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Medéia
Medéia, uma das mais afamadas obras-primas de Eurípides, foi representada pela primeira vez nas Dionísias Urbanas de -431, ano em que começou a Guerra do Peloponeso. As outras peças da tetralogia eram Filoctetes, Dictis e Os Ceifeiros (drama satírico), todos perdidos. Eurípides obteve a terceira colocação no concurso de tragédias; Euforion ganhou o primeiro prêmio e Sófocles, o segundo.
Argumento
Nesta tragédia Eurípides nos transmitiu um dos mais interessantes e mais emocionantes retratos das forças antagônicas que governam a alma humana. Medéia, a personagem principal, luta com todas as forças e todas as armas contra as adversidades que a acometem.
Jasão e Medéia, expulsos de Iolco após a morte de Pélias, vivem agora em Corinto com seus dois filhos. O rei de Corinto, Creonte, convence Jasão a abandonar Medéia e se casar com sua filha; para tanto, expulsa Medéia e os dois filhos da cidade. Egeu, rei de Atenas, concede asilo a Medéia, mas a feiticeira decide se vingar de Jasão. Primeiro, através de um ardil, mata Creonte e a filha dele; a seguir, mata os próprios filhos e foge, finalmente, em um carro alado cedido pelo deus Hélio, seu avô.
Era, na mitologia grega, uma mulher dotada de poderes mágicos. Ajudou o herói Jasão a obter o Velocino de Ouro, a famosa lã de Ouro de um carneiro voador.
 Medéia era filha de Eetes, rei da Cólquida. O Velo de Ouro estava pendurado em um pequeno bosque da Cólquida, guardado por um dragão que nunca dormia. Medéia apaixonou-se por Jasão quando ele e seus companheiros, os argonautas, foram à Cólquida em busca do velo. Ela enfeitiçou o dragão, para que Jasão pudesse levar consigo a lã de Ouro.
 Medéia e seu irmão Absirto fugiram da Cólquida de navio, com Jasão e os Argonautas. Quando Eetes tentou persegui-los Medéia matou Absirto e o cortou em pedacinhos, atirando-os na água. O rei parou para recolher os pedaços do corpo do filho, com o que Jasão e Medéia puderam escapar.
 A expedição viajou para Iolco cidade grega onde Jasão tinha nascido. Lá, Medéia rejuvenesceu o pai de Jasão e conspirou contra o rei Pélias, que tinha usurpado o trono de Iolco ao pai de Jasão e conspirou contra o rei Pélias, que tinha usurpado o trono de Iolco ao pai de Jasão. Ela disse às filhas do rei que possuía um encantamento mágico para fazer o rei novamente jovem. No entanto, não forneceu os ingredientes corretos às princesas. Estas experimentaram a magia sobre o pai, e ele morreu. O filho do rei forçou Jasão e Medéia a fugir, e eles se estabeleceram na cidade de Corinto.
 Jasão e Medéia tiveram dois filhos e viveram felizes em Corinto durante dez anos. Jasão, porém se apaixonou por Creusa, filha do rei de Corinto. Abandonou Medéia e preparou-se para o casamento com Creusa. Em um ataque de ciúmes, Medéia deu à sua rival uma túnica mágica. Quando Creusa vestiu a túnica, morreu queimada. Em seguida, Medéia matou os dois filhos que tinha com Jasão e fugiu para Atenas.
 Medéia viveu com Egeu, rei de Atenas, e teve com ele um filho, Medos. Quando Teseu, filho mais velho de Egeu, veio para Atenas, Medéia teve medo de que ele tomasse o lugar de seu filho como herdeiro do trono ateniense. Tentou envenenar Teseu, mas Egeu soube da conspiração e baniu Medéia, que voltou à Cólquida, onde viveu o resto de sua vida.
 
Bibliografia:
 
- Enciclopédia Barsa
- Enciclopédia Delta Universal
- Enciclopédia Delta 
- Enciclopédia PAPE
Medéia
O espectador moderno, assustado com Eurípides, remete o caso Medéia para uma das esferas da psicologia. Isso, no mínimo, é bom, porque é uma forma de explicar. Outra atitude é compreender a personagem no âmbito da mitologia, pois tudo era mito - não só na cultura arcaica, mas nas outras, que, na Grécia, precederam toda a cultura grega. A rigor, os mitos gregos procedem de uma Grécia pré-helênica, vale dizer, da Grécia minóica e micênica, para não falar dos indo-europeus, que estiveram na Grécia bem antes, e que lá deixaram sua ideologia bélica, religiosa e trabalhista. Os gregos tiveram de mão beijada tudo isso. E prosseguiram com tal ideologia, que eles trabalharam genialmente. Quem pensa na mulher da Grécia de Aristófanes e de Eurípides pressente logo que alguma coisa devia andar errada, para que ela fosse tão out, tão reprimida. A situação feminina era categorial, estada dentro de um sistema. Os gregos pouco a discutiam. Pois ela valia pelos resultados.
O homem grego, desde sempre, tinha de haver-se com os deuses, cujos desígnios ele se esforçava por adivinhar, e essa dúvida tornou-se o motor do gênio grego, aquilo que fez com que os gregos primeiro lutassem com os demônios, para reduzi-los a condição mais favorável, mais estética. E tudo isso era natural, porque antes de pensarem na natureza os gregos dialogaram com ela, apalparam-na, sentiram suas curvas, seus apelos, suas emboscadas. 
Ora, a mulher participava dessa natureza como um ser menos dialogável que o homem. Por que? Porque os homens amavam outros homens (desde a Ilíada, pelo menos) e, tal como hoje, sempre quiseram ser deuses, e, não podendo ser isso, tornaram-se reis, poetas, filósofos, arquitetos, e sobretudo tiranos. É nesse contexto em que costuma se ver a Medéia de Eurípides. Ela protesta. Entretanto, o que ela faz só pode ser entendido por símbolos. Ou não será entendido. Medéia tem um ressentimento bem anterior a ela e que não vem da situação conjugal, mas esta, ao contrário, é que vem daquele ressentir primitivíssimo.
O grego não podia ter noção de natureza (a não ser tardiamente), porque ele mesmo era uma natureza a dialogar com outras. Ele era uma physis sobrepujando as outras, fazendo com elas um acordo, em nome de um equilíbrio, que nem sempre lhe era favorável. Ele não podia ludibriar a natureza, porque a resposta era imediata: a natureza adoecia, e adoecia ele também. A natureza era animada. A rigor, a palavra theós designava não uma figura, mas qualquer coisa em que os homens se envolvessem. Essa palavra funcionava como uma espécie de predicado universal. 
Em geral não se observa que, nas tragédias áticas, o que precipita a vertigem da ação é um estado inicial de miasma, de apodrecimento da vida, como, por exemplo, no Édipo de Sófocles. A hybris, a "desmesura" (punida mais cedo ou mais tarde) é o resultado natural desse logro, que envolve um eu, um tu e o próprio mundo. O ressentimento de Medéia está ligado ao que ela fizera e ao que lhe fizeram em tempos memoriais, em algum recanto da Cólquida. Isto nos obriga a lidar com o simbólico. Medéia é anterior ao panteão olímpico-patriarcal. Jasão, ao contrário, reza nos terreiros da Grécia masculina. Há uma anacronia na peça de Eurípides. 
Tudo faz crer que Medéia era do tempo em que a mulher mandava. As várias culturas femininas espalhadas pelo Mediterrâneo (antes do ano 2000 pelo menos) eram sensuais e sedentárias. O que mais então machucaria os homens não era o poder (inclusive religioso) das mulheres, porque eles, mesmo com inveja, endossariam tal poder, que consideravam divino. Ao contrário do que ocorreria hoje (mulheres invejando o phallós) era o homem que invejava o ventre, o ventre que não era deles, e que despejava no mundo os novos seres. Essa inveja primordial foi recalcada por milênios de sublimação olímpica. Afora isso, havia no matriarcado, pelo menos, uma pacificação entre a vida e a natureza, coisa que o panteão olímpico aboliu, quando Hermes, de mulher que era, converteu-se em homem, passando ao lado oposto. 
Medéia é fruto dessa crise, em que a mulher se nomadiza, se seculariza, e passa de deusa, que era, para feiticeira, e de feiticeira para mulher preterida, mais uma vez, portanto, em fuga. Este é um ponto. 
O outro ponto diz respeito à anacronia. Medéia não pode ser nem virgem, nem noiva, nem dona de casa, apesar de todo esforço. Ela é filha dessa crise, em que não faltaram banhos de sangue ou poluções. E estas coisas, por mais antigas, são dívidas presentes, e assim definem o ser. A natureza reage, faz cobranças. Não só por causa de Medéia, mas pela inteira reversãodo mundo.
Por isso é que a montagem de Antunes Filho é sábia. Não são os acontecimentos em si mesmos o que ele prestigia. Antunes não quer drama, porque o drama pode ser o pior tipo de presentificação. Ele quer o que (felizmente) se pode urdir ainda hoje: o jogo arcano do discurso, o fluxo das palavras (fazendo a cena retornar ao logos), frase contra frase, pois só a palavra nós faz retornar internamente à primitividade, nossa verdadeira família. Tudo no cenário de Antunes nos carrega para lá. Porque nós estávamos lá. Mas isto é para quem vai ver o espetáculo.
Antonio Medina Rodrigues
 
GOTA D´ÁGUA - de Chico Buarque e Paulo Pontes 
Direção: Regina Galdino
 
UMA TRAGÉDIA BRASILEIRA
Gota D´Água é uma Medéia moderna e brasileira. Os talentos de Chico Buarque e Paulo Pontes se reuniram para revitalizar o texto clássico de Eurípides.
Medéia é uma história de reis e feiticeiros. 
Gota D´Água é uma história de pobres e macumbeiros.
Medéia é Joana, mulher madura, sofrida, moradora de um conjunto habitacional. Jasão é jovem, vigoroso, sambista que desponta para o sucesso com uma música chamada Gota D´Água. 
Creonte é o todo-poderoso do local, dono das casas, muito rico, o poder corruptor por excelência. A filha de Creonte é Alma, mocinha de veleidades pequeno-burguesas.
A aia de Medéia é Corina, amiga e confidente de Joana.  E o coro tradicional dos gregos, aqui é composto pelos vizinhos de Joana.
Com esses personagens, Chico Buarque e Paulo Pontes traçaram o quadro, extremamente bem sucedido, de uma realidade que é toda nossa, mas que é também, por extensão, a realidade de todos os pequenos deste mundo, aqueles que sofrem na carne as contradições e as injustiças de uma sociedade sorridente, mas implacável com os seus humilhados e ofendidos.
Medéia: uma visão psicanalítica *
Paim Filho, Ignácio Alves, Luiza Hoefel e Valéria Quadros
"Insuportável é a morte de uma criança:
ela realiza o mais profundo e secreto de nossos desejos".
Serge Leclaire
O espanto e o horror.
 Como poderiam os atenieses ter se apiedado de Medéia, ao assistirem a tragédia de Eurípedes, naqueles idos de 431 antes da era cristã? Teriam eles lançado mão da Justificativa de ser ela uma bárbara? Ou, teria esta história tocado o fundo da alma e encontrado lá um lugar de acolhida?
 O mito de Jasão e o velocino de ouro, mito no qual Medéia ingressa como coadjuvante, já percorria os tempos, desde a época arcaica. Como todo o mito, sua narrativa desloca-se livremente no espaço e no tempo, abrangendo um número ilimitado de episódios. E, pela tradição oral, cantada pelas Musas, a história de Jasão faz parte do mito dos heróis. Herói, Jasão foi criado longe dos pais, tendo por tutor o centauro Quíron. Retornando ao reino, depara-se com a disputa pelo trono. Seu primo, Pélias, exige-lhe que traga o velocino de ouro, guardado na longínqua Cólquida. Lá chegando, o rei lhe impõe quatro tarefas a serem desempanhadas no mesmo dia, tarefas que colocam sua vida em grave perigo. Medéia, filha do rei, traindo seu pai e usando de seus poderes mágicos, protege Jasão da morte, oportunizando-lhe apoderar-se do velocino de ouro. Em troca, ela lhe exige o casamento, levá-la para longe dali. É então que começa a longa série de assassinatos perpretados por Medéia, desde o esquartejamento de seu irmão, até o apunhalamento de seus próprios filhos quando, já em Corinto, é repudiada por Jasão, que consegue novo matrimônio com a filha do rei.
 Diz Aristóteles na sua Poética, que o mito é o princípio e como que a alma da tragédia.
 Observemos então a alma de Medéia, sua psiquê. Como toda a tragédia, seu desenrolar procura caber dentro de um período do sol, ou pouco excedê-lo. Deste modo, a primeira cena abre com a personagem da ama de Medéia, narrando o infortúnio de sua senhora:
 "Medéia, a infeliz, ferida pela ultraje invoca os juramentos, as entrelaçadas mãos - penhor supremo"1. Segue adiante: "Os filhos lhe causam horror e já não sente satisfação ao vê-los"2.
 A ama, como representante de uma instância crítico-observadora, descreve o sofrimento de Medéia, revelando que esta mulher pode mostrar-se submissa, mas não tolera maus tratos. Se lhe despertam o ódio, é capaz de matar. Impulsiva, não admite ser contrariada. Pode ser um rochedo ou pode ser como as ondas do mar. Desde esta primeira cena há então outro personagem: a morte.
 A ama conversa com o preceptor dos filhos de Jasão e Medéia, dois meninos. Estes estão agora presentes. Ouvem mas não escutam? A ama pede ao preceptor que os mantenha afastados da mãe: "Ela por certo não refreará a cólera até haver vibrado sobre alguém seus golpes"3. Mas a ama também revela sua opinião sobre Jasão: "Estais ouvindo como vosso pai os trata, crianças?"4, pois pensa que ele não os defenderia de serem expulsos de Corinto junto com Medéia, quando do novo casamento. Estas crianças permanecerão mudas até o momento de serem assassinadas. A ama ainda os alerta: "Fugi ao seu olhar, evitai encontrá-la"5. A fala de Medéia, quando então ela surge, não deixa dúvida de suas intenções: "Filhos malditos de mãe odiosa, por que não pereceis com vosso pai? Por que não foi exterminada a família toda?"6. Mas, de qual família estará ela falando? Fala nesta família atual, constituída por ela mesma, Jasão e os filhos de ambos? Falará também, sem o saber, na sua família de origem? Que mãe odiosa poderá ser esta, que nunca é referida no mito? Há apenas a menção a seu pai. Foi preciso então investigarmos e, na Teogonia, Hesíodo conta em seus versos esta origem:
“Do sol incansável a ínclita oceanina
Perseida gerou Circe e o rei Eetes.
Eetes, filho do Sol ilumina-mortais,
Desposou a virgem do Oceano rio circular
Sábia de belas faces, por desígnios dos Deuses.
Ela pariu Medéia de belos tornozelos,
Subjugada em amor graças à áurea Afrodite"7. 
 É interessante observar que, em Hesíodo, Medéia é descrita de forma até mesmo suave: "(…) levando em seu navio veloz a virgem de olhos vivos, e desposou-a florescente. Ela, submetida a Jasão pastor de homens, pariu Medéio(…)"8.
 Seu parentesco com Circe, a maga que metamorfoseava homens em animais, como uma maneira de retê-los junto a si, expressa-se em outros episódios do mito, que não fazem parte da narrativa da Teogonia. Durante a fuga do reino de seu pai Eetes, com o intuito de detê-lo, pois vinha no encalço dos amantes e do velocino de ouro, Medéia não hesita em esquartejar seu irmão para atrasar seu pai, ocupando-o em recolher do mar os pedaços do filho. No retorno ao reino de Pélias, como este maltratara o pai de Jasão, Medéia induz as filhas do primeiro a matarem o próprio pai. Demonstra a elas como é capaz de esquartejando um velho carneiro e colocando-o a ferver, tirar do caldeirão um carneiro novo. No entanto, a vingança que Medéia atua, "em nome de Jasão", não lhes traz a glória, ao contrário, são obrigados a novamente fugir, exilando-se em Corinto.
 A referência a esquartejamento aparece então na própria tragédia. Diz Medéia ao Coro: "Ah! se eu pudesse um dia vê-los, ele e a noiva reduzidos a pedaços, junto com seu palácio, pela injúria que ousaram fazer-me sem provocação!"9.
 A injúria é a injúria narcísica. Medéia lembra ter abandonado o pai e matado o irmão, mas não sente culpa. Sente vergonha, sentimento próprio de um narcisismo ferido, de um sentimento de inferioridade frente a um ideal - o ideal de ego, herdeiro do narcisismo. Estar aos pedaços: esta é sua vivência interna. A mãe odiosa que se ausenta, que não lhe dirige mais o olhar. 
 Medéia segue falando às mulheres idosas do Coro, as mães de Corinto. Faz um longo discurso lamentando a condição das mulheres:
"Das criaturas todas que têm vida e pensam, somos nós, as mulheres, as mais sofredoras"10. Referindo-se ao casamento, "temos de adivinhar para poder saber, sem termos aprendido em casa, como havemos de conviver com aquele que partilhará nosso leito"11. Queixa-se de sua mãe, que nãolhe ensinou a conhecer um homem, queixa-se da mãe no marido: "Estou só, proscrita, vítima de ultrajes de um marido que, como presa, me arrastou à terra estranha, sem mãe e sem irmãos, sem um parente só que recebesse a âncora por mim lançada na ânsia de me proteger da tempestade"12. 
 A mãe de Medéia era uma oceanina e é justamente de não ter um lugar que receba sua âncora que ela se queixa. Sente que lança num vazio, não encontrando acolhida. Ao contrário do irmão, que ela ao esquartejar e lançar ao mar, sente que foi acolhido pela mãe e pelo pai.
 Porém, coloca-se como vítima ao pedir a cumplicidade das mulheres de Corinto. Não admite, neste momento, a força de Eros que uniu-a a Jasão. Menciona apenas a violência e o abandono. O ressentimento com Jasão como que atualiza seus antigos ressentimentos.
 A cena seguinte, diálogo entre Medéia e o rei Corinto, pai da noiva de Jasão, parece encadear-se também na linha associativa destas vivências de Medéia, pois é uma conversa com um pai. Creonte a expulsa: "Sai depressa! Não demores! Estou aqui para cuidar do cumprimento de minha decisão, e não retornarei a meu palácio antes de haver-te afugentando para terras distantes de nossas fronteiras"13. Ela pergunta por que a expulsa. Diz Creonte: "É inútil alinhar pretextos: é por medo"14.
 Podemos entender que Medéia escuta aqui a voz do pai que a repudia, que teme sua magia, seus encantamentos. Diz Medéia: "Nunca os homens de bom senso deveriam dar aos filhos um saber maior que o ordinário"15. "Minha ciência atrai de alguns o ódio, a hostilidade de outros"16. Nunca o amor? Diz Freud que para o ego viver significa o mesmo que ser amado - ser amado pelo superego17.
 Na família real de Corinto, novamente, só há o rei e sua filha. Medéia suplica a Creonte que a deixe ficar apenas mais um dia, premeditando sua vingança: "mas tão longe o leva a insensatez que, embora ele pudesse deter meus planos expulsando-me daqui, deixou-me ficar mais um dia. E neste dia serão cadáveres três inimigos meus: o pai, a filha e seu marido"18.
 Sente-se ameaçada, imaginando que riem dela: "rirão de mim, vendo-me morta, os inimigos"19, "nenhum deles há de rir por ter atormentado assim meu coração!"20. 
 Passa a evidenciar-se a partir de então, uma cisão no personagem de Medéia. Sua fala já não está integrada e dirigida a alguém fora dela, mas revela um diálogo interior. Ela tem um interlocutor: a própria morte.
 "Vamos, Medéia! Não poupes recurso algum do teu saber em teus desígnos e artifícios! Começa a marcha para a tarefa terrível! Chegou a hora de provar tua coragem! Não vês como te tratam? Não deves pagar um tributo de escárnio ao himeneu do sangue de Sísifo com um Jasão qualquer, Medéia, filha de um nobre pai, tu, raça do Sol! Tens a ciência e, afinal, se a natureza fez-nos a nós, mulheres, de todo incapazes para as boas ações, não há, para a maldade, artífices mais competentes do que nós!"21. 
 Seria esta a mãe odiosa? Uma mãe arcaica, cruel, com quem se identifica no ódio, única maneira de sentir-se novamente inteira, e não aos pedaços, única maneira de sobreviver ao caos interno onde se vê lançada quando se depara com a perda e o sentimento de abandono. Parece tratar-se de uma forma de organização em torno do ódio, para manter uma ilusão de integridade narcísica. O amor e a vida são fontes de humilhação e escárnio. Só na morte poderá triunfar sobre os inimigos. Sua ciência é colocada a serviço da Morte. Preserva assim, uma criança - ela mesma - a criança maravilhosa do narcisismo.
 Observa-se também, que o pai-expulsador foi ejetado de seu psiquismo, surgindo em seu lugar o pai-sol, grandioso, este sim amando sua criança maravilhosa. A referência ao sol, em sua luminosidade, é mais uma expressão simbólica do narcisismo. 
 A cisão no mundo interno de Medéia se faz sentir mais adiante, mesmo depois de ter morto com seus venenos a Creonte e sua filha, tendo usado seus próprios filhos como emissários da morte: são eles quem levam à princesa, os presentes letais de Medéia.
 Ainda que diga que deve matar suas crianças e que "matando-os firo mais o coração do pai"22, tenta lutar contra a submissão que a força da morte lhe impõe.
 "Será que apenas para amargurar o pai vou desgraçá-los, duplicando a minha dor? Isso não vou fazer! Adeus, meus planos...Não! Mas que sentimentos são estes? Vou tornar-me alvo de escárnio, deixando meus inimigos impunes? Não! Tenho de ousar! A covardia abre-me a alma a pensamentos vacilantes. Ide para dentro de casa, filhos meus!"23.
 "Quem não quiser apreciar o sacrifício, mova-se! As minhas mãos terão bastante força! Ai! Ai! Nunca, meu coração! Não faças isso! Deve deixá-los, infeliz! Poupa as crianças! Mesmo distantes serão a tua alegria. Não, pelos deuses da vingança nos infernos! Jamais dirão de mim que eu entreguei meus filhos à sanha de inimigos! Seja como for, perecerão! Ora: se a morte é inevitável, eu mesma, que lhes dei a vida, os matarei!"24.
 Há aqui a menção ao sacrifício. O infanticídio como sacrifício. No Antigo Testamento, o próprio Deus detêm a mão de Abraão e o filho é substituído por um cordeiro. Na tragédia, no entanto, um ser humano é substituído por um ser humano. Medéia, não mata a criança maravilhosa que pensa um dia ter sido para seus pais - sua magestade o bebê. Diz Leclaire: "Assassinato irrealizável, ainda que necessário, já que nenhuma vida é possível, nenhuma vida de desejo, de criação, se se suspende o assassinato da "criança maravilhosa", sempre renascente. A criança maravilhosa é antes de tudo a nostalgia do olhar materno que a converteu no esplendor extremo, majestoso como o menino Jesus, luz e jóia que brilha com poder absoluto; mas já é também o abandono, perdido em um desamparo total, só frente ao terror e à morte"25.
 São os filhos que devem morrer em seu lugar, para que ela renasça mais uma vez, iluminada pelo esplendor do Sol. Para Medéia, cada assassinato tem o sentido de uma revitalização e se dá sob a forma de rituais de rejuvenescimento. O esquartejamento, como equivalente do canabalismo, representa a incorporação ritual que alimenta seu desejo de imortalidade. 
 Lembramos aqui a idéia de Grunberger a respeito da tríade narcísica, como uma evitação do Édipo, na passagem da etapa anal-sádica para a fálica. Trata-se de uma tentativa da criança de manter-se incluída na relação parental, às custas de ignorar a sexualidade dos pais, e a vida sexual como um todo. Grunberger vincula a Esfinge à etapa anal-sádica, considerada por ele como o ápice do narcisismo. O autor assinala a solução do enigma proposto pela Esfinge, como representando a ação de Édipo em remover toda uma pseudo civilização conectada como recursos mágicos para fazer frente aos mistérios da vida26. Assim como a Esfinge, propondo enigmas, Medéia coloca-se como uma pitonisa da morte. Seus recursos pemanecem mágicos no sentido de uma onipotência destrutiva, sem sofrerem uma transformação que os tornem elementos de conhecimento, próprios para a sublimação e a criação.
 Nos momentos que antecedem ao filicídio, segue ainda a cisão interna de Medéia:
"Avante, coração! Sê insensível! Vamos! Por que tardamos tanto a consumar o crime fatal, terrível? Vai, minha mão detestável! Empunha a espada! 
 Empunha-a! Vai pela porta que te encaminha a uma existência deplorável e não fraquejes! Não lembres de todo o amor que lhes dedicas e de que lhes deste a vida! Esquece por momentos de que são teus filhos, e depois chora, pois lhes queres tanto bem mas vais matá-los! Ah! Como sou infeliz!"27.
 Eis aqui uma tarefa impossível de cumprir. Aquelas impostas pelo pai de Medéia a Jasão, a de vencer touros, serpentes, guerreiros e dragões, puderam ser facilmente vencidas com suas mágicas. Não houve sofrimento. Mas agora, a tarefa seria matar uma representação idealizada de si mesma, renunciar àquela plenitude, degozo imóvel, como fala Leclaire. Trata-se de um assassinato estruturante, um luto que precisa ser feito e refeito continuamente.Leclaire fala da "primeira morte", pois, renunciar a esta criança maravilhosa dentro de nós, "é morrer, não ter já razão alguma para viver; mas fingir estar contido nela é condenar-se a não viver em absoluto"28. 
 Leclaire refere ainda que a representação narcísica primária é muito apropriadamente denominada infans, pois não fala, nem falará nunca. Diz que na exata medida em que se começa a matá-la, se começa a falar; "na medida em que se segue matando-a, se segue falando verdadeiramente, desejando"29.
 Na peça, os filhos de Medéia e Jasão falam apenas uma vez, no momento exato em que estão sendo mortos pela mãe: "Ah!Que fazer? Como fugir de minha mãe?", "Não sei, irmão querido! Estamos sendo mortos!"30. Como se trata de uma passagem ao ato, na medida em que Medéia foi incapaz de realizar psiquicamente este trabalho da morte, mesmo a fala destas crianças é uma fala amordaçada: não sabem o que fazer, são mortos pelo desejo da mãe, sem terem nunca descoberto quais eram os seus.
Sumário
Tomando como ilustração o mito e a tragédia Medéia, os autores abordam aspectos do narcisismo e sua patologia. Tendo como referencial a teoria freudiana, percorrem também conceitos de Leclaire e Grunberger, psicanalistas da escola francesa. A história de Medéia, encenada por Eurípedes, e por primeira vez apresentada em 431 A.C., conserva toda a atualidade, pois revela de modo dramático e comovente, as vicissitudes do psiquismo humano, em sua constante luta pulsional. Foi justamente a mitologia grega uma das fontes de referencia ao pensamento psicanalítico de Freud e onde também os autores do presente trabalho vêm buscando elementos aos quais articular sua prática clínica.
Mitologia Grega. Medéia. Narcisismo. Filicídio.
Bibliografia
EURÍPEDES. Medéia. In: Medéia. Hipólito. As Troianas. Tradução de Mario da Gama Kury. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 1991.
FREUD, S. (1923). O ego e o id. In: Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. V.2. Rio de Janeiro. Imago, 1975.
GRUNBERGER, B. Narcissism: Psychoanalytic Essays. New York. International Universities Press, Inc. 1979.
HESÍODO. Teogonia. In: a origem dos deuses. Tradução de Jaa Torrano. São Paulo. Iluminuras, 1992.
LECLAIRE, S. Matan a un niño. Buenos Aires. Amorrortu Editores, 1990.

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