como perda de peso significativa, fadiga, baixo nível de atividade física, lentidão e perda de força muscular. São comuns ainda a presença de distúrbios da marcha e equilíbrio, relato de quedas frequentes, sintomas depressivos, redução da massa óssea, alterações cognitivas e déficits sensoriais, ainda que não sejam utilizados como critérios diagnósticos. Existem inúmeras ferramentas diagnósticas que podem ser utilizadas para detecção de pacientes frágeis na prática clínica, porém, até o momento, não há consenso a respeito da melhor, que seja universalmente aceita e empregada. As mais utilizadas estão descritas em detalhes a seguir: → Fenótipo: criticado por vários autores devido a sua complexidade e dificuldade de aplicação na prática clínica, porém é a ferramenta mais avaliada e aplicada mundialmente para a detecção da síndrome da fragilidade, especialmente em seus aspectos físicos. É composta por cinco itens. A presença de três ou mais critérios caracteriza o idoso como frágil, um ou dois como pré-frágil e nenhum como não frágil. Os critérios diagnósticos do Fenótipo estão descritos na Tabela 4. Levando-se em conta que os itens de redução da força de preensão manual e lentidão da marcha podem sofrer influência de características antropométricas da população estudada, um subprojeto do estudo FIBRA mostrou que os pontos de corte para força de preensão palmar e velocidade de marcha na população brasileira utilizando os critérios do fenótipo são menores do que os originais do estudo estadunidense. Essa informação é relevante quando se usa a escala do fenótipo para diagnóstico de síndrome da fragilidade no Brasil porque ao utilizar os cortes originais é possível superestimar o diagnóstico. → Índice de fragilidade: envolve a avaliação de múltiplos domínios e baseia-se na detecção de déficits funcionais e biológicos acumulados, classificando o indivíduo desde muito saudável até gravemente frágil. Trata-se de um modelo de acúmulo de déficits, onde são contados o número de deficiências e condições para criar um índice de fragilidade, resumindo de forma quantitativa a vulnerabilidade do indivíduo. Alguns autores destacam a vantagem desta escala de quantificar o grau de fragilidade, conforme exposto; outros a criticam por envolver não apenas aspectos da fragilidade em si, mas também aspectos funcionais, que fugiriam do conceito original de fragilidade. De qualquer maneira, a fragilidade diagnosticada tanto pelo conceito do fenótipo quanto pelo do acúmulo de déficits é preditora de desfechos negativos semelhantes. → Escala Frail: é fácil de ser aplicada e menos complexa que a do fenótipo, com pontuação semelhante. Vale ressaltar que, quando comparada com a do fenótipo, possui baixa sensibilidade e elevada especificidade, sendo uma excelente ferramenta de triagem para utilização no consultório. É também composta por cinco itens. A presença de três ou mais critérios caracteriza o idoso como frágil, um ou dois como pré-frágil e nenhum como não frágil. Seus critérios diagnóstico estão descritos no Quadro 2. Escala Study of Osteoporotic Fractures (SOF): outra opção disponível para uso na prática diária, ainda mais simples que a Frail, utiliza apenas três critérios. A presença de dois ou mais critérios caracteriza o idoso como frágil, um como pré-frágil e nenhum como não frágil. O SOF prediz risco de quedas, incapacidade, fratura e morte de forma semelhante ao instrumento do fenótipo, tornando-se útil para identificar idosos da comunidade com alto risco de fragilidade na prática clínica. Os critérios diagnósticos do SOF estão descritos no Quadro 3. Atualmente, há ainda evidências do benefício de alguns biomarcadores para o diagnóstico e acompanhamento da síndrome da fragilidade. Pertencem a diferentes vias e processos ligados direta ou indiretamente a inflamação, remodelação muscular, lesão da junção neuromuscular e sinalização do crescimento muscular. Entre os biomarcadores inflamatórios, oito mediadores inflamatórios circulantes parecem possuir maior associação à diminuição de massa muscular e força e ao comprometimento da função física em idosos: proteína C reativa, fator estimulante de colônias de granulócitos e monócitos (GM-CSF, do inglês granulocyte-macrophage colony-stimu-lating factor), gamainterferona, interleucinas 6 e 8, mieloperoxidase, P-selectina e fator de necrose tumoral alfa (FNT-alfa). Estes e outros novos biomarcadores têm ganhado espaço nos últimos anos, porém, sua utilização na prática clínica ainda necessita de mais evidências e não se trata do objetivo deste capítulo o detalhamento teórico de suas aplicabilidades. 2. Síndrome consumptiva, identificando os tipos e as causas mais comuns. Referência: Fisiopatologia – PORTH SÍNDROME CONSUMPTIVA A síndrome consumptiva é uma doença definidora de AIDS comum em pessoas com infecção pelo HIV ou AIDS. A síndrome consumptiva se caracteriza por perda de peso involuntária de pelo menos 10% do peso corporal basal com diarreia, mais do que duas defecações por dia, ou fraqueza crônica e febre. Este diagnóstico pode ser estabelecido quando não existem outras infecções ou neoplasias oportunistas identificadas como causa dos sintomas. Os fatores que contribuem para a síndrome consumptiva são anorexia, anormalidades metabólicas, disfunção endócrina, distúrbios de barreira intestinal, inflamação do tecido linfático associado ao intestino, má absorção e desregulação de citocinas. O tratamentoda síndrome consumptiva inclui intervenções nutricionais, como administração de suplementos orais e nutrição enteral ou parenteral. REFERÊNCIA: Medicina Interna – Harrison O emagrecimento generalizado é uma condição que define a Aids e consiste em emagrecimento involuntário de mais de 10% na presença de febre contínua e diarreia ou fadiga crônica há mais de 30 dias, sem qualquer outra causa além da infecção pelo HIV. Antes do uso generalizado da TARV, essa era a condição inicial que definia a Aids de cerca de 10% dos pacientes americanos e era uma indicação para iniciar a TARV. O emagrecimento generalizado é observado raramente hoje em razão do uso mais precoce dos antirretrovirais. Uma característica constante dessa síndrome consumptiva é a atrofia muscular grave com degeneração variegada das fibras musculares e evidências ocasionais de miosite. Os glicocorticoides podem proporcionar algum benefício; todavia, essa conduta deve ser cuidadosamente avaliada em relação ao risco de complicar a imunodeficiência da infecção pelo HIV. Os esteroides androgênicos, o hormônio do crescimento e a nutrição parenteral total têm sido utilizados como intervenções terapêuticas com sucesso variável. REFERÊNCIA: Diagnóstico sindrômico – Revista USP – 2005 SÍNDROME CONSUMPTIVA A síndrome consumptiva é um quadro que gera muita ansiedade nos médicos e pacientes. Os indivíduos com esta condição apresentam perda de peso não intencional e, da mesma maneira que para os quadros anteriores, podem referir uma série de sintomas adicionais. Pode-se definir esta síndrome com a perda demais de 10% do peso em 6 meses sem que se tenha tentado fazê-lo. Alguns autores, no entanto, definem esta condição com perda acima de 5% do peso em 6meses. Os pacientes frequentemente têm aspecto emagrecido, com perda de tecido gorduroso. Podem queixar-se de dispnéia, cansaço e falta de disposição. Na maioria das vezes, a grande preocupação de médicos e pacientes é a presença de uma neoplasia como causa desta síndrome. Embora esta seja uma possibilidade real, há outras causas que podem levar a esta condição e que devem ser investigadas. Podemos dividir as causas de síndrome consumptiva em grandes grupos de doenças, conforme apresentado na tabela: Neoplasias Endócrinas Psiquiátricas Infecciosas Pulmões Mama Cólon Estômago Pâncreas Próstata Colo uterino Diabetes Mellitus Hipertireoidismo Depressão Ansiedade Demência Tuberculose HIV Endocardite Brucelose Leishmaniose visceral Apesar da grande preocupação com a presença de uma neoplasia, é importante que o médico procure retirar o máximo de informações do paciente de modo a dirigir sua investigação diagnóstica. A presença de outros sinais e sintomas é fundamental. Sintomas dispépticos, queixas de dor abdominal, diarreia, obstipação, febre, sintomas pulmonares podem sugerir ao médico o caminho investigativo mais adequado. Pode-se observar que algumas das doenças listadas fazem parte de outras síndromes (inclusive acima descritas). Assim, a presença de outras síndromes pode facilitar a identificação do diagnóstico etiológico. O médico deve procurar as causas não neoplásicas de síndrome consumptiva. Às vezes, a causa não neoplásica é mais grave e pode imprimir maior risco que uma neoplasia, como é o caso de diabetes mellitus (DM). A história de exposição a riscos e uma avaliação do estado emocional do paciente são muito importantes. Embora os quadros psiquiátricos associados à síndrome consumptiva sejam considerados de exclusão, eles são muito prevalentes. Não se espera a exclusão de todas as possíveis doenças associadas à perda de peso para se iniciar o tratamento de um quadro depressivo. Deve-se, no entanto, procurar as causas que são mais compatíveis com o quadro clínico e com a epidemiologia local. Assim, a presença de um sintoma que dirija a investigação para determinado sistema auxilia muito. Em geral, os pacientes realizam anti-HIV, glicemia, perfil tireoidiano, radiografia de tórax, hemograma e exames de função hepática e renal. Se houver alguma outra suspeita a partir da história, como uma queixa dispéptica, solicita-se também endoscopia digestiva alta (EDA), sempre dirigindo-se pela queixa. Seguindo esta lógica, outras queixas devem estimular a realização de outros exames laboratoriais. Uma vez realizada a investigação inicial e excluídas etiologias não neoplásicas pertinentes para o quadro clínico, procura-se os tumores que são prevalentes para aquela faixa etária e sexo. Assim, deve-se considerar avaliar mama, próstata, pulmão e trato digestivo, muitas vezes mesmo na ausência de sintomas compatíveis. No entanto, se após uma boa avaliação clínica, acompanhada de uma análise laboratorial adequada, não se encontrar a causa da síndrome consumptiva, pode ser mais razoável acompanhar o paciente. Mesmo que o diagnóstico seja um tumor ainda não manifesto, detectá-lo nesta fase pode ser muito dispendioso e invasivo e provavelmente trará mais malefícios ao doente do que benefícios. Esta decisão é sem dúvida difícil, mas pode ser tão ou mais importante para o paciente do que outras decisões investigatórias ou terapêuticas. 3. Caracterizar o delirium no idoso (etiologia, quadro clínico, fatores de risco e fisiopatologia). REFERÊNCIA: Semiologia – PORTO. DELIRIUM: Faz parte da Incapacidade Cognitiva, síndrome geriátrica. Trata-se de um problema comum na velhice, mas que frequentemente não é diagnosticado. Acomete cerca de 10 a 20% dos pacientes idosos hospitalizados com problemas clínicos. Nos casos cirúrgicos, a incidência é maior e chega a 50% dos pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de fratura do colo do fêmur. Caracteriza-se por redução aguda ou subaguda da capacidade intelectual, em geral acompanhada de incapacidade de manter a atenção e com flutuações do nível de consciência, intercalando períodos de sonolência com momentos de agitação. O delirium precisa ser prontamente reconhecido e adequadamente tratado, pois pode levar a inúmeras complicações, como quedas, traumas, incontinência, retenção urinária, fecaloma, pneumonia por aspiração, úlceras por pressão, distúrbios hidreletrolíticos, desnutrição, hospitalização prolongada, e até mesmo à morte. Sua fisiopatologia ainda é desconhecida, mas admite-se que a redução na transmissão colinérgica, que acompanha o envelhecimento, tenha papel primordial. Por isso, a etiologia medicamentosa deve ser sempre lembrada, principalmente com relação aos fármacos com efeito anticolinérgico (antidepressivos, anti-parkinsonianas, antiarrítmicos, antialérgicos, antigripais, antiespasmódicos e até o digital). Pode ser causado por inúmeras afecções e deve-se buscar sempre o diagnóstico etiológico, pois o tratamento baseia-se na correção do fator causal, já que é uma condição totalmente reversível. Em alguns casos, ele pode não reverter completamente. Quando isso acontece, é provável que o paciente seja portador de uma síndrome demencial subjacente. O quadro mostra as principais causas de delirium. Principais causas de delirium • Medicamentos (principalmente com efeito anticolinérgico) • Bebidas alcoólicas • Síndrome da abstinência alcoólica (delirium tremens) • Síndrome da abstinência de sedativos • Distúrbios hidreletrolíticos (hipo ehipernatremia, hipercalcemia, desidratação) e acidobásicos • Hipoxemia • Hipoglicemia • Crise tireotóxica • Infecções (principalmente meningite, pneumonia ou infecção urinária) • Infarto agudo do miocárdio • Embolia pulmonar • Acidente vascular cerebral • Arritmias cardíacas • Insuficiência cardíaca, hepática ou renal • Anemia • Fecaloma • Transferência para ambiente não familiar A avaliação do paciente com delirium geralmente é difícil, sendo a história clínica obtida por meio das informações dos familiares e/ou dos cuidadores. O exame físico é dificultado pela agitação e pela incapacidade do paciente em cooperar.Deve-se afastar de imediato a possibilidade de um medicamento ser o causador da síndrome. Exames complementares, como o hemograma, radiografia do tórax, eletrocardiograma, ureia, creatinina, cálcio, sódio, potássio, exame simples de urina e provas de função hepática são solicitados inicialmente. O exame clínico irá nortear a solicitação de outros exames, tais como tomografia do crânio, reações sorológicas, dosagens hormonais e exame do liquor. REFERÊNCIA: Tratado de Geriatria e Gerontologia O delirium que raramente ocorre em indivíduos jovens e, quando ocorre, geralmente é relacionado com doença grave e tem causa bem determinada, como o caso do delirium do indivíduo internado em UTI com quadro de insuficiência respiratória e hipoxemia por sepse grave. Já um idoso pode apresentar delirium sem que se consiga determinar um único fator predisponente, como no caso de idosos hospitalizados com infecções, distúrbios hidreletrolíticos, em uso de diversos medicamentos, fora de seu ambiente familiar, contido no leito, com dor, portador de demência prévia, desnutrido. Nesse caso, mesmo que se identifique um fator desencadeante principal, um medicamento por exemplo, a intervenção nesse único fator nem sempre é suficiente para melhorar o quadro. Só a intervenção multifatorial pode ser eficaz. DEFINIÇÃO: Delirium é definido como uma síndrome cerebral orgânica sem etiologia específica caracterizada pela presença simultânea de perturbações da consciência e da atenção, da percepção, do pensamento, da memória, do comportamento psicomotor, das emoções e do ritmo sono-vigília. A duração é variável, e a gravidade varia de formas leves a formas muito graves. EPIDEMIOLOGIA E IMPORTÂNCIA: A ocorrência de delirium registrada na literatura é extremamente variável, sendo explicada principalmente pela heterogeneidade de populações envolvidas bem como múltiplos fatores etiológicos associados. Estudos envolvendo populações de idosos que vivem na comunidade mostraram prevalência de delirium em torno de 1 a 2%, enquanto em idosos admitidos em unidades de urgência a taxa de prevalência observada foi de até 40%. A taxa de ocorrência no pós-operatório tem grande variabilidade, apresentando-se entre 2 e 60%, sendo que em unidade de terapia intensiva a incidência pode variar entre 70 e 87%. Delirium é importante não apenas pela sua frequência, mas também porque pode constituir-se, muitas vezes, na única ou principal forma de apresentação de doença física potencialmente grave, e os pacientes podem cursar com pior prognóstico tanto na vigência da internação como após a alta hospitalar. Nos pacientes hospitalizados, além do maior tempo de internação, com alto custo aos serviços de saúde, a incidência de delirium pode servir como barômetro para a qualidade de atendimento hospitalar, visto que em grande parte dos casos a síndrome é decorrente de uma complicação iatrogênica. Apesar de sua importância, estima-se que em 36 a 67% dos casos não é feito o diagnóstico correto de delirium, sendo confundido com outras síndromes, como, por exemplo, demência ou depressão, ou mesmo como parte do processo fisiológico do envelhecimento. À primeira avaliação do paciente em uma unidade de emergência, o não reconhecimento do delirium, especialmente na forma hipoativa, pode chegar a 76%. A falta ou o erro no diagnóstico, entretanto, podem trazer sérias consequências ao paciente. Sendo assim, delirium deve ser considerado como uma urgência médica, ter o seu diagnóstico corretamente estabelecido e a terapêutica rapidamente instituída. QUADRO CLÍNICO: As manifestações clínicas de delirium refletem um largo espectro da disfunção cerebral. Caracterizam-se por apresentar distúrbios na cognição, atenção e consciência, no ciclo sono-vigília e no comportamento psicomotor. Têm início agudo e curso flutuante. Porém, no paciente idoso, o início dos sintomas pode ser relativamente insidioso, precedido de alguns dias por manifestações prodrômicas como diminuição da concentração, irritabilidade, insônia, pesadelos ou alucinação transitória. Característica marcante do delirium é a flutuação dos sintomas, que dificulta muitas vezes o seu diagnóstico. Disfunção global da cognição é manifestação essencial: o prejuízo do pensamento encontra-se invariavelmente presente, tornandose vago e fragmentado; varia de lento ou acelerado, nas formas leves, a sem lógica ou coerência, nas formas graves. A memória está comprometida, diretamente associada ao prejuízo da atenção e nível de consciência. Anormalidades da sensopercepção manifestam-se mais comumente por meio de ilusões e alucinações visuais que, embora não essenciais para o diagnóstico, podem estar presentes em 40 a 75% dos pacientes idosos com delirium. Além disso, a orientação encontra-se frequentemente comprometida na sua forma temporoespacial. Entre os distúrbios de linguagem, em geral ocorrem disnomias e disgrafias. Outra característica fundamental é o distúrbio da atenção. Há dificuldade em manter a atenção em um determinado estímulo e em mudá-la para um estímulo novo, não se conseguindo manter o fluxo de conversação com o paciente. O estado de alerta ou vigilância também se encontra anormalmente alterado, podendo estar reduzido ou aumentado. A desorganização do ritmo circadiano do sono é comum, com sonolência diurna e sono noturno reduzido e fragmentado. O comportamento psicomotor encontra-se alterado, podendo ocorrer um estado de hiperatividade ou hipoatividade. Porém, no mesmo paciente, as duas formas podem estar presentes alternadamente. A forma hiperativa é mais fácil de ser reconhecida, sendo em geral associada a intoxicação ou abstinência de medicamentos ou álcool. A forma hipoativa tem seu reconhecimento mais difícil e é mais comumente associada a distúrbios metabólicos ou processos infecciosos. Sintomas como raiva, medo, ansiedade, euforia e manifestações autonômicas (rubor facial, taquicardia, sudorese e hipertensão arterial) podem estar associados ao delirium, em geral na sua forma hiperativa. ETIOLOGIA: Tipicamente, delirium é de etiologia multifatorial, podendo ser atribuído virtualmente a qualquer afecção médica, uso ou abstinência de drogas. Qualquer condição que comprometa a função cerebral pode causar delirium, embora em geral resulte de um número limitado de condições clinicamente comuns. As causas mais comuns de delirium encontram-se no quadro: Substâncias Álcool e hipnóticos/sedativos (intoxicação ou abstinência) Anticonvulsivantes Antidepressivos Fármacos hipotensores Fármacos anti-parkinsonianas (incluindo amantadina) Corticosteróides Digitálicos Bloqueadores H2 Narcóticos Fenotiazinas Infecções Meningite Pneumonia Septicemia Pielonefrite Doenças cardíacas Arritmias Insuficiência cardíaca congestiva Infarto do miocárdio Distúrbios metabólicos Distúrbios hidroeletrolíticos Hipercalcemia Hipoglicemia e hiperglicemia Hipoxia Insuficiência hepática Insuficiência renal Transtornos do Sistema Nervoso Central Epilepsia Doença vascular Neoplasia Metástases cerebrais Tumores primários do cérebro Traumatismos Anestesia Queimaduras Fraturas (especialmente de fêmur) Cirurgia Mudança de ambiente Hospitalização (especialmente em UTI) Entre as causas clínicas de delirium em idosos, destacam-se os processos infecciosos, particularmente pneumonia e infecção do trato urinário, afecções cardiovasculares, cerebrovasculares e pulmonares que causam hipoxia, e distúrbios metabólicos. Os fármacos também constituem uma causa importante de delirium, podendo corresponder como fator etiológico isolado em 12 a 39% dos casos. Medicamentos como antidepressivos tricíclicos, anti-parkinsonianos, neurolépticos e o uso ou abstinência de hipnóticos e sedativos estão entre os fármacos mais frequentemente associados ao delirium. Vários grupos de fármacos largamente utilizados, como digitálicos, diuréticos, hipotensores, analgésicosnarcóticos, anti-inflamatórios não hormonais, antimicrobianos, antifúngicos, anti-histamínicos, bloqueadores H2, entre outros, podem contribuir para o delirium. Isto ocorre especialmente quando outros fatores de risco estão presentes e na vigência da polifarmácia. Vale lembrar que, em países industrializados, os idosos consomem aproximadamente 50% dos medicamentos prescritos, sendo a média individual de 2 e 3 fármacos por idoso vivendo na comunidade até 5 em pacientes hospitalizados. Muitos destes medicamentos são consumidos inadequadamente. Acrescente-se a isso a automedicação, que, apesar de menos comum do que em outras faixas etárias, pode ser potencialmente perigosa entre os idosos. Nem sempre a etiologia é clara, como, por exemplo, na deficiência de tiamina, frequentemente não diagnosticada e que pode contribuir para o desenvolvimento do delirium. Entre as condições cirúrgicas, os fatores etiológicos podem estar presentes no pré-operatório, como idade avançada e comorbidades; no intraoperatório, pelo tipo de anestesia, duração e tipo de cirurgia, hipotensão e hipoxia; e no pós- operatório, incluindo fatores como dor, infecção, analgesia, sedação, imobilização, entre outros. Alguns biomarcadores têm sido identificados para explicar os mecanismos do delirium no pós-operatório. FATORES DE RISCO: Inúmeros fatores de risco para delirium têm sido identificados. No paciente hospitalizado, é importante a distinção entre fatores predisponentes (fatores já presentes à admissão) e fatores precipitantes (fatores diversos que contribuem para o desenvolvimento de delirium). Assim, pode-se ter melhor conhecimento da vulnerabilidade do paciente frente a fatores desencadeantes potenciais. Entre os fatores predisponentes, um modelo preditivo para delirium foi validado em idosos hospitalizados por afecções clínicas. Foram identificados à admissão 4 fatores de risco independentes: déficit cognitivo prévio, doença grave (Apache maior que 16), uremia e déficit sensorial. Desta forma, pacientes idosos que, à admissão, apresentam esses fatores podem ser considerados mais propensos para o desenvolvimento de delirium na vigência da hospitalização. Outros fatores importantes observados foram história prévia de delirium, depressão, alcoolismo, história de acidente vascular encefálico e idade maior do que 75 anos. O déficit cognitivo prévio pode ser encontrado em 25 a 50% dos pacientes com delirium e aumenta em 2 a 3 vezes o risco para o seu desenvolvimento. Considerando-se a idade como fator de risco, sabe-se que os pacientes idosos são mais suscetíveis a apresentar delirium, com envolvimento de múltiplas causas. Entre as principais, incluem-se: menor reserva funcional hepática e renal, com comprometimento da farmacocinética e farmacodinâmica dos fármacos; maior suscetibilidade a doenças sistêmicas, com uso comum de mais de um fármaco; menor capacidade de resposta ao estresse; decréscimo de células do córtex cerebral, da produção de acetilcolina e menor plasticidade de receptores muscarínicos, com aumento da toxicidade, principalmente com o uso de fármacos com ação anticolinérgica. Um modelo preditivo para fatores precipitantes também foi desenvolvido para pacientes idosos internados. Foram identificados 5 fatores precipitantes independentes: restrição física, má nutrição (albumina menor do que 3 g/dℓ), uso simultâneo de mais de três medicamentos (principalmente substâncias psicoativas), uso de sonda vesical e iatrogenia. Fatores psicossociais como estresse psicológico e perda do suporte social podem contribuir para o desenvolvimento de delirium em pacientes hospitalizados, o mesmo ocorrendo com fatores diretamente ligados à hospitalização, como, por exemplo, o ambiente não familiar e a privação do sono. É importante salientar que, para o desenvolvimento de delirium, existe uma complexa interação dos fatores predisponentes e precipitantes. Dessa forma, pacientes que são vulneráveis (os que têm fatores predisponentes), com fatores precipitantes leves, já podem apresentar delirium. Por outro lado, pacientes pouco vulneráveis são mais resistentes ao aparecimento de delirium mesmo na presença de fatores precipitantes importantes. Em pacientes hospitalizados que apresentaram delirium, 5 fatores de risco independentes foram identificados para manutenção dos sintomas na vigência da alta: demência, déficit visual, alta comorbidade, restrição física durante o delirium e prejuízo funcional. A partir destes, foram classificados os grupos de baixo risco (0 a 1 fator), risco intermediário (2 a 3 fatores) e alto risco (4 a 5 fatores), sendo que as taxas de risco para delirium para estes 3 grupos foram de 4, 18 e 63%, respectivamente. FISIOPATOLOGIA: A fisiopatologia do delirium ainda não é bem compreendida na atualidade, principalmente em decorrência da natureza flutuante e transitória, e a condição de ser um distúrbio mais funcional do que estrutural. No entanto, alguns fatores têm sido rotulados como responsáveis para o desenvolvimento da síndrome, especialmente toxicidade a fármacos e resposta a inflamação e estresse. Caracteristicamente, delirium é considerado como uma manifestação neuropsiquiátrica não específica de um distúrbio do metabolismo cerebral e da neurotransmissão. A disfunção generalizada dos neurônios corticais pode ser devida a alterações metabólicas nas próprias células, secundárias, por exemplo, a condições como hipoglicemia, hipoxia ou deficiência de tiamina ou na transmissão de sinais a partir de estruturas não corticais. → Teoria neuroquímica: Existem evidências de que a disfunção de neurotransmissores tenha participação importante na patogênese do delirium. Estes, em grande parte, são secretados em núcleos localizados no tronco cerebral que têm importante efeito modulador sobre a atividade de neurônios corticais. Desses núcleos partem axônios colinérgicos, dopaminérgicos, serotoninérgicos e noradrenérgicos, com atuação direta ou indireta (via núcleos talâmicos) sobre o córtex cerebral. A deficiência relativa de acetilcolina parece ser um dos mecanismos mais importantes na patogênese do delirium. Anormalidades da transmissão colinérgica podem levar, principalmente, à diminuição do nível de consciência e de excitabilidade bem como a prejuízo da memória. Essa noção é reforçada por observações clínicas de que fármacos anticolinérgicos que atravessam a barreira hematencefálica podem precipitar o delirium. Da mesma forma, condições clínicas que reduzem a síntese de acetilcolina, como hipoxia, hipoglicemia e deficiência de tiamina, estão relacionadas com delirium. Outros neurotransmissores também podem estar envolvidos na patogênese. Um relativo excesso de dopamina tem sido implicado como causa de delirium e pode explicar por que bloqueadores dos receptores da dopamina, como o haloperidol, podem auxiliar no tratamento sintomático do delirium. Além disso, a liberação de dopamina pode estar aumentada em condições de hipoxia. Seletivamente, o sistema dopaminérgico modula o papel do córtex frontal em manter e mudar a atenção. A serotonina tem efeito inibitório, sendo postulado que o sistema serotoninérgico tem função estabilizadora no processo de informação; na deficiência de serotonina, os indivíduos tornam-se distractíveis, impulsivos e com reação exaltada. Além disso, parece ser um dos componentes na modulação do ciclo sono-vigília, ajudando a causar o sono normal. Níveis aumentados ou diminuídos de serotonina também têm sido postulados em diferentes tipos de delirium. O ácido gama-aminobutírico (GABA) é, quantitativamente, o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central. Tem sido implicado no delirium em condições em que sua atividade está aumentada como na encefalopatia hepática, e também em condições em que sua atividade está diminuída, como na abstinência de benzodiazepínico ou álcool. Outros neurotransmissores e hormônios também têm sidoimplicados na fisiopatologia do delirium. A histamina tem participação na regulação hipotalâmica do ciclo sono-vigília. Antagonistas de receptores H1 da histamina de primeira geração estão associados à redução do estímulo (excitação) e ao delirium, especialmente em pacientes idosos. Porém, as propriedades anticolinérgicas dos anti-histamínicos podem ser importantes para causar delirium. Antagonistas H1 também aumentam as catecolaminas e serotonina, como possíveis mecanismos envolvidos no delirium. A associação de antagonistas H2 e delirium é bem conhecida; porém, o seu mecanismo não é bem compreendido, sendo provável consequência de suas propriedades anticolinérgicas. O glutamato, aminoácido excitatório, tem sua liberação aumentada com a hipoxia, e seus receptores podem ser ativados por alguns fármacos, como as quinolonas, que podem estar relacionadas com o quadro de delirium. → Hipótese neuroinflamatória: Diversas condições clínicas ou cirúrgicas como trauma, infecção, cirurgia, podem levar ao aumento de mediadores inflamatórios, provocando uma reação exacerbada que pode levar ao comprometimento do sistema nervoso central. O reconhecimento do estímulo inflamatório na barreira hematencefálica (BHE) aumenta sua permeabilidade, seguida por uma cascata de eventos com ativação das células da glia (micróglia e astrócitos). Forma-se um ambiente inflamatório com expansão da população microglial e produção de citocinas pró-inflamatórias (TGFb1, ILB, fator de necrose tumoral [TNF] alfa, fator de crescimento insulino-símile 1 [IGF1], espécie de oxigênio reativo [ROS]), acreditando-se que ocorra comprometimento funcional dos neurônios, com disfunção neuroquímica, desconexão de algumas áreas do cérebro e geração de sintomas vinculados ao delirium como perda da atenção, distúrbio psicomotor, alteração da consciência, inversão do ritmo sono-vigília, entre outras. Com o envelhecimento ocorre a imunossenescência, com maior suscetibilidade a infecções e ao mesmo tempo um aumento de 2 a 4 vezes os valores basais de mediadores inflamatórios circulantes, incluindo citocinas e proteínas de fase aguda. Também há uma reatividade aumentada da micróglia induzindo a um ambiente pró-inflamatório no cérebro, tornando assim o indivíduo idoso mais vulnerável a delirium. Elevação de cortisol em diferentes situações de estresse também pode contribuir para o delirium. IDENTIFICAÇÃO: Versão em português do Confusion Assessment Method (CAM) Início agudo Há evidência de uma mudança aguda do estado mental de base do paciente? Distúrbio da atenção A. O paciente teve dificuldade em focalizar sua atenção, por exemplo, distraiu-se facilmente ou teve dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito? Não presente (ausente) em todo momento da entrevista Presente em algum momento da entrevista, porém de forma leve Presente em algum momento da entrevista, de forma marcante Incerto B. Se presente ou anormal, este comportamento variou durante a entrevista, isto é, tendeu a surgir e desaparecer ou aumentar e diminuir de gravidade? Sim Não Incerto Não aplicável C. Se presente ou anormal, descreva o comportamento: Pensamento desorganizado O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, com a conversação dispersiva ou irrelevante, fluxo de ideias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível de assunto? Alteração do nível de consciência Em geral, como você classificaria o nível de consciência do paciente? Alerta (normal) Vigilante (hiperalerta, hipersensível a estímulos ambientais, assustando-se facilmente) Letárgico (sonolento, facilmente acordável) Estupor (dificuldade para despertar) Coma Incerto Desorientação O paciente ficou desorientado durante a entrevista, por exemplo, pensando que estava em outro lugar que não o hospital, que estava no leito errado, ou tendo noção errada da hora do dia? Distúrbio (prejuízo) da memória O paciente apresentou problemas de memória durante a entrevista, tais como incapacidade de se lembrar de eventos do hospital ou dificuldade para se lembrar de instruções? Distúrbios da percepção O paciente apresentou sinais de distúrbios da percepção, como por exemplo alucinações, ilusões ou interpretações errôneas (pensando que algum objeto fixo de movimentava)? Agitação psicomotora Parte 1 – Durante a entrevista, o paciente apresentou aumento anormal da atividade motora, tal como agitação, beliscar de cobertas, tamborilar com os dedos ou mudança súbita e frequente de posição? Retardo psicomotor Parte 2 – Durante a entrevista, o paciente apresentou diminuição anormal da atividade motora, como letargia, olhar fixo no vazio, permanência na mesma posição por longo tempo, ou lentidão exagerada de movimentos? Alteração do ciclo sono-vigília O paciente apresentou sinais de alteração do ciclo sono-vigília, como sonolência diurna excessiva e insônia noturna? DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de delirium envolve duas etapas essenciais: estabelecer o diagnóstico sindrômico e determinar a sua etiologia. O diagnóstico sindrômico é realizado com base na história, no exame físico e pela aplicação dos critérios diagnósticos específicos, que podem ser realizados por instrumentos de avaliação, como, por exemplo, o CAM. O diagnóstico etiológico é feito a partir de uma investigação clínica e laboratorial. É essencial listar todos os medicamentos em uso, suspendendo os não essenciais e reduzindo a dose dos essenciais; devese também considerar a possibilidade de abstinência a álcool ou benzodiazepínicos. O exame clínico deve ser minucioso, procurando doenças agudas ou crônicas em fase de descompensação. A seleção laboratorial depende do juízo clínico de cada caso, sendo solicitados, habitualmente, hemograma, exames bioquímicos, análise de urina, culturas e raios X de tórax, na investigação de condições comuns que podem desencadear o delirium, que são os distúrbios metabólicos, hidreletrolíticos e os processos infecciosos. Em casos selecionados, dosagens de fármacos, punção liquórica, hormônios tireoidianos, eletroencefalograma, tomografia computadorizada de crânio podem ser requeridos. Este deve ser solicitado especialmente quando há história de queda ou trauma de crânio recente, sinais de trauma de crânio, alterações neurológicas focais, suspeita de encefalite ou quando não há uma etiologia identificável. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: Delirium deve ser distinguido de outras causas de prejuízo cognitivo global, como demência, depressão e psicoses funcionais. O principal diagnóstico diferencial é a demência. A história é fundamental, pois informações como início agudo e curso flutuante dos sintomas, oscilação do nível de consciência e déficit de atenção são características marcantes do delirium. Essa diferenciação, contudo, nem sempre é fácil. O déficit cognitivo prévio é um importante preditor independente para delirium, e suas manifestações podem estar superpostas. Além disso, em determinadas formas de demência, alguns de seus sintomas podem mimetizar características de delirium como, por exemplo, início agudo em demências vasculares e distúrbios da percepção e flutuação dos sintomas na demência por corpos de Lewy. A depressão pode lembrar mais sintomas de delirium hipoativo. Comportamento apático, linguagem alentecida, distúrbio do sono são comuns em ambas as condições, podendo dificultar o diagnóstico. Porém, a depressão apresenta-se habitualmente com início gradual, sem alterações pronunciadas da cognição ou da atenção, mantendo o estado de alerta normal. Psicoses funcionais também podem lembrar delirium; no entanto, geralmente têm início antes dos 40 anos. Pacientes idosos com psicose funcional habitualmente apresentam história psiquiátrica anterior, o estado de alerta é mantido, sem flutuação dos sintomas, as alucinações sãopredominantemente auditivas e as ideias delirantes mais organizadas e duradouras. O eletroencefalograma pode auxiliar na diferenciação diagnóstica, apresentando-se normal nas psicoses funcionais e com alentecimento difuso nos casos de delirium. O quadro mostra as principais características diferenciais entre delirium, demência, depressão e psicoses funcionais que podem servir como roteiro para o correto diagnóstico. Característica Delirium Demência Depressão Psicoses funcionais Início Súbito Insidioso Coincide com alterações da vida, frequentemente recente. Súbito Curso nas 24 horas Flutuante com exacerbação noturna Estável Efeitos diurnos, tipicamente piora pela manhã, menos flutuações do que delirium. Estável Consciência Reduzida Clara Clara Clara Atenção Globalmente desordenada Normal, exceto em casos graves Prejuízo mínimo, distrativo. Pode ser desordenada Cognição Globalmente prejudicada Globalmente prejudicada Memória prejudicada, ilhas de memórias intactas, pensamentos negativos. Pode ser seletivamente prejudicada. Orientação Frequentemente prejudicada, flutua em gravidade. Frequentemente prejudicada. Seletivamente prejudicada. Pode ser prejudicada. Alucinações Frequentemente visuais ou visuais e auditivas. Frequentemente ausentes. Ausentes, exceto em casos graves. Predominantemente auditivas. Ideias delirantes Fugazes, pobremente sistematizado. Frequentemente ausentes. Ausentes, exceto em casos graves. Sustentadas e sistematizadas. Linguagem Frequentemente incoerente, lenta ou rápida. Dificuldade em encontrar palavras e perseveração. Normal Normal, lenta ou rápida. PREVENÇÃO: O objetivo inicial é a prevenção. Conhecer os fatores de risco, tanto os predisponentes quanto os precipitantes, é essencial. Condutas relativamente simples podem prevenir delirium, especialmente nos pacientes mais vulneráveis. Intervenções não farmacológicas são essenciais para prevenção, pois são estratégias de baixo risco e baixo custo que têm se mostrado benéficas na maioria dos trabalhos. Por meio de estudo sobre prevenção, com a identificação e intervenção em fatores de risco como prejuízo cognitivo, imobilidade, privação do sono, déficit sensorial (visual e auditivo) e desidratação, observou-se redução de 40% dos casos de delirium em pacientes idosos hospitalizados; além disso, também houve redução na duração dos episódios de delirium nos pacientes que foram acometidos pela síndrome. Entre as medidas utilizadas, realizadas por meio de protocolos, incluíram-se, por exemplo, orientação e estímulo cognitivo; redução de ruído noturno complementado por música suave e ingestão de bebida morna ao deitar; mobilização precoce, evitandose ao máximo condições restritivas, como uso de sondas, cateteres ou restrição física; uso de óculos e aparelhos auditivos, se necessário; e correção da desidratação. Somadas às intervenções citadas, quando necessário, o suporte de oxigênio adequado, balanço hidreletrolítico; tratamento da dor grave, evitandose, na medida do possível, medicamentos com ação no sistema nervoso central e ação anticolinérgica; e a regulação das funções fisiológicas, evitando-se a constipação intestinal, constituem medidas muito úteis na prevenção do delirium. A otimização de medidas preventivas em pacientes hospitalizados pode ser realizada por modelos padronizados em que se destaca o HELP (Hospital Elder Life Program) que visa originalmente prevenir delirium entre pacientes idosos hospitalizados, mas com atuação também na prevenção do declínio funcional e de quedas, maximizando a independência do paciente na vigência da alta. Tem sido utilizado em larga escala com ótimos resultados. Mais recentemente, a literatura tem mostrado estudos de prevenção com fármacos, sendo que a maioria dos trabalhos está relacionada à prevenção de delirium no pós-operatório. Desses estudos observou-se diminuição da taxa de delirium com o uso de haloperidol, risperidona, olanzapina, baixas doses de propofol na indução anestésica, gabapentina no pós-operatório de cirurgia de coluna, bloqueio da fáscia ilíaca com bupivacaína em cirurgia do quadril, dexmedetomidina em infusão intravenosa contínua em pacientes mecanicamente ventilados, dose única de quetamina na indução anestésica ventilados. Em ensaios clínicos merece destaque o uso noturno de melatonina na prevenção de delirium quando comparada ao placebo. PROGNÓSTICO: O delirium traz um enorme impacto na saúde dos idosos; sabese na atualidade que há potencialmente importantes consequências adversas. Pacientes que desenvolvem delirium podem cursar com pior prognóstico tanto na vigência da internação, quanto após a alta hospitalar. Nos pacientes hospitalizados, sua ocorrência está associada a maior tempo de internação complicações como quedas, úlceras de pressão, incontinência urinária e prejuízo funcional. Há também aumento da taxa de mortalidade hospitalar, relacionada principalmente com a gravidade da doença, déficit cognitivo prévio e idade avançada. Após a alta hospitalar, estudos de seguimento mostram maior taxa de hospitalização, institucionalização e piora da função cognitiva, além de maior taxa de mortalidade. 4. Identificar as alterações do sistema imune (imunossenescência) decorrentes do envelhecimento. E as alterações do sistema hematopoiético, série branca e vermelha, destacando a imunossenescência decorrentes no idoso. REFERÊNCIA: Tratado de geriatria INTRODUÇÃO: O expressivo ganho de longevidade obtido a partir do século 20 veio acompanhado da potencial possibilidade de convivência com doenças crônico-degenerativas, seja como portadores delas ou como testemunhas do processo, tendo a imunidade um importante papel de agravo ou de proteção, dependendo de sua condição funcional. A imunidade obedece a princípios biológicos fundamentais como a carga genética individual e a influência do meio. Com o envelhecimento, este binômio sofrerá interferências que tornarão este sistema de defesa menos eficiente (disfuncional), especialmente em situações de limite estressor, seja ele de ordem física ou emocional. A discussão continua em torno da fronteira entre o envelhecimento natural, fisiológico do sistema imune, conhecido como imunossenescência, e o limite das alterações imunológicas causadas pela presença de doenças crônicas mais frequentes na idade avançada. Este fato aumenta a importância do cuidado nos estudos sobre o envelhecimento imunológico, utilizando-se protocolos rigorosos, dos quais excluem-se da amostra a ser estudada indivíduos com patologias que possam exigir, direta ou indiretamente, uma ação do sistema de defesa. Dessa forma, a análise volta-se para as transformações imunológicas que ocorrem exclusivamente pelo fato de estarmos ficando velhos e não por estarmos doentes. Para compreendermos a doença é necessário que se estabeleçam antes os parâmetros da normalidade próprios do envelhecimento fisiológico. A diminuição progressiva da reserva funcional do organismo, que ocorre naturalmente em todos os sistemas na medida em que eles envelhecem (senescência), provocará limitações também na resposta de defesa, que se agravarão em condições de estresse imunológico, situação na qual, muitas vezes, as reservas já foram esgotadas. Desse modo, as modificações do comportamento imunológico decorrentes do envelhecimento reduzirão a capacidade de resposta diante de uma infecção, maior vulnerabilidade oncológica e autoimune, além de poder diminuir a resposta às vacinas. Isso implica aumento da mortalidade e morbidade por doenças infecciosas, autoimunes e neoplasias. A compreensão das leis que regem o sistema de defesa em idades mais avançadas e a pesquisa de marcadores biológicos que identifiquem precocemente sinais de melhor ou pior prognóstico no campo do envelhecimento imunológico são fundamentais neste momento emque a pirâmide etária se inverte e o grupo dos maiores de 75 anos é o que mais rapidamente cresce. FUNÇÃO IMUNE: É a vigilância de um aparato complexo e sofisticado como é o do sistema imune que possibilita a existência humana. Esta vigilância definida geneticamente precisa interagir com outros sistemas como o endócrino e o neurológico, bem como reagir e adaptar-se ao mundo externo fazendo frente a vírus, fungos, bactérias, protozoários, parasitas, macromoléculas e agentes estranhos ao meio interno. As células envolvidas neste sistema têm origem em uma célula pluripotencial (célula-tronco) que proliferam dando origem a duas linhagens: linfoide e mieloide. O sistema imunológico é dependente da capacidade de formar células precursoras. Esta capacidade de renovação celular diminui com a idade. A linhagem linfoide é composta pelos linfócitos B e T, além das células natural killer (NK). A linhagem mieloide é constituída pelos neutrófilos, eosinófilos, basófilos e monócitos, além das hemácias e dos precursores das plaquetas, os megacariócitos. A proteção imunológica pode ser didaticamente dividida em dois tipos: ■ Imunidade inata (também chamada de nativa ou natural): em contato com o patógeno atua prontamente, porém, de forma inespecífica, por meio de barreiras físicas e químicas como a pele, enzimas de superfície de mucosas, proteínas especiais e células com capacidade fagocitária. É composta por uma rede celular com diferentes funções, como os neutrófilos, os monócitos (com alta mobilidade e que darão origem aos macrófagos), as células dendríticas, apresentadoras de antígenos (fundamentais na ponte que fazem entre o sistema imune inato e o adquirido) e as células NK, (com função citotóxica e produtora de citocinas), em resposta a estímulos. As células NK são caracterizadas morfologicamente como grandes linfócitos granulares que expressam em sua superfície moléculas identificadoras como o CD56 e o CD16. Tem um importante papel especialmente na defesa antiviral antes mesmo de a resposta adaptativa ser iniciada e sem a necessidade de sensibilização prévia. Participam da resposta antitumoral pela produção de citocinas pró-inflamatórias (interleucinas) como a interferonaγ, a qual ativa macrófagos para a tarefa da fagocitose. Além disso, as células NK também agem sobre a imunidade adaptativa modulando a magnitude e a qualidade de sua resposta. Em seu conjunto, funcionarão como a primeira linha na barreira defensiva contra agentes patogênicos. ■ Imunidade adquirida (também chamada de adaptativa ou específica): proveniente de exposição a patógenos ao longo da vida, apresenta especificidade e memória. É representada pelos linfócitos T e B. Os linfócitos T promovem o ataque célula a célula enquanto os linfócitos B agem por meio da produção de anticorpos. Enquanto a imunidade inata, por meio de seus principais componentes como as células fagocitárias, barreiras físicas e químicas como a pele e enzimas de superfície de mucosas, além de algumas proteínas especiais como o complemento, apresenta um repertório limitado em sua atuação, a imunidade adquirida apresenta o potencial de ampliar sua competência de acordo com o agente patogênico ao qual ela se expuser ao longo da vida. Isso quer dizer que, a cada exposição a determinado micróbio, haverá um aumento na quantidade e na especificidade da resposta de defesa do hospedeiro. É uma imunidade de “memória” que lhe permite responder de forma mais rápida e precisa a um patógeno específico (imunidade específica). Os representantes mais importantes da imunidade adquirida ou específica são os linfócitos e os produtos originados por eles, os anticorpos. A divisão entre imunidade inata e imunidade adquirida é meramente didática, uma vez que funcionam de forma combinada. A resposta imunológica adquirida pode ser dividida ainda em resposta imune humoral e resposta imune mediada por célula. A resposta imune humoral é iniciada pelas imunoglobulinas, as quais são produzidas pela diferenciação do linfócito B em resposta a antígenos (p. ex., por infecções bacterianas). Já a imunidade mediada por célula é da responsabilidade do linfócito T, o qual prolifera rapidamente em resposta à apresentação do antígeno, com produção de proteínas mediadoras (citocinas). Este mecanismo é iniciado primariamente em resposta a parasitas, vírus, fungos, reações alérgicas e rejeição de transplantes e ambos se inter-relacionam. Após a produção pela medula óssea, os linfócitos são submetidos a um processo de maturação para que adquiram suas capacidades particulares. Enquanto os linfócitos B amadurecem na própria medula, os precursores do linfócito T migram para o timo, onde receberão moléculas diferenciadas entre si (receptores de membrana) para que adquiram capacidades muito específicas de reagir. Os linfócitos T correspondem à proporção de 40 a 70% do total de linfócitos. Após a passagem pelo timo, serão capazes de iniciar a resposta celular imune quando antígenos invadirem o corpo, sendo também responsáveis pela modulação da resposta imune para prevenir autoimunidade e defesa contra o crescimento de tumores. A progressiva involução do timo deve ser lembrada como tendo papel importante na imunossenescência. Os linfócitos B (independentes do timo), por meio de sua própria diferenciação no interior da medula óssea, produzirão anticorpos (imunoglobulinas) que protegerão o hospedeiro ao longo da vida. Com base em sua estrutura e função, as imunoglobulinas são divididas em IgA, IgG, IgM, IgD e IgE. Imunidade mediada por célula e imunidade humoral: A distinção entre imunidade humoral e celular é de certa forma artificial, porque ambas as células, B e T, podem participar em cada reação. Enquanto as células T são efetoras na resposta imune celular, elas também são necessárias para a maior parte da atividade da célula B na resposta imune humoral (anticorpos). Por outro lado, enquanto as células B envolvem a produção de anticorpos, elas podem agir também como células apresentadoras de antígenos, na resposta imune celular da célula T. Os vários componentes celulares do sistema imune podem interagir pelo contato célula a célula como no caso do linfócito T citotóxico (citolítico) ou liberando fatores que podem modular sua atividade (linfócito T auxiliar) por meio de moléculas como citocinas (proteínas sinalizadoras envolvidas na regulação do sistema imune que são ativadas em casos de inflamação (estimulam a proliferação celular, sua migração e iniciam a apoptose) e linfócitos B (por meio das imunoglobulinas). Existem ainda células acessórias como os monócitos/macrófagos e células apresentadoras de antígenos que agem por meio da apresentação ou processamento do antígeno, apresentando-o ao receptor de superfície do linfócito T. São estes receptores de superfície que, ao interagir com o antígeno, induzirão o linfócito à ativação iniciada pela mobilização de cálcio intracelular seguida pelos demais eventos que determinarão a ação para a qual tem sua especificidade (inativar, eliminar, tolerar). As células que podem responder precisam expressar proteínas de membrana como parte do desenvolvimento ou da ativação do processo. Estas moléculas de superfície (marcadores) funcionam como uma espécie de impressão digital da célula, permitindo o reconhecimento do grupo ao qual pertencem e identificando sua fase de ativação. São chamados de CD – cluster of differentiation – e agem como marcadores de superfície identificados pelo método de citometria de fluxo. Um grupo de diferenciação se define caracterizando a molécula que o constitui. Esta caracterização deve incluir a natureza bioquímica da molécula, seu tamanho, sua estrutura e sua aparição nos vários estágios de sua diferenciação. Um bom exemplo de marcador da célula T é o CD3 (linhagem). Já a molécula de superfície CD25 (receptor da interleucina-2) é um marcador de ativação das células T, presente apenas quando da ativaçãoda célula T pelo antígeno. Também são conhecidas como moléculas acessórias ou moléculas de superfície. Na resposta da imunidade celular, o linfócito T com a molécula de superfície CD8 (também chamado de linfócito T citolítico ou citotóxico), ao ser ativado por um agente infeccioso, apresentará 3 fases distintas: expansão, contração e memória. Quando a infecção é controlada, a população de linfócitos T CD8+ que havia se expandido sofre morte celular (apoptose), iniciando a etapa da contração. Permanecerá, entretanto, uma subpopulação com memória. A manutenção da memória replicativa da célula CD8+ é primordial no mecanismo da proteção imune. Por outro lado, o linfócito T com molécula de superfície CD4+, também conhecido como linfócito T auxiliar (helper), está implicado com a função dos macrófagos por meio da ação de interleucinas. Apresentará expansão com menor magnitude e terá uma contração retardada. Embora muitas vezes a definição dos marcadores em termos de sua função se apresente como um aspecto prático, nem sempre isto é possível, já que um marcador pode funcionar como marcador de maturação para determinada linhagem celular e como marcador de ativação para outra. Na resposta humoral, os linfócitos B produzem anticorpos que podem se ligar a antígenos ou a produtos de antígenos e então ativar uma série de respostas defensivas mediadas por células fagocitárias e outras proteínas. Como se observou até aqui, a célula T apresenta receptores específicos (marcadores de membrana) CD3 que a distinguem das outras e que podem reconhecer e se ligar a um local específico do antígeno (epítopo) – quando este é muito grande para ser processado pelo linfócito B. Depois do reconhecimento, há a ativação de um processo que envolve transdução intracelular de sinais para o citoplasma e o núcleo; isto resulta no avanço da regulação do mRNA para vários componentes receptores e para a expressão de novas moléculas na membrana celular, qualificando a célula para a fase efetora. A iniciação da resposta imune requer o reconhecimento do antígeno pelo linfócito imunocompetente. Algumas destas estruturas estão envolvidas com o reconhecimento da célula B pela célula T. A célula T ativada libera novos fatores de síntese que resultarão em expansão do próprio clone de célula T, enquanto outros fatores influenciam o desenvolvimento de células B que, por sua vez, sintetizarão anticorpos. Ocorre então um período de morte celular (apoptose) no qual a maioria das células T ativadas desaparece e a atividade efetora declina tanto quanto o conteúdo antigênico. Esta contração na resposta da célula T é tão intensa quanto a expansão e, na maior parte dos casos, 95% das células T antígeno-específicas desaparecem. Este fenômeno de morte celular serve como um mecanismo regulador do número de células e de manutenção da homeostase. Quando o antígeno é depletado, a rede de anticorpos (memória) já está formada. A resposta diminui, deixando expandida uma população de células de memória e imunoglobulinas, produto da estimulação de linfócitos B, que agora estão prontas a responder com rapidez no próximo contato com o mesmo antígeno (memória imunológica). O sistema imune é um processo dinâmico que interage com vários componentes dele mesmo e com o meio ambiente. Seu papel é garantir a integridade do organismo. Este objetivo é alcançado pela capacidade de distinguir o próprio do não próprio, da alta especificidade e da memória imunológica. Assim, a imunidade depende em última instância do número de células que podem ser ativadas e do número de células-filhas que podem ser produzidas por esta ativação no espaço de tempo entre o período de exposição ao agente agressor e a resolução do processo. Com o envelhecimento, todas as etapas deste mecanismo estão modificadas. IMUNOSSENECÊNCIA: O progressivo e fisiológico declínio da reserva funcional que ocorre em todos os sistemas biológicos ao longo da vida também afetará o sistema de defesa, a função imune. A este fenômeno chamamos imunossenescência, que corresponde ao envelhecimento imunológico traduzido por um conjunto de modificações tanto na resposta inata quanto na adquirida. Tais modificações podem ocorrer em uma ou várias etapas do caminho de ativação celular, as quais resultarão em menor eficiência do sistema de defesa aumentando a propensão e a gravidade de doenças infecciosas, autoimunes e neoplásicas. A marca do envelhecimento é o progressivo declínio dos três maiores sistemas de comunicação do corpo: o imune, o endócrino e o nervoso. Entre as incontáveis variáveis relacionadas com o processo de envelhecimento, uma das mais controversas é o perfil imunológico do indivíduo velho. Há um consenso de que ele se modifica, tornando-se menos eficiente. Embora tenha sido aceito por muito tempo que a imunidade inata fosse menos atingida com o envelhecimento, os estudos mais recentes demonstram a existência de importantes alterações também nesta esfera de defesa. Entre os componentes da imunidade inata, os neutrófilos, que apresentam um papel importante na defesa primária contra fungos e bactérias, e fazem parte das etapas de ativação (p. ex., liberação de enzimas proteolíticas) são afetados no envelhecimento, reduzindo seu potencial microbicida como também sua interação com o sistema da imunidade adquirida. A capacidade fagocitária e, em alguns estudos também a capacidade quimiotática estão reduzidas, dando mais tempo à multiplicação bacteriana aumentando o dano tecidual (liberação de enzimas proteolíticas). As células dendríticas relacionam o sistema imune inato com o adquirido, tendo a capacidade de induzir tanto uma potente resposta antigênico-específica como também à tolerância. Iniciam e amplificam respostas, estando distribuídas pelo corpo em regiões de contato com o meio externo como pulmões, trato digestivo e em extensa rede a qual inclui outras células apresentadoras de antígenos. Com o envelhecimento, apresentam menor eficiência na apresentação do antígeno, o que levará a menor estimulação de linfócitos T. Os monócitos/macrófagos, componentes de alta mobilidade, parecem aumentar em número com o avançar da idade, entretanto sua função (diferenciação) é reduzida. Com relação às células NK importantes na defesa viral e oncológica, com o envelhecimento ocorre um aumento quantitativo, porém à custa de células menos eficientes na produção de citocinas (responsáveis pela emissão do sinal e regulação para a resposta imune). Há um aumento, porém, de células killer de menor competência. No campo da imunidade adaptativa, sabemos que todas as células imunologicamente ativas podem exibir modificações idade-relacionadas e isto inclui a imunidade celular (linfócitos T) e imunidade humoral (linfócitos B). O declínio da atividade da célula T foi primeiramente descrito por Menon et al. em 1974, em camundongos, e em humanos, por Weksler e Hutteroth. Este declínio é representado por um aumento na proporção das células de memória (que já tiveram contato com um antígeno), em relação a células virgens (naive), aquelas que ainda não entraram em contato com um antígeno, o que resultará em uma diminuição do potencial de reatividade a novos antígenos. Com a involução do timo, diminui o repertório de células T provenientes dele, inclusive aquelas com capacidade supressora que impediriam a quebra do delicado equilíbrio entre estas e as efetoras, aumentando assim a chance de fenômenos autoimunes. O envelhecimento é acompanhado por um progressivo aumento na proporção de células T que atuam de forma disfuncional. O declínio da capacidade imune com a idade poderia ser atribuído à prevalência de um linfócito T com fenótipo senescente. Suas células virgens apresentam defeitos funcionais, redução dos telômeros, diminuição na produção de interleucina 2, prejuízo na expansão e diferenciação em célula efetora e consequente redução na habilidade da resposta antigênica. Sua maior característicaé a irreversibilidade da perda de sua capacidade replicativa. O número de divisões celulares, nos quais a senescência é atingida, depende da espécie, da idade e do conjunto genético do indivíduo. Assim, células de origem fetal ou neonatal são capazes de um número maior de divisões do que as células de indivíduos velhos – limite de Hayflick. Com o avanço da idade, há um aumento no número de células que parecem normais, mas falham em responder ao estímulo ativador. Os linfócitos B, embora não demostrem alteração quantitativa importante, apresentarão a qualidade da função de seus anticorpos prejudicada, o que se refletirá em respostas mais baixas às vacinas. Com o envelhecimento a medula óssea tem reduzida a capacidade de expansão da população de linfócitos B. Estes linfócitos são estimulados de forma menos eficiente, fazendo surgir uma população de linfócitos B de memória cada vez maior e de linfócitos virgens (naive) cada vez menor, reduzindo a capacidade de reconhecer novos antígenos. Enquanto os títulos de anticorpos para partículas estranhas e a resposta imune secundária caem com a idade, os autoanticorpos aumentam. Aumenta a frequência da autorreatividade que parece se originar na diminuição do potencial de regulação imune, ou talvez pelo fato de que o sistema imune também preencha a função de remover material autólogo danificado. Geralmente estes autoanticorpos são IgM e IgG de baixa afinidade A afinidade do anticorpo é crítica na resposta imune, já que é ela quem determina a força e a especificidade com a qual o anticorpo se ligará ao antígeno. Anticorpos com alta afinidade são capazes de se ligar mais avidamente, formando o chamado complexo imune, tornando mais eficiente a eliminação do antígeno. Anticorpos de baixa afinidade, por sua vez, são pouco específicos e pouco eficientes na eliminação do antígeno e apresentam, além disso, mais reações cruzadas com outros antígenos. O declínio na resposta dos anticorpos e a diminuição de sua ligação (afinidade) com o antígeno aumentarão o estado de anergia (não responsividade ao antígeno). O fato de os anticorpos produzidos pelo linfócito B de indivíduos velhos serem de baixa afinidade se refletirá no menor percentual de eficácia na vacinação quando comparados a jovens. Além das células envolvidas em todo o processo de defesa, existem as proteínas mediadoras da resposta imunológica, as citocinas, que afetam desde a proliferação e a diferenciação até o estágio final de morte celular (apoptose). Entre as principais, destacamos as interleucinas (IL1, IL2 e IL6), a interferona γ (IFNγ), o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), e o fator de crescimento tumoral (TGF). Estes mediadores apresentam-se alterados com o envelhecimento. As interleucinas possuem, entre outras funções, a de ativação dos linfócitos e a indução da divisão de outras células. Cada interleucina atua sobre um grupo limitado e específico de células que expressam receptores adequados para elas. Com o envelhecimento, diminui a produção interleucina-2 (IL-2), importante fator de crescimento para linfócito T. Além disso, células de doadores velhos não expressam receptor para IL-2 na mesma proporção. A mobilização do cálcio e a ativação para a progressão do ciclo celular estão modificadas nas células de indivíduos velhos. Enquanto algumas células podem não liberar interleucina-2 e interferonaγ adequadamente após a ativação, elas liberam outros fatores, como o TNF-α, com propriedades inflamatórias, interleucina1, interleucina6, mais do que os liberados por células de indivíduos jovens. A interleucina-6 está relacionada com distúrbios inflamatórios crônicos, e seus níveis parecem aumentar com a idade. Assim, existem perda da função celular, modificação na habilidade em responder aos eventos de ativação e modificações da resposta aos eventos desta ativação. FENÓTIPO SENESCENTE E CENTENÁRIOS: O fenótipo do envelhecimento é determinado por um conjunto de eventos aleatórios associados a alguns predeterminados como o ambiente, a genética, o equilíbrio químico hormonal e fenômenos epigenéticos. Estas ocorrências gerarão, ao longo do tempo, uma “falta de fidelidade molecular” com um acúmulo crescente de danos os quais aumentarão a possibilidade de doença e morte. Os principais aspectos observados no envelhecimento imunológico caracterizam-se por uma resposta de ativação e efetora diminuída ou disfuncional tanto na resposta imune inata quanto na adaptativa, tendo no linfócito T sua principal expressão, uma vez que o timo já terá involuído completamente. Na imunidade inata os neutrófilos demonstram menor atividade quimiotática e fagocítica, e as células NK apresentam aumento numérico com menor capacidade citotóxica. Na imunidade adaptativa há atrofia do timo, desequilíbrio entre as células T virgens e as de memória, dificultando a indução de resposta imunológica adaptativa contra novos antígenos, além de uma alteração na produção de imunoglobulinas (anticorpos) pelos linfócitos B. Uma marcante característica do fenótipo senescente é a diminuição de células periféricas nativas (naive) já depletadas pelo contato com antígenos ao longo da vida e não substituídas após a involução do timo e, portanto, convertidas a células de memória (imunidade adaptativa). Este fato limita a geração de novas células para fazer frente aos novos antígenos que se apresentarão durante o envelhecimento. No Estudo de Leiden (LLS), parece que descendentes de longevos não apresentam nem a diminuição de células nativas nem a acumulação de células de memória tardias. Essas alterações concorrerão para o aumento da gravidade em caso de exigência defensiva aguda maior, ao mesmo tempo que a produção de mediadores inflamatórios e sua consequente estimulação antigênica prolongada podem dar origem a uma situação de cronicicidade inflamatória de baixo grau (inflamm-aging). Este processo tem impacto no meio interno, podendo mudar sua composição ao longo do tempo, uma vez que uma carga antigênica crônica formada por antígenos não eficientemente inativados e por restos celulares não completamente eliminados poderá estar envolvida na estimulação imunológica continuada e contribuir para a patogênese de doenças crônico-degenerativas. Estas alterações que estimulam a produção de citocinas pró-inflamatórias, proteases, quimiocinas, entre outros, são conhecidas como fenótipo secretor relacionado à senescência, que pode ser benéfico ou deletério, dependendo do momento no qual ele é desencadeado e por quanto tempo é mantido. O estado inflamatório prolongado, de baixa intensidade (inflamm-aging), é o resultado da ativação de macrófagos e linfócitos T dirigidos contra vírus comuns como por exemplo o Epstein-Barr (EPV) ou o citomegalovírus (CMV). Trata-se de um desequilíbrio entre os agentes inflamatórios e a rede anti-inflamatória (Pleiotropia antagônica), aumentando a morbidade. Tanto uma condição inflamatória subclínica como uma incapacidade do sistema imune em degradar estes produtos, ao mesmo tempo que, induzindo certa tolerância ao antígeno facilitando, a destruição de tecido sadio, esta distorção do reconhecimento, podem estar envolvidas na patogênese das doenças crônicas do envelhecimento bem como a ocorrência de fenômenos alérgicos e autoimunes. Em outras palavras, a fonte antigênica tanto pode ser externa (vírus, bactérias) como endógena, derivada de macromoléculas alteradas que continuam a estimular a atividade dos macrófagos. Concentrações elevadas de interleucina6 (IL6) e fator de necrose tumoral alfa (TNFα) são relacionados como preditores de fragilidade, morbidade e mortalidade. Este fenômeno não é incompatível com a longevidade, uma vez que mesmo em centenários pode ser encontrado, entretanto, aumenta sua vulnerabilidade. A maior sobrevivência associada a uma boa qualidade de saúde dependerá do nível particular de citocinas antiinflamatórias e de um “genótipoprotetor”. Dessa forma os centenários parecem estar equipados com variantes de genes que lhes permitem otimizar o equilíbrio entre os agentes pró e anti-inflamatórios. Os marcadores genéticos encontrados no fenótipo pró-inflamatório relacionados a doenças comuns no envelhecimento estão sub-representados nos centenários ao mesmo tempo que mediadores antiinflamatórios estão representados de forma mais importante neste grupo, chamando a atenção para o controle genético desta condição. Estudos epidemiológicos em diferentes populações indicam a presença de forte componente familiar. Estes estudos revelam que parentes de longevos, mas não cônjuges, têm maior chance de serem longevos também e correrem menor risco de sofrer de doenças crônico-degenerativas como diabetes, doenças cerebrovasculares e câncer. Centenários em boas condições de saúde parecem ser capazes de neutralizar estas respostas inflamatórias, mas não são capazes de alterar a competência imunológica contra agentes infecciosos. Deve-se considerar que a longevidade depende também de outros fatores não exclusivamente genéticos. Dessa forma, o fenótipo senescente parece refletir não apenas uma função prejudicada, mas uma desregulação. A longevidade e o envelhecimento saudável têm sido relacionados também com altos níveis de citotoxicidade das células NK que desempenham importante papel contra células infectadas por vírus e tumores, enquanto baixos níveis funcionais têm sido associados ao aumento da morbidade e mortalidade por infecções, má resposta a vacinação contra a gripe e aterosclerose. Há ainda dois aspectos que vêm sendo estudados: o encurtamento dos telômeros e o estresse oxidativo igualmente envolvidos na diminuição da eficiência imunológica relacionada à idade. Tal fenótipo, a chamada senescência celular replicativa, indica que a capacidade de proliferar chegou à exaustão com o encurtamento máximo dos telômeros. Essas modificações poderiam explicar o aumento da morbidade relacionado com o envelhecimento, incluindo não somente as doenças infecciosas, mas também doenças vasculares, demência e neoplasias. O declínio da função imune inata tem consequências sobre a imunidade adaptativa, uma vez que sua ação está intimamente relacionada. PAPEL NEUROENDÓCRINO: O sistema imunológico se relaciona e é modulado quimicamente por padrões hormonais. Aumentam os estudos que relacionam sua eficiência com padrões de comportamento de humor. Quando uma infecção desencadeia uma resposta inflamatória as células do sistema imune inato produzem citocinas pró-inflamatórias que agem no cérebro provocando um “estado de enfermidade”. Se a ativação imunológica prossegue como durante uma infecção sistêmica, um câncer ou uma doença autoimune, o resultado subsequente poderá ser uma sinalização para o cérebro de exacerbação do “estado de enfermidade”, com sintomas de depressão, agravados em indivíduos com maior vulnerabilidade. Ainda que os fatores que iniciam um estado de estresse psicológico e de estresse físico sejam diferentes, a forma pela qual eles afetam o sistema imunológico é parecida e inclui a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e o eixo simpático-adrenal-medular que, por sua vez, influenciarão o sistema imunológico. Um aumento do cortisol encontrado após trauma físico (fratura de bacia) está associado a uma diminuição da produção de superóxido pelos neutrófilos e aumento do risco de infecção. Assim, com o envelhecimento, condições estressantes emocionais (perdas, insegurança) ou físicas (traumas, doenças), ativarão os caminhos que poderão levar o eixo medular à depressão crônica, diminuindo a resposta imune. CONSIDERAÇÕES GERAIS: O sistema imunológico, esta elegante, complexa e sofisticada estrutura de vigilância, distribuída em ampla rede, dando cobertura a várias frentes de defesa, a qual possibilita a existência humana, será submetido, durante o processo de envelhecimento, a modificações mais ou menos significativas na sua capacidade de produção de novas células, diferenciação e função. Ambos os sistemas estão envolvidos nestas modificações, tanto o sistema inato quanto sistema adaptativo. A involução do timo reduzindo a geração de novas células T e por consequência gerando um desequilíbrio entre as células T virgens e as de memória dificultará a indução de resposta imunológica contra novos antígenos. A produção de anticorpos pelos linfócitos B também será afetada. O conjunto de alterações contribuirá para o aumento da gravidade nos quadros infecciosos, em que a necessidade defensiva exigirá uma eficiência imunológica diminuída com o envelhecimento. Ao mesmo tempo, a produção de mediadores inflamatórios e sua consequente estimulação antigênica crônica podem dar origem uma situação de cronicicidade inflamatória de baixo grau (inflamm-aging). A identificação do limite entre o envelhecimento fisiológico normal e alterações decorrentes da presença de patologias deve ser exaustivamente perseguida. Sem sabermos o que faz parte exclusivamente do envelhecimento e não da doença, não saberemos identificar aquilo que é patológico e onde devemos atuar. SISTEMA HEMATOPOÉTICO: O conceito de que havia alterações significativas do sistema hematopoético está sendo revisto. Parece que o processo de envelhecimento é mais lento nas células hematopoéticas, quando comparadas com as outras células. Especula-se que a reserva das células pluripotenciais possa ser poupada, contribuindo para a explicação da longevidade do indivíduo. Já a função da medula óssea não se modifica. Entretanto, podem se tornar evidentes, sob condições de estresse, como no tratamento quimioterápico. No nascimento quase toda a medula óssea apresenta atividade hematopoética, mas desde a infância ela começa a ser progressivamente substituída por tecido adiposo. No adulto sua atividade concentra-se na pélvis e no esterno. Por volta dos 70 anos a celularidade da medula óssea no osso ilíaco é 30% menor que no adulto jovem. Apesar dessa modificação a contagem celular no sangue periférico é mantida. →Multiplicação celular: O potencial proliferativo da maioria das células-tronco hematopoéticas é limitado e diminui com o envelhecimento. Uma vez que a célula entre no ciclo de divisão torna-se mais suscetível a mutações devido à redução da fidelidade de reparo do DNA. Essa pode ser a explicação do surgimento de leucemia secundária ao transplante de medula óssea. A perda de telômero em tecidos normais começa no adulto jovem e progride gradualmente com o envelhecimento. A perda sequencial do DNA telomérico da parte final do cromossomo a cada divisão celular poderia alcançar um ponto crítico que serviria de gatilho para o envelhecimento e para influenciar o equilíbrio entre renovação e multiplicação das célulastronco. O encurtamento do telômero é observado nos portadores da síndrome de Werner, nos quais ocorrem alterações precoces do envelhecimento. → Eritropoese: A vida das hemácias, em torno de 120 dias, exige contínua renovação dessa população celular pela medula óssea, mesmo nos muito idosos, visto que sua principal função é transportar oxigênio através da circulação para todas as células e tecidos do corpo, de acordo com suas necessidades. Embora o envelhecimento não seja causa de anemia observa-se mudança do perfil hematológico, sugerindo uma exaustão das células-tronco hematológicas pluripotenciais, tornando os idosos mais suscetíveis a esta doença. Também ocorre aumento da produção de radicais livres, os quais alteram as funções celulares e a integridade de suas membranas. Com isso, as hemácias deformadas são retiradas de circulação e a medula óssea acelera a produção em uma tentativa de reparar o dano. Entretanto, a aceleração desse processo pode alterar a composição das membranas das hemácias, não conseguindo o equilíbrio da renovação dessas células, podendo surgir anemia e agregação das hemácias. Os principais moduladores hormonaisda eritropoese são a eritropoetina (EPO), a testosterona e a interleucina (IL)-3. Os trabalhos mostram não haver diferença significativa nos níveis dessas substâncias nos indivíduos idosos relativas à produção hematopoética. O feedback entre hemoglobina e EPO está mantido, mas a secreção de EPO em resposta à anemia por deficiência de ferro está diminuída. Isso ocorre porque as citocinas pró-inflamatórias, como a IL-6, aumentam com o avanço da idade, reduzindo a resposta das células-tronco. Admite-se que haja maior produção de IL-6 pelos monócitos, pelas células T, células endoteliais e células ósseas. Embora o número de plaquetas não se altere com o envelhecimento, o fibrinogênio, os fatores V, VII, VIII e IX, o cininogênio de alto peso molecular e a pré-calicreína aumentam, assim como os fragmentos da degradação da fibrina (dímero D), fazendo com que se considere o envelhecimento um estado pró-coagulante, importante fator de risco para trombose venosa profunda. 5. Alterações do sistema respiratório decorrentes do envelhecimento. REFERÊNCIA: Tratado de Geriatria SISTEMA RESPIRÁTORIO → Alterações morfológicas no tórax e nos pulmões com o envelhecimento: Com o envelhecimento há grandes modificações tanto na arquitetura quanto na função pulmonar, contribuindo para o aumento da frequência de pneumonia, aumento da probabilidade de hipoxia e diminuição do consumo máximo de oxigênio pela pessoa idosa. Os primeiros sinais de piora da respiração pulmonar já podem ser vistos por volta dos 25 anos. Os pulmões se tornam mais volumosos, os ductos e bronquíolos se alargam e os alvéolos se tornam flácidos, com perda do tecido septal. A consequência é o aumento de ar nos ductos alveolares e diminuição do ar alveolar com piora da ventilação e perfusão. Sinais precoces do envelhecimento pulmonar. ↓ da capacidade máxima respiratória ↓ progressiva da pressão parcial de 02 Perda da elasticidade pulmonar Enfraquecimento da musculatura respiratória ↓ da elasticidade da parede torácica ↑ da rigidez da estrutura interna pulmonar ↓ do volume pulmonar expirado Fadiga fácil Concorrem para o declínio da capacidade respiratória os maus hábitos de vida, a poluição do local de moradia e trabalho e as doenças concomitantes. → Respiração: A inspiração e a expiração se dão da mesma forma no adulto. Na inspiração participam os músculos intercostais externos para elevarem as costelas e o diafragma, responsável por 75% do aumento do volume torácico durante a respiração de repouso. A expiração se faz, basicamente, de forma passiva. Também estão envolvidos os músculos intercostais internos que, ao se contraírem, puxam as costelas para baixo e para dentro, diminuindo o volume torácico. Caso seja necessário as musculaturas abdominal e dos ombros podem participar como músculos auxiliares dos movimentos respiratórios. Além das alterações descritas, há falha no controle central (medula e ponte) e nos quimiorreceptores carotídeos e aórticos com diminuição da sensibilidade a PCO2, PO2 e ao pH, limitando a adaptação da pessoa idosa ao exercício físico. A maioria dos músculos sofre um certo grau de sarcopenia, daí a capacidade de a função pulmonar piorar em algumas pessoas pela diminuição da força e da resistência da musculatura respiratória, tornando a tosse menos vigorosa. A função mucociliar é lenta, prejudicando a limpeza de partículas inaladas e facilitando a instalação de infecções. Todas as modificações do sistema respiratório são lentas, mas progressivas. A partir dos 25 anos a VO2 máxima diminui em 5 mℓ/kg/min/década. O tórax se torna enrijecido devido à calcificação das cartilagens costais e os pulmões distendidos pela diminuição da capacidade de as fibras elásticas retornarem após a distensão na inspiração. Com isso o volume pulmonar e a capacidade ventilatória diminuem. A capacidade vital pode chegar a diminuir 75% entre a 7ª e a 2ª década, enquanto o volume residual aumenta em torno de 50%. A consequência é a inadequada oxigenação do sangue, enquanto a PCO2 não se altera. → Surfactante: O surfactante é um líquido secretado pelos pneumócitos tipo II, localizado na superfície interna do alvéolo, com a finalidade de manter sua tensão baixa. Sua produção está diminuída nos idosos. Na deficiência do surfactante os alvéolos poderão colabar na expiração, fazendo atelectasias. O surfactante também tem função protetora, impedindo a entrada de partículas, e aumenta a capacidade de os macrófagos pulmonares destruírem bactérias. Ainda na deficiência de surfactante, há o aumento da permeabilidade alveolar, podendo levar ao edema pulmonar. Apesar de sua perda progressiva, a maioria dos idosos é capaz de levar uma vida normalmente ativa. REFERÊNCIA: Fisiologia – Margarida Aires A capacidade pulmonar total (CPT) depende do equilíbrio de forças entre a máxima ativação da musculatura inspiratória e a retração elástica do pulmão e da parede torácica. Com a idade, a retração elástica do tecido pulmonar diminui, o que facilita a expansão pulmonar durante a inspiração profunda e, assim, tenderia a aumentar a CPT. Entretanto, devido a rigidez da parede torácica durante o processo de envelhecimento, o esforço inspiratório máximo não e capaz de alcançar alto volume pulmonar; portanto, a CPT, geralmente, encontra-se estável. Na velhice, a diminuição da retração elástica pulmonar também determina o aumento do volume residual (VR) e da relação VR/CPT, que ocasiona um estado de hiperinflação pulmonar e uma redução na capacidade vital (CV). No envelhecimento, o volume de ar exalado durante o 1o segundo de expiração forcada (VEF1) tende a se reduzir mais intensamente que a capacidade vital forcada (CVF). Em indivíduos não fumantes, essas alterações resultam em um declínio do fluxo de volume corrente (VC) e de VEF1 da ordem de 25 a 30 ml/ano. A redução na relação VEF1/CVF e indicativa de obstrução das vias respiratórias. Outros componentes relevantes para a adequada função respiratória são a forca e a resistência da musculatura respiratória, sendo importante a observação de que a forca da musculatura diafragmática e aproximadamente 25% menor em pessoas idosas saudáveis quando comparadas aos adultos jovens. A desproporção da relação ventilacao/perfusão (V/Q), decorrente do fechamento das pequenas vias respiratórias e da limitação de fluxo aéreo, contribui para o aumento do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio (gradiente Aa O2). Esse gradiente pode ser estimado em função da idade, pela equação: Gradiente Aa O2 = Idade (anos)/4 + 4 A redução da área de superfície alveolar dificulta a difusão pulmonar de monóxido de carbono (DPCO). A pressão parcial de oxigênio arterial (paO2) também diminui com a idade. Nos idosos, os mecanismos de clareamento pulmonar encontram-se menos eficientes, devido a atrofia do epitélio colunar ciliado e também das glândulas da mucosa brônquica, predispondo-os a um maior risco de contraírem infecções. A redução do reflexo da tosse, associada a queda de forca da musculatura respiratória, corroboram para o comprometimento do clareamento de suas vias respiratórias inferiores. 6. Fisiopatologia da AIDS, caracterizando dados epidemiológicos e manifestações clínicas em idosos. REFERÊNCIA: Tratado de Geriatria e Gerontologia INTRODUÇÃO: Quase 35 anos após a descrição dos primeiros casos de síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), conhecida como a pior doença epidêmica do século 20, atualmente os números somam mais de 35.000.000 de vítimas ao redor do mundo, levando a impactos humanos, culturais, demográficos, econômicos e políticos. A despeito da euforia inicial pós-diagnóstico, da profilaxia contra infecções oportunistas, da descoberta de fármacos antirretrovirais efetivos e da prevenção contra a transmissão perinatal, a epidemia continua a se alastrar por novas áreas e a se consolidar em diversos locais no mundo. Em alguns países como os da África Subsaariana,a epidemia da AIDS permanece como fator devastador não somente em taxas de mortalidade, como na diminuição das taxas de fertilidade. Paralelamente, outro fenômeno acontece no mundo: o envelhecimento populacional, que de forma incontestável ocorre tanto em países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, nos quais as estimativas de taxas de crescimento são de até 300% nos próximos anos. Dentre os mais populosos, o Brasil apresenta um dos mais agudos processos de envelhecimento populacional. Apesar de se interpretar que os fatores que levam ao envelhecimento atuam de modo multifacetado, existem inúmeras maneiras para se entender e concluir quais são as causas desse fenômeno, desde as teorias que citam fenômenos de maneira isolada até aquelas mais unificadoras, segundo as quais a diminuição da mortalidade infantil e as menores taxas de fecundidade ocorridas na década de 1950 tiveram significativa participação no envelhecimento da população brasileira. Além desses fatores, as melhorias dos sistemas de saúde, acumuladas aos incrementos da infraestrutura de saneamento e habitação e às mudanças sociais nas áreas de educação, percepção e comportamento ligados às áreas de saúde, têm exercido papel fundamental para que se alcance maior longevidade. A expectativa de vida da população brasileira aumentou em mais de 3 anos entre 1991 e 2000, segundo o SNIG (Sistema Nacional de Informações de Gênero), um instrumento de conhecimento da realidade das mulheres no Brasil elaborado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a partir de microdados dos Censos de 1991 e 2000. A esperança de vida das mulheres passou de 70,9 anos para 74,1 anos no período. Já para os homens a expectativa de vida aumentou de 63,1 para 66,7 anos. O IBGE demonstra que a população idosa brasileira cresce em velocidade 3 vezes maior do que a população adulta. Atualmente, os dados do IBGE demonstram que somos mais de 205.000.000 brasileiros, com cerca de 12,5% com idade de 60 anos ou mais, ou seja, quase 26.000.000 de idosos. E as projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2015, são de que até o ano 2050 a população idosa componha 30% da população geral. Em adição, para os próximos 15 anos (até 2030) as expectativas são de que haja 216.410.030 brasileiros e que 18,7% deles, ou seja, pouco mais de 40.000.000, tenham 60 anos ou mais (40.468.067 indivíduos, mais precisamente). Em alguns centros de nosso país, entretanto, esses percentuais estimados já são, nos dias de hoje, mais elevados, como a cidade de Santos-SP, onde, segundo o Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE, 2015) 20,52% da população já se encontra com 60 anos ou mais (86.915 idosos). Tal mudança na composição populacional já começa a provocar consequências sociais, culturais e epidemiológicas. Por outro lado, a evolução cultural e o maior acesso a informações ensejam modificações comportamentais, com maior conscientização e esclarecimento entre os idosos. Dentre essas modificações, incluem-se as mudanças pertinentes à sexualidade, da desmistificação de que sexualidade não interessa aos idosos, aos conceitos atuais que definem sexualidade não só como o ato sexual em si, mas também contentamento, proximidade, satisfação ou sensação de calor humano. Um grande aliado na propagação desses novos conceitos e na maior divulgação da sexualidade e da relação sexual tem sido a indústria farmacêutica, que há mais de três décadas vem interagindo como meio de suporte para manutenção da atividade sexual em grupos populacionais portadores de disfunções. Inicialmente propagaram-se a utilização de injeções intracavernosas de medicamentos vasoativos, como papaverina ou prostaglandina em homens, e a recomendação de supositórios intrauretrais e, atualmente, pode-se recorrer à administração de medicamentos pelas vias oral, sublingual ou transdérmica que auxiliam na ereção, proporcionando ao homem a continuidade de sua vida sexual ativa. O processo de envelhecimento pode ainda resultar em alterações sociocomportamentais, inclusive na moradia, escolaridade, economia e estresse, o que torna os idosos mais suscetíveis do ponto de vista social e de saúde, processo que culmina com novas doenças e disfunções ou com interferências deletérias nas doenças preexistentes. Sabe-se, porém, que a extensão na qual o avançar da idade afeta a atividade sexual depende de vários fatores: psicológicos, farmacológicos e de doenças preexistentes associadas, entre outros. As informações mais esclarecedoras, juntamente com as terapias comportamentais, funcionam como coadjuvantes para a manutenção da vida sexual ativa tanto em mulheres como em homens. Constatações surgem com as pesquisas que abordam a sexualidade em idosos: Barber et al. verificaram que, graças à evolução da saúde, com o incremento de alguns aspectos como os nutricionais, a mulher atual tem mantido o interesse pela vida sexual, independentemente de seu envelhecimento. Outros autores, como Meston et al., refutam o mito de que envelhecimento e disfunção sexual estejam inexoravelmente relacionados, após verificarem que uma alta proporção de homens e mulheres permanece sexualmente ativa mesmo na terceira idade. Diokno et al. e também McCoy et al. constataram que 74% dos homens casados com mais de 60 anos permanecem sexualmente ativos e 56% das mulheres casadas com mais de 60 anos mantêm alguma atividade sexual. Informações como essas nos levam a considerar os idosos cada vez mais capazes de manter sua integridade, seja física, psicológica ou sexual, mas ao mesmo tempo chamam nossa atenção para o fato de que essas pessoas não estão livres da possibilidade de adquirir doenças sexo-veiculadas, entre as quais a AIDS. EPIDEMIOLOGIA: → Estatísticas mundiais: Em sua quarta década, é evidente que a epidemiologia global do vírus da imunodeficiência humana (HIV) mudou muito desde aquela primeiramente reconhecida entre um pequeno número de homossexuais em 1981. A epidemia atingiu quase todos os países e populações de todo o mundo. A propagação da doença atualmente tem sido mais alarmante em países de recursos limitados, especialmente África Subsaariana e Sudeste Asiático, apesar de continuar uma ameaça para populações da Europa, América Latina e Caribe. → Estatísticas gerais: Até o final de 2013, as estatísticas apresentadas foram de que: - 35 milhões de pessoas estão vivendo com HIV/AIDS - 2,1 milhões de pessoas, incluindo 240.000 crianças, foram infectadas com HIV (2013) - 1,5 milhão de pessoas morreram com AIDS neste mesmo ano. A prevalência global de HIV parece ter estabilizado, ou aumentado em alguns países, provavelmente devido ao aumento da sobrevida de pessoas infectadas por causa do tratamento antirretroviral. Entretanto, a incidência de novas infecções pelo HIV em 2013 representa um declínio de 38% em comparação a 2001, quando havia 3,4 milhões de novas infecções. Quase três quartos da população infectada pelo HIV no mundo estão na África Subsaariana. Países desta área e do Caribe têm as maiores taxas nacionais de prevalência do HIV no adulto. Em 2013, a prevalência do HIV em adultos variou de < 0,1% na África Central e Norte para 4,7% na África Subsaariana, em geral, e excedeu 20% em alguns países subsaarianos, como Botswana, Lesoto e Suazilândia. Parte dessa disparidade pode ser atribuída ao crescimento das epidemias na África e na mais recente introdução de HIV em algumas outras áreas do mundo. As crianças ocupam uma parte substancial da problemática do HIV, tanto direta como indiretamente. Estima-se que 3,3 milhões de crianças estejam vivendo com HIV/AIDS em todo o mundo. Dos 260.000 bebês e crianças infectadas com o HIV em 2012, 70% nasceram na África subsaariana, 25% no Sudeste Asiático, e o restante da América Latina e do Caribe. Além disso, estima-se que 25 milhões de crianças ficaram órfãs por causa da morte prematura de ambos os pais devido à AIDS, colocando enormesresponsabilidades sobre as comunidades. Com a escalada da epidemia no Sudeste Asiático e da Europa Oriental, esses números ainda estão sujeitos a aumentar, a menos que as campanhas de prevenção mais agressivas e programas de intervenção intercedam para abrandar o ritmo da epidemia. O HIV/AIDS foi uma das dez principais causas de morte no mundo em 2013, impulsionado principalmente pela mortalidade associada com o HIV na África Subsaariana, onde era a principal causa de morte. Nesta região, a infecção esteve mais relacionada a transmissão heterossexual e as mulheres compuseram cerca de 58% da população infectada. Esta discrepância entre os gêneros esteve particularmente evidente entre os adolescentes: nesta população de infectados, a prevalência entre mulheres de 15 a 19 anos chega a ser cinco vezes maior, quando comparada à existente entre homens da mesma idade. A maioria das transmissões heterossexuais ocorre entre parceiros de relações estáveis. Na Ásia, embora a prevalência global de HIV seja baixa, cerca de 0,6%, este número é de grande importância, uma vez que a região representa metade da população do mundo. Dos cerca de 4,8 milhões de pessoas infectadas pelo HIV que vivem na Ásia, quase metade vive na Índia. Cabe salientar que as estimativas da Índia são baseadas principalmente em dados de testes anônimos de clínicas públicas para o cuidado pré-natal e para pacientes com outras doenças sexualmente transmissíveis (DST). Nos EUA, no final de 2013, estimava-se que 1,2 milhão de pessoas viviam com infecção pelo HIV. Nesse mesmo ano, havia uma estimativa de 47.352 novos diagnósticos de HIV, ou 15 diagnósticos por 100.000 pessoas. As taxas mais elevadas de infecção pelo HIV compreendem a minoria étnica e racial, principalmente afro-americanos, latinos e mestiços, com taxas de 56, 19 e 17 infecções a cada 100.000 habitantes, respectivamente. Após a África Subsaariana, o Caribe tem a segunda maior prevalência de infecção pelo HIV no mundo. Mais de 50% da população infectada pelo HIV é do Haiti, embora a mais alta prevalência (3,2%) esteja nas Bahamas. Na América Latina, ao final de 2013, as estimativas eram de 1,6 milhão de indivíduos infectados pelo HIV, sendo 75% no Brasil, Colômbia, México e Venezuela. Nestas regiões, a média estimada de HIV na população em geral era de cerca de 0,4%. A AIDS é a apresentação clínica da infecção pelo vírus HIV que leva, em média, 8 anos para se manifestar. O primeiro caso de AIDS foi notificado no Brasil em 1980 e, desde essa data até 2012, já foram notificados, aproximadamente, 656.701 casos da doença. Cerca de 76% estão concentrados nas regiões Sudeste e Sul. Nesses estados, atualmente, observa-se um lento processo de estabilização desde 1998, acompanhados mais recentemente pela região Centro-oeste. As regiões Norte e Nordeste mantêm a tendência de crescimento do número de casos. Como resultado dessa dinâmica regional da epidemia, a taxa de incidência de AIDS no país mantém-se estabilizada, ainda que em patamares elevados. Os dados epidemiológicos oficiais sobre a AIDS no Brasil são fornecidos pelo Programa DST-AIDS do Ministério da Saúde, divulgados no endereço eletrônico www.aids.gov.br. A notificação de casos de AIDS é obrigatória desde 1986, segundo a lei e as recomendações do Ministério da Saúde (Lei 6.259, de 30/10/1975, e Portaria no 33, de 14/07/2005). A AIDS no Brasil é hoje considerada uma epidemia concentrada. O país acumulou cerca de mais de 253.706 mortes que tiveram a causa básica definida como “doenças pelo vírus do HIV” (sendo 61.400 mortes por AIDS – índice de 9,3%) até junho de 2012. Os comportamentos de risco incluem a transfusão de sangue, o homossexualismo, o uso de drogas ilícitas injetáveis, a relação heterossexual suspeita e ainda os comportamentos de risco indeterminado. Após a introdução da política de acesso universal ao tratamento antirretroviral, a mortalidade caiu e a sobrevida aumentou. A razão de gênero nos casos de AIDS entre indivíduos de 50 anos de idade ou mais mostra tendência de decréscimo em nosso país. Em 1986, a razão era de cerca de 19 casos em homens para cada caso em mulheres e, em 2006, passou a 16 casos de AIDS em homens para cada 10 casos em mulheres. Até 2011 a taxa de incidência de casos de AIDS em homens foi de 25,9 por 100.000 habitantes e de 14,7 em mulheres. Desde o início da epidemia, a razão de sexos apresentou gradual redução ao longo do tempo, com pequenas oscilações entre 1,4 e 1,7 a partir do ano 2000. Do início da epidemia, em 1980, até 2012, já foram notificados 14.161 casos de HIV/AIDS em pessoas com idade de 60 anos ou mais no Brasil, sendo 9.225 do sexo masculino e 4.936 mulheres. Recentemente, de acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde do Brasil, publicado em 2012, a taxa de prevalência da infecção pelo HIV na população brasileira de 15 a 49 anos manteve-se estável desde 2004, em torno de 0,6%, sendo 0,4% em mulheres e 0,8% em homens. FORMAS DE TRANSMISSÃO: Os principais modos de adquirir a infecção pelo HIV são: - A transmissão sexual, incluindo contato heterossexual e homossexual - A transmissão parenteral, predominantemente entre os usuários de drogas injetáveis (UDI) - A transmissão perinatal. A importância relativa desses diferentes modos de transmissão na condução da epidemia de HIV varia geograficamente e tem evoluído ao longo do tempo. → Transmissão sexual: Mais de 80% das infecções no mundo ocorrem por meio de transmissão heterossexual, e mais de 50% de todas as pessoas infectadas pelo HIV no mundo são mulheres. Estes números mostram a situação na África Subsaariana, que abriga a maioria da população infectada pelo HIV do mundo e onde a transmissão heterossexual é o principal contribuinte para a epidemia de HIV. Em contraste, mais homens do que mulheres estão infectados com HIV em outras partes do mundo. Isso, em parte, reflete a epidemia entre homens que fazem sexo com homens (HSH), que são 19 vezes mais propensos do que a população em geral para serem infectados pelo HIV. Até em locais ricos em recursos, apesar das altas taxas de testes e acesso a terapia antirretroviral, a incidência de infecção pelo HIV entre HSH aumentou, enquanto a incidência de outros modos de transmissão tende a diminuir. Como exemplo, nos EUA, o número de infecções pelo HIV recentemente diagnosticadas atribuídas ao contato sexual HSH aumentou de 2009 a 2013, enquanto aquelas atribuídas ao uso de drogas injetáveis e relações heterossexuais diminuiu. → Uso de drogas injetáveis: Fora da África Subsaariana, o uso de drogas injetáveis é responsável por, aproximadamente, 30% das novas infecções pelo HIV, alimentando a epidemia de HIV na Europa Central e Oriental e em alguns países da Ásia. É também uma grande preocupação em países industrializados e no Oriente Médio. A vulnerabilidade desse grupo de risco e da rapidez com que o HIV pode se espalhar por meio da partilha de agulhas foi refletido por um surto de HIV em 2015 entre usuários de drogas injetáveis em uma região rural de Indiana, onde a infecção pelo HIV já era raramente relatada. Uma metanálise, em 2008, examinou o papel das drogas injetáveis como causa da transmissão do HIV em todo o mundo. As estimativas sugerem que 15,9 milhões de pessoas podem ser usuários de drogas em todo o mundo; o maior número deste grupo foi encontrado na China, EUA e Rússia, onde em meados da década as estimativas de prevalência foram de 12%, 16% e 37%, respectivamente. Além disso, a prevalência do HIV entre usuários de drogas injetáveis foi de 20 a 40% em cinco países e maior de 40% em nove outros países. → Transmissão materno-fetal: Com altos níveis de infecção pelo HIV entre as mulheres jovens, existe o potencial para um grande número de crianças infectadas, uma vez que as crianças podem ser infectadas no útero, no parto ou durante a amamentação. Essa transmissão de mãe para filho é responsável por 90% dasinfecções entre as crianças em todo o mundo. Nos países mais afetados do mundo, como na África Subsaariana, de 20 a 40% das mulheres grávidas estão infectadas com o HIV, e um terço de seus bebês se infectam. Embora o uso de antirretrovirais durante a gravidez, no momento do parto e durante a amamentação possa evitar isso, em grande parte, apenas uma minoria (25% ou menos) de mães afetadas são capazes de acessar essas profilaxias antirretrovirais. → Fatores de risco: Os riscos de transmissão do HIV variam ainda de acordo com o nível viral do indivíduo de origem, o modo de transmissão e outros cofatores. Como exemplo, o risco de transmissão sexual do HIV também é afetado pelo tipo de comportamento sexual e a presença de infecções sexualmente transmissíveis (DST) concomitantes. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: A evolução natural da infecção pelo HIV resulta em um amplo espectro de apresentações clínicas, que vai desde a infecção assintomática a imunossupressão grave que ocasiona a AIDS. A infecção pelo HIV leva a perda gradual da imunocompetência, permitindo infecções por organismos que não são normalmente patogênicos. As fases do contágio e evolução da infecção pelo HIV se dividem em infecção aguda pelo HIV, infecção crônica assintomática e AIDS. A fase aguda da infecção pelo HIV está clinicamente caracterizada com uma doença semelhante a gripe em até 80% dos casos. Como em outras infecções virais agudas, a infecção pelo HIV é acompanhada por um conjunto de manifestações clínicas, denominado síndrome retroviral aguda (SRA), que se apresenta geralmente entre a primeira e terceira semanas após a infecção. Entre 50 e 90% dos indivíduos infectados apresentam SRA, com abundância de vírus no sangue periférico e queda marcante nos níveis de células T CD4 circulantes. O Quadro apresenta os principais sinais e sintomas da infecção aguda pelo HIV. Sinal/sintoma Porcentagem (%) Febre 96 Adenopatia 74 Faringite 70 Exantema 70 Mialgia 54 Diarreia 32 Cefaleia 32 Náuseas e vômitos 27 Hepatoesplenomegalia 14 Perda ponderal 13 Candidíase oral 12 Sintomas neurológicos (meningite asséptica, meningoencefalite, neuropatia periférica, paralisia facial, síndrome de Guillain-Barré, neurite braquial, comprometimento cognitivo ou psicose). 12 A SRA é autolimitada e a maior parte dos sinais e sintomas desaparece em 3 a 4 semanas. Linfadenopatia, letargia e astenia podem persistir por vários meses. A presença de manifestações clínicas mais intensas e prolongadas pode estar associada à progressão mais rápida da doença. Os sinais e sintomas que caracterizam a SRA, por serem muito semelhantes aos de outras infecções virais, são habitualmente atribuídos a outra etiologia e a infecção pelo HIV comumente deixa de ser diagnosticada. Após a infecção aguda pelo HIV, a maioria dos pacientes passa por um período clinicamente assintomático, denominado de latência clínica, com perda de 60 a 90 células T CD4 por ano em média. A ausência de sintomas, entretanto, não afasta a possibilidade de transmissão da doença. Esse período não é silencioso, pois existe a replicação persistente do vírus e um declínio gradual da função e do número das células T CD4 até que, por fim, os pacientes tenham poucas células T CD4 residuais. Nesse ponto, que pode ocorrer a qualquer momento entre 6 meses e 20 anos ou mais após a infecção aguda pelo HIV, termina a fase de latência clínica e inicia a das infecções oportunistas, marcando o início da AIDS. Na fase de latência clínica ou assintomática, o exame físico pode não estar alterado. Em alguns casos pode persistir a linfadenopatia generalizada que deve ser diferenciada com doenças linfoproliferativas e tuberculose ganglionar. Nesta fase a contagem de linfócitos T CD4 permanece acima de 350 células/mm3, os episódios infecciosos mais frequentes são geralmente bacterianos, como as infecções respiratórias ou mesmo tuberculose, incluindo a forma pulmonar cavitária, com predomínio de resposta TH1. Na terceira fase, que varia em média de 7 a 10 anos após o contágio inicial pelo vírus, a maioria absoluta dos pacientes desenvolve a AIDS. Nessa fase, o paciente terá os sintomas relacionados à imunodeficiência causada pela doença, tendo também as manifestações das infecções oportunistas mais comuns. Alteração do hábito intestinal, mais comumente diarreia Alterações neurológicas: perda de memória e redução da atividade intelectual Cefaleias Dores ósseas e articulares Fadiga e cansaço Febre e calafrios por mais de 10 dias Lesões cutâneas, especialmente rashes (manchas avermelhadas) Linfonodomegalias Pequenas ulcerações ou lesões orais Perda de peso sem causa aparente Infecções de vias respiratórias e tosse Sudorese intensa, especialmente noturna. Um fator relevante diz respeito à maior agressividade com que o vírus HIV se comporta em idosos. Apesar de existirem controvérsias, alguns estudos demonstram que a idade avançada, além de diminuir a latência entre portar o vírus e apresentar a doença, também faz com que a sobrevida, diante da doença manifesta, torne-se menor. Por outro lado, o profissional que lida com idosos deve estar atento às possíveis interpretações equivocadas das manifestações clínicas da AIDS nesse grupo populacional, pois esses sinais podem ser subvalorizados ou confundidos com sintomas atribuídos a outras doenças. Com a progressão da infecção, apresentações atípicas das infecções, resposta tardia à antibioticoterapia e/ou à reativação de infecções antigas podem ocorrer. À medida que a infecção crônica progride, os sintomas constitucionais (febre baixa, perda ponderal, sudorese noturna, fadiga), diarreia crônica, cefaleia, alterações neurológicas, infecções bacterianas (pneumonia, sinusite, bronquite) e lesões orais, como a leucoplasia oral pilosa, tornam-se mais frequentes, além de herpes-zóster. Nesta fase, é determinante a queda na contagem de linfócitos T CD4, situada entre 200 e 300 células/mm³ e o predomínio de resposta TH2, proporcionando a evolução mais grave das infecções, como a pneumonia por Pneumocystis jirovecii. A candidíase oral é um marcador clínico precoce de imunodepressão grave. Diarreia crônica e febre de origem indeterminada podem ser marcadores para a evolução para AIDS. A febre pode estar relacionada a outros fenômenos não infecciosos, pois sabemos que doenças inflamatórias, neoplasias ou uma simples desidratação podem causar febre em idosos. Estudos destacaram o emagrecimento e a anorexia como principais sintomas apresentados pelos idosos com AIDS na Santa Casa de São Paulo, no período de 1991 a 1992. É tão comum a queixa de emagrecimento em pacientes idosos que se faz necessária a elaboração de um verdadeiro e abrangente número de hipóteses, representadas de maneira didática no quadro dos 10 “D”. Dentição Disgeusia Disfagia Diarreia Drogas ilícitas Doenças crônicas ou infecciosas Doenças neoplásicas Demência Depressão Disfunção social Os sintomas de perda cognitiva em idosos estão presentes em 9 a 12% dos pacientes com infecção pelos vírus HIV, podendo ser esse o primeiro sinal da doença instalada, secundário à leucoencefalopatia multifocal progressiva. O acometimento da memória em idosos muitas vezes é equivocadamente atribuído a outras doenças, como doença de Alzheimer. Já existem correlações entre AIDS e a perda neuronal hipocampal associada a gliose e maior vulnerabilidade local. Outras manifestações neurológicas incluem toxoplasmose cerebral (cerca de 30% dos casos), criptococose (20%) e tuberculose (9%). A introdução da terapia antirretroviral (TARV) diminuiu a incidência da maioria das doenças neurológicas oportunistas em pacientes infectados pelo HIV. Entretanto, as alterações neurocognitivas associadas ao HIV (HAND, HIV-associated neurocognitive disorders) atualmente são mais prevalentes e constituem uma verdadeira “epidemia oculta”. A classificação das HAND é recentee depende basicamente de duas variáveis: avaliação neuropsicológica e avaliação do impacto da doença nas atividades da vida diária. O perfil das manifestações neurocognitivas mudou drasticamente, caracterizando-se por uma incidência reduzida de demência associada ao HIV (HAD) e aumento de transtorno neurocognitivo leve/moderado (MND) e alteração neurocognitiva assintomática (ANI). Atualmente, estimam-se prevalências de 15 a 30% para ANI, 20 a 50% para MND e 2 a 8% para HAD. As manifestações neurocognitivas nos pacientes infectados pelo HIV têm se tornado mais evidentes em estágio anterior à imunossupressão grave. As categorias da HAND podem ser observadas com níveis moderados ou inclusive muito discretos de imunodepressão. Estudos recentes demonstraram que a contagem de linfócitos T CD4 atual ou nadir < 350 células/mm3 podem ser determinantes para esta evolução, também como idade > 50 anos, coinfecção pelo vírus da hepatite C, diabetes ou resistência à insulina; doença cardiovascular; e nível de escolaridade baixo. Portanto, é importante lembrar que a avaliação do Miniexame do Estado Mental, classicamente utilizado como ferramenta de triagem para demências corticais do tipo Alzheimer, é habitualmente normal em pacientes com alteração neurocognitiva. A única maneira de confirmar o diagnóstico e classificar as HAND é por meio de uma avaliação neuropsicológica formal, que deve ser realizada por profissionais treinados. Torna-se, fundamental, a partir de então, avaliar a presença de doenças psiquiátricas graves, abuso de medicamentos psicotrópicos e álcool, sequelas de doenças neurológicas oportunistas ou outras doenças neurológicas (p. ex., doença cerebrovascular, traumatismo cranioencefálico), doenças infecciosas oportunistas ou outras doenças neurológicas atuais (p. ex., encefalopatias metabólicas). A avaliação laboratorial de todo paciente com suspeita de HAND deve incluir: dosagem de vitamina B12, ácido fólico, hormônio tireoestimulante (TSH), T4 livre, VDRL, perfis bioquímico (função renal, hepática e glicemia) e hematológico completos. Os achados radiológicos mais frequentes são a redução do volume encefálico cortical e subcortical e/ou hipodensidades na substância branca subcortical e hipodensidades na tomografia computadorizada ou hipersinal em T2 e FLAIR na ressonância magnética. Contudo, as imagens podem ser completamente normais, principalmente nas formas assintomáticas ou leves e moderadas. As imagens e o liquor podem ser úteis para excluir outras doenças neurológicas (p. ex., infecções oportunistas). Adicionalmente, quando indicado e disponível, o liquor permite avaliar marcadores virológicos (p. ex., carga viral do HIV e genotipagem), mais importantes nas decisões terapêuticas do que no diagnóstico das HAND. Na América do Sul, as infecções oportunistas com manifestações em sistema nervoso central (SNC) mais prevalentes são a toxoplasmose cerebral, tuberculose meníngea e meningite criptocócica. E em indivíduos oriundos de áreas endêmicas a reativação da doença de Chagas é uma possibilidade. Vale ressaltar que indivíduos com imunossupressão grave, com linfócitos T CD4 < 200 células/mm3 têm maior risco para encefalite por Toxoplasma, meningite criptocócica, infecção pelo citomegalovírus, linfoma primário do SNC e leucoencefalopatia multifocal progressiva, enquanto na imunossupressão moderada com linfócitos T CD4 = 200 a 500 células/mm3 pode ocorrer tuberculose meníngea e leucoencefalopatia multifocal progressiva. As dores osteoarticulares podem ser erroneamente atribuídas a processos degenerativos, muitas vezes confirmados por achados laboratoriais e radiológicos, e a subjetiva queixa de cansaço pode ser menos valorizada diante de aspectos radiológicos compatíveis com doença pulmonar crônica, ou até atribuída a alterações da performance diastólica cardíaca, comprometida em muitos idosos, com sintomas pouco objetivos. Outra causa de cansaço pode ser inicialmente identificada por achados hematológicos caracterizados por anemias (presentes em cerca de 30% dos pacientes), ou linfomas – e sabemos que existe uma estreita relação entre essa doença e a AIDS. Deve-se ainda estar atento para as manifestações das doenças oportunistas que acometem os idosos portadores de AIDS e que, similarmente, podem ser confundidas ou atribuídas às doenças preexistentes. Dentre essas doenças oportunistas, a tuberculose ganha destaque e merece atenção nos dias atuais, uma vez que tem letalidade maior entre idosos, além de apresentar manifestações clínicas e radiológicas atípicas. Existe ainda a possibilidade do acometimento da tuberculose extrapulmonar e doença disseminada. As patologias pulmonares representam importante problema nos pacientes com AIDS; o principal agente é o Pneumocystis jiroveci, que cursa com quadro insidioso de febre, sudorese, fadiga e tosse não produtiva, hipoxemia grave e pode evoluir para insuficiência respiratória. Além disso, é muito importante o diagnóstico diferencial da pneumonia bacteriana e da tuberculose. A citomegalovirose, causada pelo Cytomegalovirus, é a doença oportunista de etiologia viral mais frequente em pacientes com AIDS e a causa mais comum de perda de visão por retinite nessa população, principalmente em indivíduos com CD4 < 50 células/mm3. Causa ainda afecções do tubo digestivo (especialmente esofagite e colite) e do sistema nervoso central (encefalite, mielite ou radiculite), além de pneumonites e afecções da suprarrenal. As colites causadas pelo Clostridium difficile devem ser investigadas, apesar de existirem diversas outras causas de colite por C. difficile, entre as quais o uso de antibioticoterapia, candidíase, neoplasias, quimioterapia, pneumonias e outras infecções, como as do trato urinário ou osteomielite. A deficiência da dissacaridase intestinal também propicia o surgimento de diarreia em cerca de 20 a 25% dos pacientes portadores de HIV. A histoplasmose é causada pelo fungo dimórfico Histoplasma capsulatum e leva a perda de peso, tosse, dispneia, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, lesões cutâneas e até septicemia. Pode ocasionar doença grave e disseminada. Outras alterações menos descritas na literatura incluem as manifestações renais: nefrite intersticial e necrose tubular aguda foram as alterações mais frequentes, enquanto as lesões glomerulares e as tubulares foram mais raras. É importante salientar a possibilidade de doenças neoplásicas como patologia associada nestes pacientes infectados pelo HIV, associados a vírus oncogênicos, como vírus da hepatite B, vírus da hepatite C, HTLV, papilomavírus e vírus EpsteinBarr. Outro aspecto que merece especial atenção nos dias atuais é o de que não estamos mais lidando com pacientes idosos que adquiriram HIV-AIDS, mas também com uma população que adquiriu AIDS na idade adulta e hoje, graças à terapia antirretroviral, chega à terceira idade. → Imunossenescência: Ao se considerarem as manifestações da imunodepressão no idoso, é importante que tenhamos em mente o conceito de imunossenescência. Imunossenescência pode ser definida como o declínio da função imune que ocorre em idosos de maneira fisiológica, sem decorrer de qualquer doença de base, desnutrição, exposição a agente tóxico ou distúrbio genético. Algumas consequências desse processo são aumento da incidência de doenças infecciosas, neoplasias, distúrbios autoimunes, gamopatias monoclonais e amiloidose. Alteração mais significativa, porém, não única da imunossenescência, é a progressiva disfunção dos linfócitos T, apesar de se saber que o envelhecimento per se não afeta de maneira uniforme todos os setores do sistema imunológico. O número de linfócitos diminui progressivamente durante ou após a meia-idade. Aos 60 anos, a quantidade de linfócitos está em torno de 70% quando comparada à dos jovens. A diminuição deve-se basicamente ao número de linfócitos T circulantes, e o número de linfócitosB permanece essencialmente o mesmo. As principais alterações imunológicas no idoso ainda incluem: - Decréscimo na produção de hormônios tímicos - Diminuição da resposta in vitro à interleucina 2 (IL-2) - Decréscimo da proliferação celular em resposta à estimulação mitogênica - Decréscimo na citotoxicidade mediada por células - Acentuação da sensibilidade celular à prostaglandina E2 - Aumento da síntese de anticorpos anti-idiótipos - Níveis diminuídos de resposta a anticorpos específicos - Aumento de anticorpos autoimunes - Aumento da incidência de imunoproteínas monoclonais séricas - Ausência de alteração na função das células NK (natural killer) - Decréscimo na representação de linfócitos B periféricos em homens - Diminuição na hipersensibilidade tardia - Alteração no número de linfócitos periféricos (T) - Aumento da capacidade de sintetizar interferona 8 (IFN-8). IL-6 e fator de necrose tumoral (TNF)-3. → Imunossupressão pelo HIV: No indivíduo com AIDS os achados clínicos e laboratoriais se assemelham àqueles da imunodeficiência congênita combinada grave (deficiência da imunidade celular e humoral) e da imunodepressão secundária à utilização de fármacos imunossupressores. Embora existam anormalidades funcionais em várias populações celulares, o fator determinante da imunodeficiência relaciona-se a depleção e disfunção de subpopulação de linfócitos T, com receptores de superfície CD4. Estes linfócitos exercem diversas funções: interagem com as células apresentadoras de antígenos (macrófagos), com células T citotóxicas, linfócitos B e células natural killer. Por essa razão, a infecção e a posterior depleção dessas células levam à imunodeficiência grave. Até recentemente questionava-se se a pura e simples infecção pelo HIV seria capaz de explicar a enorme diminuição dessa população linfocitária. Estudos recentes, entretanto, demonstraram que, desde o início da infecção pelo HIV, cerca de 1 bilhão de partículas virais são produzidas diariamente e a maior parte destruída. A infecção, a destruição e a recomposição diária dos linfócitos T chegam a números semelhantes. O HIV, por sua grande capacidade de mutação, acaba por desenvolver variantes mais patogênicas que o sistema imunológico não é capaz de controlar, levando consequentemente a maior destruição de linfócitos CD4. Dessa maneira, a replicação viral vem a ser realmente o principal mecanismo responsável pela disfunção imunológica, com consequente progressão para a AIDS. O HIV é também capaz de infectar várias outras células, entre elas macrófagos, monócitos, células de Langerhans, células dendríticas, células mesangiais, linfócitos B, endotélio, células da micróglia e da mucosa intestinal. A infecção crônica pelo HIV acarreta a diminuição da função do sistema imune, contribuindo para o aumento do risco das infecções, doenças malignas e distúrbios autoimunes. A capacidade de os linfócitos T e B gerarem resposta a antígenos novos e vacinas encontra-se diminuída associada ao decréscimo da produção da IL2 e do receptor de IL2; ocorrem involução do timo e baixos níveis do estado inflamatório. REFERÊNCIA: Fisiopatologia – Porth Características moleculares e biológicas do HIV HIV-1 é um membro encapsulado da família dos retrovírus, especificamente da subfamília dos lentivírus. Eles podem produzir doenças fatais de progressão lenta que incluem síndromes consumptivas e degeneração do SNC. Foram isoladas duas formas geneticamente diferentes, mas antigenicamente relacionadas, de HIV, HIV-1 e HIV-2 em pessoas com AIDS. HIV-1 é o tipo mais associado ao desenvolvimento de AIDS nos EUA, na Europa e na África Central, enquanto HIV-2 provoca doença semelhante, principalmente na África Ocidental. O HIV-2 parece ser transmitido da mesma maneira que o HIV1; também pode causar imunodeficiência, como evidenciado por redução no número de células T CD4+ e no desenvolvimento de AIDS. Embora o espectro da doença causada pelo HIV-2 seja semelhante ao da causada pelo HIV-1, esse vírus se propaga mais lentamente e demora mais tempo para provocar a doença do que o HIV-1. Atualmente, estão disponíveis testes específicos para HIV-2, e todo sangue coletado para transfusões é rotineiramente triado para HIV-2. Como a maioria das pessoas com HIV é portadora do vírus do tipo 1, esta discussão se concentra no HIV-1. O HIV infecta um número limitado de tipos de células no corpo humano, incluindo um subconjunto de linfócitos denominados linfócitos T CD4+ (também conhecidos como células T auxiliares ou células T CD4+), macrófagos e células dendríticas.12 As células T CD4 + são necessárias para o funcionamento normal do sistema imunológico. Entre outras funções, elas reconhecem antígenos estranhos e ajudam na ativação de linfócitos B que produzem anticorpos.12 As células T CD4+ também orquestram a imunidade mediada por células, na qual células T citotóxicas CD8+ e células citotóxicas naturais (NK) destroem diretamente as células infectadas por vírus, bacilo da tuberculose e antígenos estranhos. A função fagocítica de monócitos e macrófagos também é influenciada pela ação de células T CD4+. Como outros retrovírus, o HIV carrega sua informação genética na molécula de ácido ribonucleico (RNA), e não na de ácido desoxirribonucleico (DNA).13 O vírion do HIV é esférico e contém um cerne denso em elétrons cercado por um envelope lipídico. O cerne viral contém uma importante proteína, capsídio p24, duas cópias do RNA genômico e três enzimas virais (protease, transcriptase reversa e integrase). Como p24 é o antígeno mais facilmente detectado, é alvo dos anticorpos utilizados no rastreio para a infecção pelo HIV. O cerne viral está rodeado por matriz proteica chamada p17, que se localiza abaixo do envelope viral. O envelope viral é ornamentado com duas glicoproteínas virais, gp120 e gp41, fundamentais para a contaminação de células. A replicação do HIV é ilustrada na figura 16.2. Cada uma dessas etapas oferece perspectivas para o desenvolvimento de métodos utilizados para evitar ou tratar a infecção. A primeira etapa envolve a ligação do vírus com a célula T CD4+. Assim que o HIV entra na corrente sanguínea, ele se junta à superfície de uma célula T CD4 + mediante a ligação a um receptor de CD4 que tem alta afinidade para o HIV. No entanto, a ligação ao receptor CD4 não é suficiente para desenvolver a infecção; o vírus também precisa se ligar a outras moléculas de superfície (correceptores de quimiocinas, como CCR5 e CXCR4) que unem os envelopes de glicoproteínas gp120 e gp41. Este processo é conhecido como ligação. A segunda etapa possibilita a internalização do vírus. Após a ligação, os peptídios do envelope viral se fundem com a membrana das células T CD4+. Essa fusão resulta no desenvelopamento do vírus, viabilizando a entrada do conteúdo do cerne viral (as duas cadeias simples de RNA viral e as enzimas transcriptase reversa, integrase e protease) na célula hospedeira. Os correceptores de quimiocinas são componentes essenciais do processo de infecção pelo HIV. A terceira etapa consiste na síntese de DNA. Para que o HIV possa se reproduzir, deve alterar a molécula de RNA para DNA. Ele faz isso usando a enzima transcriptase reversa. A transcriptase reversa faz uma cópia do RNA viral e, em seguida, em sentido inverso, faz outra cópia em espelho. O resultado é a molécula de cadeia dupla de DNA que carrega as instruções para a replicação viral. A quarta etapa é denominada integração. Durante a integração, a nova molécula de DNA entra no núcleo da célula T CD4+ e, com a ajuda da enzima integrase, se insere no DNA original da célula. A quinta etapa envolve a transcrição do DNA viral de cadeia dupla para formar a molécula de cadeia simples de RNA mensageiro (mRNA) com as instruções para a construção de novos vírus. A transcrição envolve a ativação da célula T hospedeira e a indução de fatores de transcrição celular, como ofator nuclear kappa B (NFκB). Para finalizar o ciclo, o RNA ribossômico (rRNA) usa as instruções do mRNA para criar uma cadeia de proteínas e enzimas denominada poliproteína. Esta poliproteína contém os componentes necessários para as próximas etapas da construção de novos vírus. A sétima etapa é chamada de clivagem. Durante a clivagem, a enzima protease corta a cadeia de poliproteína em proteínas individuais que compõem os novos vírus. Finalmente, as proteínas e o RNA viral são montados para formar novos vírus HIV, liberados da célula T CD4+. O tratamento do HIV/AIDS se baseia na utilização de agentes que interrompem as etapas do processo de replicação do HIV. Atualmente, existem várias classes de medicamentos antivirais. O padrão atual de cuidados envolve a administração de terapia antirretroviral altamente ativa (HAART [highly active anti-retroviral therapy]), também conhecida como terapia antirretroviral combinada (CAR [combined anti-retroviral]), tipicamente constituída por uma combinação de três a quatro agentes antivirais. A replicação do HIV envolve a morte da célula T CD4 + e a liberação de cópias de HIV na corrente sanguínea. Estas partículas virais ou vírions invadem outras células T CD4+, viabilizando a propagação da infecção. Todos os dias, milhões de células T CD4+ infectadas são destruídas, liberando milhares de partículas virais na corrente sanguínea, mas a cada dia quase todas as células T CD4+ são substituídas e quase todas as partículas virais são destruídas. O problema é que, ao longo dos anos, a contagem de células T CD4+ diminui gradualmente com o decorrer do processo, aumentando o número de vírus detectados no sangue de pessoas infectadas pelo HIV. Até que a contagem de células T CD4+ alcance um nível muito baixo, a pessoa infectada pelo HIV pode permanecer assintomática, apesar de a replicação viral ativa ainda estar ocorrendo e de os testes sorológicos serem capazes de identificar anticorpos para HIV.14 Esses anticorpos, infelizmente, não fornecem proteção contra o vírus. Embora os sintomas não sejam evidentes, a infecção evolui no nível microbiológico, incluindo invasão e destruição seletiva de células T CD4+. A redução contínua do número de células T CD4 + coloca a pessoa com HIV em alto risco de contrair câncer e outras infecções. Classificação e fases da infecção pelo HIV Infecção pelo HIV e definição da classificação de caso para AIDS Com efeito, a partir de 1º de janeiro de 1993, o CDC implementou um sistema de classificação para a infecção pelo HIV e uma definição de caso para AIDS para adolescentes e adultos que enfatiza a importância clínica da contagem de células CD4+ na categorização das condições clínicas relacionadas com o HIV.16 O sistema de classificação define três categorias que correspondem à contagem de células CD4+ por microlitro (μℓ) de sangue: categoria 1 (> 500 células por μℓ); categoria 2 (200 a 499 células por μℓ) e categoria 3 (< 200 células por μℓ). Existem também três categorias clínicas: categoria clínica A, que inclui indivíduos assintomáticos ou que apresentam sintomas de linfadenopatia generalizada persistente (LGP), infecção HIV primária (i. e., doença de soroconversão aguda) ; categoria clínica B, que inclui indivíduos com sintomas de deficiência imunológica, mas não suficientemente grave para ser definida como AIDS; e categoria clínica C, que inclui as condições que definem a AIDS como doença e que estão listadas na definição de caso para AIDS. Cada pessoa infectada pelo HIV deve ser categorizada em relação à contagem de células T CD4+ e à sua condição clínica. A combinação dessas duas categorizações, contagem de células CD4+ categorias 1, 2 e 3 e as categorias clínicas A, B e C, foi inicialmente criada para orientar as decisões clínicas e terapêuticas no tratamento de uma infecção pelo HIV. Este esquema de classificação raramente é empregado na prática clínica atual, mas continua a ser uma ferramenta para produção de relatórios epidemiológicos. De acordo com a definição de caso de 1993, indivíduos classificados na categoria 3 ou categoria C são considerados pacientes com AIDS. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também tem uma tabela de categorias clínicas em adultos e adolescentes com mais de 15 anos de idade. Este sistema é útil porque não utiliza os níveis de CD4+, mas os sintomas clínicos. Os estágios clínicos estabelecidos pela OMS consistem em: fase clínica 1, que inclui geralmente inexistência de sintomas e LGP; fase clínica 2, que inclui herpes-zóster, perda moderada de peso inexplicável (< 10% do peso corporal presumido), queilite angular, infecções respiratórias recorrentes, ulcerações orais recorrentes, erupções pruriginosas papulares, dermatite seborreica e infecções fúngicas nas unhas; fase clínica 3, que inclui diarreia crônica inexplicável por mais de 1 mês, perda de peso grave inexplicável (> 10% do peso corporal presumido), febre persistente inexplicável por mais de 1 mês (> 37,6), candidíase oral persistente, leucoplasia pilosa oral, tuberculose, infecções bacterianas graves presumíveis, neutropenia (< 500 por μℓ), anemia inexplicável (hemoglobina < 8 g/ dℓ), estomatite necrosante aguda ulcerativa e trombocitopenia (plaquetas < 50.000 células por μ ℓ); e fase clínica 4, que inclui síndrome consumptiva do HIV, pneumonia pneumocística por Pneumocystis jiroveci (PPC), pneumonia bacteriana recorrente, herpes simples, tuberculose extrapulmonar, candidíase esofágica, sarcoma de Kaposi (SK), citomegalovírus (CMV), toxoplasmose do SNC, encefalopatia do HIV, criptococose, infecção disseminada por micobactérias atípicas, leucoencefalopatia progressiva, candidíase da traqueia, criptosporidiose, isosporíase, micose disseminada, linfoma, bacteriemia por Salmonella recorrente, carcinoma cervical invasivo e nefropatia e miocardiopatia sintomática associada ao HIV. Fases da infecção pelo HIV O curso típico da infecção pelo HIV é definido por três fases, que em geral ocorrem ao longo de um período de 8 a 12 anos. São elas: fase primária da infecção, fase assintomática crônica ou de latência e fase manifesta de AIDS. Muitas pessoas, quando são inicialmente infectadas pelo HIV, apresentam síndrome semelhante à mononucleose aguda conhecida como infecção primária, que pode durar algumas semanas. Esta fase aguda pode incluir febre, fadiga, mialgias, dor de garganta, suores noturnos, problemas gastrintestinais, linfadenopatia, eritema maculopapular e cefaleia. Durante a infecção primária, há aumento da replicação viral, o que resulta em cargas virais muito altas, muitas vezes superiores a um milhão de cópias/ml, e diminuição na contagem de células T CD4+. Os sinais e sintomas de infecção primária costumam se manifestar quase 1 mês após a exposição ao HIV, mas podem aparecer mais cedo. Após várias semanas, o sistema imunológico age para controlar a replicação e reduz a carga viral a um nível mais baixo, no qual, frequentemente, permanece durante muitos anos. Indivíduos diagnosticados com infecção pelo HIV na fase de infecção primária podem ter oportunidade única de tratamento. Alguns especialistas postulam que se o tratamento começa cedo, pode reduzir o número de células de longa vida infectadas pelo HIV (p. ex., células de memória CD4+). O tratamento precoce é capaz também de proteger o funcionamento das células T CD4+ infectadas pelo HIV e células T citotóxicas. Por fim, o tratamento precoce poderia ajudar a manutenção de uma população viral homogênea possível de ser melhor controlada pela terapia antirretroviral e pelo sistema imunológico. A fase primária é seguida por um período de latência, durante o qual a pessoa não apresenta sinais ou sintomas de doença. O tempo médio do período de latência é de cerca de 10 anos. Durante este período, a contagem de células T CD4+ cai gradualmente de uma faixa normal de 800 a 1.000 células/μℓ para 200 células/μℓ ou menos. Os dadosmais recentes sugerem que a queda na contagem de células T CD4+ pode não acontecer em um nível constante de declínio com base nos níveis de RNA viral, e que os fatores relacionados com a variabilidade do declínio nas células CD4+ estão sob investigação. Alguns indivíduos apresentam tumefação dos linfonodos neste momento. LGP geralmente é definida com a existência de linfonodos cronicamente tumefeitos por mais de 3 meses em pelo menos duas áreas, não incluindo a virilha. Os linfonodos podem se apresentar doloridos ou visíveis externamente. A terceira fase, a AIDS manifesta, se inicia quando o indivíduo apresenta contagem de células CD4+ inferior a 200 células/μℓ ou uma doença que define a AIDS. Sem a terapia antirretroviral, esta fase pode conduzir à morte no intervalo de 2 a 3 anos ou, em alguns casos, antes disso. O risco de infecções oportunistas e morte aumenta significativamente quando a contagem de células CD4+ cai abaixo de 200 células/μℓ. Evolução no curso da infecção pelo HIV-1. O gráfico ilustra síndrome clínica, níveis de carga viral e de células CD4+ e CD8+ no decorrer do tempo. CURSO CLÍNICO O curso clínico do HIV varia de pessoa para pessoa. A maioria, de 60 a 70% das pessoas infectadas pelo HIV, desenvolve AIDS 10 a 11 anos após a infecção. Essas pessoas são chamadas de progressores típicos. Outros 10 a 20% apresentam progressão rápida, desenvolvendo AIDS em menos de 5 anos, e são chamados de progressores rápidos. Os 5 a 15% restantes, progressores lentos, não evoluem para a AIDS por mais de 15 anos.21 Há um subconjunto de progressores lentos, chamados não progressores de longo prazo, que representam 1% de todos os infectados pelo HIV. Essas pessoas foram infectadas há pelo menos 8 anos, são virgens (naive) de tratamento antirretroviral, têm alta contagem de células CD4+ e geralmente têm cargas virais muito baixas. Neste grupo, existem pessoas que têm supressão virológica sustentada espontânea, sem o uso de medicação antirretroviral. Este grupo de pessoas infectadas pelo HIV está sendo investigado para ajudar a determinar as interações imunológicas e virológicas que possibilitam a manutenção da supressão do vírus HIV. Infecções oportunistas Começam a ocorrer infecções oportunistas à medida que o sistema imunológico vai sendo mais gravemente comprometido. O número de células T CD4+ está diretamente relacionado com o risco de desenvolvimento de infecções oportunistas. Além disso, o nível basal de RNA viral contribui, funcionando como um fator de risco independente. Infecções oportunistas envolvem microrganismos comuns, que não produzem infecção a menos que haja comprometimento da função imunológica. Embora uma pessoa com AIDS possa viver por muitos anos depois de uma primeira doença grave, à medida que o sistema imunológico falha, essas doenças oportunistas se tornam progressivamente mais graves e difíceis de tratar. Infecções oportunistas geralmente são classificadas pelo tipo de microrganismo (p. ex., fungos, protozoários, bactérias e micobactérias, vírus). Infecções oportunistas por bactérias e micobactérias incluem pneumonia bacteriana, salmonelose, bartonelose, Mycobacterium tuberculosis (tuberculose) e complexo MAC (Mycobacterium avium-intracellulare). Entre as infecções oportunistas por fungos estão candidíase, coccidioidomicose, criptococose, histoplasmose, peniciliose e pneumocistose. Infecções oportunistas causadas por protozoário sabarcam criptosporidiose, microsporidiose, isosporíase e toxoplasmose. Infecções por vírus incluem aquelas causadas por CMV, herpes-vírus simples e herpes-zóster, papilomavírus humano (HPV) e vírus JC, agente causador de leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP). Manifestações respiratórias As causas mais comuns de doença respiratória em pessoas com infecção pelo HIV são pneumonia bacteriana, pneumonia por Pneumocystis jiroveci (PPJ ou PPC [pneumonia por Pneumocystis carinii]) e TB pulmonar. Outros organismos que causam infecções pulmonares oportunistas em pessoas com AIDS incluem CMV, MAC, Toxoplasma gondii e Cryptococcus neoformans. Também pode ocorrer pneumonia devido a patógenos pulmonares bacterianos mais comuns, incluindo Streptococcus pneumoniae. Algumas pessoas podem ser infectadas por vários microrganismos, e não é raro encontrar mais do que um patógeno. SK também pode acontecer nos pulmões. Pneumonia por Pneumocystis jiroveci: Foi a manifestação mais comum de apresentação da AIDS durante a primeira década de epidemia. O Pneumocystis jiroveci é um microrganismo comum no solo, em casas e muitos outros locais espalhados pelo meio ambiente. Em pessoas com sistema imunológico saudável, P. jiroveci não causa infecção ou doença. Em pessoas com infecção pelo HIV, o P. jiroveci pode se multiplicar rapidamente nos pulmões e causar pneumonia. Conforme a doença progride, os alvéolos ficam cheios de um líquido espumoso rico em proteínas que prejudica a troca gasosa. Desde que foram instituídas a terapia HAART e a profilaxia para PPC, a incidência tem diminuído. PPC ainda é comum em pessoas que desconhecem sua condição de HIV positivas, em pessoas sem HIV, mas portadoras de outro tipo de imunodeficiência, naquelas que optam por não tratar a infecção pelo HIV ou receber profilaxia e naquelas com acesso precário aos cuidados de saúde. O que melhor pode prever o desenvolvimento de PPC é uma contagem de células CD4+ abaixo de 200 células/μℓ, e é neste ponto que a profilaxia com sulfametoxazol-trimetoprima (ou um agente alternativo no caso de reações adversas a compostos à base de sulfa) é fortemente recomendada. Os sintomas de PPC podem ser agudos ou graduais e progressivos. As pessoas podem apresentar queixas de tosse, febre, falta de ar e perda de peso. O exame físico pode revelar apenas febre e taquipneia, e os sons respiratórios podem ser normais. A radiografia de tórax pode mostrar infiltrado intersticial, mas, em algumas pessoas com PPC+, este exame pode não ser diagnóstico. O diagnóstico de PPC é estabelecido com base no reconhecimento do microrganismo em secreções pulmonares. Isto é possível pelo exame do escarro induzido, lavado bronco alveolar, biopsia transbrônquica e, raramente, biopsia pulmonar aberta. Foi desenvolvida uma ferramenta de pontuação progressiva para melhorar a identificação de pessoas com PPC. Mycobacterium tuberculosis: Tuberculose é a principal causa de morte em pessoas com a infecção pelo HIV em todo o mundo e, frequentemente, é a primeira manifestação de infecção pelo HIV. Em 2009, 10% dos 13 milhões de americanos com TB estavam coinfectados com HIV. Uma série de fatores contribuiu para este aumento, incluindo mudanças nos padrões de imigração e aumento do número de pessoas que vive em grupo, como em prisões, abrigos e asilos, mas o fator mais determinante era a infecção pelo HIV. Os pulmões são o local mais comum de infecção por M. tuberculosis, mas em pessoas infectadas pelo HIV também se desenvolve infecção extrapulmonar nos rins, na medula óssea e em outros órgãos. Seja tuberculose pulmonar ou extrapulmonar, a maioria das pessoas apresenta febre, sudorese noturna, tosse e perda de peso. Pessoas infectadas pelo M. tuberculosis (i. e., com resultados positivos no teste tuberculínico) estão mais propensas a desenvolver TB reativada se forem infectadas pelo HIV. Pessoas coinfectadas (i. e., com HIV e infecção TB) também estão mais propensas a ter uma forma rapidamente progressiva de tuberculose. Igualmente importante, pessoas infectadas pelo HIV, com a coinfecção por TB, costumam ter aumento na carga viral, o que diminui o sucesso do tratamento da tuberculose. Também desenvolvem um número maior de outras infecções oportunistas e maior taxa de mortalidade. Desde o final dos anos 1960, a maioria das pessoas com tuberculose responde bem ao tratamento. No entanto, na década de 1990, houve surtos de tuberculose multidroga resistente (MDR TB, multidrug-resistantTB). Para a tuberculose ser classificada como MDR TB, os bacilos devem ser resistentes a pelo menos isoniazida erifampicina. Recentemente, os bacilos desenvolveram resistência mais ampla, incluindo as fluoroquinolonas e outros agentes de segunda geração, como capreomicina e canamicina. Essas cepas de tuberculose são chamadas TB extensivamente resistente (XDR). Desde o início do surto original de MDR TB no início da década de 1990, a quantidade de novos casos de MDR TB tem diminuído, em grande parte devido ao aprimoramento das práticas de controle de infecção e à expansão dos programas de tratamento diretamente observado (TDO). As evidências sugerem que novas vacinas contra a tuberculose usando interferonaγ podem proteger pessoas HIV+ da tuberculose associada ao HIV. Manifestações gastrintestinais: Doenças do sistema digestório são algumas das complicações mais frequentes resultantes da infecção pelo HIV e AIDS. De fato, 80% das pessoas com HIV têm algum tipo de infecção gastrintestinal durante o curso da doença, que mais frequentemente envolve o esôfago e/ou o cólon. Se uma pessoa HIV+ tem contagem de CD4 de 200 células/μℓ, é comum em algum momento que desenvolva esofagite causada por, pelo menos, um dos seguintes: candidíase esofágica, infecção por CMV, infecção por herpes-vírus simples. Pessoas com HIV têm infecções do cólon mais frequentemente causadas por Salmonella, Shigella, CMV e/ou Campylobacter. Também são comuns úlceras aftosas presumivelmente secundárias ao HIV. Pessoas com estas infecções em geral se queixam de dor ao engolir ou dor retroesternal. A apresentação clínica pode variar de assintomática a uma completa incapacidade de engolir, resultando em desidratação. É necessário realizar endoscopia ou esofagografia com bário para estabelecer o diagnóstico definitivo. Diarreia ou gastrenterite é uma queixa comum em pessoas com infecção pelo HIV De fato, até 40% dos portadores de HIV. sofrem de pelo menos um evento de diarreia por mês, e 25% dos portadores de HIV têm diarreia crônica. É importante avaliar os portadores de HIV para as mesmas causas comuns de diarreia que acometem a população geral. A infecção oportunista por protozoário que mais comumente causa diarreia é o Cryptosporidium parvum. As características clínicas da criptosporidiose podem variar de diarreia leve até grave, aquosa, com perda de muitos litros de água por dia. A forma mais grave geralmente ocorre em pessoas com contagem de células CD4+ inferior a 100 células/μℓ. Manifestações do sistema nervoso A infecção pelo HIV, particularmente em sua fase final de imunossupressão grave, deixa o sistema nervoso vulnerável a uma série de transtornos neurológicos, como transtornos neurocognitivos associados ao HIV (HAND, HIV-associated neurocognitive disorders), toxoplasmose e LMP. Estes transtornos podem afetar o sistema nervoso periférico ou o SNC e contribuir para morbidade e mortalidade de pessoas infectadas pelo HIV. Transtornos neurocognitivos associados ao HIV: Em 2007, dois institutos americanos (National Institute of Mental Health e National Institute of Neurological Disorders and Stroke) desenvolveram uma nova classificação com critérios diagnósticos padronizados. As três condições incluídas em HAND são o comprometimento neurocognitivo assintomático (ANI, asymptomatic neurocognitive impairment) associado ao HIV, o transtorno cognitivo leve (MND, associated mild neurocognitive disorder) associado ao HIV e a demência associada ao HIV (HAD, HIV-associated dementia), anteriormente conhecida como complexo de demência da AIDS). HAND é uma síndrome de comprometimento cognitivo com disfunção motora ou com sintomas comportamentais ou psicossociais associados à infecção pelo próprio HIV. Em 2015, 50% de todas as pessoas com HIV nos EUA terão mais de 50 anos de idade. As evidências sugerem que inflamação e estado HIV+ influenciam a aceleração do processo de envelhecimento e também aumentam o risco de contrair doença neurodegenerativa, como doença de Parkinson e/ou Alzheimer. Não existem dados de causa e efeito conhecidos de que o uso prolongado de antirretrovirais também aumente a chance de doenças neurodegenerativas, mas existe uma suspeita. As pesquisas fornecem suporte à relação entre o uso prolongado de antirretrovirais e o aumento na incidência de doença cardiovascular em indivíduos HIV+. HAD, na maioria dos casos, é uma complicação tardia da infecção pelo HIV. As características clínicas da HAD são déficit de atenção e de concentração, diminuição da velocidade e agilidade mentais, desaceleração da velocidade motora e comportamento apático. O diagnóstico de HAD é de exclusão, e todas as outras etiologias potenciais precisam ser excluídas. O tratamento de HAD consiste em HAART para redução dos sintomas, que pode resultar em melhora significativa tanto das habilidades motoras quanto das cognitivas. O histórico familiar de demência também está relacionado com perda mais grave do funcionamento neuropsicológico em pacientes HIV+. Toxoplasmose: A toxoplasmose é uma infecção oportunista comum em pessoas com AIDS. T. gondii é um parasita que na maioria das vezes afeta o SNC. A toxoplasmose geralmente é uma reativação de uma infecção latente por T. gondii, que tem estado dormente no sistema nervoso central e que se manifesta uma vez que a função imunológica esteja prejudicada. A apresentação típica inclui febre, cefaleia e disfunção neurológica, assim como confusão mental e letargia, distúrbios visuais e convulsões. Devem ser imediatamente realizadas tomografias computadorizadas ou, preferencialmente, ressonâncias magnéticas para detectar lesões neurológicas. O tratamento com sulfadiazina, dapsona–pirimetamina e leucovorina provou ser efetivo contra T. gondii quando a contagem de células CD4+ está abaixo de 100 células/μℓ. Leucoencefalopatia multifocal progressiva: É uma doença desmielinizante da substância branca do cérebro provocada pelo vírus JC, um DNA vírus polioma que ataca os oligodendrócitos. A leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP) se caracteriza por fraqueza progressiva dos membros, perda de sensibilidade, dificuldade no controle dos dedos, distúrbios visuais, alterações do estado mental, ataxia, diplopia e convulsões. A taxa de mortalidade é elevada, e o tempo médio de sobrevivência é de aproximadamente 6 meses. O diagnóstico se baseia nos achados clínicos e na ressonância magnética e é confirmado pela existência do vírus JC. Não existe cura comprovada para a LMP, mas podem ocorrer melhoras após o início de uma terapia HAART efetiva. No entanto, nos casos em que se desenvolve LMP mesmo com a pessoa sendo tratada com HAART, o resultado pode ser pior, secundário à síndrome da reconstituição imunológica. Câncer e doenças malignas Pessoas com AIDS têm alta incidência de certas doenças malignas, especialmente SK, linfoma não Hodgkin e carcinoma cervical invasivo. A maior incidência de doenças malignas, provavelmente, é uma função do comprometimento da imunidade mediada por células. Como as pessoas com infecção pelo HIV estão vivendo mais tempo, tem havido relatos de aumento da incidência de neoplasias associadas a doenças malignas específicas de sexo e idade. Indivíduos com infecção pelo HIV parecem ter risco maior para câncer de pulmão, mesmo após o ajuste para histórico de tabagismo e outras doenças malignas. Doenças malignas não definidoras de AIDS são responsáveis por um número maior de casos de morbidade e mortalidade do que doenças malignas definidoras de AIDS na era da terapia antirretroviral. Os fatores de risco tradicionais desempenham papel significativo no aumento do risco de doenças malignas não definidoras de AIDS para indivíduos infectados pelo HIV, mas não o explicam inteiramente. Na era pós-HAART, têm sido demonstradas maiores incidências de Hodgkin, de câncer de pulmão, cabeça e pescoço, da conjuntiva e de hemopatias. Sarcoma de Kaposi: É umtumor maligno das células endoteliais que revestem pequenos vasos sanguíneos em todo o corpo. Sendo um câncer oportunista, o sarcoma de Kaposi (SK) acomete pacientes imunodeprimidos (p.ex., transplantados ou com AIDS). O SK foi um dos primeiros tipos de câncer oportunista associados à AIDS e ainda é o tumor maligno mais frequente relacionado com a infecção pelo HIV. Ele está associado a um tipo de herpes-vírus (herpes-vírus tipo 8 [HHV8]) que também é chamado de herpesvírus associado a SK (KSHV). Mais de 95% das lesões por SK encontradas, independentemente da fonte ou do subtipo clínico, têm se apresentado infectadas por KSHV. O HHV8 também está relacionado com a doença de Castleman e linfomas de efusão primária. As lesões por SK podem ser encontradas na pele e na cavidade oral, no sistema digestório e nos pulmões. Muitas pessoas com lesões cutâneas também desenvolvem lesões gastrintestinais. A doença geralmente se manifesta como uma mácula ou mais, pápulas ou lesões de pele violáceas que aumentam de tamanho e escurecem. Podem crescer até formar placas ou tumores proeminentes. Estes tumores de formato irregular têm tamanho que varia entre 2 e 4 cm. Frequentemente, existem nódulos tumorais localizados no tronco, no pescoço e na cabeça, especialmente na ponta do nariz. Em geral, são indolores nos estágios iniciais, mas pode se desenvolver desconforto à medida que o tumor cresce. É comum a invasão de órgãos internos, incluindo pulmões, sistemas digestório e linfático. A progressão do SK pode ser lenta ou rápida. Geralmente, o diagnóstico presumível de SK é estabelecido com base na identificação visual de lesões cutâneas ou orais avermelhadas ou violáceas. Deve ser realizada a biopsia de pelo menos uma lesão para estabelecer o diagnóstico e distinguir SK de outras lesões de pele que podem ter aspecto semelhante. Estabelecer o diagnóstico de KS apenas gastrintestinal ou pulmonar é mais difícil, porque é necessário endoscopia ou broncoscopia, e a biopsia desse tipo de lesão é contraindicada devido ao risco de hemorragia grave. HAART efetivo é o tratamento de escolha para SK localizado. Linfoma não Hodgkin: O linfoma não Hodgkin se desenvolve em 3 a 4% das pessoas com infecção pelo HIV. As características clínicas são febre, sudorese noturna e perda de peso. As manifestações de linfoma não Hodgkin são semelhantes às de outras infecções oportunistas, o diagnóstico muitas vezes é difícil. Este pode ser estabelecido por biopsia do tecido afetado. O tratamento consiste na combinação de quimioterapia agressiva, que pode incluir quimioterapia intratecal. Carcinoma não invasivo cervical e anal: O HPV tem sido associado ao desenvolvimento de carcinoma cervical e carcinoma anal em homens e mulheres HIV-positivos. Mulheres com infecção pelo HIV apresentam incidência maior de neoplasia intraepitelial cervical (NIC) do que mulheres não infectadas pelo HIV. Mulheres e homens infectados pelo HIV muitas vezes são acometidos pela doença anogenital persistente e recorrente associada ao HPV. Displasia cervical é detectada por Papanicolaou e colposcopia do colo do útero e também pode ser utilizada para rastrear câncer anal em pacientes do sexo masculino. Há vacinas disponíveis desenvolvidas para proporcionar imunidade contra a infecção por HPV, especificamente HPV-16 e HPV-18. A segurança e a imunogenicidade da vacina entre homens e mulheres infectados pelo HIV estão sendo estudadas. Síndrome consumptiva Distúrbios metabólicos e morfológicos: Uma grande variedade de distúrbios metabólicos e morfológicos está relacionada com a infecção pelo HIV, como lipoatrofia e distúrbios mitocondriais; lipohipertrofia, hipercolesterolemia; hipertrigliceridemia; resistência à insulina e comprometimento da tolerância à glicose. O termo lipodistrofia é frequentemente empregado para descrever alterações na composição corporal, com ou sem outros distúrbios metabólicos. As complicações metabólicas entre as pessoas com infecção pelo HIV em terapia HAART têm aumentado desde a introdução de HAART potente. O desenvolvimento de resistência à insulina e o diabetes parecem ser maiores entre pessoas com infecção pelo HIV, em comparação com a população geral, embora os fatores de risco tradicionais contribuam de maneira significativa. A resistência à insulina e o diabetes também parecem estar mais relacionados com o uso de nucleosídios específicos em combinação com inibidores de protease, e não como se acreditava inicialmente, apenas com os inibidores de protease. Ainda não se sabe como a resistência à insulina se desenvolve em pessoas infectadas pelo HIV, mas a maioria dos especialistas acredita que seja secundária à desregulação de vias metabólicas ou por efeitos indiretos por intermédio de toxicidade mitocondrial associada à toxicidade dos adipócitos. O tratamento da resistência à insulina é o mesmo indicado para pessoas sem infecção pelo HIV e inclui dieta saudável e equilibrada; exercícios físicos; e perda de peso, se necessário. O HIV e sua terapia têm sido associados à dislipidemia mesmo antes do desenvolvimento da terapia HAART. A gravidade da dislipidemia e o padrão típico do perfil lipídico diferem entre as classes e em uma mesma classe de agentes antirretrovirais. A classe de inibidores de protease geralmente está aliada a níveis elevados de colesterol e triglicerídios. A classe de antirretrovirais inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídios (ITRNN) tem sido associada a níveis elevados de lipoproteínas de alta densidade (HDL) e do colesterol total. A classe de inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídios (ITRN) é heterogênea em relação aos lipídios. A estavudina está associada com maior frequência a casos de dislipidemia com níveis elevados de colesterol total, lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e triglicerídios. Antes de iniciar a terapia antirretroviral, deve ser elaborado um painel lipídico em jejum, repetido em 3 a 6 meses, e depois anualmente. Uma estratégia na tentativa de corrigir ou reverter estas alterações é mudar o regime HAART para outro igualmente supressivo que contenha medicamentos com menor probabilidade de causar dislipidemia. É importante avaliar com cuidado os riscos potenciais de perda de supressão virológica quando são feitas alterações na HAART. Os medicamentos recomendados para controlar níveis elevados de colesterol LDL são as estatinas. No entanto, deve-se ter cuidado porque podem ocorrer interações farmacológicas graves no metabolismo de inibidores de protease, ITRNN e estatinas. Lipodistrofia: A lipodistrofia relacionada com a infecção pelo HIV inclui sintomas que se enquadram em duas categorias: mudanças na composição corporal e alterações metabólicas. As alterações na aparência do corpo são aumento da circunferência abdominal, distribuição anormal de gordura na região supraclavicular (giba de búfalo), perda de gordura da face e extremidades e aumento das mamas em homens e mulheres. A maioria das pessoas apresenta lipo-hipertrofia ou lipoatrofia. As alterações metabólicas incluem níveis plasmáticos elevados de colesterol, níveis baixos de HDL, níveis elevados de triglicerídios e resistência à insulina. Originalmente atribuída à utilização de inibidores de protease, a patogênese dessas perturbações metabólicas é complexa e pode haver diversos fatores envolvidos. O diagnóstico da lipodistrofia é difícil, pois pode depender de medidas subjetivas de relatos de alteração no formato do corpo e também porque o termo não foi padronizado. Um grupo de estudos americano (Lipodystrophy Case Definition Study Group) desenvolveu uma definição que incorpora dez variáveis metabólicas, clínicas e de composição corporal que podem diagnosticar a lipodistrofia com 80% de precisão. Outro grupo (The Study of Fat Redistribution and Metabolic Change in HIV Infection – FRAM) também desenvolveu um modelo para definir a lipodistrofia. No entanto,nenhuma dessas definições teve grande aceitação, e a maioria dos médicos prefere descrever o espectro de sinais e sintomas apresentados por seus pacientes. Portanto, é fundamental na interpretação de um grande número de ensaios clínicos que se observe a definição utilizada para esse estudo em particular. Existem alguns dados preliminares disponíveis sobre a utilização de hormônio do crescimento humano recombinante para diminuir a quantidade de tecido adiposo visceral e tecido adiposo subcutâneo. Também foi estudado o uso de metformina e tiazolidinedionas, fármacos antidiabéticos orais, mas os resultados têm se mostrado inconsistentes. Alguns especialistas recomendam a mudança para um regime de HAART que não se baseie nos inibidores de protease no tratamento da lipo-hipertrofia, embora isto também não tenha apresentado resultados consistentes. Existe certa evidência de que a substituição de um análogo da timidina para um não análogo da timidina possa melhorar a lipodistrofia. Intervenções cirúrgicas (p. ex., lipoaspiração, implante ou injeção de substâncias sintéticas) têm sido empregadas com algum sucesso. Distúrbios mitocondriais: As mitocôndrias controlam muitas das reações químicas de oxidação que liberam energia a partir da glicose e de outras moléculas orgânicas. As mitocôndrias transformam esta energia em adenosina trifosfato (ATP), que as células usam como fonte de energia. Quando não há função mitocondrial normal, as células revertem para o metabolismo anaeróbico, com formação de ácido láctico. As doenças mitocondriais observadas em pessoas com infecção pelo HIV são atribuídas aos ITRN, especialmente aos análogos da timidina. As apresentações mais comuns são lipoatrofia e neuropatia periférica, embora o paciente possa não apresentar as duas. As pessoas também podem apresentar sintomas gastrintestinais inespecíficos, incluindo náuseas, vômitos e dor abdominal. Podem desenvolver alterações na função hepática e acidose láctica. Desde o reconhecimento da síndrome de polineuropatia ascendente e de relatos de insuficiência hepática resultante da terapia combinada de estavudina e didanosina, eventos potencialmente fatais devido à toxicidade mitocondrial diminuíram drasticamente. RESUMO: O HIV é um retrovírus que infecta células CD4+ e macrófagos do organismo. O material genético do HIV se integra ao DNA da célula hospedeira, de modo que possa ser produzido novo HIV. Pode haver manifestações da infecção, como sintomas semelhantes aos de mononucleose aguda, logo após a infecção, e isto é acompanhado por uma fase de latência que pode durar diversos anos. O fim do período de latência é marcado pelo aparecimento de infecções oportunistas e cânceres à medida que o indivíduo é diagnosticado com AIDS. As complicações destas infecções podem se manifestar nos sistemas respiratório, digestório e nervoso e podem incluir pneumonia, esofagite, diarreia, gastrenterite, tumores, síndrome consumptiva, alteração do estado mental, convulsões, déficit motor e distúrbios metabólicos. REFERÊNCIA: Boletim Epidemiológico – Ministério de Saúde – 2019 EPIDEMIOLOGIA → Casos de AIDS: De 1980 a junho de 2019, foram identificados 966.058 casos de aids no Brasil. O país tem registrado, anualmente, uma média de 39 mil novos casos de aids nos últimos cinco anos. Entretanto, o número anual de casos de aids vem diminuindo desde 2013, quando atingiu 42.934 casos; em 2018, foram registrados 37.161 casos. A distribuição proporcional dos casos de aids, identificados de 1980 até junho de 2019, mostra uma concentração nas regiões Sudeste e Sul, correspondendo cada qual a 51,3% e 19,9% do total de casos; as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste correspondem a 16,1%, 6,6% e 6,1% do total dos casos, respectivamente. Nos últimos cinco anos (2014 a 2018), a região Norte apresentou uma média de 4,4 mil casos ao ano; o Nordeste, 8,9 mil; o Sudeste, 15,4 mil; o Sul, 7,7 mil; e o Centro-Oeste, 2,8 mil. Do ano 2000 a junho de 2019, registrou-se um total de 756.586 casos de aids, sendo que 534.114 (70,6%) foram notificados no Sinan. Entre os casos não notificados, 57.402 (7,6%) foram encontrados no SIM e 165.070 (21,8%) no Siscel/Siclom. A soma dos casos encontrados no SIM e Siscel/Siclom representa 29,4% de subnotificação no Sinan. Observam-se importantes diferenças nas proporções dos dados, segundo sua origem, em relação às regiões do país. As regiões Sul e Centro-Oeste possuem maior proporção de casos oriundos do Sinan que o Norte, o Nordeste e o Sudeste. Chamam a atenção os estados do Pará e do Rio de Janeiro, com apenas 51,8% e 58,6% dos casos oriundos do Sinan, respectivamente. Em 2018, apesar da recomendação da dispensação de medicação vinculada à notificação compulsória no Sinan, os estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Mato Grosso apresentaram menos de 50% seus casos oriundos do Sinan. A taxa de detecção de aids vem caindo no Brasil nos últimos anos. Em 2012, a taxa foi de 21,7 casos por 100.000 habitantes; em 2014, foi de 20,6; em 2016, passou para 18,9; finalmente, em 2018, chegou a 17,8 casos por 100.000 habitantes. Em um período de dez anos, a taxa de detecção apresentou queda de 17,6%: em 2008, foi de 21,6 casos por 100.000 habitantes e, em 2018, de 17,8 casos a cada 100.000 habitantes. As regiões Sudeste e Sul apresentaram tendência de queda nos últimos dez anos; em 2008, as taxas de detecção dessas regiões foram de 22,8 e 35,7, passando para 16,0 e 22,8 casos por 100.000 habitantes em 2018: queda de 29,8% e 36,1%, respectivamente. A região Centro-Oeste, apesar de ter apresentado menores variações nas taxas anuais, também exibiu queda de 4,4% nos últimos dez anos, enquanto as regiões Norte e Nordeste mostraram tendência de crescimento na detecção: em 2008 as taxas registradas dessas regiões foram de 20,6 (Norte) e 13,5 (Nordeste) casos por 100.000 habitantes, enquanto em 2018 foram de 25,1 (Norte) e 15,8 (Nordeste), representando aumentos de 21,8% (Norte) e 17,0% (Nordeste). Observa-se um declínio na taxa de detecção de aids entre os anos de 2008 e 2018 em 11 UF: Rio Grande do Sul (39,3%), Paraná (36,6%), São Paulo (34,8%), Santa Catarina (29,1%), Distrito Federal (25,8%), Minas Gerais (25,2%), Espírito Santo (24,0%), Rio de Janeiro (23,9%), Rondônia (6,1%), Mato Grosso (6,1%) e Mato Grosso do Sul (3,8%). Vale destacar o aumento de 81,7% na taxa de detecção do Rio Grande do Norte, no mesmo período. Em 2018, o ranking das UF referente às taxas de detecção de aids mostrou que os estados de Roraima e Amazonas apresentaram as maiores taxas, com 40,8 e 29,1 casos por 100.000 habitantes, respectivamente. Além disso, observou- se que outras 11 UF apresentaram taxas superiores à nacional (de 17,8/100.000 habitantes). Minas Gerais foi o estado com a menor taxa: 11,6 casos/100.000 habitantes. Entre as capitais, apenas Rio Branco e Brasília tiveram taxas inferiores à nacional: 17,4 e 13,8 casos/100.000 habitantes, respectivamente. Florianópolis apresentou taxa de 57,0 casos/100.000 habitantes, em 2018, valor superior ao dobro da taxa de Santa Catarina e 3,2 vezes maior que a taxa do Brasil. No Brasil, de 1980 até junho de 2019, foram registrados 633.462 (65,6%) casos de aids em homens e 332.505 (34,4%) em mulheres. No período de 2002 a 2009, a razão de sexos, expressa pela relação entre o número de casos de aids em homens e mulheres, manteve-se em 15 casos em homens para cada dez casos em mulheres; no entanto, a partir de 2010, observou-se uma redução gradual dos casos de aids em mulheres e um aumento nos casos em homens, refletindo-se na razão de sexos, que passou a ser de 23 casos de aids em homens para cada dez casos em mulheres em 2017, razão que se manteve em 2018. Considerando-se os últimos dez anos, observou-se que a taxa de detecção de aids em homens apresentou aumento entre 2007 e 2011 (24,8 para 28,3 casos/100.000 habitantes) e reduçãoa partir de 2012. Em 2018, a detecção de aids entre homens foi de 25,2 casos a cada 100.000 habitantes. Entre as mulheres, observou-se tendência de queda dessa taxa nos últimos dez anos, que passou de 17,0 casos/100.000 habitantes em 2008, para 10,5 em 2018, representando uma redução de 38,2%. A razão de sexos apresenta diferenças regionais importantes, apesar de, em todas elas, haver um predomínio de casos em homens. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, a razão de sexos, em 2018, foi de 26 e 27 casos em homens para cada dez casos em mulheres, respectivamente. Por sua vez, nas regiões Norte e Nordeste, a razão de sexos, em 2018, foi de 23 casos em homens para cada dez casos em mulheres, enquanto na região Sul houve uma maior proporção de mulheres no total de casos de aids: a razão de sexos foi de 18 homens para cada dez mulheres. A razão de sexos também varia de acordo com a faixa etária. Em 2018, a faixa etária que apresentou menor razão de sexos foi a de 50 anos ou mais, com razão de 1,8, e a faixa que apresentou maior razão de sexos foi a de 20 a 29 anos, com razão de 3,8. Nessa última faixa também se verificou a maior variação percentual na razão de sexos, nos últimos dez anos: em 2008, a razão de sexos era de 14 casos em homens para cada dez casos em mulheres, passando para 38 casos em homens a cada dez casos em mulheres em 2018. Houve pouca variação da razão de sexos nos últimos dez anos (2008 a 2018) nos grupos etários de 40 a 49 (11,7%) e de 50 anos ou mais (20,0%), em comparação com os outros grupos. A maior concentração dos casos de aids no Brasil foi observada nos indivíduos com idade entre 25 e 39 anos, em ambos os sexos. Os casos nessa faixa etária correspondem a 52,4% dos casos do sexo masculino e, entre as mulheres, a 48,4% do total de casos registrados de 1980 a junho de 2019. Quando comparados os anos de 2008 e de 2018, observam-se reduções nas taxas de detecção entre os indivíduos do sexo masculino com até 14 anos de idade e nos homens de 30 a 59 anos. Entre as mulheres, observam-se reduções nas taxas de detecção de todas as faixas etárias. Em 2018, todas as faixas etárias, exceto aquelas até 14 anos, apresentaram taxas de detecção do sexo masculino superiores às taxas do sexo feminino. Para as faixas etárias de 20 a 24 e de 25 a 29 anos, as taxas de detecção dos homens são quase quatro vezes maiores do que as taxas das mulheres. Entre os homens, nos últimos dez anos, observou-se um incremento na taxa de detecção entre aqueles de 15 a 19 anos, 20 a 24 anos, 25 e 29 anos e 60 anos e mais. Destaca-se o aumento da taxa entre jovens de 15 a 19 anos e de 20 a 24 anos, que foram, respectivamente de 62,2% e 94,6% entre 2008 e 2018. Em 2018, a maior taxa de detecção foi de 50,9 casos/100.000 habitantes, que ocorreu entre os indivíduos na faixa etária de 25 a 29 anos, tendo superado as taxas de detecção em homens de 30 a 34 anos e de 35 a 39 anos, que eram mais prevalentes até o ano de 2015. Entre as mulheres, verifica-se que, nos últimos dez anos, a taxa de detecção apresentou queda em todas as faixas etárias, sendo as faixas de 5 a 9, de 10 a 14, de 25 a 29 e de 30 a 34 anos as que apresentaram as maiores quedas: 68,8%, 62,5%, 51,2% e 53,2%, respectivamente, quando comparados os anos de 2008 e 2018. No ano de 2008, a maior taxa de detecção de aids foi observada entre as mulheres de 30 a 34 anos (37,2 casos/100.000 habitantes); em 2018, as faixas com maior detecção foram as das mulheres entre 40 e 44 anos (20,5 casos/100.000 habitantes).