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A Capacidade Feminina na Mitologia Grega



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PENÉLOPE
Dédalo, arquiteto grego, de profundos conhecimentos em geometria, que construiu, em Creta, o Labirinto onde morava o Minotauro, representa a capacidade masculina para produzir e construir coisas difíceis. Dédalo, simboliza o engenho e a habilidade. Habilidade e engenhosidade que nós mulheres temos de sobra. 
Quando Ariadne facilitou a fuga de Teseu usando um rolo de fio de ouro, demonstra que até a Mitologia grega reconhece a capacidade feminina em conseguir fazer o impossível, que foi desfazer o mito de Dédalo, ou seja, ela é capaz de fazer, também, coisas mais difíceis: o que, às vezes, são consideradas impossíveis. A mulher na mitologia grega aparece, também, associada ao trabalho manual com fios e tecelagem, não por incapacidade de pensar, muito ao contrário. Paciencia, criatividade e pensamento matemático, ainda que tal afirmação seja considerada aberração, ainda hoje, por tantos, homens, principalmente.
Principalmente os homens, porque lastimavelmente as mulheres também. Sobre a Teia de Penélope, já se viu sendo usada e estudada de todas as formas, em tudo, até juridicamente. Em pesquisa pela Rede, encontro uma senhora, Anabela Gradim, da Universidade da Beira Interior — Portugal — que faz citação correta para o contexto no qual ela usa, mas é infeliz e nos desmerece:
`...é pouco mais que um exercício de retórica, espécie de teia de Penélope que se vai dedilhando para entreter os dias; ...'
Na teia de Penélope, esposa de Ulisses, mais uma vez a associação da fieldade, paciência e pensamento matemático ( lógico, no mínimo ). Enquanto o marido combatia em Tróia, Penélope foi assediada por inúmeros pretendentes. Para mantê-los afastados, prometeu escolher quando terminasse de tecer a mortalha de Laertes (pai de Ulisses).
Para "ganhar tempo", ela tecia a mortalha de dia e a desfazia à noite. Esperou pelo marido durante 20 anos, quando o marido regressou. No entanto para uma mulher que sabe traçar estratégias, planejar, mesmo que no seu mundo micro, ela sabe que pode ampliar o desenho. 
Para uma mulher que saiba costurar — fazer tricô, crochê, macramé, ponto cruz, tapeçaria, qualquer outro tipo de artezanato, em madeira ou outro qualquer — , sabe que é arte, e arte pede muito mais do que ser usada como passa-tempo. Mesmo para quem não tem conhecimento do tanto de geometria que pede costurar, bordar crochetar e construir um móvel. Até uma mesa bem-posta pede uma fita métrica. Decorar também, claro.
A citação da Dra. Gradim, é infeliz porque no caso de Penélope, pode-se dizer que ela representa nossa capacidade para criar estratégias, ratificando nosso potencial e capacidade para o pensamento matemático. Estratégias estas que são comumentes chamadas de "espertezas", "intuição", forma de negar a inteligência feminina. Penélope traçou a estratégia de tecer a mortalha do sogro e teve a inteligência de fazer com que ela só terminasse quando fosse a hora que ela determinou. Ao contrário do que é interpretado como um passa-tempo. Trabalhos manuais podem ser usados como passa-tempo, mas tem sempre, no mínimo, o benefício da terapia. Mesmo como passa-tempo, está a serviço do harmonioso exercício do espírito criador.
Vejamos se uma médica, com conhecimentos de anatomia, por exemplo, saberia modelar um vestido, ou um simples boné. Um professor de geometria, teria habilidade, a partir do conheciento para cortar uma saia godê? Poderia, se tivesse mais do que o conhecimento adquirido através do estudo formal. E os cálculos do material? Saberia só pelo fato de ter conhecimentos em geometria ? Ponha o tecido, a tesoura, fita métrica na frente de um e espere que a saia seja cortada. A circunferência vai sair, mas a saia, nunca. O mesmo irá acontecer com a médica ?
Podemos até aceitar que ainda não sabemos fazer uso do nosso potencial e/ou como usar, mas sabemos que somos capazes e, essa certeza, ninguém mais nos vai tirar. 
E ainda há quem pense que o trabalho manual é substituto da falta da capacidade de pensar. Enquanto se permanece com as mãos ocupadas, a cabeça fica livre para pensar mais e mais, mesmo estando atenta ao que faz.
Se somos capazes de desconstruir, somos capazes de construir como esclarece o caso de Ariadne.
por Zilda Freitas 
O mito na Contemponaneidade
Ulisses, o homem ausente 
Ainda que Odisseu e Penélope não sejam entidades divinas, é indispensável que se estude aqui a presença dos principais deuses gregos em sua vida cotidiana, a fim de se evidenciar os momentos em que estes interferiram ou não em suas atitudes: 
"O mito só se mantém vivo por meio da contínua metamorfose da sua idéia. Mas a idéia nova é transportada pelo veículo seguro do mito. Isto já é válido para a relação do poeta com a tradição, na epopéia homérica. Mas em Hesíodo torna-se ainda muito mais claro, visto que nele a individualidade poética aparece de modo evidente, age com plena consciência e serve-se de tradição mítica como de um instrumento para o seu próprio designo. 28 
Tudo quanto nos apresenta a natureza exterior era, aos olhos dos antigos, a forma visível de personalidades divinas. O céu, os astros, as montanhas, os vulcões, os tremores de terra, os rios, as árvores, eram personagens divinas, cuja imagem fixavam os escultores e cuja história os poetas narravam. Assim, 
"Homero não é autor moderno que considera tudo simplesmente no seu desenvolvimento interno, como experiência ou fenômeno de uma consciência humana. No mundo em que vive, nada de grande acontece sem a cooperação de uma força divina, e a mesma coisa acontece na epopéia." 29
Todas as cidades pretendiam estar sob a proteção de uma divindade da qual se diziam descendentes: Atenas era filha de Júpiter, sendo este o mais poderoso dos deuses, por ser abóbada do céu, o reunidor das nuvens, e o senhor dos raios. Inúmeras eram as cidades que pretendiam ser-lhe filhas, e a maneira pela qual estabeleciam a sua origem divina era muito simples: sendo o rio que banhava determinada localidade uma ninfa, esta tivera a ventura de agradar a Júpiter e, da união de ambos, haviam nascido os heróis protetores e fundadores da cidade. Como jamais houve na Grécia uma igreja constituída, e como a única missão do sacerdócio era a de dirigir as cerimônias sem formular dogma de nenhuma espécie, pode-se dizer que cada um tecia, de acordo com a própria imaginação, as lendas locais, ou as narrava às crianças sob a forma de contos. Por uma associação de idéias, familiar aos antigos, mas que quase sempre nos assombra, confundiam-se as personalizações divinas dos fenômenos físicos, aos olhos das populações, com poderes morais: o céu que despejava o raio era Júpiter a vingar-se; o grão que se torna planta após fermentar na terra era simultaneamente a alma imortal que desperta para além do túmulo.
O estudo da mitologia pode ser feito de modos diversos, segundo o fim desejado. Se a intenção for buscar o sentido dos símbolos religiosos, pode ser necessário retornar à origem deles, e os documentos mais antigos são necessariamente melhores, por serem os que podem fazer jorrar a luz sobre a filiação das raças e a fonte comum das tradições. 
Pode-se afirmar que a mitologia clássica começa em Pisístrato e termina em Marco Aurélio: antes de Písistrato, o Olimpo grego ainda não tem lugar na arte, e os mitos ainda estavam em via de formação. Depois de Marco Aurélio, os mitos pagãos entram em decomposição, e a arte já não encontra inspiração no Olimpo abandonado. No próprio período a que circunscreve este texto,
28- Werner Jaeger. Paidéia: a formação do homem grego. p. 96
29- Werner Jaeger, op. cit. . p. 79
isto é, na era homérica, os mitos eram numerosíssimos, variando segundo as localidades em que se produziam, e os poetas narram a história dos deuses e heróis de modo muito diverso.
Num livro de erudição, seria preciso opor uma tradição a outra, e assinalar por toda parte as contradições: mas tal sistema teria introduzido neste atual texto uma confusão inteiramente inútil. Não se pretende aqui fazer uma completa história da mitologia clássica em todo o seu desenvolvimento.O objetivo é, antes, refletir sobre o herói grego, sua esposa Penélope, sua relação com os deuses. 
No decorrer da história estabeleceu-se o ecletismo entre divindades gregas e latinas, aceita por quase todos os artistas e mitólogos. Isso se justifica porque os romanos, não possuindo uma mitologia própria e bem elaborada, adotaram a dos gregos, seus colonizados políticos, se deixando colonizar culturalmente por eles.
Do ponto de vista da teologia cristã, a mitologia tem sido ponto de convergência, em que formas de linguagem e de cultura conseguiram ao longo dos tempos, entrar numa perfeita simbiose, fazendo dos mitos pontos místicos para o entendimento da vida e do cosmos.
"Todo o panteão, como o dos gregos, supõe múltiplos deuses; cada um tem suas funções próprias, seus campos reservados, seus modos de ação particulares, seus tipos específicos de poder. Esses deuses, que nas suas relações mútuas compõem uma sociedade hierarquizada do além, em que as competências e os privilégios são objeto de uma repartição bastante estrita, limitam-se necessariamente uns aos outros, ao mesmo tempo que se completam. Não mais que a unicidade, no politeísmo, o divino não implica, como para nós, a onipotência, a onisciência, a infinitude, o absoluto."30
Utilizando como tênue limite a maneira como heróis e deuses são descritos por Homero na Ilíada e Odisséia, mas recorrendo se necessário a Hesíodo ou qualquer outro mitólogo para explicitar a relação entre as divindades e os humanos, no item seguinte apresenta-se a etimologia de Ulisses, além de um exemplo de sua presença na literatura ocidental.
Marco fundamental da ficção do nosso século, o Ulisses de J. Joyce pode ser considerada uma versão compacta da Odisséia, em que o tema da viagem é revisitado, mas, desta vez, uma viagem urbana. Sua ação transcorre num único dia, 16 de junho de 1904, em Dublin, colocando diante do leitor uma releitura da epopéia homérica em que Leopold Bloom é um Odisseu em irregualar périplo metropolitano, em seus fluxos de ( in) consciência. Modesto corretor publicitário de origem judia numa Irlanda dividida por questões político-culturais, Bloom vive este dia/viagem às voltas com a banalidade de sua existência, a precariedade de seu casamento com Molly/Penélope e os desencontros com Stephen Dedalus/Telêmaco. 
Se o herói homérico enfrenta perigos, também o homem moderno sofre emboscadas de facínoras, saqueadores e vadios famintos: 
"Uma figura de meia altura à espreita, evidentemente, sob os arcos saudou de novo, clamando boanoîte! Stephen, é certo, se sentiu algo desempenado e parou para reciprocar o cumprimento. O senhor Bloom, atuado por motivos de inerente delicadeza, tanto mais que sempre acreditara cuidar dos seus próprios assuntos, se afastou mas não obstante permaneceu no qui vive com uma curta sombra de ansiedade, embora não acovardado no mais mínimo. Ainda que inabitual na área de Dublin, sabia que não era de modo nenhum desconhecido que facínoras que quase nada tinham com que viver andassem perto emboscando e geralmente aterrorizando pedestres pacíficos pondo-lhe pistolas à cabeça em algum ponto recluso fora da cidade mesma, vadios famintos da categoria daqueles dos diques do Tâmisa que podiam perambular por ali ou simplesmente saqueadores, prontos para escafederem-se com que moamba fosse que eles pudessem num golpe arrebatar sem um segundo aviso, a bolsa ou a vida , deixando-te lá para dar exemplo, amordaçado e agarrotado." 31 
30- Jean-Pierre Vernant, Mito e religião na Grécia antiga, p. 11. 
31- J. Joyce, Ulisses, p. 641.
 É o que ocorre com a viagem de retorno de Odisseu a Ítaca, que mencionamos anteriormente. Após dez anos da Guerra de Tróia, contada na epopéia Ilíada, do aedo grego Homero, os heróis gregos iniciaram o longo e difícil regresso a seus respectivos reinos. A Odisséia (do gr. Odysseía ) é o poema homérico que narra este retorno à pátria. No sentido figurado em Língua portuguesa, por exemplo, o termo odisséia atualmente significa qualquer viagem cheia de peripécias e aventuras extraordinárias, não havendo necessariamente uma alusão direta a Odisseu.
Por outro lado, em milhares de obras de culturas e épocas distintas é possível encontrar inúmeras as referências a Odisseu 32.Sobre a origem do seu nome, existem muitas controvérsias. 
O vocábulo grego Odysseús ( Odysseús ) poderia ter originado Odisseu. Porém, também em grego existe uma forma dialetal Ulíkses ( Ulíkses ), que teria dado em latim Ulixes e, mais tardiamente, Ulisses. Ë desta forma que se fala mais comumente em Língua Portuguesa: Ulisses. Entretanto, empregaremos aqui sempre Odisseu, por julgar este termo mais próximo do original grego.
A genealogia do rei de Ítaca é mais ou menos consensual entre os mitólogos. Seria filho de Laerte e de Anticléia, mas pouco se pode afirmar sobre os seus mais distantes antepassados. A Odisséia apresenta seu avô paterno como Arcísio, filho de Zeus e Euriodia. Por avô materno tinha Autólico, portanto, seu bisavô seria Hermes. Uma versão paralela ao poema homérico afirma que Anticléia já estava grávida de Sísifo, ao se casar com Laerte33.
32-Didaticamente, Pierre Grimal dividiu-as em quatro fases em seu Dictionnaire de la Mythologie grecque et Romaine. Paris, PUF, 1979, p. 468: Nascimento, Adolescência e Juventude, Guerra de Tróia e Retorno à Ítaca.
33- Segundo esta tradicional versão, Autólico era considerado o mais famoso ladrão de sua época, ao passo que Sísifo era o mais astuto dos mortais. O primeiro havia furtado boa parte do rebanho do segundo, que foi reclamar os animais de volta. Durante o período de cizânia dos dois, Sísifo teria conhecido e engravidado Anticléia.
34- Homero, Odisséia,. Rio de Janeiro, Ediouro, 1978, p. 302 ( XIX, 399-409).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARISTÓTELES. Arte poética. São Paulo: Nova Cultural, 1996. ( Título original: Poetica )
BARTHES, Roland. Mitologias. Trad. Rita Buongermino e Pedro de Souza. Rio de Janeiro: 
Bertrand Brasil, 1993. ( Título original: Mythologies )
DEVEREUX, Georges. Mulher e mito. Trad. Beatriz Sidou. Campinas, SP: Papirus, 1990. ( Título original: Femme et mythe )
HARDING, Mary Ester. Os mistérios da mulher antiga e contemporânea.. Trad. Maria E. S. Barbosa e Vilma H. Tanaka. São Paulo: Paulinas, 1985. ( Sem título original )
JAEGER, W.W. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994. ( Título original: Paide ia. Die formung des griechischen menschen.)