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Hermenêutica Aula 04

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DESCRIÇÃO
As características e as diferenças entre o positivismo e o
interpretativismo e suas concepções sobre o papel dos juízes.
PROPÓSITO
Compreender as características do positivismo e do
interpretativismo, suas diferenças e como cada um apreende a
função dos juízes é fundamental para uma adequada discussão
sobre as posições existentes a respeito do conceito de Direito.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Reconhecer o positivismo jurídico, suas características e sua visão
sobre o papel dos juízes
MÓDULO 2
Reconhecer o interpretativismo jurídico, suas características e sua
visão sobre o papel dos juízes
INTRODUÇÃO
Uma das perguntas mais desafiadoras dentro do Direito é justamente
responder sobre “o que é o Direito”. Diversas respostas podem ser
dadas: o Direito pode ser o conjunto de normas postas pelo
legislador, um instrumento de controle social ou uma forma de
garantir a ordem e a paz social. Vemos, então, que existem diversas
maneiras de responder a essa pergunta – apenas para listar alguns
dos caminhos possíveis.
As diversas respostas possíveis são dadas por certas concepções
teóricas acerca do Direito, desde concepções clássicas, como a
teoria da lei natural (conhecida como “jusnaturalismo”), até
concepções desenvolvidas nas últimas décadas, como é o caso do
interpretativismo jurídico. Por isso, o estudo sobre a teoria do Direito
é fundamental para analisarmos adequadamente as características
do fenômeno jurídico.
Cada corrente teórica, a partir da sua resposta sobre o conceito de
Direito, argumenta em uma ou outra direção acerca do papel dos
juízes a respeito da definição desse fenômeno (especialmente, sobre
a interpretação jurídica). Por isso, devemos voltar nossa atenção
para duas tradições teóricas muito influentes nos últimos anos sobre
o Direito e o papel dos juízes: o positivismo jurídico e o
interpretativismo.
MÓDULO 1
 Reconhecer o positivismo jurídico, suas características e sua
visão sobre o papel dos juízes
CONTEXTUALIZANDO O
POSITIVISMO JURÍDICO
A expressão “positivismo” não é originária das discussões jurídicas
propriamente ditas. Pelo contrário, no geral, o positivismo é
associado a uma certa concepção sociológica predominante no início
do século XIX, com Auguste Comte (1798-1857). Essa expressão, no
entanto, em pouco tempo passou a ser adotada por certa concepção
teórica jurídica, que guardava algumas características em comum
com a defesa do positivismo sociológico.
 
Fonte: Autor desconhecido/Wikimedia Commons/Domínio público.
 Auguste Comte.
No campo sociológico, o positivismo está no cerce da afirmação
histórica das Ciências Sociais como conhecimento adequado ao
estudo dos fatos sociais, em contraponto com o conhecimento
filosófico até então predominante. Esse movimento foi caracterizado
por uma afirmação da superioridade dos conhecimentos passíveis de
comprovação científica sobre os demais conhecimentos (de caráter
fortemente metafísico, como a Filosofia e a religião). Dessa forma, o
conhecimento a respeito da sociedade deveria se valer dos mesmos
métodos das Ciências Naturais (SELL, 2016). Tal proposta foi
adotada também por alguns positivistas jurídicos ao longo da
modernidade.
No caso do Direito, o positivismo jurídico associa-se a uma
expressão já conhecida anteriormente, o denominado “Direito
positivo”. É importante destacar que a expressão “Direito positivo”
não era desconhecida antes do positivismo jurídico – desde o
período medieval, tendo em vista a exatidão. O Direito (ou lei)
positivo era caracterizado em contraponto ao Direito (ou lei) natural.
Enquanto a lei natural não decorria de uma escolha humana e sim da
ordem presente na própria realidade (que não era construída pelo
ser humano, mas tão somente identificada por ele), a lei positiva
seria aquela ordem posta pelos legisladores humanos, no uso de sua
autoridade (BOBBIO, 1995a).
Embora tenha passado por algumas alterações, o conceito de Direito
positivo permanece associado a essa proposta inicial –
especialmente em contraposição a “normas não positivadas”. Ou
seja, o Direito positivo refere-se ao conjunto de normas
estabelecidas por quem tenha autoridade para tanto com a finalidade
de regular nossa vida em sociedade. Isso pode se dar tanto de forma
escrita (predominante nos sistemas jurídicos ocidentais modernos,
especialmente por meio da lei) quanto de forma não escrita (como
por meio dos costumes jurídicos, que foram um Direito
consuetudinário).
As outras concepções teóricas – que não o positivismo jurídico –
também reconhecem o valor e a importância do Direito positivo para
a vida em sociedade. Principal autor vivo da teoria da lei natural (ou
jusnaturalismo), John Finnis (2007) reconhece a centralidade da lei
positiva para o Direito. Da mesma maneira, Ronald Dworkin (2014),
principal teórico do interpretativismo, não despreza o papel das leis
positivadas para o Direito.
QUAL A PECULIARIDADE DO
POSITIVISMO JURÍDICO? SE OUTRAS
VERTENTES TEÓRICAS TAMBÉM
ENFATIZAM A IMPORTÂNCIA DO
DIREITO POSITIVO, O QUE
CARACTERIZA O POSITIVISMO
JURÍDICO?
 
Fonte: sdecoret/Shutterstock.com
Essas perguntas envolvem que avancemos um pouco mais nas
características do positivismo, e para isso devemos nos dedicar a
alguns autores centrais para essa teoria. Embora o positivismo seja
uma tradição rica, com autores iniciais de grande importância, como
Jeremy Bentham (1748-1832) e John Austin (1790-1859), devemos
focar o positivismo jurídico concebido pelos três autores mais
influentes no positivismo atual: Hans Kelsen (1881-1973), Herbert
Hart (1907-1992) e Joseph Raz.
Dois problemas ocupam o centro da preocupação do positivismo
jurídico. Em primeiro lugar, e certamente o problema mais discutido,
a questão da validade do Direito. Em segundo lugar, às vezes não
tão destacadamente, a questão da interpretação da norma jurídica.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO
POSITIVISMO JURÍDICO
O positivismo jurídico é uma concepção que possui diversas
correntes dentro de si, de modo que não podemos afirmar
características pacíficas para todas elas. Apesar disso, podemos
localizar aspectos gerais que permeiam, em maior ou menor medida,
as diversas vertentes positivistas.
A característica central do positivismo jurídico nas discussões sobre
a validade da norma jurídica está baseada na rejeição do moralismo
jurídico (DIMOULIS, 2018). Para tanto, o positivismo fundamenta-se
em duas teses principais: a tese das fontes sociais do Direito e a
tese da separação entre Direito e moral.
TESE DAS FONTES SOCIAIS
De acordo com a tese das fontes sociais do Direito, o Direito é fruto
de uma série de arranjos e decisões oriundos da própria sociedade e
que são reconhecidos segundo critérios socialmente fixados,
especialmente no que tange à definição de quem tem autoridade
para dispor sobre essas ordens, isto é, definição das instituições
responsáveis pela criação do Direito. Essa tese se opõe a grande
parte do jusnaturalismo, para o qual o Direito se origina de uma
decisão da sociedade, porém também da natureza racional humana
– não é fruto apenas de características socialmente convencionadas.
As fontes do Direito estão associadas ao consenso social, àquilo que
a sociedade reconhece como sendo Direito ou não – claro, não de
forma casuísta, mas segundo uma regra de reconhecimento (HART,
2012). A própria sociedade estabelece critérios segundo os quais
algo é ou não considerado uma norma jurídica.
Vamos considerar o seguinte:
 
Fonte: G-Stock Studio/Shutterstock.com
O que diferencia um grupo de amigos sentados em um
restaurante e um grupo de vereadores reunidos na câmara
municipal? Imagine que os dois grupos estejam discutindo um
projeto para melhorar a arborização na cidade. O grupo de amigos
entendeu que o melhor projeto seria a ideia A. Na câmara de
vereadores foi decidido que o melhor projeto de arborização seria
adotar a ideia B.
Podemos afirmar que ambas as decisões são iguais? Quais das
duas será considerada uma ideia juridicamenterelevante para o
planejamento urbano? Certamente aquela aprovada na câmara de
vereadores. Por quê? Porque socialmente se reconhece autoridade à
câmara para dispor sobre essas ordens, não ao grupo de amigos. A
formação do Direito é essencialmente definida por normas
socialmente fixadas.
CONVENCIONALISMO
Para compreendermos melhor a tese das fontes sociais, devemos
analisar o conceito de convenções sociais. Segundo o positivismo, a
partir da tese das fontes sociais, o Direito é fruto de convenções
sociais – acordos socialmente reconhecidos que servem à solução
de problemas de coordenação.
Para que isso fique claro, precisamos entender o conceito de
problemas de coordenação. Imagine que duas pessoas estejam
conversando ao telefone:
 
Fonte: fizkes/Zivica Kerkez/Shutterstock.com
Caio ligou para Maria a fim de contar sobre o andamento do seu
curso de Direito. Após alguns minutos, a ligação falhou e foi
interrompida. Querendo continuar a conversa, ambos ficaram ligando
um para o outro, porém, por causa disso, nenhum dos dois
conseguiu completar a chamada. Após diversas tentativas, Maria
desistiu. Assim, Caio conseguiu completar a ligação e continuar a
conversa. Após alguns minutos, a ligação foi novamente
interrompida. Mais uma vez, ambos ficaram tentando retornar à
chamada e não conseguiram. Outra vez, Maria desistiu e Caio
conseguiu completar a ligação. Dada a baixa qualidade da operadora
de Caio, a ligação foi interrompida mais três vezes. Em todas elas
surgiu o mesmo problema: ambos ficaram simultaneamente tentando
retornar à chamada, o que os impediu de continuar a conversa.
Nesse exemplo, temos um caso de problema de coordenação. Caio
e Maria têm um objetivo em comum (fazer a chamada e continuar a
conversa). No entanto, dada a falta de um procedimento que ordene
a conduta de ambos, esse objetivo ficou frustrado. É necessário,
portanto, que seja criado um acordo para harmonizar a conduta de
Caio e Maria e permitir que ambos alcancem seus objetivos.
Após essas diversas tentativas, Maria parou de tentar completar a
ligação. A partir da quinta vez, Maria já não tentava mais retornar à
ligação, o que permitia que Caio completasse a chamada na primeira
oportunidade. Aqui temos a formação de uma convenção social:
sempre que a ligação for interrompida acidentalmente, aquele que
realizou a chamada deve realizá-la novamente e o interlocutor deve
aguardar.
COMO ISSO NOS AJUDA A
COMPREENDER O DIREITO?
De acordo com o positivismo jurídico, as normas jurídicas são
convenções sociais que tornam previsíveis as condutas, evitando os
problemas de coordenação e garantindo um procedimento equitativo
entre os destinatários das normas. Qual veículo tem preferência ao
cruzar uma esquina não sinalizada (para evitar uma colisão)? Qual o
prazo para o recurso X (de modo a evitar dúvida sobre até quando
ele deve ser recebido)? Qual a pena máxima para o crime Z (a fim de
evitar a aplicação desigual entre casos semelhantes)?
 COMENTÁRIO
O problema – antecipando as críticas do interpretativismo – é que o
positivismo não apenas aceita convenções sociais, mas também
sustenta que o Direito se resume a elas (por isso o sufixo -ismo).
Haveria uma equiparação do Direito às previsões da lei positiva. Fora
das previsões da lei positiva, haveria apenas pretensões, interesses
desejáveis, mas sem correspondente amparo jurídico.
TESE DA SEPARAÇÃO ENTRE
DIREITO E MORAL
Em outros termos, essa tese pode ser definida como a tese da não
necessária conexão entre Direito e moral. Em maior ou menor
intensidade, essa tese permeia as diversas vertentes do positivismo
jurídico.
Para compreendê-la melhor, é importante lembrar a diferença entre
“necessário” e “contingente”. Quando afirmamos algo como
necessário a certo conceito, estamos dizendo que sem aquela
característica não podemos falar naquele conceito. No entanto,
quando afirmamos que uma característica é contingente, estamos
dizendo que ela pode estar presente ou não naquele conceito.
Por exemplo:
 
Fonte: Tiko Aramyan/Shutterstock.com
Certo telefone realiza ligações e possui agenda de contatos. Sem a
agenda de contatos ele continua sendo um telefone? Nesse caso,
essa é uma característica contingente. Agora, se esse telefone é
incapaz de realizar chamadas, ele ainda pode ser chamado de
telefone? Então, nesse caso, trata-se de uma característica
necessária ao conceito de telefone.
Voltemos ao nosso ponto de origem:
DIREITO E MORAL ESTÃO
NECESSARIAMENTE RELACIONADOS?
O DIREITO, PARA SER DIREITO,
DEPENDE DE UMA CONEXÃO COM A
MORALIDADE?
Alguns positivistas afirmam que essa conexão pode ocorrer de forma
contingente, a partir de uma aceitação da moralidade pela própria
regra de reconhecimento do Direito. A esta vertente denominamos
positivismo jurídico inclusivo ou includente, pois admite a
possibilidade dessa conexão, apesar de não se tratar de uma
conexão necessária.
Contudo, outros autores rejeitam essa conexão, sustentando que “a
moral não pode ser utilizada em nenhuma hipótese como critério de
identificação do Direito positivo, tanto no sentido da constatação de
sua validade como no sentido da realização de sua interpretação”
(DIMOULIS, 2018). A esta vertente denominamos positivismo jurídico
exclusivo ou excludente, dada sua rejeição à incorporação da
moralidade no Direito.
A versão positivista mais forte, sem dúvida, é o positivismo jurídico
exclusivo (hard positivism). Mesmo se considerarmos a versão mais
fraca dele (soft positivism), ainda nesse caso teremos o Direito como
não dependente da moralidade. Para o positivismo, o Direito não se
confunde com a moralidade, e o sistema jurídico independe de
considerações sobre a sua justiça ou injustiça. Avaliar uma lei
positiva como injusta ou imoral não prejudica sua validade jurídica.
Essa tese tem origem, em parte, na pretensão do positivismo
sociológico de delimitar claramente os objetos das Ciências Sociais
(incluindo o Direito), de forma a tornar esse conhecimento mais
adequado ao modelo científico – tal como presente nas Ciências
Naturais. Essa pretensão fica clara em obras como a de Hans Kelsen
(1881-1973), que afirma logo no início de sua obra clássica:
QUANDO A SI PRÓPRIA SE DESIGNA
COMO ‘PURA’ TEORIA DO DIREITO,
ISTO SIGNIFICA QUE ELA SE PROPÕE
GARANTIR UM CONHECIMENTO
DIRIGIDO AO DIREITO E EXCLUIR
DESTE CONHECIMENTO TUDO
QUANTO NÃO PERTENÇA AO SEU
OBJETO, TUDO QUANTO NÃO POSSA,
RIGOROSAMENTE, DETERMINAR
COMO DIREITO. QUER ISTO DIZER QUE
ELA PRETENDE LIBERTAR A CIÊNCIA
JURÍDICA DE TODOS OS ELEMENTOS
QUE LHE SÃO ESTRANHOS. ESSE É O
SEU PRINCÍPIO METODOLÓGICO
FUNDAMENTAL.
(KELSEN, 2015)
Essa posição de Kelsen foi refinada posteriormente, porém seu
núcleo permanece intacto. Isto é, o Direito positivo não está
condicionado por um critério moral sobre o que é justo ou injusto.
Nesse sentido, Norberto Bobbio torna essa definição ainda mais
clara:
A DEFINIÇÃO DO DIREITO, QUE AQUI
ADOTAMOS, NÃO COINCIDE COM A DE
JUSTIÇA. A NORMA FUNDAMENTAL
ESTÁ NA BASE DO DIREITO COMO ELE
É (O DIREITO POSITIVO), NÃO DO
DIREITO COMO DEVERIA SER (O
DIREITO JUSTO). ELA AUTORIZA
AQUELES QUE DETÊM O PODER A
EXERCER A FORÇA, MAS NÃO DIZ QUE
O USO DA FORÇA SEJA JUSTO SÓ
PELO FATO DE SER VONTADE DO
PODER ORIGINÁRIO. ELA DÁ UMA
LEGITIMAÇÃO JURÍDICA, NÃO MORAL,
DO PODER. O DIREITO, COMO ELE É, É
EXPRESSÃO DOS MAIS FORTES, NÃO
DOS MAIS JUSTOS.
(BOBBIO, 1995b)
Como podemos perceber em Bobbio, essa separação será feita pelo
positivismo por meio de uma ênfase no aspecto positivo (a lei
positiva), a qual poderia ser objetivamente conhecida e não
dependeria de uma avaliação moral ou política do intérprete ou
cientista. A concepção do intérprete sobre aquilo que é bom ou justo
não iria interferir na definição do Direito – que existe de forma
objetiva, independentemente dessas posições morais e políticas.
Para o positivismo jurídico, o Direito, em essência, é uma criação da
vontade humana.
Por fim, importa observar que os positivistasnão negam a
possibilidade de crítica às normas jurídicas ou às práticas sociais.
Um jurista pode (e talvez deva) posicionar-se moralmente contra
normas injustas (uma norma racista, por exemplo). No entanto, essa
crítica não prejudicará a validade da norma. Enquanto ela não for
revogada, permanecerá válida.
CARACTERÍSTICAS DO
POSITIVISMO JURÍDICO
No vídeo a seguir, o professor Elden Borges esclarece alguns pontos
sobre o Positivismo Jurídico – de suas raízes à prática:
AS CONTRIBUIÇÕES DE
HERBERT HART AO
POSITIVISMO
CONTEMPORÂNEO
No século XX, o positivismo jurídico passou por uma grande
reformulação. Com a obra O conceito de Direito, de Herbert Hart,
inaugurou-se a denominada “teoria analítica do Direito”. A grande
característica dessa tradição é uma preocupação com a definição do
conceito de Direito – distinguindo-o de outros conceitos e de outros
objetos de estudo.
 
Fonte: Autor desconhecido / Wikimedia.org / CC BY-SA 4.0
 Herbert Hart.
A Filosofia analítica em geral (na qual está inserida a discussão
analítica sobre o Direito) tem uma forte preocupação com a análise
conceitual. Por isso, caracteriza-se por uma metodologia baseada no
estudo da linguagem. Em outros termos, dedica-se à investigação,
logicamente estruturada, sobre certos conceitos de grande
relevância filosófica – no caso da teoria analítica do Direito, sobre o
conceito de Direito.
Hart fundou uma escola tão influente que se tornou mentor de três
grandes pensadores posteriores e um marco para as principais
correntes atuais da teoria do Direito: John Finnis (referencial do
jusnaturalismo contemporâneo), Joseph Raz (defensor do
positivismo jurídico exclusivo) e Ronald Dworkin (principal nome do
interpretativismo jurídico). O próprio H. L. Hart, após um longo
debate com Dworkin (1931-2013), reformulou sua teoria e, em
resposta às críticas, elaborou um pós-escrito a O conceito de Direito,
que definiu o positivismo jurídico inclusivo atual.
Hart busca fundamentar o positivismo em oposição à versão
imperativista dessa teoria. Segundo o positivismo imperativista, o
Direito é essencialmente caracterizado por ser uma ordem (coativa,
no caso).
No entanto, há um grande problema em caracterizar o Direito dessa
maneira:
SERIA A ORDEM DO ASSALTANTE UMA
NORMA JURÍDICA?
Para afastar-se desse problema, Hart destaca algumas
características das normas jurídicas. Em primeiro lugar, o Direito
define ordens que se aplicam em geral (de forma indeterminada) e
não apenas a uma pessoa ou a um grupo específico de pessoas. Isto
é, o Direito é caracterizado por generalidade e não por
particularidade (ou individualidade) em suas ordens. Além disso, o
Direito define ordens que não se extinguem (que não interrompem
seus efeitos) com o cumprimento. As normas jurídicas possuem
como característica a permanência (o caráter abstrato) e não a
transitoriedade (caráter concreto) de suas ordens.
O Direito também é caracterizado por um hábito geral de obediência.
Em outras palavras, o conjunto de normas jurídicas é,
predominantemente, seguido pelas pessoas. Sua quebra (o
descumprimento das normas) é acidental e não predominante. Para
os positivistas, é juridicamente irrelevante por quais meios foi obtida
essa obediência; o importante é que haja essa observância
generalizada. Logo, a figura do soberano mostra-se importante. É
necessário que haja uma figura que tenha autoridade e que, em
geral, seja seguida pelos demais.
MAS E SE ESSAS PRÁTICAS
GERALMENTE OBSERVADAS FOREM
APENAS UM COSTUME, UM HÁBITO
REALMENTE? O DIREITO NÃO PODE
SER CONFIGURADO APENAS COMO
UM HÁBITO, POIS SE APRESENTA
COMO DANDO ORDENS ÀS PESSOAS.
QUAL A DIFERENÇA, ENTÃO, ENTRE
REGRAS E HÁBITOS?
As regras em sentido amplo – que não são apenas jurídicas, mas
podem ser também regras morais, religiosas ou de cortesia, por
exemplo – assemelham-se aos hábitos, pois em ambos há uma
convergência de comportamento. No entanto, a convergência de
atitude está presente apenas nas regras.
Um hábito descumprido não gera uma crítica, enquanto o
descumprimento de uma regra gera. Somente nas regras está
presente a crítica, a reprovação da conduta oposta a ela. Essa crítica
não é acidental, mas vista como necessária. Caso a regra seja
descumprida, entende-se que é devida uma crítica a essa postura.
Existe um aspecto interno importante a caracterizar as regras: elas
são vistas pelo próprio agente como algo que deve ser feito. As
regras não são simplesmente coisas que são feitas. O agente
compreende que tem uma obrigação ao seguir aquela conduta.
Nisso distinguem-se a ordem do assaltante e a ordem do Direito. Na
ordem do assaltante, o agente foi obrigado a praticar uma conduta,
mas não tinha uma obrigação (HART, 2012).
Portanto, o Direito é um sistema de regras sociais:
1
Porque rege os seres humanos em sociedade e sua
origem é a própria sociedade.
Porque configura um tipo de ação não opcional (uma
obrigação).
2
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem
horizontal
Suas regras criam obrigações, pois são acompanhadas de uma
pressão social significativa pelo seu cumprimento (no caso do
Direito, uma sanção). Mas, para Hart, o Direito não se resume às
sanções. Afinal, suas regras existem em razão de certos valores
promovidos por meio delas. As regras jurídicas criam obrigações
para resolver conflitos potenciais entre os nossos interesses.
Por fim, uma pergunta que pode surgir é: toda norma jurídica cria
obrigações? Para responder a essa questão, Hart diferencia as
normas jurídicas em normas primárias e normas secundárias. As
normas primárias são aquelas que criam obrigações, dizendo aos
agentes como eles devem agir. Já as normas secundárias são
“normas sobre normas”, e regem a criação e o funcionamento de
outras normas jurídicas.
 COMENTÁRIO
Tendo compreendido as características gerais do positivismo,
podemos analisar sua dimensão interpretativa.
OS JUÍZES E A
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO
SEGUNDO O POSITIVISMO
A validade jurídica é bastante explorada ao se tratar sobre o
positivismo jurídico. No entanto, igualmente importante é a
interpretação do Direito. Essa questão envolve, por um lado, a
compreensão do positivismo sobre o ordenamento jurídico e, por
outro lado, a discussão sobre como se dá a interpretação – ou como
os intérpretes-juízes devem atuar perante o texto legal.
 
Fonte: Zolnierek/Shutterstock.com
COMPREENSÃO SOBRE O
ORDENAMENTO JURÍDICO
Embora não se limite a isso, a compreensão sobre o papel do
intérprete-juiz para o positivismo está focada, em grande medida, na
discussão sobre as características positivistas do ordenamento
jurídico (DIMOULIS, 2018). Por ordenamento jurídico
compreendamos o conjunto das normas jurídicas positivas e vigentes
em dado território. Em síntese, o positivismo compreende que o
ordenamento jurídico, por si só, é autossuficiente para ser aplicado,
conseguindo adequadamente regular as relações sociais.
Isso não significa que o intérprete não terá funções (terá, como
veremos a seguir), mas a origem da discussão parte de três
características principais do ordenamento: completude, clareza e
coerência (sistematicidade). Vejamos cada uma delas:
COMPLETUDE
Todas as relações sociais juridicamente relevantes possuem
previsão normativa. Essa característica não significa que todas as
relações sociais estão tratadas pelo Direito. Ao contrário, presume
que existem inúmeras relações sociais não tratadas juridicamente.
No entanto, é exatamente essa limitação que caracteriza os fatos
jurídicos. Em outros termos, os fatos sociais em geral são
selecionados pelo legislador (autoridade competente) que, sobre
eles, faz incidir um conjunto de normas jurídicas. Dessa maneira,
certos fatos sociais normalmente são convertidos em fatos jurídicos.
Apenas esses fatos sociais (sobre os quais incide uma norma
jurídica) são juridicamente relevantes. Portanto, não existe relação
social juridicamente relevante sobre a qual não incidam normas
jurídicas.Por exemplo, o namoro e o casamento são duas relações sociais.
Ambas possuem características em comum. No entanto, das duas,
apenas o casamento é um fato juridicamente relevante. Afinal,
somente sobre ele existe um conjunto de normas jurídicas regulando
seu início, sua duração, seus direitos e deveres envolvidos. Salvo
algum evento anormal (um dos namorados pratica uma conduta que
provoca danos morais), o namoro é um fato juridicamente irrelevante
– não há incompletude em razão de inexistir regramento jurídico para
ele.
CLAREZA
O ordenamento jurídico prevê soluções objetivas (claras) para os
casos que regula; não há grandes problemas interpretativos. É por
conta dessa característica que grande parte das vertentes
positivistas não dedica muito espaço ou esforço para discussões
interpretativas ou sobre o papel dos juízes – como veremos na
posição de Kelsen a seguir, basta ao intérprete escolher entre as
opções (claramente) disponíveis pela moldura da norma. Essa
característica é nítida em certas áreas do Direito, em que os limites
são objetivamente fixados, como nas leis de trânsito (se o limite é de
60 km/h, então não há dúvida de que trafegar acima desse limite é
uma infração da lei) ou nas normas processuais (se o prazo é de
quinze dias úteis, então não há dúvida de que protocolar no décimo
sexto dia útil implica a perda do prazo).
COERÊNCIA
As normas jurídicas são harmônicas (compatíveis) entre si. Elas não
se contradizem, pois o ordenamento jurídico é um conjunto
sistematizado de normas, que se organiza no formato de “regra ×
exceção”, “norma geral × norma específica”, “norma superior ×
norma inferior” ou “norma anterior × norma posterior”. Por isso, caso
haja uma contradição (antinomia), sempre haverá uma solução dada
a partir de critérios do próprio ordenamento jurídico (critérios
positivos).
Contudo, as três características encontram três grandes obstáculos:
lacunas, ambiguidades e antinomias. Vejamos cada uma delas
também:
LACUNAS
Em oposição à completude, há situações de lacunas jurídicas.
Existem casos juridicamente relevantes (que impactam fortemente a
sociedade e, em consequência, o Direito), porém que não possuem
previsão normativa positivada.
AMBIGUIDADES
Em contraposição à clareza, há casos de ambiguidade. Existem
normas jurídicas que trazem termos vagos ou indeterminados e, por
conseguinte, têm diversas interpretações possíveis – aquela moldura
de interpretações mostra-se aberta.
ANTINOMIAS
Em contraste à coerência, há antinomias jurídicas. Para uma
mesma situação existem normas igualmente válidas, que conduzem
a direções opostas e não podem ser solucionadas pelos critérios
previstos positivamente.
Se esses critérios não são suficientes, é necessário investigar melhor
como deve ser o papel do intérprete na concretização do Direito
positivo segundo o positivismo. Nesse caso, é fundamental
analisarmos a posição de Kelsen.
A PROPOSTA INTERPRETATIVA
DE HANS KELSEN
Embora seja um dos principais expoentes do positivismo jurídico,
Hans Kelsen não foi o seu criador. Embora seja um autor fundante
dessa tradição, Kelsen dedica pouco de sua obra à discussão sobre
a interpretação jurídica. Vejamos, no entanto, quais os conceitos
fundamentais que ele insere nesse debate.
Para Kelsen, o intérprete exerce sua competência de concretização
da norma superior, devendo respeitar a moldura por ela criada –
chamada de “teorema da moldura”:
ISSO SIGNIFICA QUE A NORMA
OFERECE AO APLICADOR UM LEQUE
DE ALTERNATIVAS, CABENDO A ELE (E
SOMENTE A ELE) DECIDIR QUAL SERÁ
EFETIVAMENTE ADOTADA”.
(DIMOULIS, 2018)
Haverá uma cadeia de concretizações (desde o legislador até o
responsável por editar normas infralegais), em que as possibilidades
interpretativas serão constantemente limitadas. Por exemplo,
originalmente a norma tinha cinco interpretações possíveis. Depois
da concretização legislativa, passou a ter somente três, e assim
sucessivamente. Desse modo, seria possível chegar à escolha de
uma única interpretação.
A AUTORIDADE COMPETENTE TEM A
COMPETÊNCIA PARA ESCOLHER
QUALQUER INTERPRETAÇÃO DENTRO
DESSA MOLDURA, MAS NÃO FORA
DELA. ESSE APLICADOR NÃO DEVE,
ENTÃO, TOMAR UMA DECISÃO QUE
DESRESPEITE O CONTEÚDO DO
DIREITO EM VIGOR.
(DIMOULIS, 2018)
 
Fonte r.classen/Shutterstock.com
A autoridade competente exerce uma atividade de caráter cognitivo
ao interpretar a norma, pois deve buscar as alternativas existentes
dentro da moldura do texto. No entanto, a interpretação também é
um ato de vontade, pois o aplicador precisará escolher entre as
diversas opções existentes dentro dessa moldura normativa. O
problema que Kelsen deixa sem resolução é sobre os métodos para
que ocorra essa interpretação – isto é, para que ocorra a delimitação
da moldura. Sem critérios, qualquer interpretação pode ser situada
dentro dela.
Para resolver esse problema, em geral, os positivistas seguirão a
linha de uma interpretação literal, buscando definir o conteúdo do
Direito a partir da busca pela definição do texto legal – seja por meio
da busca pela intenção do legislador (chamado de originalismo), seja
aplicando o sentido usual e semântico do texto legal (chamado de
textualismo). Avançar nessa discussão vai além das pretensões de
uma apresentação mais ampla sobre o positivismo.
Outro fator a considerar no modelo kelseniano de interpretação diz
respeito à sua concepção moral de fundo (KELSEN, 2015). Adotando
um ponto de vista relativista, a moralidade é fortemente subjetiva e
variável, de modo que não faz sentido associar o Direito – e a sua
interpretação – a ela. Portanto, o Direito deve ser interpretado de
forma autorreferencial, baseando-se e fazendo referência a outras
normas jurídicas positivadas.
 RESUMINDO
Essa busca por uma limitação do objeto do Direito e da interpretação
jurídica deve ser encarada de maneira relacionada a uma
preocupação democrática dos positivistas – especialmente de Kelsen
(2000). Autores como Kelsen buscavam manter a autoridade das
escolhas sociais (que são a fonte do Direito nos Estados
democráticos) em detrimento dos subjetivismos do intérprete. Se
associado à democracia, o Direito positivo deve ter um papel central
nas nossas relações sociais.
VERIFICANDO O
APRENDIZADO
1. ASSIM AFIRMA KELSEN (2000): “É DE PER SI
EVIDENTE QUE UMA MORAL SIMPLESMENTE
RELATIVA NÃO PODE DESEMPENHAR A FUNÇÃO,
QUE CONSCIENTE OU INCONSCIENTEMENTE LHE É
EXIGIDA, DE FORNECER UMA MEDIDA OU UM
PADRÃO ABSOLUTO PARA A VALORAÇÃO DE UMA
ORDEM JURÍDICA POSITIVA”. A PARTIR DESSA
AFIRMAÇÃO, PODEMOS CONCLUIR COMO SENDO
UMA CARACTERÍSTICA DO POSITIVISMO JURÍDICO:
A) A defesa de uma moral baseada em valores absolutos.
B) A necessidade de separação entre Direito positivo e moral.
C) A origem convencional do Direito.
D) A importância de uma avaliação moral das normas jurídicas
positivadas.
E) A crítica à existência de qualquer padrão moral.
2. EMBORA NÃO TENHA DEDICADO MUITO ESPAÇO
EM SUA TEORIA À INTERPRETAÇÃO JURÍDICA,
HANS KELSEN FORMULA UM CONCEITO AINDA
MUITO INFLUENTE SOBRE A “MOLDURA
INTERPRETATIVA”. SEGUNDO ESSE CONCEITO:
A) O intérprete é livre para escolher qualquer interpretação, pois a
norma em abstrato não tem como antever os casos concretos
futuros.
B) A interpretação é um ato de pura vontade do aplicador, não
envolvendo um aspecto cognitivo sobre a norma.
C) A norma jurídica possibilita diversas interpretações, entre as quais
deve o intérprete fazer uma delimitação.
D) Haverá uma cadeia de interpretações, partindo de normas
inferiores (como decretos) até chegarmos à Constituição, tendo esta
uma única interpretação possível.
E) A interpretação é um ato puramente cognitivo, não dependendo
da vontade do aplicador da norma.
GABARITO
1. Assim afirma Kelsen (2000): “É de per si evidente que uma
moral simplesmente relativa não pode desempenhar a função,
que consciente ou inconscientemente lhe é exigida, de fornecer
uma medida ou um padrão absoluto para a valoração de uma
ordem jurídica positiva”.A partir dessa afirmação, podemos
concluir como sendo uma característica do positivismo jurídico:
A alternativa "B " está correta.
 
Uma vez que a moralidade é relativa, o Direito positivo deve manter-
se separado dela (tese da separação entre Direito e moral).
2. Embora não tenha dedicado muito espaço em sua teoria à
interpretação jurídica, Hans Kelsen formula um conceito ainda
muito influente sobre a “moldura interpretativa”. Segundo esse
conceito:
A alternativa "C " está correta.
 
Segundo a moldura interpretativa, cada norma possui diversas
interpretações possíveis, devendo o intérprete fazer uma escolha
dentro dessa moldura disponível.
MÓDULO 2
 Reconhecer o interpretativismo jurídico, suas características
e sua visão sobre o papel dos juízes
PREMISSA
O interpretativismo é, em sua origem e seu conteúdo, definido pelas
contribuições de Ronald Dworkin, especialmente em suas críticas ao
positivismo jurídico. Geralmente é inserido em um conceito amplo (e
pouco claro) de “pós-positivismo”. Ronald Dworkin é, ao lado de
Kelsen e Hart, um dos principais autores do século XX e tem uma
das teses mais comentadas sobre o Direito.
 
Fonte: David Shankbone / Wikimedia.org / CC BY-SA 3.0
 Ronald Dworkin.
No século XXI, Dworkin tornou-se grande alvo de contestação, tanto
por parte de positivistas quanto por parte de jusnaturalistas. Vejamos
melhor sua teoria sobre o Direito – conhecida como “Direito como
integridade” – e sua concepção sobre a interpretação jurídica –
baseada fundamentalmente na diferença entre regras e princípios.
CONCEITUANDO O
INTERPRETATIVISMO JURÍDICO
De início, devemos ter em mente que o interpretativismo é um tipo de
“não positivismo”, ou seja, nega algumas características do
positivismo jurídico. Em especial, para o interpretativismo, o Direito e
a moral estão intimamente relacionados, pelo que não é possível
definir o Direito adequadamente de modo separado da moral –
embora faça essa relação, sua concepção não está assentada em
uma ideia de lei natural.
Para compreender melhor isso, devemos observar a diferença entre
positivismo e interpretativismo acerca da definição do conteúdo do
Direito – definição sobre direitos subjetivos, obrigações jurídicas,
poderes, imunidades e sujeições jurídicas.
 
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O século XX foi marcado por uma concentração de definições de
Direito com base em seus meios. É o que se dá com as teorias
positivistas de Hart e de Kelsen – que pressupõem os meios jurídicos
como a pedra de toque para caracterizar o Direito. Há uma
preocupação central com os fatos sociais – em outros termos, com a
prática jurídica (por exemplo, sobre como uma decisão do
parlamento afeta nossa vida). Assim, grande parte da teoria do
Direito no século XX está preocupada com elementos descritivos (ou
empíricos) para formular seus conceitos de Direito.
Dworkin vai, contudo, em sentido oposto, preocupando-se com os
fins do Direito, isto é, considerando que o Direito tem fins, propósitos
ou valores que afetam seu conteúdo. Em sua busca por identificar
como o conteúdo do Direito é constituído ou determinado, Dworkin
tenta se afastar daquelas concepções jurídicas focadas
essencialmente em fatos sociais. Sua preocupação não está
centrada nos meios do Direito, pois inclui fortemente uma
investigação sobre seus fins (COELHO; MATOS; BUSTAMANTE,
2018).
Isso não significa dizer que Dworkin ignora as práticas sociais na
definição do Direito. Sua discordância fundamental em relação às
demais posições diz respeito à relevância desse caráter finalístico
para a identificação do conteúdo do Direito. Para ele, essa definição
não diz respeito somente à identificação de certas práticas sociais,
mas também (e centralmente) à interpretação de sua finalidade.
A tarefa do intérprete não se confunde com a tarefa do cientista. O
cientista não precisa fazer um juízo de valor para obter suas
conclusões. Por sua vez, o intérprete do Direito é chamado a realizar
esse juízo por meio de uma prática interpretativa sobre o Direito.
Vamos considerar um caso hipotético:
 
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Uma bióloga precisa classificar certa planta como pertencente à
espécie A ou B. Um juiz precisa decidir se a liberdade de expressão
protege ou não críticas ofensivas em um caso concreto. A bióloga
não precisará se envolver moralmente no processo de definição de
seu objeto. No entanto, o juiz, para julgar o caso e aplicar a norma,
necessariamente se envolve em uma atividade moral, a de julgar os
valores em jogo sobre o direito à liberdade de expressão.
O conteúdo do Direito é formado por um ato de ligação entre dois
elementos: as práticas jurídicas (um grupo de pessoas reunido em
um local chamado de “parlamento” aprovou uma lei com um novo
tributo) e as asserções que afirmam o Direito (João tem o dever de
pagar determinado tributo).
O ato de unir esses dois elementos por meio de valores é o que
diferencia o fato jurídico do fato científico. Na interpretação jurídica
sempre há um juízo de valor, que não está presente em conceitos
naturais (lembre-se do exemplo acima). Essa interpretação
pressupõe a compreensão da finalidade envolvida naquela prática;
por isso, esse é um ato sempre valorativo.
O processo interpretativo é o processo de atribuição de sentido a um
conjunto de práticas – não apenas o conjunto solto de fatos sociais.
O conceito de Direito mais adequado será aquele que possibilite uma
melhor compreensão da forma de vida em certa comunidade política,
na medida em que construa uma explicação que conforme todas as
práticas jurídicas com base nos valores compartilhados por toda a
comunidade. Por isso, a compreensão do Direito por meio de
conceitos interpretativos será sempre holística (COELHO; MATOS;
BUSTAMANTE, 2018).
 COMENTÁRIO
Para compreendermos melhor como isso caracteriza o
interpretativismo, devemos perceber como se distingue das
concepções jurídicas positivistas.
O INTERPRETATIVISMO COMO
UMA TEORIA NÃO POSITIVISTA
A divisão entre positivismo e “não positivismo” pode ser abordada a
partir de diversas diferenças. Uma distinção fundamental diz respeito
à possibilidade de o sistema jurídico vigente em certa sociedade
poder (ou não) ser identificado tomando em consideração apenas
fatos empíricos e sem assumir nenhuma posição acerca do valor de
justiça de suas proposições. Isto é, diz respeito à validade da tese da
separação entre Direito e moral.
 
Fonte: patpitchaya/Shutterstock.com
O conceito interpretativo de Direito vai ser formulado de maneira
oposta ao conceito positivista de Direito. Afinal, o conceito
interpretativo pressupõe valores na definição do Direito –
diferentemente do conceito científico, conceito do qual se aproxima a
proposta positivista. Essa é a diferença fundamental para Dworkin.
A divisão entre as teorias do Direito se dá entre aqueles que adotam
um conceito científico de Direito e aqueles que adotam um conceito
interpretativo (COELHO; MATOS; BUSTAMANTE, 2018). Dworkin se
caracteriza como um não positivista.
Como os jusnaturalistas, os interpretativistas negam um conceito
científico de Direito. No entanto, a diferença entre ambos será
grande no plano político e moral – diferenças que fogem ao nosso
interesse neste momento. Os não positivistas em geral negam a tese
da separação entre Direito e moral, uma vez que afastam a defesa
de uma conexão não necessária (contingente) entre Direito e moral.
 ATENÇÃO
Não se trata de moral no sentido de fatos sociais que certa cultura
aceita e observa (moral em sentido sociológico). Trata-se de moral
no sentido normativo, moral como ideal que faz exigências ao Direito,
a fim de que possa ser justo. Por isso, em Dworkin, o Direito tem
forte relação com a moralidade política, com os valores que
sustentam uma boa vida em sociedade.
Apesar disso, mesmo dentro do “não positivismo”, existe uma grande
variedade entre as compreensões sobre essa conexão entre Direitoe moral, indo de posições mais fortes a concepções mais fracas.
 
Imagem: Elden Borges Souza, adaptada por Tainara Oliveira e Alan
Gadelha.
A diferença entre positivismo e “não positivismo”, em última análise,
é que, para o positivista, o Direito pode ser explicado fazendo-se
referência a práticas jurídicas (descritivas), sem a necessidade de
uma instância valorativa (axiológica). O Direito seria definido a partir
de fatos sociais. Ao contrário, para o não positivista, o Direito
somente pode ser compreendido a partir de uma instância axiológica,
que determina a relevância de determinadas práticas jurídicas em
detrimento de outras.
Positivistas
A identificação do Direito é uma questão sobre fatos sociais. A
questão do valor do Direito é distinta.

Não positivistas
Embora os fatos sociais influenciem na determinação do Direito, as
assertivas jurídicas são morais, pressupondo a existência de uma
dimensão moral de fundo.
Como podemos perceber, a divergência é se as assertivas morais
entram ou não nessa definição. Para uma teoria não positivista, o
conteúdo do Direito é definido por fatos sociais e, conjuntamente, por
assertivas morais. Por isso, a questão da validade do Direito também
é axiológica e não meramente descritiva (COELHO; MATOS;
BUSTAMANTE, 2018).
Para o “não positivismo”, como o Direito não é um fato natural (não
podemos tratar o Direito como um biólogo trata uma planta ou como
um engenheiro trata uma edificação), não se pode justificar a
existência de uma proposição jurídica simplesmente recorrendo à
existência de um fato social. Será necessário um recurso a algo além
dos fatos.
INTERPRETATIVISMO JURÍDICO
A seguir, nosso especialista sintetiza o conceito de Interpretativismo
Jurídico em contraste ao Positivismo:
O DIREITO BASEADO EM UM
MODELO DE PRINCÍPIOS
Segundo o interpretativismo, o Direito moderno é caracterizado por
duas características:
1
Em cada sistema jurídico há um corpo substantivo de
premissas jurídicas que determina o que deve ser feito
em determinado caso. Isso significa que o Direito possui
uma resposta, anteriormente determinada, para cada
caso que lhe seja apresentado – embora possa ser difícil
essa determinação pelo intérprete para casos específicos.
2
As práticas sociais (como Constituições, leis, atos
administrativos e decisões judiciais) determinam em parte
o conteúdo do Direito; assim, o Direito não se confunde
com as exigências da ética. Essas práticas sociais são
fatos empíricos que pessoas ou grupos de pessoas
fizeram ou disseram sob certas circunstâncias.
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem
horizontal
A grande questão é definir como essas práticas sociais se
relacionam com a determinação das proposições normativas para o
caso. Para isso, será fundamental a diferença entre regras e
princípios (veremos no próximo item). Conforme a ênfase, teremos
um modelo jurídico de regras ou um modelo jurídico de princípios.
Nesse ponto, dois modelos de definição do conceito do Direito se
distinguem: a teoria do Direito baseada na regra do reconhecimento
e a teoria do Direito como integridade. Esses modelos apresentam
critérios por meio dos quais certas práticas sociais serão
selecionadas para determinar o conteúdo do Direito.
Dworkin está contrapondo seu modelo ao modelo positivista. Cada
modelo apresenta critérios de identificação das práticas sociais como
práticas jurídicas. Além disso, tem que explicar como combinar as
práticas entre si para definir o conteúdo do Direito (COELHO;
MATOS; BUSTAMANTE, 2018).
O modelo jurídico correto varia de sistema para sistema, visto que
depende, em grande medida, das práticas jurídicas aceitas por uma
comunidade. Não há um único modelo a priori para todos os
sistemas jurídicos. Essa determinação dependerá de qual modelo faz
mais sentido no contexto das práticas de certa comunidade – qual
modelo faz mais sentido para aquela forma de vida.
Dworkin (2010) destaca dois grandes modelos:
Modelo de regras
corresponde ao modelo de determinação do conteúdo jurídico sob a
premissa de que é determinado exclusivamente por fatos sociais
(práticas jurídicas descritivas).
Modelo de princípios
corresponde ao modelo de determinação do conteúdo jurídico sob a
premissa de que é determinado conjuntamente por fatos sociais e
por valores, propósitos e fins.
A preferência por um modelo ou por outro depende do contexto no
qual ele está inserido. É necessário que seja aquele modelo mais
plausível no contexto das próprias práticas jurídicas.
A defesa de Dworkin em favor do modelo de princípios é a de que as
práticas sociais que podem importar para o Direito são diversas – a
Constituição, as leis e os diversos decretos, mas também as falas de
parlamentares, as decisões judiciais e os costumes. Como selecionar
aquelas que importam para a determinação da solução de um caso
concreto? É necessário recorrer a juízos morais que façam essa
seleção.
Dado que as práticas sociais determinam apenas em parte o
conteúdo do Direito, a justificação de uma obrigação ou de um
Direito depende em grande medida de um juízo de valor. Sendo que,
em primeiro lugar, juízos de valor sempre se referem a princípios que
devem ser, de alguma maneira, objetivos e universais. Em segundo
lugar, valores podem ser verdadeiros ou falsos, ao contrário das
normas.
 RESUMINDO
Os valores que definem o Direito não são subjetivos e contingentes,
mas objetivos e necessários. A questão é determiná-los. Isso será
feito por Dworkin a partir de uma reflexão de teoria política –
especialmente em defesa dos valores de uma democracia liberal,
como a liberdade e a igualdade política.
FUNDAMENTOS DA
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO
EM DWORKIN
No que diz respeito à interpretação do Direito, o interpretativismo se
opõe às propostas comunicacionais sobre o Direito – que destacam
o papel da autoridade e o significado semântico dos textos legais
(COELHO; MATOS; BUSTAMANTE, 2018).
Enquanto as teorias predominantes buscam conhecer o conteúdo
jurídico por meio da busca do significado de um texto legal, Dworkin
defende que o conteúdo do Direito não é o mesmo que o significado
do texto. Esse conteúdo não tem como ser identificado a partir da
busca do sentido dado pela autoridade (o legislador original, por
exemplo) ou pelo uso comum do termo (por meio de uma
investigação semântica). Assim, sua posição interpretativa afasta-se
significativamente do que defende o positivismo.
 
Fonte: corgarashu/Shutterstock.com
Para a visão tradicional sobre o Direito, não há justificação moral
para a aceitação de certas proposições jurídicas como válidas, de
modo que a interpretação jurídica envolve tão somente questões de
fato sobre o conteúdo semântico de dada proposição. Além disso,
essa interpretação é caracterizada por um atomismo, ou seja, as
normas jurídicas individuais possuem primazia explicativa sobre o
Direito como um todo.
No entanto, para Dworkin, como o conteúdo do Direito não é
determinado pelo recurso a fatos sociais, não é a autoridade o
determinante para a interpretação jurídica, e sim os valores ou
princípios do Direito. Não se trata, também, de um modelo
comunicacional, que enfatize o papel do significado do texto legal,
pois esses elementos semânticos são apenas parte da determinação
do Direito. Além disso, para Dworkin, o Direito como um todo possui
primazia em relação às normas jurídicas consideradas individual ou
isoladamente – trata-se de um modelo holístico.
PARA COMPREENDERMOS MELHOR
SUA PROPOSTA INTERPRETATIVA,
DEVEMOS RECORRER A UMA
IMPORTANTE DISTINÇÃO, DESTACADA
POR DWORKIN, ENTRE REGRAS E
PRINCÍPIOS.
UMA DIFERENÇA
FUNDAMENTAL A RESPEITO
DAS NORMAS JURÍDICAS
A diferença entre normas jurídicas do tipo regra e do tipo princípio
tornou-se um ponto central de toda a discussão atual sobre
interpretação jurídica. Para que possamos compreendê-la melhor,
vejamos as duas normas a seguir.
Princípio
Art. 5º, IV, CRFB/88: “é livre a manifestaçãodo pensamento, sendo
vedado o anonimato”.
Regra
Art. 212, CPC/15: “Os atos processuais serão realizados em dias
úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas”.
Conforme podemos intuir, a depender do tipo da norma (regra ou
princípio), a interpretação será completamente diferente. Quando o
intérprete se depara com uma regra jurídica, como vemos no caso da
definição dos prazos processuais, não há grande margem de dúvida
interpretativa, nem será necessário um recurso profundo a valores
para que ela seja aplicada na solução do caso apresentado.
Contudo, a exata extensão da garantia da liberdade de expressão é
um tema sempre envolto em grande discussão.
QUAIS SERIAM, ENTÃO, AS
DIFERENÇAS ENTRE AS REGRAS E OS
PRINCÍPIOS JURÍDICOS?
IDEIA DE DIREITO
A principal diferença, à luz da discussão sobre os valores vista aqui,
diz respeito à relação dessas normas com a ideia de Direito. As
normas jurídicas podem ter um conteúdo mais relacionado às
exigências de justiça ou podem ser mais indiferentes a isso.
Os princípios são normas com alta carga valorativa, ou seja, o seu
conteúdo traz exigências de justiça para o ordenamento jurídico.
Servem, portanto, para corrigir eventuais defeitos das regras
jurídicas. O exemplo trazido por Dworkin para sustentar isso é o caso
Riggs vs. Palmer (também conhecido como caso Elmer):
 
Fonte: sfam_photo/Shutterstock.com
Elmer Palmer era herdeiro testamentário de seu avô Francis Palmer.
Preocupado com a possibilidade de que seu avô mudasse os termos
do testamento, em 1889 envenenou-o para garantir a herança.
Para agravar o caso, na época não havia, na legislação nova-
iorquina sobre sucessões, qualquer dispositivo que impedisse o
assassino de herdar os bens de sua vítima. Então, a pergunta do
caso era: Elmer tinha o direito de exigir que lhe fossem transmitidos
os bens do avô?
O tribunal entendeu que não, tomando como base um princípio
implícito em vários dispositivos jurídicos de que ninguém pode se
beneficiar dos crimes que cometeu.
O critério de julgamento desse caso – um princípio – não impediu o
recebimento da herança por ser injusto ou imoral. Os juízes
alegaram que, no Direito vigente, visto à sua melhor luz, o assassino
não tinha o direito que alegava ter. Em razão de seu conteúdo
fortemente moral, os princípios permitem suprir lacunas ou, no caso
mencionado, como instância mais abstrata, aprimorar o conjunto de
regras.
As regras são normas que resolvem problemas funcionais do
sistema normativo. Elas estipulam como situações concretas serão
resolvidas. Seu conteúdo moral é baixo, porém significativo para a
solução de conflitos de interesse que exigem limites mais precisos –
como a regra processual aqui elencada.
NÍVEL DE ABSTRAÇÃO
Regras e princípios diferenciam-se quanto ao grau de abstração,
isto é, quanto ao nível de indeterminação e vagueza da norma.
Enquanto algumas normas apresentam conteúdo mais
indeterminado, outras contam com conteúdo bem delimitado.
Os princípios jurídicos são normas com uma linguagem aberta – com
um alto nível de indeterminação e vagueza. Logo, o conteúdo dos
princípios não tem limites muito precisos. Obviamente, há situações
claramente inseridas em dado princípio e outras claramente fora
deles. No entanto, também permitem muitos casos cinzentos. Por
sua vez, as regras são normas com uma linguagem bem definida,
sendo possível ao intérprete prever o seu conteúdo e definir o que se
situa dentro delas ou não.
 RESUMINDO
Valendo-nos dos exemplos indicados no início, não há dúvida de que
um ato processual realizado em dia não útil está fora da previsão do
artigo citado. Não há controvérsia em relação a isso. Todavia, um
protesto realizado durante o funeral de uma pessoa pública está
protegido pela liberdade de expressão? Nesse caso, a resposta não
permite um tipo de recurso a limites claramente estipulados pela
previsão constitucional.
APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO
Regras e princípios diferenciam-se quanto à matéria de aplicação,
no que diz respeito à relação entre a norma jurídica e sua incidência
sobre um caso concreto. De que maneira essas normas são aptas à
sua aplicação ao caso concreto?
As regras são aplicadas por meio de subsunção. É verificada a
presença de sua hipótese de incidência ou não e, então, a
consequência nela prevista é aplicada. Por exemplo, se uma pessoa
mata um animal, então não está presente a hipótese de incidência do
“homicídio”, que é “matar alguém”. Assim, as regras podem ser
totalmente aplicáveis ou totalmente inaplicáveis a certo caso. Diz-se
que as regras se aplicam no modo “tudo ou nada”.
Considerando essa característica e que as regras são normas cujo
conteúdo é bem delimitado, sua aplicação ao caso concreto é direta,
não exigindo definição de seu conteúdo por meio de uma
intermediação do intérprete ou por meio de intermediação de outra
norma jurídica.
Já os princípios incidem sobre o caso concreto conforme o seu peso
naquelas circunstâncias, podendo incidir de forma mais ou menos
intensa. São aplicados por meio de ponderação, e não de
subsunção. Além disso, como os princípios possuem um conteúdo
aberto, sua aplicação ao caso concreto exige uma intermediação.
Será necessário que o legislador ou o intérprete atue para definir
como se dará essa aplicação. Voltando ao exemplo da liberdade de
expressão, será necessário que o intérprete defina qual a extensão
desse direito.
CONFLITO DE NORMAS
Por fim, regras e princípios diferenciam-se em situações de conflito
normativo. Em certos casos, as normas jurídicas apresentam-se
opostas, indicando soluções diferentes para a mesma situação. A
questão, então, passa a ser qual delas deve ser aplicada.
Quando regras entram em conflito (ao que se denomina de
antinomia), não será possível a aplicação de duas regras opostas ao
mesmo tempo. Afinal, como visto, as regras devem ser aplicadas
totalmente ou não ser aplicadas. Não será possível aplicar o
comando das duas regras ao mesmo tempo e ao mesmo caso. A
solução se dará por meio da invalidação de uma das regras, e para
identificar qual delas será aplicada, utiliza-se o recurso aos modos de
solução de antinomias: regra posterior, regra superior ou regra
especial.
Por outro lado, quando princípios entram em conflito, nenhum deles
será invalidado. O princípio predominante prevalece conforme as
circunstâncias do caso concreto. Em outras circunstâncias, outro
princípio pode prevalecer.
 
Fonte: wellphoto/Shutterstock.com
Imagine, por exemplo, uma disputa judicial entre um jornalista e um
político a respeito da divulgação de certa informação – o primeiro
exigindo a garantia da liberdade de imprensa e de informação e o
segundo pleiteando a garantia de sua privacidade. Como se trata de
uma pessoa pública, a tendência será a prevalência da liberdade de
expressão. Isso, contudo, não significa que não haja mais qualquer
proteção da privacidade do político – em outro contexto, pode ser
que a prevalência se dê nesse direito.
CASOS FÁCEIS E CASOS
DIFÍCEIS
Uma última distinção interpretativa importante, apresentada pelo
interpretativismo, diz respeito à diferença entre casos fáceis e casos
difíceis.
Os casos jurídicos apresentam, em geral, duas partes: uma
dimensão jurídica (ou teórica) e uma dimensão fática (ou empírica).
Por exemplo, analisemos o que se dá em uma “ação de investigação
de paternidade”.
DIMENSÃO JURÍDICA (NORMA)
O Código Civil prevê que o pai tem o dever de reconhecer o filho.
DIMENSÃO EMPÍRICA (FATOS)
O réu está sendo apontado (demandado judicialmente) como pai da
criança.
CONCLUSÃO
A norma se aplica ou não se aplica? Se for identificado faticamente
que o réu é o pai, então ele tem o dever de proceder ao
reconhecimento do filho. Se não houver essa identificação, então ele
não tem esse dever.
Os casos jurídicos podem apresentar uma controvérsia em sua
dimensão jurídica ou em sua dimensão fática. Conforme o local em
que se encontre essa controvérsia, estará presente um caso fácil ou
umcaso difícil. Vejamos o exemplo a seguir.
javascript:void(0)
javascript:void(0)
javascript:void(0)
Caso fácil
João está sendo acusado de ter matado o seu vizinho.
1 Matar alguém é um ato ilícito? 
2 João realmente matou seu vizinho?

Caso difícil
Maria está internada, corre risco de morte, mas sua família, por
motivos religiosos, não autoriza a transfusão de sangue.
1 Existe o direito a essa recusa? 
2 Maria está realmente precisando fazer a transfusão?
Como podemos perceber nos exemplos, cada um dos casos poderá
gerar duas controvérsias: a primeira ( 1 ) será a dúvida jurídica e a
segunda ( 2 ), a dúvida fática. Em cada um dos casos, somente uma
das perguntas realmente é controversa. A outra pode ser facilmente
respondida pelo juiz do caso.
Na primeira situação, temos um caso fácil, pois, sendo produzidas as
provas corretas, o caso será facilmente resolvido. O juiz não tem
dúvidas razoáveis quanto à pergunta jurídica – é relativamente fácil
saber se é lícito ou não matar alguém. Nos casos fáceis, a
controvérsia reside sobre a sua dimensão fática (tem-se um
desacordo empírico ou fático). Ou seja, a discussão está centrada
em se certo fato ocorreu ou não e de que forma ele ocorreu. O
Direito é relativamente incontroverso. A disputa judicial será por
encontrar as melhores provas para confirmar ou refutar a ocorrência
dos fatos alegados.
Nos casos difíceis, a controvérsia reside sobre a sua dimensão
jurídica (desacordo teórico ou jurídico). Os fatos são relativamente
pacíficos, mas há uma discussão sobre qual direito deve prevalecer
e qual sua interpretação. No exemplo, a família da paciente e o
hospital confirmam o fato (Maria precisa receber a transfusão de
sangue). A disputa judicial é se o Direito ampara ou não a recusa à
realização do procedimento. Nesse caso, os fatos estão provados,
mas há uma controvérsia sobre qual direito deve ser protegido, sobre
qual direito deve ser aplicado para resolver o caso.
 ATENÇÃO
Como vimos, para Dworkin, um juízo de moralidade (política, no
caso) direciona essa interpretação. O intérprete deve considerar o
sistema jurídico à luz dos valores que o guiam – que são
compartilhados pela comunidade. A decisão, então, não será
baseada em uma discricionariedade do juiz, como no positivismo.
Afinal, o sistema jurídico é capaz de oferecer respostas para os
casos concretos e, seguindo os princípios (valores, fins e propósito
do Direito), o intérprete consegue alcançar a melhor resposta
possível.
ESTUDO DE CASO
Um dos casos mais emblemáticos no Direito constitucional brasileiro
dos anos recentes é o caso Ellwanger (HC 82.242), julgado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF).
ESSE CASO DISCUTIU A
POSSIBILIDADE DE ELLWANGER
ESCREVER UM LIVRO NEGANDO O
HOLOCAUSTO E ATRIBUINDO A
‘RESPONSABILIDADE’ PELA 2ª
GUERRA MUNDIAL AOS JUDEUS. A
MAIORIA ENTENDEU QUE TAL
CONDUTA CARACTERIZAVA RACISMO.
NO ENTANTO, OS MINISTROS MARCO
AURÉLIO E AYRES BRITTO
DEFENDERAM QUE A LIBERDADE DE
EXPRESSÃO ADMITIA ESSES
PENSAMENTOS MINORITÁRIOS E
‘DESAGRADÁVEIS’. DE INÍCIO, A
DISCUSSÃO CENTROU-SE NO
CONCEITO DE RAÇA E DE RACISMO.
[...]. OS MINISTROS MOREIRA ALVES E
MARCO AURÉLIO APREENDERAM
ESSES CONCEITOS A PARTIR DE UMA
ANÁLISE HISTÓRICA E SEMÂNTICA.
SENDO ASSIM, O CONCEITO RAÇA
SERIA UTILIZADO PARA DISTINGUIR
OS DIFERENTES GRUPOS DO GÊNERO
HUMANO (BRANCOS, AMARELOS E
NEGROS), E NÃO OUTROS GRUPOS,
COMO OS JUDEUS. CAPITANEADOS
PELO MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA,
OS DEMAIS FIZERAM UMA
INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA
NORMA, DANDO AOS TERMOS UM
CONCEITO HISTÓRICO, SOCIOLÓGICO
E CULTURAL. ESTA CORRENTE
ENTENDEU O RACISMO COMO
FENÔMENO SOCIAL PELO QUAL UM
GRUPO É CONSIDERADO RAÇA
(‘RACIALIZAÇÃO’) – COMO OCORRE
COM OS JUDEUS.
(SOUZA; PINHEIRO, 2020)
O caso girou em torno de duas discussões fundamentais:
1
O que deve ser considerado como “raça” para fins de
racismo? Esse conceito inclui os judeus ou não?
2
A liberdade de expressão ampara ideias que implicam a
negação de fatos históricos e geram a ofensa a certos
grupos sociais?
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem
horizontal
 RECOMENDAÇÃO
Considerando a controvérsia judicial e o que foi estudado, reflita
sobre como esse caso pode ser compreendido à luz do
positivismo jurídico e do interpretativismo, especialmente para
responder às duas questões-chave do caso.
VERIFICANDO O
APRENDIZADO
1. QUANDO SE CONSIDERAM AS CRÍTICAS DE
DWORKIN AO POSITIVISMO JURÍDICO, AFIRMA-SE:
“NÃO É POSSÍVEL ADOTAR FRENTE AO DIREITO,
COMO ACREDITAVA A TRADIÇÃO DO POSITIVISMO
ANALÍTICO, UMA POSTURA MERAMENTE
DESCRITIVA” (TAXI, 2018). A PARTIR DESSA
AFIRMAÇÃO, PODEMOS CONCLUIR SOBRE A
TEORIA DE DWORKIN QUE:
A) A tarefa do intérprete envolve um tipo de engajamento moral.
B) É necessário o recurso à lei natural para interpretar o Direito.
C) O Direito exige um empirismo em sua definição.
D) Compreender o significado do Direito consiste em buscar a
vontade da autoridade.
E) Interpretar o Direito se resume a entender o texto legal.
2. UMA DIFERENÇA FUNDAMENTAL PARA O
INTERPRETATIVISMO JURÍDICO DIZ RESPEITO À
DIFERENÇA ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS. QUAIS
DAS ASSERTIVAS A SEGUIR IDENTIFICAM
CORRETAMENTE CARACTERÍSTICAS DAS REGRAS
JURÍDICAS? 
 
I. NORMAS QUE TRAZEM SOLUÇÕES PARA
PROBLEMAS FUNCIONAIS. 
II. SÃO APLICADAS NO MODO “TUDO OU NADA”. 
III. NORMAS COM UM CONTEÚDO ABERTO OU
INDETERMINADO. 
 
É CORRETO AQUILO AFIRMADO EM:
A) I, apenas.
B) II, apenas.
C) III, apenas.
D) I e II, apenas.
E) I, II e III.
GABARITO
1. Quando se consideram as críticas de Dworkin ao positivismo
jurídico, afirma-se: “Não é possível adotar frente ao Direito,
como acreditava a tradição do positivismo analítico, uma
postura meramente descritiva” (TAXI, 2018). A partir dessa
afirmação, podemos concluir sobre a teoria de Dworkin que:
A alternativa "A " está correta.
 
Diferentemente do positivismo, que defendia uma postura de
neutralidade do intérprete, para o interpretativismo a definição do
conteúdo do Direito sempre pressupõe uma atuação moral do
intérprete.
2. Uma diferença fundamental para o interpretativismo jurídico
diz respeito à diferença entre regras e princípios. Quais das
assertivas a seguir identificam corretamente características das
regras jurídicas? 
 
I. Normas que trazem soluções para problemas funcionais. 
II. São aplicadas no modo “tudo ou nada”. 
III. Normas com um conteúdo aberto ou indeterminado. 
 
É correto aquilo afirmado em:
A alternativa "D " está correta.
 
As regras são normas que resolvem problemas funcionais, são
plenamente aplicadas ou não aplicadas, e possuem um conteúdo
bem determinado.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O positivismo jurídico e o interpretativismo são concepções sobre o
Direito bastante distintas.
Por um lado, o positivismo tem uma pretensão de neutralidade, mas,
ao mesmo tempo, não delimita muito a atividade do intérprete. Por
outro lado, o interpretativismo rejeita a neutralidade do intérprete,
destacando a necessidade de uma interligação entre Direito e moral.
Ao lado disso, ressalta a importância da interpretação, especialmente
em matéria de princípios e nos casos difíceis.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BOBBIO, N. O positivismo jurídico: lições de filosofia do Direito.
São Paulo: Ícone, 1995a.
BOBBIO, N. Teoria do ordenamento jurídico. 6. ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1995b.
COELHO, A.; MATOS, S.; BUSTAMANTE, T. (org.). Interpretando o
império do direito: ensaios críticos e analíticos. Belo Horizonte:
Arraes, 2018.
DIMOULIS, D. Positivismo jurídico: teoria da validade e da
interpretação do Direito. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2018.
DWORKIN, R. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2014.
FINNIS, J. M. Lei natural e direitos naturais. São Leopoldo:
UNISINOS, 2007.
HART, H. L. A. O conceito de Direito. 2. ed. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2012.
KELSEN, H. Ademocracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
KELSEN, H. Teoria pura do Direito. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2015.
TAXI, R. D. Conceitos Interpretativos. In: COELHO, A.; MATOS, S.;
BUSTAMANTE, T. (orgs). Interpretando o Império do Direito. Belo
Horizonte: Arraes, 2018.
SELL, C. E. Sociologia clássica: Marx, Durkheim e Weber. 7. ed.
Petrópolis: Vozes, 2016.
SOUZA, E.; PINHEIRO, V. Proteção dos particulares e censura
privada: a jurisprudência constitucional sobre os limites à liberdade
de expressão. In: Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v.
15, n. 1, 2020.
EXPLORE+
Assista à exposição do professor Saulo Matos sobre o
interpretativismo na III Jornada de Teoria do Direito, que discutiu
as respostas contemporâneas sobre o conceito de Direito. O
título da palestra é “Interpretativismo” (Dworkin reconsiderado) –
Prof. Dr. Saulo Matos.
Assista à exposição do professor André Coelho sobre o
positivismo jurídico exclusivo na III Jornada de Teoria do Direito,
que discutiu as respostas contemporâneas sobre o conceito de
Direito. O título da palestra é “Positivismo jurídico exclusivo” –
Prof. Msc. André Luiz Souza Coelho.
Assista à exposição da professora Loiane Verbicaro sobre o
positivismo jurídico inclusivo na III Jornada de Teoria do Direito,
que discutiu as respostas contemporâneas sobre o conceito de
Direito. O título da palestra é “Positivismo jurídico inclusivo –
Prof. Dra. Loiane Verbicaro”.
CONTEUDISTA
Elden Borges Souza
 CURRÍCULO LATTES
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