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Pessoas Com Deficiência e Direitos Humanos

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Sidney Madruga 
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Sidney Madruga 
Pessoas com 
deficiência 
e direitos 
humanos 
ótica da diferenca 
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e acões afirmativas 
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2ª- edição 
2016 
r""\1. Editor~ 
~ Saraiva 
í\- Editor~ v-4~ Saraiva 
Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César - São Paulo - SP 
CEP 05413-909 
PABX: (11) 3613 3000 
SAC: 0800 011 7875 
De 2~ a 6~, das 8:30 às 19:30 
www.editorasoraiva.eom.br/contato 
Direção editorial Flávia Alves Bravin 
Gerência editorial Thaís de (amargo Rodrigues 
Assistência editorial Poliana Soares Albuquerque 
Coordenação geral Clarissa Boraschi Maria 
Preparação de originais Ana Cristina Gordo ( coord.) 
Carolina Massanhi 
Liana Ganiko Brito 
Arte, diagramação e revisão Know-how Editorial 
Serviços editoriais Eloine Cristina da Silva 
Kelli Priscila Pinto 
Marília Cordeiro 
Capa Roney Camelo 
Produção gráfica Marli Rampim 
ISBN 
Madruga, Sidney 
Pessoas com deficiência e direitos humanos : ótica 
da diferença e ações afirmativas/ Sidney Madruga. 
- 2. ed. - São Paulo : Saraiva, 2016. 
Bibliografia. 
l. Ações afirmativas 2. Pessoas com deficiência 
- Direitos civis 3. Direito constitucional 4. Direitos 
humanos 5. Discriminação 6. Igualdade perante a lei 
1. Título. 
CDU-342.722 
Índice para catálogo sistemático: 
1. Pessoas com deficiência e direitos humanos : 
Princípio da igualdade e ações 
afirmativas : Direito constitucional 342.722 
Data de fechamento da edição: 18-3-2016 
Dúvidas? 
Acesse www.editorasaraiva.corn.br/direito 
Nenhuma parte desta publicação poderá ser 
reproduzida por qualquer meio ou fo rma sem a prévia 
autorização da Editora Saraiva. 
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido 
na Lei n . 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do 
C ódigo Penal. 
1 073.247.002.001 1 1 971545 1 
Mais uma vez dedico este trabalho as minhas amorosas 
gêmeas, Geovana e Laíssa - as quais, na 1 ~ edição, 
participaram da redação dessas linhas, quando em vez no 
colo ou no pescoço do pai-, mas agora, dia a dia, correm 
velozmente ao meu encontro para que eu as impulsione 
até o teto ... 
NOTA À 2!_ EDIÇÃO 
Apresenta-se ao leitor uma segunda edição - a qual 
obteve na sua primeira tiragem uma formidável receptivi-
dade - devidamente revista e atualizada, suprimindo-se, 
porém, alguns pontos repetitivos e de menor importância. 
Incorporaram-se as recentes modificações legislati-
vas produzidas na Espanha, para seguir na comparação 
entre a realidade brasileira e a europeia em matéria de di-
reitos humanos das pessoas com deficiência e ação afirma-
tiva, ao lado dos aspectos inovadores da Convenção da 
ONU, mas com a preocupação de tornar mais compreen-
sível para todo o público (leigo ou de formação jurídica) 
as temáticas examinadas. 
Para tanto, buscou-se uma abordagem, teórica e prá-
tica, mediante um linguajar mais acessível e prazeroso em 
que predominam as citações indiretas e exemplificativas, 
sem perder de vista o caráter acadêmico, inovador e apro-
fundado da obra. 
Outrossim, procedeu-se a completa atualização da 
pesquisa documental e bibliográfica, cujos dados eletrôni-
cos fidedignos foram extraídos de sites oficiais de órgãos 
públicos, universidades e organismos internacionais. 
Enfim, busca-se melhor atender ao leitor, de modo a 
facilitar-lhe a consulta e o manuseio do livro, sem prejuízo 
de continuar a debater importantes questões nesse uni-
verso e receber críticas e sugestões. 
7 
SUMÁRIO 
NOTA À 2ª- EDIÇÃO 
INTRODUÇÃO 
CAPÍTULO 1 
DIREITOS HUMANOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: 
7 
13 
UMAABORDAGEM CENTRADANO SUJEITO DE DIREITOS... 17 
1.1 Uma nomenclatura desprovida de preconceitos . . . . . . . . . . . . 1 7 
1.2 Pobreza, exclusão e deficiência: a realidade do mercado global 24 
1.3 Deficiência e exclusão social: correlação em números . . . . . . . 30 
1. 4 A deficiência como uma questão de direitos humanos: o modelo 
social e a crítica feminista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 
1.5 A teoria crítica dos direitos humanos. Direitos humanos como 
produtos culturais e processos de luta pela dignidade . . . . . . . 41 
1.5.1 Os novos atores sociais e a insuficiência do enfoque ju-
rídico. A riqueza humana como critério de valor . . . . . . 48 
CAPÍTULO 2 
A ÓTICA DA DIFERENÇA: UMA NOVA PERSPECTIVA DE 
DIREITOS HUMANOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 
2.1 Uma perspectiva nova, integradora, crítica e contextualizada 
de direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 
9 
2.2 O enfoque do diálogo intercultural na linguagem dos direitos 63 
2.3 Os valores da dignidade, autonomia, solidariedade e igualdade 
na órbita da deficiência. Igualdade de oportunidades, reconhe-
cimento da diferença e não discriminação . . . . . . . . . . . . . . . . 69 
2.3.1 A dignidade dos excluídos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 
2.3.2 A autonomia integrada à dignidade humana . . . . . . . . . 74 
2.3.3 Solidariedade num mundo de valores individuais . . . . . 77 
2.3.4 Igualdade na diferença. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 
2.3.4.1 Igualdade de oportunidades . . . . . . . . . . . . . . . 84 
2.3.4.2 O reconhecimento da diferença: gênero e defi-
ciência como um signo bidimensional . . . . . . . 88 
2.3.4.3 Valoração jurídica das diferenças: a igualdade 
complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 
2. 3. 5 A não discriminação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 7 
CAPÍTULO 3 
AÇÕES AFIRMATIVAS COMO UM INSTRUMENTO DE 
DIREITOS HUMANOS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 
3.1 A historicidade das ações afirmativas: precedentes normativos 
e judiciais na experiência norte-americana . . . . . . . . . . . . . . . . 109 
3.2 Conceitos e terminologias. A não temporariedade das ações 
afirmativas . . ...... ..... ... . . . . . .. . ... . ..... . ..... . 
3.2.1 Ação afirmativa e ação positiva .......... . ... . . . . . . 
3.2.2 Discriminação positiva e discriminação inversa ... . . . . 
3.2.3 Cotas e metas . . ... . .......... . ... . .......... . . 
3.3 Acepções e imprecisões terminológicas no Sistema Interna-
cional, Comunidade Europeia, Espanha e Brasil. ..... . .... . 
3.4 Elementos e natureza jurídica das ações afirmativas ... . ... . . 
10 
3.4.1 A ação afirmativa no combate às relações sociais de su-
bordinação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
128 
129 
136 
138 
139 
150 
157 
CAPÍTULO 4 
AÇÕES AFIRMATIVAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO 
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO E ESPANHOL EM 
MATÉRIA DE DEFICIÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163 
4.1 A Constituição do Brasil e a pessoa com deficiência. . . . . . . . . 164 
4.2 As ações afirmativas perante o ordenamento constitucional 
brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168 
4.3 A Constituição da Espanha e a pessoa com deficiência. . . . . . . 177 
4.4 As ações afirmativas perante o ordenamento constitucional 
espanhol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182 
CAPÍTULO 5 
A CONVENÇÃO DA ONU, A LEI ESPANHOLA E AS 
INICIATIVAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO 
BRASIL: INSTRUMENTAIS JURÍDICOS EM FAVOR DAS 
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.......... . ... . ..... . ..... 191 
5.1 A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Defi-
ciência e a Lei Geralespanhola de Direito das Pessoas com 
Deficiência e sua Inclusão Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193 
5.1.1 A Convenção da ONU: aspectos relevantes . . . . . . . . . . 193 
5.1.2 A adaptação razoável e o desenho universal: ferramentas 
de direitos humanos para a plena acessibilidade. . . . . . . 198 
5 .1.3 A Lei Geral espanhola dos Direitos das Pessoas com 
Deficiência e sua Inclusão Social (Real Decreto Legislativo 
n . 1/2013) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208 
5.1.4 A normalização, o diálogo civil e a transversalidade: 
princípios inspiradores da legislação espanhola . . . . . . . 212 
5.2 O reconhecimento judicial e extrajudicial de direitos humanos 
das pessoas com deficiência a partir das iniciativas do Minis-
tério Público Federal no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217 
5.2.1 Mecanismos e formas de atuação do Parquet . . . . . . . . . 218 
11 
5.2.2 A atuação do Ministério Público na defesa das pessoas 
com deficiência. O hiperdimensionamento do princípio 
da independência funcional e os males da cultura 
jurídica dominante. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220 
5.3 A práxis jurídica na tutela das pessoas com deficiência: expe-
riências do autor no âmbito do Ministério Público Federal . . . 226 
5.3.1 Direito à educação para surdos no ensino superior: uma 
realidade no Estado da Bahia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 7 
5.3.2 Uma criança com síndrome de Down: o direito à vida 238 
5.3.3 Direito à acessibilidade à Faculdade de Medicina . . . . . . 241 
REFERÊNCIAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249 
12 
INTRODUÇÃO 
No cenário mundial os direitos humanos ocupam 
lugar de destaque nas sociedades ocidentais, erigidos 
como dogmas nas Constituições dos estados e documen-
tos internacionais. 
A ideia de direitos humanos baseados na dignidade da 
pessoa humana e em contraposição aos abusos e arbítrios 
do Estado, ou mesmo como baliza aos poderes estatais qua-
se ilimitados, é uma constante ao largo da história das civi-
lizações, cuja internacionalização se materializa com o fim 
das brutalidades e atrocidades produzidas com a Segunda 
Grande Guerra e, logo depois, com o surgimento da Liga 
das Nações. 
Entretanto, o discurso hodierno universalista dos di-
reitos humanos, concebido de forma pura e abstrata, vê-se 
solapado e impotente à vista das condições de vida subu-
manas que se apresentam no mundo moderno, causadas 
por fatores como fome, pobreza e exclusão, e que dia a dia 
tomam mais precárias e sem perspectivas concretas a as-
censão a patamares dignos de vida daqueles considerados 
hipossuficientes, marginalizados e oprimidos. 
Esse quadro de fome e pobreza, antes relegado a paí-
ses africanos, prolifera abertamente agora em várias re-
giões da América Latina e da Europa, atingindo e excluin-
do, principalmente, milhões de crianças. 
13 
O agravamento desse status quo deve-se em grande parte a políti-
cas globalizantes que findam por debilitar, dia a dia, a proteção e a ga-
rantia de direitos econômicos, sociais e culturais e aprofunda as desi-
gualdades e o discrímen suportados por negros, indígenas, mulheres, 
pessoas com deficiência, dentre outras minorias. Esse é o contexto de 
exclusão e desigualdades na América Latina, com reflexos no Brasil pro-
porcionais a sua continentalidade. 
Na Europa, por seu turno, a garantia de paridade de direitos hu-
manos ainda revela grandes desníveis em vários países, a despeito de 
alguns avanços obtidos em relação às mulheres e pessoas com deficiên-
cia, como se vê na Espanha. 
Faz-se, portanto, necessária uma nova visão de direitos humanos 
que não aquela de caráter tradicional e hegemônico, centrada no posi-
tivismo abraçado pelas modernas declarações de direito, mas insufi-
ciente a garantir os direitos humanos daqueles explorados e submetidos 
às mais variadas formas de exclusão. Uma prática de direitos humanos 
que leve em consideração critérios universais, como os de igualdade e 
liberdade, e que respeite as diferenças plurais de indivíduos e grupos. 
Por outro lado, a adoção única e exclusiva do princípio da não dis-
criminação se afigura insuficiente para proteger e promover a igualdade 
de oportunidades entre grupos ou coletivos historicamente discrimina-
dos. É o caso de países como o Brasil em que as pessoas com deficiência, 
mulheres, negros e índios suportam todos os tipos de desigualdades e 
preconceitos. E na Espanha, em que as mulheres encontram-se infrarre-
presentadas em todos os setores sociais, principalmente na área laboral, o 
mesmo ocorrendo com as pessoas com deficiência. 
Dessa forma, as iniciativas voltadas às pessoas com deficiência, 
lastreadas atualmente no modelo social (em sobreposição ao modelo 
médico), que se baseiam nos direitos humanos e na pessoa como sujei-
to de direitos, devem ir muito além da luta contra a discriminação. Há 
que se ir adiante das barreiras às condutas antidiscriminatórias, por in-
termédio da utilização de instrumentos mais efetivos de direitos huma-
nos, como é o caso das ações afirmativas. 
Em linhas gerais, esses são os argumentos que sustentam a presen-
te obra, cuja temática está voltada para o estudo da deficiência como 
uma questão de direitos humanos. 
14 
E a partir desses parâmetros, inclui-se igualmente o estudo das 
medidas de ação afirmativa que surgem no cenário mundial como um 
instrumento poderoso de direitos humanos cuja efetividade, na forma 
de políticas preferenciais, tem como ponto de partida a concretização 
do princípio jurídico da igualdade substancial, e que objetivam, em 
suma, eliminar a discriminação e a desigualdade em vários níveis, além 
de concomitantemente propiciar um incremento de maiores oportuni-
dades aos excluídos na escala social e combater as relações sociais de 
subordinação. 
15 
CAPÍTULO 1 
DIREITOS HUMANOS E 
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: 
UMA ABORDAGEM CENTRADA 
NO SUJEITO DE DIREITOS 
De forma a emprestar uma compreensão fidedigna da 
temática referente à deficiência e a sua contextualização pe-
rante os direitos humanos, buscar-se-á, em linhas iniciais, 
descrever o atual significado e o correto emprego do termo 
pessoas com deficiência ante a realidade brasileira e espanhola. 
1.1 UMA NOMENCLATURA DESPROVIDA DE PRECONCEITOS 
A expressão pessoas com deficiência (personas con disca-
pacidad, em espanhol) foi adotada oficialmente pela Assem-
bleia Geral das Nações Unidas a partir da Convenção sobre 
os Direitos das Pessoas com Deficiência ( Convención sobre 
los Derechos de las Personas con Discapacidad), de 13 de 
dezembro de 2006, a qual entrou em vigor em 3 de maio 
de 20081, subscrita e ratificada por vários países, dentre os 
quais Brasil e Espanha2. 
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direi-
tos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Disponível 
em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/l590l9>. Acesso em: mar. 
2016. 
2 Referida Convenção foi aprovada pelo Senado Federal no dia 9 de 
julho de 2008 (Decreto Legislativo n . 186/2008) e, posteriormente, pro-
mulgada pela Presidência da República em 25 de agosto de 2009 (Decreto 
n . 6.949/2009). Em relação ao Brasil, trata-se do primeiro documento in-
ternacional de direitos humanos que adquiriu status constitucional sob a 
17 
No Brasil, referida expressão veio a substituir, a partir dos anos 
1990, outros termos como "pessoa deficiente", "pessoas portadoras de 
deficiência" (presente em várias passagens da Constituição Federal 
de 19883: arts. 72 , XXXI; 23, II; 24, XIV; 37, VIII; 203, IV e V; 227, § 22 ; 
244, caput) e "portadores de deficiência" (arts. 40, § 42 , I; 201, § 12 ; 
227, § 12 , II, CF/88), e atualmente utilizada por vários setores represen-
tativos da sociedade e esferas governamentais, ainda que no âmbito ju-
rídico seja por vezes negligenciada. 
Bem verdade que, à época, a expressão "pessoasportadoras de 
deficiência" representou um avanço, quando deu lugar a dois outros 
termos contidos nos textos constitucionais anteriores: "deficiente" 
(o fato de se possuir uma ou mais de uma deficiência não significa 
dizer que se é de "todo" deficiente) e "excepcional" (que traz uma 
ideia mais ligada à deficiência mental e aos considerados "superdo-
tados", e, por isso, não abarca todas as espécies de deficiência, além 
de contrapor-se na linguagem coloquial, ao termo "normal", quer 
dizer, se não é "normal" é "excepcional" , fora do comum, uma forma 
de exceção). 
forma de emenda à Constituição, uma vez que, nos termos do art. 12 de referido Decreto, 
a Convenção da ONU foi aprovada pelo Congresso brasileiro nos moldes do § 32 do art. 
52 da Constituição Federal, o qual prevê que: "Os tratados e convenções internacionais 
sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em 
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às 
emendas constitucionais.". Na Espanha foi ratificada em 23 de novembro de 2007, estan-
do sua interpretação e aplicabilidade adstritas ao disposto no art. 10.2 da Constituição 
espanhola: "Las normas relativas a los derechos fundamentales y a las libertades que la 
Constitución reconoce se interpretarán de conformidad con la Declaración Universal de 
Derechos Humanos y los tratados y acuerdos internacionales sobre las mismas materias 
ratificados por Espafia." Cf. : ESPANHA. Instrumento de ratificación de la Convención 
sobre los derechos de las personas con discapacidad. Disponível em: <http://www.boe.es/ 
buscar/doc.php?id=BOE-A-2008-6963>. Acesso em: mar. 2016. Para maiores informa-
ções sobre os países signatários e sua ratificação, veja UNITED NATIONS. Convention 
and Optional Protocol Signatories & Ratifications. Disponível em: <http://www.un.org1 
disabilities>. Acesso em: mar. 2016. 
3 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. 
Acesso em: mar. 2016. 
18 
Num passado mais recente ainda se registram as expressões "pes-
soas com necessidades especiais", "portadores de necessidades espe-
ciais", "pessoas especiais", "portadores de direitos especiais". Ocorre 
que o adjetivo "especial", além de não projetar em si qualquer diferen-
ciação, não se constitui numa característica exclusiva das pessoas com 
deficiência. Ser considerado "especial", ou uma "pessoa especial", vale 
para todos, possuam ou não alguma deficiência. O mesmo se diga do 
termo "direitos especiais", que se relaciona, em geral, com as minorias 
subjugadas, sem mencionar o fato de que as pessoas com deficiência 
buscam equalizações, equiparações, e não propriamente "direitos espe-
ciais", como irá se demonstrar. 
O conceito científico de deficiência hoje pode ser encontrado na 
própria Convenção da ONU: "Pessoas com deficiência são aquelas que 
têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelec-
tual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem 
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de 
condições com as demais pessoas" (art. 1 º-)4. 
No te-se que a deficiência é inerente à pessoa que a possui. Não se 
carrega, não se porta, não se leva consigo, como se fosse algo sobressa-
lente ou um objeto. Tampouco deficiência traz alguma sinonímia com 
doença e não é expressão antônima de eficiência (que tem o seu contrá-
rio em ineficiência). Deficiência significa falha, falta, carência5, isto é, a 
4 Nesse sentido, percebe-se uma nítida evolução no conceito de deficiência - que no 
transcorrer dos trabalhos para a elaboração da Convenção da ONU foi um dos temas 
mais polêmicos e debatidos - quando, por exemplo, comparado ao previsto na Conven-
ção Interamericana para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as 
Pessoas Portadoras de Deficiência de 1999, até então considerado como o mais adequa-
do no âmbito internacional, verbis: "O termo 'deficiência' significa uma restrição física, 
mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de 
exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária , causada ou agravada pelo am-
biente econômico ou social. (art. 12) ". ln: CONVENÇÃO Interamericana para a Elimina-
ção de todas as formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. 
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/oea/oeadefi.htm>. Acesso em: mar. 
2016. 
5 HOUAISS, Antonio (Ed.) . Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de 
Janeiro: Objetiva, 2015. 1 CD-ROM. 
19 
pessoa carece, tem limitadas determinadas faculdades físicas (v.g., para-
plegia), mentais (v.g., paralisia cerebral), intelectuais (v.g., funcionamen-
to intelectual inferior à média) e sensoriais (v.g., surdez)6. 
Além disso, a deficiência deve ser entendida não só como a cons-
tatação de uma falha, falta ou carência de um indivíduo, mas, sobretu-
do, diante do seu grau de dificuldade no relacionamento social, profis-
sional e familiar, dos obstáculos que se apresentam para sua integração 
[inclusão] sociaF. 
Deve-se, portanto, relegar ao passado, além do termo "portador de 
deficiência", o uso de expressões de inegável cunho pejorativo, como 
6 Discute-se muito sobre a necessidade em se distinguir, ou não, a deficiência mental 
e a doença mental, como também diferenciar-se a deficiência mental da intelectual, so-
bretudo diante de questões previdenciárias, trabalhistas e até para fins de concurso pú-
blico e ingresso em universidades. O cerne da questão seria definir se a deficiência men-
tal (transtorno mental ou psicossocial) deva assim ser considerada e a partir daí 
diferenciá-la da deficiência intelectual (de caráter cognitivo), ou ao revés, entendê-la, 
apenas, como uma doença em si. Diferenciar-se, ou não, a deficiência da doença. Por 
exemplo: aquele acometido de esquizofrenia (transtorno mental) ou transtorno obsessi-
vo compulsivo (transtorno psicossocial) considera-se possuir uma doença ou deficiência 
mental? Ainda que se queira buscar o grau de comprometimento desses transtornos e 
assim eventualmente considerá-los deficiências para os fins legais pretendidos, o certo é 
que as legislações mais recentes e avançadas nesta matéria, v.g., a Convenção da ONU 
(art. lQ.), a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência- Estatuto da Pessoa com 
Deficiência (Lei n . 13.146/2015, art. 2Q.) e a Lei Espanhola de Direitos das Pessoas com 
Deficiência e sua Inclusão Social (Real Decreto Legislativo n . 1/2013, art. 4.1) adotaram 
e diferenciaram ambos os termos, isto é, contemplaram a deficiência mental e a intelec-
tual separadamente. Observa-se, portanto, a predominância dessa distinção na comuni-
dade internacional, cuja inserção do termo "deficiência mental" nesses diplomas busca 
propiciar um maior alicerce protetivo, do ponto de vista objetivo (limitação da capacida-
de física para desenvolver certas atividades ou ultrapassar barreiras físicas, v.g.) e subjeti-
vo (enfrentamento de preconceitos, v.g.), àqueles que possuem eventual transtorno men-
tal ou psicossocial. Para maiores esclarecimentos, confira-se: SASSAKI, Romeu. 
Atualizações semânticas na inclusão de pessoas: deficiência mental ou intelectual? Doen-
ça ou transtorno mental? Revista Nacional de Reabilitação, ano IX, n. 43, p . 9, mar./abr. 
2005. E ainda: MACHADO DA COSTA, Ana Maria. O reconhecimento da pessoa com trans-
torno mental severo como pessoa com deficiência: uma questão de justiça. Disponível em: 
<http://www.inclusive.org.br/wp-content/uploads/O_reconhecimento.pdf>. Acesso em: 
mar. 2016. 
7 ARAÚJO, Luiz Alberto David . A proteção constitucional das pessoas portadoras de defi-
ciência. 3. ed. Brasília: CORDE, 2003, p . 23-24. 
20 
"ceguinho" (diz-se cego ou pessoa com deficiência visual), "mongol" 
(diz-se pessoa com síndrome de Down), "retardado mental" (diz-se pes-
soa com deficiência intelectual)etc. 
Na Espanha, ainda são usuais os termos minusválido, inválido, dis-
minuido, incapacitado e discapacitado, vocábulos pouco diferenciados en-
tre si no Dicionário da Língua Espanhola da Academia Real Espanholaª. 
O termo minusvalía, cuja definição encontrava-se na Ley n . 
13/1982, de Integración Social de los Minusválidos (LISMI)9, representa 
uma situação de desvantagem pessoal bastante a limitar ou impedir o 
desenvolvimento de certas atividades, dando-se a entender, ante seu 
extenso uso coloquial, que se vale menos. 
Pelo Real Decreto n. 348/1986, determinou-se que as expressões 
minusvalía e personas con minusvalía substituíssem todos os termos 
contidos nas disposições legais até então vigentes e que se utilizavam 
das palavras "subnormalidad" e "subnormal" , ainda que o Real Decre-
to Legislativo n. 670/1987, que lhe é posterior, se valha das expres-
sões "inutilidad" e "invalidantes" para fins de concessão de pensões e 
indenizações 10. 
Invalidez relaciona-se com a falta de capacidade laboral, enquanto 
o termo disminuído, que pouco difere de minusvalía e de igual viés discri-
minatório, está presente na Constituição espanhola de 1978, em seu 
8 REAL Academia Espafiola. Diccionario de la lengua espanola. Disponível em: <http:// 
www.rae.es> . Acesso em: mar. 2016. 
9 A Lei n . 13/1982 foi derrogada e ao mesmo tempo incorporada pelo Real Decreto 
Legislativo n. 1/2013, que igualmente aprovou a Lei Geral dos Direitos das Pessoas com 
Deficiência e sua Inclusão Social - identificada sob a sigla LGDPD. ln: ESPANHA. Real 
Decreto Legislativo 1/2013, de 29 de noviembre, por el que se aprueba el Texto Refundi-
do de la Ley General de derechos de las personas con discapacidad y de su inclusión so-
cial. Disponível em: <http://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-2013-12632>. Aces-
so em: mar. 2016. 
10 Idem. Real Decreto 348/1986, de 10 de febrero, por el que se sustituyen los términos 
subnormalidad y subnormal contenidos en las disposiciones reglamentarias vigentes. Disponí-
vel em: <http://www.boe.es/buscar/doc.php?id=B0E-A-l986-4630>. Acesso em: mar. 
2016. Cf., ainda, ESPANHA. Real Decreto Legislativo 670/1987, de 30 de abril, por el 
que se aprueba el texto refundido de ley de dases pasivas del Estado. Disponível em: 
<http://www.boe.es/buscar/doc.php?id=B0E-A-l987-l2636>. Acesso em: mar. 2016. 
21 
art. 4911 , tendo gerado muitas controvérsias quando a Presidência de Go-
verno esboçou a ideia de sua substituição pelo vocábulo discapacitado12 . 
Nos dias atuais opta-se pela terminologia persona (ou personas) con 
discapacidad, de conotação mais adequada e sem estigma, incorporada 
como norma à Administração Pública espanhola por força da Lei n. 
39/2006 (Promoción de la Autonomía Personal y Atención a las personas en 
situación de dependencia), que determina em sua disposição adicional 
oitava que os termos "minusválidos" e "personas con minusvalía" sejam 
entendidos como "personas con discapacidad", devendo a Administra-
ção utilizar desta última denominação na elaboração de suas disposi-
ções normativas13. 
Não se pode desconsiderar que ambos os textos constitucionais, 
brasileiro e espanhol, foram elaborados em momentos históricos ante-
riores à nova abordagem que hoje se empresta às pessoas com deficiên-
cia, o que não impede que os diplomas normativos infraconstitucionais 
mais atualizados, e que lhe são ulteriores, empreguem de forma correta 
as expressões mais adequadas e de mais aceitação entre esse público 
alvo. 
Essas denominações, por evidente, não são estáticas. Evoluem da 
mesma forma que a sociedade dos homens incorpora novas realidades 
e valores, a cada época, em relação aos grupamentos que a compõem. 
Também não significa dizer que a utilização incorreta dos termos em 
voga traduz-se em eventual predisposição ou preconceito. 
Isso, contudo, não afasta a importância do uso e da força da lin-
guagem, como instrumento de informação e conhecimento, que possui 
11 Doravante, a referência à Constituição espanhola será feita, também, utilizando-se 
de sua abreviatura usual: CE. ln: ESPANHA. Constitución Espanola de 1978. Disponí-
vel em: <https://www.boe.es/legislacion/documentos/ConstitucionCASTELLANO.pdf>. 
Acesso em: mar. 2016. 
12 Para maiores detalhes: ZAPATERO propone cambiar el término "disminuido" por 
"discapacitado" en la Carta Magna. El País.com. Madrid, Espanha, 3 dez. 2005. Disponí-
vel em: <http://www.elpais.com/articulo/elpporsod2005 l203elpepunac_2/Tes>. Acesso 
em: mar. 2016. 
13 ESPANHA. Ley 39/2006, de 14 de diciembre, de Promoción de la Autonomía 
Personal y Atención a las personas en situación de dependencia. Disponível em: 
<http://www.boe.es/buscar/doc.php?id=B0E-A-2006-21990>. Acesso em: mar. 2016. 
22 
e sempre terá repercussão na construção social do coletivo e do indivi-
dual humano que se queira designar. Assim, necessário ter em conta 
que ao se nomear algo ou alguém se estará determinando processos de 
pensamento e de existência. 
Do mesmo modo, a linguagem atribuída às pessoas com deficiên-
cia houve por refletir a percepção social que a elas se emprestava. Du-
rante anos de história, esse tipo de vocabulário esteve interligado aos 
aspectos médicos, como consequência do modelo que imperava em 
relação à deficiência, ora superado. Em definitivo: "de acordo como nos 
denominem assim existiremos"14. 
Vale ainda ressaltar que o destaque que se procura conferir às ter-
minologias em comento relaciona-se a questão semântica, máxime na 
seara dos direitos humanos, que detém uma perspectiva de inegável 
valor. No caso, uma valoração de índole construtiva, desprovida de pre-
conceitos e, acima de tudo, de estereótipos sociais, fator, como se verá 
adiante, que se reveste num dos objetivos das ações afirmativas. 
Dizer que as palavras são apenas palavras e não servem para mo-
dificar a realidade é uma inverdade, ainda mais quando de fácil assimi-
lação passam para o jargão e o gosto popular podendo gerar mais pre-
conceitos e tornarem-se ofensivas. 
Segundo Romeu Sassaki, o maior problema decorrente do uso de 
termos incorretos reside no fato de que os conceitos obsoletos, as ideias 
equivocadas e as informações inexatas possam ser, de forma inadverti-
da, reforçados e perpetuados. Ademais, o mesmo fato também pode ser 
responsável pela resistência contra a mudança de paradigmas que, no 
caso das pessoas com deficiência, vai, nos tempos atuais, da integração 
para a inclusão 15. 
O emprego, portanto, de um termo mais adequado para identifi-
car determinadas categorias ou grupos sociais ao mesmo tempo em que 
14 POR LA IGUALDAD Unidas en la Diversidad. Colección CERMI n. 19, Madrid: 2005, 
p. 242.0 Comitê Espanhol de Representantes das Pessoas com Deficiência (Comité Es-
pafi.ol de Representantes de Personas con Discapacidad - CERMI) é uma entidade de 
grande referência na Espanha, assim reconhecida pelos poderes públicos e sociedade civil. 
15 SASSAKI, Romeu Kazumi. Terminologia sobre deficiência na era da inclusão. Revista 
Nacional de Reabilitação, São Paulo, ano 5, n . 24, p. 6-9, jan./fev. 2002. 
23 
contribui para afastar estigmas, atitudes discriminatórias, informações 
incompletas ou incorretas, reforça a autoestima daqueles que sempre 
foram excluídos, até, no uso correto da linguagem. 
1.2 POBREZA, EXCLUSÃO E DEFICIÊNCIA: A REALIDADE DO MERCADO 
GLOBAL 
De acordo com o UNICEF, até o ano de 2030, levando-se em con-
ta o atual ritmo de desenvolvimento da humanidade e a projeção de-
mográfica existente, 68 milhões de crianças, menores de cinco anos, 
morrerão de causas evitáveis; 119 milhões de menores serão submeti-
dos à desnutrição crônica; 500 milhões de pessoas defecarão ao ar livre, 
com sérios riscos para a saúde das crianças. Serão também necessários 
mais 100 anos para que todas as meninas oriundas das classes mais po-
bres da África Subsaariana possam completar o primeiro ano do ensino 
secundário. 
Esses dados dramáticos fazem parte do relatório final do UNICEF 
sobre os Objetivos de Desenvolvimentodo Milênio (ODM), denomina-
do "Progresso para as Crianças: para além das médias" (Progress for Chil-
dren: Beyond Averages) , que também assinala que as desigualdades entre 
regiões do mundo persistem, com 800 milhões de pessoas sob extrema 
pobreza e fome; gritante desigualdade de gênero; escassez de água que 
atinge 40% da população mundial, além de outros dados igualmente 
estarrecedores 16. 
Ainda assim, os avanços obtidos, desde 1990, são considerados 
significativos, a exemplo da diminuição, em mais de 50%, da morta-
lidade de menores de cinco anos, da baixa mortalidade materna em 
45% e do acesso de aproximadamente 2,6 bilhões de pessoas a fontes 
de água potável. 
Paralelamente, em decorrência das discussões travadas por oca-
sião da Conferência Rio+20, os países-membros da ONU passaram a 
16 FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA. Progress for Children: 
Beyond Averages. Disponível em: <http://www.unicef. org/publications/files/Progress_ 
for_Children_No._ l 1_22Junel5.pdf>. Acesso em: mar. 2016. 
24 
adotar, em setembro de 2015, medidas direcionadas ao desenvolvi-
mento global, com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 
(ODS) - que sucederam e ampliaram os ODM, estabelecidos pelas Na-
ções Unidas em setembro de 2000 -, os quais integrarão uma agenda 
pós-2015 que servirá de norte, até 2030, às suas políticas nacionais e de 
cooperação internacional 17. 
Contudo, toda essa base analítica, lastreada em quantificação de 
custos sociais e humanos, ao mesmo tempo em que serve de parâmetro 
importantíssimo para a conscientização da própria sociedade quanto às 
problemáticas que lhe são pertinentes, como também dos órgãos gover-
namentais no que diz respeito ao planejamento estratégico de determi-
nadas políticas e programas públicos destinados ao setor, corre o risco 
de cair "num vazio analítico e puro do sistema", em mais uma abstração 
socioeconômica, como tantas outras, e desprovida de maiores discus-
sões em torno de propostas concretas e, máxime, quanto à forma de se 
enfrentar a fundo a questão. 
Assinala Giuseppe Cocco que ao se falar de políticas públicas 
voltadas para a redução da pobreza e da exclusão, elas são atreladas 
a um raciocínio técnico marcado por certo grau de abstração ou de 
moralismo genérico. A miséria é definida como se fosse uma doença 
que precisamos "combater". A própria imagem das populações pobres 
fica estigmatizada, como se se tratasse de uma questão de "saúde pú-
blica": a pobreza e a miséria aparecem como se fossem epidemias, diz 
Cocco. Defende, portanto, que a abordagem em termos de exclusão 
17 Os ODS, uma espécie de Plano de Desenvolvimento Global pós-2015, compõem-se 
de um conjunto de 17 objetivos e 169 metas que reúnem vários temas como pobreza, 
saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, sustentabilidade, 
crescimento econômico e industrial etc. A propósito, esse documento traz sete referên-
cias específicas quanto às pessoas com deficiência relacionadas ao asseguramento: da 
educação inclusiva e oportunidade de aprendizagem (itens 4.5 e 4. 7.a); emprego pleno, 
produtivo e de igual remuneração (8.5) ; empoderamento e inclusão social (10.2); acesso 
aos transportes públicos e seguros (11.2); acesso universal a espaços públicos seguros e 
inclusivas (11. 7); disponibilidade de dados confiáveis ( 17 .18). ln: PROGRAMA DAS 
NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Objetivos do Desenvolvimento Sus-
tentável. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. Dis-
ponível em: <https://sustainabledevelopment.un.orgl>. Acesso em: mar. 2016. 
25 
é de primeira importância para ir além desses limites, a qual pode se 
constituir em uma ferramenta essencial para as políticas públicas, ao 
articular as questões da pobreza e da desigualdade com as relações de 
poder e a apreensão de diferentes mecanismos que produzem as mais 
variadas formas de exclusão 18. 
De igual forma, esses parâmetros, índices e mensurações mate-
máticas, compostos invariavelmente de algum grau de abstração, utili-
zados para o "cálculo" da pobreza é similar aos dispensados às pessoas 
com deficiência. Assim, costumava-se (ou costuma-se?) propalar que 
os problemas que afligem as pessoas com deficiência devem ser "com-
batidos", como se doenças ou epidemias fossem, como uma espécie de 
mera política pública de saúde. Olvida-se que as maiores dificuldades 
enfrentadas pelas pessoas com deficiência, afora por óbvio as limitações 
decorrentes da própria deficiência, centram-se nas várias formas de ex-
clusão operadas no meio social, político, econômico e cultural. O foco, 
portanto, é o da exclusão. 
Desnecessário, portanto, expender maiores esforços para se inferir 
que esse status quo (fome e pobreza extremas), retratado em profundida-
de pela UNICEF, atinge a milhões de crianças com deficiência no mun-
do, se não contribuem para o seu surgimento. Condições que violentam 
a mais comezinha concepção de direitos fundamentais ao mesmo tem-
po em que solapa os direitos humanos daqueles menos favorecidos na 
escala social e econômica, seja, por exemplo, em função da raça (negros 
e indígenas), do gênero (mulheres) ou de condições física, sensorial, in-
telectual ou mental (pessoas com deficiência), dentre outras minorias19. 
Esclareça-se, desde logo, que minoria nesse contexto deve ser en-
tendida na sua concepção qualitativa (de dominação, de vulnerabilida-
de, de diferença) e não quantitativa (numérica, de contingente global de 
18 COCCO, Giuseppe. Trabalho e cidadania: produção e direitos na era da globaliza-
ção. São Paulo: Cortez, 2012. 
19 Para uma bibliografia mais aprofundada sobre a questão das minorias no âmbito do 
direito internacional e no contexto do direito europeu, veja-se a doutrina de Stéphane 
Pierre-Caps. ln: ROULAND, Norbert (Org.) ; PIERRÉ-CAPS, Stéphane; POUMAREDE, 
Jacques. Direito das minorias e dos povos autóctones . Tradução de Arre Lize Spaltemberg. 
Brasília: UnB, 2004, p. 169-277. 
26 
pessoas), no que tange a situações socioeconômicas de um grupo em 
relação a outro. Falar de minoria é falar de relações de subordinação, de 
sub-representação na escala social. Significa dizer um grupo inferioriza-
do e dominado por outro grupo prevalente que detém o poder político 
e econômico, vale dizer, uma questão de vulnerabilidade, de prevalên-
cia, de relações diferenciadas de poder, de uns sobre outros. No Brasil, 
negros, mulheres, índios, pessoas com deficiência ... Na Espanha, muje-
res, gitanos, personas con discapacidad ... 20 . 
O desafio, portanto, está na efetiva defesa dos direitos humanos 
inseridos num mundo cada vez mais regido por valores globalizados, 
que findam por subverter padrões mínimos de direitos dos cidadãos e 
põe em jogo a convivência e solidariedade humanas. Valores centrados 
no econômico e não no ser humano. 
Para muitos, o neoliberalismo nega toda a fundamentação antro-
pológica dos direitos humanos, privando-os de sua universalidade e 
estabelecendo uma lógica puramente econômica para seu exercício: a do 
poder aquisitivo. Na cultura neoliberal, os direitos humanos tendem a 
reduzir-se ao direito de propriedade. Só aqueles que detenham poder 
econômico são considerados sujeitos de direitos21 • 
Nessa ordem de ideias, o Papa Francisco, em discurso proferido 
em 25-9-2015, na 70~ Sessão da Assembleia Geral da ONU, em Nova 
York, criticou os organismos financeiros internacionais, os quais "devem 
20 Para maiores estudos sobre a exclusão das minorias e a superioridade numérica de 
um grupo dominante em relação a outro, cf. TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Ander-
son. Minorias no Direito Civil Brasileiro. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: 
Editora Padma, v. 10, p. 136, abr./jun. 2002; ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação 
Afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista de Infor-
mação Legislativa, Brasília, n . 33, p. 285,jul./set. 1996; BAYlÃO, Raul Di Sergi. Um Con-
ceito Operacional de Minorias. Revista da Fundação Escola Superiordo Ministério Público 
do Distrito Federal e Territórios. Brasília, ano 9, v. 17, p . 220, jan./jun. 2001; BESTER, Gi-
sela Maria. Globalização e previsão de ações afirmativas para a proteção do trabalho das 
mulheres nas constituições dos países integrantes do Mercosul. Síntese Trabalhista. Porto 
Alegre, ano 9, n . 14, p. 14 7, dez. 1998; PIRES, Maria José Morais. A Discriminação Posi-
tiva no Direito Internacional e Europeu dos Direitos do Homem. Documentação e Direito 
Comparado, Lisboa, n . 63/64, p . 52, 1995. 
21 TAMAYO,Juanjosé. Presentación. ln: Juanjosé Tamayo Acosta (Director) . 10 pala-
bras clave sobre derechos humanos. Navarra: Verbo Divino, 2005, p. 11 . 
27 
velar pelo desenvolvimento sustentável dos países e não a submissão 
asfixiante destes por sistemas de crédito que, longe de promover o pro-
gresso, submetem as populações a mecanismos de maior pobreza, ex-
clusão e dependência". Ele ainda condenou a "má gestão irresponsável 
da economia global", que não pode ser guiada pela "ambição de riqueza 
e poder". Para o sumo pontífice, a exclusão econômica e social é uma 
"grave ofensa" aos direitos humanos e ao ambiente22 . 
A prevalência dos valores econômicos levam os mercados a trans-
figurarem os direitos sociais em verdadeiros obstáculos à livre concor-
rência, enquanto que, em total paradoxo, se conclamam a supremacia 
dos direitos humanos. Uma lógica de mercado incongruente, mas ne-
cessariamente associada à ótica do poder econômico. 
Esse "choque" entre os direitos humanos e o mercado e a lógica do 
processo de globalização, há muito é apontado por Franz J. Hinkelam-
mert. Todavia, isso ocorre em uma sociedade que fala de direitos huma-
nos mais que qualquer outra sociedade anterior. As grandes empresas e 
toda a opinião pública giram em torno da afirmação dos direitos huma-
nos. Todos estão preocupados com os direitos humanos23 . 
No entanto, como advertia o próprio Hinkelammert, desde o final 
do século XX, a globalização situa os direitos humanos como direitos do 
possuidor, do proprietário, direitos do mercado, que são repartidos en-
tre a pessoa jurídica e a pessoa natural24. 
Essa opção pelo neoliberalismo econômico proporciona dois efei-
tos conjuntos. Primeiro, o enfraquecimento da soberania do Estado-
-nação em favor do mercado autorregulamentado (ou desregulamenta-
do) . E, segundo, a mudança do status civitatis dos cidadãos, mediante a 
perda e/ou flexibilização temerária de seus direitos sociais e econômi-
cos, operada por uma desconstitucionalização em escala mundial, o que 
gera, em regra, mais desigualdades. 
22 DISCURSO do Papa na sede das Nações Unidas. Disponível em: <http://br.radiova-
ticana.va1>. Acesso em: mar. 2016. 
23 HINKELAMMERT, Franz J. El Proceso Actual de Globalización y los Derechos Hu-
manos. ln: Joaquín Herrera Flores (Ed.). El vuelo de anteo: derechos humanos y crítica de 
la razón liberal. Desclée de Brouwer, 2000, p. 118-119. 
24 Idem, op. cit., p . 119 e 121. 
28 
Esse mesmo mercado, porém, entrou em colapso, cujas compara-
ções remontam à quebra de 1929. O crack da bolsa de valores nos Esta-
dos Unidos da América, Europa e Ásia, provocado pelas dívidas no mer-
cado imobiliário estadunidense aliado a uma especulação financeira 
sem precedentes e a uma desregulamentação excessiva, implodiu em 
setembro de 2008 e convulsionou todo o sistema financeiro internacio-
nal, o que redundou em grave crise econômica para inúmeros países, 
sobretudo os europeus, enquanto fez surgir as ditas nações emergentes. 
Então, poderia se indagar: todo esse discurso contra a hegemonia 
do liberalismo econômico gerador de profundas desigualdades está em 
desuso, desatualizado, sobretudo em face de novos modelos econômi-
co-social, tais como o do Brasil, Rússia, Índia e China? Ou a crise de 
2008, cujos reflexos no mundo perduram até hoje, inclusive em países 
ricos, apenas representa uma nova crise cíclica desse capitalismo neoli-
beral e o status quo ante não se modificará? 
Para Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-Ministro da Fazenda, a crise 
global de 2008 representará uma virada na história do capitalismo. No 
ambiente econômico, a globalização continuará a progredir nos setores 
comercial e produtivo, não no financeiro; no meio social, a classe pro-
fissional e o capitalismo baseado no conhecimento continuarão a avan-
çar; em compensação, no meio político o Estado democrático irá se 
tornar mais voltado para as políticas sociais e a democracia será mais 
participativa. Enfim, o capitalismo irá mudar, mas não se devem supe-
restimar as mudanças imediatas. Nas palavras do autor: "Os ricos fica-
rão menos ricos, mas permanecerão ricos, enquanto os pobres ficarão 
mais pobres; só os países de rendimento intermediário dedicados à es-
tratégia neodesenvolvimentista surgirão da crise mais forte"25 . 
É preciso, então, retomar o paradigma do Estado-nação e afastar 
de vez a crença de que o Estado interventor é ineficiente, populista e 
gera menos crescimento e empregos, enquanto o mercado deve ser livre 
e soberano e, acima de tudo, isento de qualquer regulamentação. 
25 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A crise financeira global e depois: um novo capita-
lismo? Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=372l>. Acesso 
em: mar. 2016. 
29 
Hoje, portanto, o alerta geral, seja nos países considerados desen-
volvidos, seja nos ditos emergentes, é que o endeusamento de um mer-
cado sem limites e sem fronteiras, e que traz a reboque um acúmulo de 
riquezas como nunca visto, só fez acentuar as desigualdades em todo o 
mundo, e o Estado, até então mantido como mero espectador de políti-
cas não intervencionistas (Estado mínimo), tem por dever retomar sua 
soberania em prol dos mais oprimidos. 
Essa parcela oprimida da população começa a organizar-se em ou-
tras formas de movimentos sociais, como se vê em muitos países na 
Europa, e, até, nos Estados Unidos, berço do capitalismo moderno, sob 
a forma de protesto aberto, democrático e pacífico, mas que demonstra 
grande indignação de milhares de pessoas em face do status quo26. 
Cabe ao Estado, enfim, reassumir seu papel regulador e fomenta-
dor da economia, mas com os olhos voltados não mais para a irraciona-
lidade apregoada por um mercado autorregulado - que socializa os cus-
tos e os prejuízos e privatiza os lucros e a riqueza gerados em benefício 
de alguns poucos-, mas para a implementação de direitos sociais, eco-
nômicos e culturais, com vistas à redução das desigualdades e injustiças 
sociais que atingem milhões de pessoas em todo o mundo. 
1.3 DEFICIÊNCIA E EXCLUSÃO SOCIAL: CORRELAÇÃO EM NÚMEROS 
No mundo, mais de um bilhão de pessoas convivem com alguma 
espécie de deficiência, ou seja, algo em torno de 15% da população 
mundial. Destas, cerca de 200 milhões apresentam dificuldades funcio-
nais consideráveis27. 
26 Tomem-se como exemplos as manifestações e protestos dos "indignados", com ra-
mificações na Espanha por intermédio do movimento "15M" (15 de Maio) ; em Portugal, 
com a plataforma "15 de outubro"; em Londres, com o "Occupy London", que reivindi-
cam democracia real, mais justiça social, distribuição de riqueza e ética na política e nos 
serviços públicos prestados pelo Estado, além de exigir que empresas e bancos assumam 
a responsabilidade pela crise financeira mundial. 
27 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. World report on disability. Disponível 
em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/44575/4/978856404 7020_por.pdf>. Aces-
so em: mar. 2016. 
30 
O número de pessoas com deficiência tende a elevar-se, não só em 
decorrência do envelhecimento da população, mas também do aumento 
global de doenças crônicas e cardiovasculares, câncer e distúrbios men-
tais, além de outras condicionantes particulares a cada país, a exemplo 
de acidentes automobilísticos, desastres naturais, guerras etc.28. 
Às pessoas com deficiência são reservadas as taxas de pobreza 
mais elevadas, piores níveis de saúde e escolaridade e menor participa-
ção econômica, em decorrência, principalmente,das barreiras de acesso 
aos serviços que se entendem básicos: saúde, educação, emprego, trans-
porte e informação. A situação se agrava nas comunidades mais pobres, 
por isso a prevenção dos problemas de saúde estarem relacionadas ao 
desenvolvimento, com atenção em especial aos fatores ambientais liga-
dos a nutrição, água e saneamento, dentre outros29. 
Na Europa algo em torno de 80 milhões de pessoas possuem algu-
ma espécie de deficiência grave ou leve. Nesse universo, um terço das 
pessoas acima de 75 anos possui deficiência, muitas de grau elevado30 . 
Ainda no âmbito europeu, o Institute for Public Policy Research (Ins-
tituto de Investigação de Políticas Públicas do Reino Unido - IPPR) di-
vulgou um aprofundado estudo - Disability 2020: opportunities for the 
full and equal citizenship of disabled people in Britain in 2020 (Deficiência 
2020: oportunidades para uma plena e igualitária cidadania das pessoas 
com deficiência na Grã-Bretanha em 2020) -, que demonstra a relação 
bidirecional entre pobreza e deficiência no setor infantil, além de desta-
car outros dados relevantes quanto à população em idade ativa para o 
trabalho; ao sistema de saúde e serviços sociais e às pessoas idosas com 
deficiência no Reino Unido, que ora se busca sintetizar31 : 
28 Idem. 
29 Idem. 
30 OBSERVATORIO Estatal de la Discapacidad. Informe Olivenza 2014, sobre la disca-
pacidad en Espafia. Disponível em: <http://www.cermi.es/es-ES/Biblioteca/Lists/Publica-
ciones/Attachments/333/Informe%200livenza%2020l 4.pdf>. Acesso em: mar. 2016. 
31 PILLAI, Rachel; RANKIN, Jennifer; STANLEY, Kate. Disability 2020: opportunities for 
the full and equal citizenship of disabled people in Britain in 2020. A report by IPPR tra-
ding Ltd for the Disability Rights Commission. Disponível em: <http://www.ippr.org>. 
Acesso em: mar. 2016. 
31 
I) A persistirem as mesmas taxas detectadas no Reino Unido, no 
período de 1975 a 2002, a incidência entre crianças com deficiência 
passará dos 700 mil casos, registrados em 2007, a 1,25 milhão no ano 
de 2029. Isso se deve, principalmente, aos avanços da medicina que 
incrementam a esperança de vida das crianças prematuras e daqueles 
que possuem deficiências severas, além do aumento da incidência dos 
problemas de saúde mental, transtornos psicológicos e obesidade. As 
crianças com deficiência são as que possuem maiores probabilidades de 
serem pobres, enquanto as crianças pobres têm mais possibilidades de 
sofrer deficiência do que as de famílias com renda superior32; 
II) Em relação às pessoas em idade de trabalhar (people of working 
age) constata-se que um dos maiores obstáculos para se conseguir um 
emprego é a baixa qualificação do candidato com deficiência. Sem uma 
compreensão básica das tecnologias de informação, será cada vez mais 
difícil encontrar um posto de trabalho e se estará criando mais um obs-
táculo significativo para as pessoas com deficiência33 ; 
III) O envelhecimento da população, característica das nações in-
dustrializadas, que se deve por força da desproporcionalidade existente 
entre a população idosa que passa a viver por mais tempo e o reduzido 
número de jovens, é fator que igualmente atinge as pessoas idosas com 
deficiência, com previsão de aumento de 40% desse público entre 2002 
e 2022, a se manterem as taxas atuais34 ; 
IV) Em mencionado Relatório são destacadas seis prioridades (six 
key priorities) destinadas a superar esses desafios, de forma que até 2020 
sejam criadas reais oportunidades para que as pessoas com deficiência 
possam exercer uma plena e igualitária cidadania: 1) a necessidade de 
mais serviços públicos que promovam a vida independente dessas pes-
soas; 2) maiores oportunidades social e cívica; 3) maiores oportunida-
des de emprego; 4) esforços adicionais para se combaterem as desigual-
dades que se produzem na área da saúde; 5) promover na sociedade 
32 PILLAI, Rachel; RANKIN, Jennifer; STANLEY, Kate, loc. cit. 
33 Idem. 
34 PILLAI, Rachel; RANKIN, Jennifer; STANLEY, Kate, loc. cit. 
32 
uma melhor compreensão da deficiência 6) identificar e alocar os recur-
sos necessários à consecução dessas medidas35 . 
Na América Latina e no Caribe cerca de 12 % da população possui, 
ao menos, uma espécie de deficiência, o que representa, aproximada-
mente, 66 milhões de pessoas. Embora as estimativas de pobreza e in-
digência estejam em declínio, constatou-se que as mulheres, idosos, 
indígenas, negros e menores, todos de baixa renda, são os grupos mais 
vulneráveis em termos econômicos e sociais e que apresentam as taxas 
mais elevadas de deficiência na regiãa36 . 
Em todo o mundo, portanto, o vínculo entre deficiência de um 
lado e pobreza e exclusão social por outro é patente. O fato é que essa 
interface negativa conduz à marginalização e à vulnerabilidade dessa po-
pulação, com sua consequente exclusão. 
A deficiência tanto pode ser causa como advir da pobreza, situa-
ção agravada nos países menos desenvolvidos em que os níveis de em-
prego, saúde, moradia e previdência social são insatisfatórios. 
Está-se diante de um verdadeiro círculo vicioso e que deve ser rompi-
do. A desnutrição infantil, por exemplo, pode ter como consequência 
uma deficiência, que, por sua vez, se apresenta como obstáculo ao aces-
so à educação, que gera falta de formação escolar e redunda, mais 
adiante, em escassez ou falta de emprego. Este último fator causa mais 
pobreza para a pessoa com deficiência e seus familiares, o que lhes im-
possibilita o acesso à alimentação, saúde e moradia adequadas, e a par-
tir daí o círculo recomeça ... 
1.4 A DEFICIÊNCIA COMO UMA QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS: 
O MODELO SOCIAL E A CRÍTICA FEMINISTA 
Os dados antes compilados revelam dois fatores de largo espectro. 
O primeiro, um vínculo indissociável entre deficiência de um lado e 
35 Idem. 
36 CEPAL. Panorama Social da América Latina 2012. Disponível em: <http://www.ce-
pal.org/pt-br/publicaciones/1247-panorama-social-da-america-latina-2012-documento-
informativo>. Acesso em: mar. 2016. 
33 
pobreza e exclusão social de outro, que ainda assim permanecem trata-
das de forma isolada. O segundo é que essa correlação tem como ponto 
central o ser humano (o homem, a mulher e a criança com deficiência) 
e a falta de dignidade ante uma vida com tantas privações. 
A abordagem, portanto, da deficiência não pode mais seguir entre-
laçada à ideia de caridade e de vitimização, que trasladava, como outro-
ra, esta questão para fora da concepção pessoal do sujeito de direitos 
como algo alheio, externo, ao ser humano, que necessitava ser proble-
matizado e solucionado. 
Essa visão de "fora para dentro", problematizada e relativizada, do 
indivíduo como objeto de análise e intervenção clínica individual deve-
-se, mormente, ao denominado modelo médico dispensado às pessoas 
com deficiência. 
Os diferentes modelos de tratamento conferido às pessoas com 
deficiência são, em geral, divididos em três pela doutrina: o modelo de 
prescindência, o modelo médico (ou reabilitador) e o modelo social, a 
saber: 
O modelo de prescindência considerava que as causas que dão 
origem à deficiência possuem fundo religioso, além do que as pessoas 
são consideradas inúteis por não contribuírem com as necessidades da 
comunidade, guardam mensagens diabólicas e suas vidas não merecem 
ser vividas. A sociedade, portanto, "prescinde" dessas pessoas, seja por 
intermédio da adoção de submodelos como o eugenésico, situado na 
antiguidade clássica, com a prática de infanticídio - haja vista que o 
nascimento de uma criança com deficiência ou era fruto de um pecado 
cometido pelos pais (Grécia), ou uma advertência de que a aliança com 
Deus estava quebrada (Roma)-, ou mediante o submodelo de margina-
lização, cujo traço característico, durante a Idade Média, é a exclusão, 
seja por compaixão, seja por medo de considerá-las objetos de malefí-
cios, ou advertência de um perigo iminente37 . 
37 PALACIOS, Agustina; BARIFFI, Francisco. La discapacídad como una cuestión de de-
rechoshumanos: una aproximación a la Convención Internacional sobre los derechos de 
las personas con discapacidad. Colección Telefónica Accesible CERMI y Telefónica. Ma-
drid: Ediciones Cinca, 2007, p . 13-15. 
34 
De fato ao se compulsarem alguns documentos da Antiguidade de 
origem romana, como a Lei das XII Tábuas, apregoada no Fórum Roma-
no por volta de 450 a.C., nota-se o quão discriminador e atentatório e 
voltados ao extermínio eram seus escritos em relação às pessoas com 
deficiência. A Tábua IV, que tratava do pátrio poder, de jure pátrio, e 
outras matérias do direito de família, autorizava o pai a matar seu filho 
"defeituoso", nestes termos: "I - Que o filho nascido monstruoso seja 
morto imediatamente"38 . 
O romano possuía uma espécie de obsessão contra as deficiências 
físicas e "não perdoava até mesmo aqueles que chegavam à suprema 
autoridade, como o imperador Claudius, que sempre foi ridicularizado 
pela sua manqueira ou claudicância" segundo Jaiyme de Altavila39. 
O modelo médico/reabilitador, que surge ao fim da Primeira Guerra 
Mundial, ante os efeitos laborais suportados pelos "feridos de guerra", 
considera que as causas que deram origem à deficiência são científicas, 
e as pessoas com deficiência à medida que sejam reabilitadas não mais 
são consideradas inúteis ou desnecessárias. Busca-se normalizar as pes-
soas com deficiência, cujo "problema" está em suas limitações, daí a 
necessidade imperiosa de reabilitá-las psíquica, física e sensorialmente. 
A deficiência é vista como um problema individual da pessoa, incapaz 
de enfrentar a sociedade, o que propicia o surgimento dos serviços de 
assistência sociais institucionalizados, a educação especial, os benefí-
cios de reabilitação médica e as cotas laborais40 . 
38 Esta é a versão referenciada por Jayme de Altavila, in: Origem dos Direitos dos Po-
vos. 10. ed. São Paulo: Ícone, 2004, p. 94. Entretanto, há outra variante encontrada em 
MEIRA, Sílvio Augusto de Bastos. A Lei das XII Tábuas: fonte do Direito Público e Privado. 
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 168-173, com os seguintes dizeres: Tábua Quarta 
- Do pátrio poder e do casamento: 1. É permitido ao pai matar o filho que nasce disfor-
me, mediante o julgamento de cinco vizinhos. 
39 ALTAVILA,Jayme de, op. cit., p . 94. 
40 PALACIOS, Agustina; BARIFFI, Francisco, op. cit., p . 15-18. Esclareça-se que o 
sentido de "normalizar" dito pelos autores difere do que hoje denomina-se "normaliza-
ção", que, numa apertada síntese, define-se como um princípio que considera que as 
pessoas com deficiência devem levar uma vida igual àquelas sem deficiência, tendo aces-
so aos mesmos lugares, bens, produtos e serviços, como adiante será abordado. 
35 
Segundo Marcelo Medeiros e Débora Diniz, o modelo social da 
deficiência surge em meados dos anos 1960, no Reino Unido, como 
uma reação às abordagens biomédicas. A ideia básica do modelo social: 
"é de que a deficiência não deve ser entendida como um problema indi-
vidual, mas como uma questão eminentemente social, transferindo a 
responsabilidade pelas desvantagens dos deficientes das limitações cor-
porais do indivíduo para a incapacidade da sociedade de prever e ajus-
tar-se à diversidade". E mais: o ponto de partida teórico do modelo so-
cial é de que a deficiência é uma experiência resultante da interação 
entre características corporais do indivíduo e as condições da sociedade 
em que vive, quer dizer, "da combinação de limitações impostas pelo 
corpo com algum tipo de perda ou redução de funcionalidade ('lesão') 
a uma organização social pouco sensível à diversidade corporal"41 . 
Acrescente-se que a década de 1980 foi de fundamental importân-
cia ao desenvolvimento da doutrina amparada pelo modelo social, a 
começar pelo Ano Internacional dos Portadores de Deficiência, consi-
derado pelas Nações Unidas, com o tema "Participação e Igualdade Ple-
nas" (1981); o Programa de Ação Mundial para as Pessoas Portadoras de 
Deficiência (1982); e com a proclamação do Decênio das Nações Uni-
das para as Pessoas Portadoras de Deficiência (1983 a 1992). 
Em resumo, não obstante os grandes avanços obtidos com o mo-
delo médico no que diz respeito ao surgimento e reconhecimento de 
garantias específicas em relação às pessoas com deficiência, este as con-
siderava inadequadas ao seio social por deterem um atributo individual 
resultado de suas patologias, e assim propugnava que essa diferenciação 
fosse ocultada até o indivíduo ser reabilitado, preparado, para enfrentar 
de igual para igual os demais membros da coletividade (sem deficiên-
cia). O problema estaria "no indivíduo", na sua anormalidade. 
Por seu turno, o modelo social aponta a inadequação da sociedade 
para incluir aquela coletividade. O problema está "na sociedade" e não 
no indivíduo, este sim no centro de suas decisões. É o contexto social 
41 MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora. Envelhecimento e deficiência. Disponível em: 
<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/livros/Arq_09_Cap_03 .pdf>. 
Acesso em: mar. 2016. 
36 
que gera a exclusão. A valoração do indivíduo como pessoa e a necessi-
dade de sua inclusão social acercam o modelo social das premissas ba-
seadas nos direitos humanos, máxime do princípio da dignidade huma-
na, ao considerar em primeiro plano o respeito à pessoa, seguida, 
quando necessário, de outras circunstâncias relacionadas propriamente 
com a sua deficiência, tal como a sua história clínica. 
A relação do modelo social com os valores concernentes aos direi-
tos humanos é acentuada por Agustina Palácios e Francisco Bariffi, os 
quais destacam que a dignidade, a liberdade entendida como autono-
mia, no sentido do desenvolvimento moral do sujeito, exige que as pes-
soas sejam o centro das decisões que lhe afetem; que a igualdade ineren-
te a todo o ser humano, inclua a diferença42 . 
Dessa maneira, a deficiência, do ponto de vista social, implica ad-
mitir que o "problema" não está no indivíduo e sim no próprio compor-
tamento estigmatizado em relação àqueles considerados "diferentes", e, 
por esse motivo, inferiorizados e discriminados. Significa que o "proble-
ma" tem raízes sociais, econômicas, culturais e históricas, e sua resolu-
ção passa por uma sociedade acessível a todos os seus membros, sem 
distinção. Significa dizer que a deficiência é uma questão de direi-
tos humanos. 
Em suma, os postulados do modelo social exerceram papel funda-
mental, seja na desmistificação da deficiência como uma tragédia; no fim 
da sua vitimização; na autovalorização do ser como humano independen-
temente de sua utilidade no meio social; no engajamento político dos 
movimentos sociais das pessoas com deficiência etc., e hoje servem de 
paradigma para a moderna conceituação da deficiência, como previsto na 
atual Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 
Isso, no entanto, não afasta as críticas, de caráter inovador e pro-
vocativo, formuladas pelo movimento feminista, no fim dos anos 1990, 
que passa a questionar algumas das premissas teóricas do modelo so-
cial, dentre elas a de que a mera supressão de barreiras poria fim às 
desvantagens e resultaria numa total independência e pleno desenvolvi-
mento das capacidades individuais. 
42 PALACIOS, Agustina; BARIFFI, Francisco, op. cit., p. 23. 
37 
Assim, propôs-se rediscutir o postulado da independência absolu-
ta, que desconsidera a subjetividade das pessoas com deficiência, isto é, 
fatores como a dor e a profunda depressão ocasionadas entre aqueles 
com deficiências graves e crônicas como algo preponderante para a au-
toafirmação e nas relações pessoais e sociais. Então, diante de casos se-
veros de deficiência não bastam que as barreiras arquitetônicas ou de 
transporte sejam suprimidas, porque isso não trará qualquer forma de 
independência ou produtividade a essas pessoas, devendo ser estabele-
cidos concomitantemente outros parâmetros (v.g., éticos e morais) que 
discutam a questão de vulnerabilidade desse grupo que se encontra emsituação ainda mais desvantajosa e menos igualitária. Buscou-se, por-
tanto, levar o debate sobre a deficiência além das questões centradas nas 
barreiras físicas, para se analisar o real significado da dor e de um corpo 
com deficiência, o que, por conseguinte, leva a um reexame de concei-
tos como a plena autonomia e capacidade. 
Conforme Marcelo Medeiros e Débora Diniz, nesse período alguns 
dos argumentos inerentes ao modelo social da deficiência passam a ser 
revisados, relativizando-se o lema os limites são sociais, não do indivíduo, 
até então usado como bandeira pelo movimento independente. A filo-
sofia feminista defende que a interdependência por meio do cuidado 
com os dependentes é um elemento constituinte da vida em sociedade 
e, em muitos casos de deficiência, não pode ser evitada. As políticas 
públicas não devem buscar somente tornar as pessoas com deficiência 
independentes, mas "criar condições favoráveis para que o cuidar seja 
exercido"43 . 
A necessidade de se realçar a realidade subjetiva olvidada num pri-
meiro instante pelo modelo social é bem enfatizada por Liz Crown, mi-
litante feminista com deficiência, que, afirma que sua vida tem duas fa-
ses, uma antes e outra depois do modelo social. Descobriu que seu corpo 
não era responsável por todas as suas dificuldades, senão fatores exter-
nos, barreiras construídas pela sociedade em que vive. Os prejuízos e a 
43 MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora. Envelhecimento e deficiência, loc. cit. 
38 
discriminação, os ambientes em que não permitiam seu acesso e a falta 
de apoio suficiente eram fatores que a incapacitavam. O mais importan-
te, enfatiza, é saber que a sociedade que criou esses problemas pode 
des-criá-los. O modelo social serviu para ela, autora, e para o movimento 
de pessoas com deficiência como uma espécie de alicerce principal, que 
desmantelou a concepção tradicional que entendia a deficiência como 
uma "tragédia pessoal", podendo-se dizer sem exageros, segundo Liz 
Crow, que o modelo social tenha salvado vidas. Contudo, a autora enfa-
tiza que esse mesmo modelo deixou de considerar as experiências inca-
pacitantes pessoais de dor, fadiga, depressão e de doenças crônicas, 
quando olvida que a deficiência, além de ser uma realidade objetiva, 
também se constitui numa realidade subjetiva44. 
Para Liz Crown, uma incapacidade como dor ou doenças crô-
nicas pode causar uma restrição tão grande nos indivíduos que a 
restrição do mundo exterior se torna irrelevante. Assim, a luta pes-
soal relacionada com a deficiência seguirá para muitas pessoas com 
deficiência ainda que as barreiras que descapacitam não mais exis-
tam. A autora ainda questiona por que a análise, em si, da deficiên-
cia foi excluída, como se esse tipo de experiência fosse algo irrele-
vante e neutro. Afirma que as críticas ao modelo médico impediram 
que as pessoas com deficiência deixassem de reconhecer suas expe-
riências pessoais, e esse silêncio finda por coibir que os aspectos 
difíceis da deficiência sejam enfrentados. Esse silêncio, segundo 
Liz Crown, destrói a capacidade dos indivíduos em "afrontar a situa-
ção". Para a autora: "As barreiras externas que descapacitam podem 
criar situações sociais e econômicas desvantajosas, mas a experiên-
cia subjetiva do nosso corpo também forma parte da nossa realidade 
cotidiana". Propõe então pensar na deficiência por intermédio de 
três sentidos, que devem estar relacionados entre si: 1) o conceito 
objetivo de deficiência (o conceito científico); 2) a interpretação indi-
44 CROW, Liz. Nuestra vida en su totalidad: renovación del modelo social de discapa-
cidad. ln: Jenny Morris (Org.). Encuentros con desconocidas: feminismo y discapacidad. 
Traducción de Pablo Manzano Bemárdez. Madrid: Narcea, 1997, p. 229-236, passim. 
39 
vidual da experiência subjetiva da deficiência; 3) a influência do con-
texto social sobre a deficiência45 . 
As feministas também introduziram a discussão sobre a importân-
cia do gênero nas relações de cuidado e da ajuda dispensados às pessoas 
com deficiência e anciões, em seus próprios lares, por membros das 
famílias, papel destinado quase que exclusivamente às mulheres e 
crianças sem deficiência, como os denominados "mulheres e menores 
cuidadores", além de temas relacionados à sobreposição de fatores dis-
criminantes como gênero, raça e condição social (v.g., a mulher pobre, 
negra e com deficiência)46. 
Em verdade, a crítica feminista, que permanece atual, é de suma 
importância ao contribuir decisivamente para o aperfeiçoamento dos 
postulados defendidos pelo modelo social, sem dúvida o mais adequa-
do à concepção dos valores que sustentam os direitos humanos, em 
especial os relativos a dignidade, autonomia, solidariedade e igualdade. 
Hoje, portanto, o critério de análise da deficiência é baseado nos 
direitos humanos, no respeito e na efetividade dos direitos humanos 
das pessoas com deficiência. No direito à saúde, com as coberturas es-
pecializadas e necessárias ao tratamento dos que dele necessitem. No 
direito à educação, mediante um sistema educacional inclusivo ou de 
educação especial para aqueles que não possam incorporar-se ao pri-
meiro. No direito ao emprego, com a conquista, de fato , de postos de 
trabalho, independentemente do grau da deficiência. No direito a uma 
vida cultural, com acesso a museus, parques, jardins, cinemas, teatros 
etc. Enfim, no direito a uma vida digna em que a diferença não se tra-
duza em estigmas. 
45 CROW, Liz. Nuestra vida en su totalidad: renovación del modelo social de discapa-
cidad, op. cit., p. 236. 
46 A esse respeito, vejam-se os importantes ensaios de Ayesha Vernon, Experiencias de 
mujeres discapacitadas de raza negra y de minorías étnicas. ln: Jenny Morris (Org.) . En-
cuentros con desconocidas: feminismo y discapacidad. Traducción de Pablo Manzano Ber-
nárdez. Madrid: Narcea, 1997; e de Jenny Morris, Blancos fáciles: los derechos de la dis-
capacidad en el debate sobre los "menores cuidadores". ln: Jenny Morris (Org.). 
Encuentros con desconocidas: feminismo y discapacidad. Traducción de Pablo Manzano 
Bernárdez. Madrid: Narcea, 1997, p . 109-138. 
40 
1.5 A TEORIA CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS. DIREITOS HUMANOS 
COMO PRODUTOS CULTURAIS E PROCESSOS DE LUTA PELA 
DIGNIDADE 
Ao se tratar da temática da deficiência, mesmo quando vinculada 
aos direitos humanos, é comum observar-se a existência de textos e 
mais textos jurídicos sem uma maior preocupação teórica específica a 
nortear o seu conteúdo, e que, principalmente, busque conciliar as suas 
disposições normativas e principiológicas com a práxis a ser adotada 
para esse coletivo. Teoria e prática não podem ser tratadas de forma 
equidistante; pelo contrário, devem caminhar juntas. Em matéria de 
deficiência também é cediço que a teoria tradicional se baseia exclusiva-
mente na pura dogmática jurídica, o que não se afigura o bastante, 
como visto, para que a dignidade humana seja reconhecida, garantida e 
promovida. 
Requer-se, portanto, uma nova visão de direitos humanos, um 
olhar que não o centrado numa concepção tradicional, hegemônica e 
passiva de direitos humanos, com fulcro, tão somente, na pura dogmáti-
ca advinda das modernas declarações de direito. Uma concepção crítica 
de direitos humanos como produtos culturais e processos de luta pela 
dignidade, capaz de enfrentar distorções e exclusões sociais cada vez 
mais profundas, gerada em grande parte pelas forças acachapantes de um 
mercado global a serviço das grandes corporações transnacionais. Enfim, 
parâmetros mais concretos e realizáveis de direitos humanos, que, sem 
deixar de lado valores e critérios universalmente aceitos, também levem 
em conta um enfoque de diálogo intercultural na linguagem dos direitos, 
cujo escopo esteja centrado na luta real e concreta pela dignidade huma-
na. É o que preconiza a teoria crítica dos direitos humanos. 
A origem e a importância do "pensamento jurídico crítico"47 cons-
tituem-se em objeto de investigaçãode Antonio Carlos Wolkmer. Diz o 
47 O enfoque que se pretende nesta parte da obra está voltado não necessariamente 
para origens históricas e filosóficas do pensamento crítico, a começar da Escola de 
Frankfurt, mas sim para se aclarar sua importância e objetivos, os quais justificam os ar-
gumentos sustentados pela teoria crítica dos direitos humanos. 
41 
autor que falar em "teoria crítica", "crítica jurídica" ou "pensamento crí-
tico" no Direito implica um exercício reflexivo questionador do que está 
normatizado, e assim ordenado/legitimado, e admitir a possibilidade de 
outras formas de práticas diferenciadas no jurídico. É a tentativa de bus-
car outra direção, afirma, pois os paradigmas de fundamentação atuais, 
tanto nas ciências humanas como na Teoria Geral do Direito, não acom-
panham as profundas transformações sociais e econômicas por que atra-
vessam as modernas sociedades políticas industriais e pós-industriais48 . 
De acordo com Wolkmer, o jusnaturalismo e o positivismo não 
acompanham mais as transformações sociais e econômicas das socieda-
des políticas modernas. A importância do pensamento crítico, acrescen-
ta, é também ir ao encontro da modernidade latino-americana que 
busca construir um projeto de superação das tradicionais relações ético-
-jurídicas desiguais e injustas. Para o autor, o pensamento crítico pre-
tende repensar e romper com a dogmática lógico-formal imperante em 
determinado país, propiciando um amplo processo de esclarecimento, 
autoconsciência, emancipação e transformação da realidade social49 . 
Na objetivação da teoria jurídica crítica, Wolkmer apoia-se no 
pensamento de Luís A. Warat, para quem tais objetivos seriam "condi-
cionantes para instituir toda e qualquer teoria que intenta efetivar uma 
crítica plenamente satisfatória do fenômeno jurídico", podendo-se em-
prestar destaque a algumas das disposições propostas por Warat: reco-
locar o Direito no conjunto das práticas sociais que o determinam; criar 
uma consciência participativa que possibilite os juristas engajarem-se 
nos múltiplos processos decisórios, como fatores da intermediação das 
demandas da sociedade e não como agentes do Estado; modificar as 
práticas tradicionais de pesquisa jurídica a começar de uma crítica epis-
temológica das teorias dominantes [ ... ]; proporcionar, nas escolas de 
Direito, um instrumental pedagógico adequado para que os estudantes 
possam adquirir um modo diferente de agir, pensar e sentir, a partir de 
uma problemática discursiva que tente mostrar não apenas a vinculação 
48 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 8. ed. São 
Paulo: Saraiva, 2012, p. 80-83. 
49 Ibidem, p. XIII-XIV 
42 
do Direito com as relações de poder, mas também o papel das escolas 
de direito como produtoras de ideias e representações [ ... ]5°. 
Para Iris Marion Young, a teoria crítica é uma reflexão normativa 
histórica e socialmente contextualizada que rejeita como ilusório o es-
forço em construir um sistema normativo universal isolado de toda a 
sociedade51 . 
Hodiernamente, incabível defender-se a tese que os direitos huma-
nos são direitos naturais e se incorporam aos homens desde o seu nasci-
mento. São, isto sim, processos históricos, direitos submetidos a trans-
formações, ampliações e que evoluíram ante a realidade histórica que se 
apresentava, e não algo abstrato, solidificado no tempo e espaço e cuja 
efetividade estaria plenamente garantida, consolidada por força exclusi-
va de sua positivação. Ao revés, basta se cotejar o quanto está proclama-
do na Declaração Universal de 1948 e o quanto tem sido descumprido 
e violado mundo afora em relação aos direitos humanos, consoante as 
mais recentes amostragens apresentadas pela Anistia Internacional52. 
Não fosse assim, diante de um contexto normativo-positivista po-
deria ser dito que negros, índios, pobres, mulheres, crianças e adoles-
centes, imigrantes, homossexuais, prostitutas, trabalhadores mantidos 
em regime de trabalho escravo, pessoas com deficiência etc. , possuem 
direitos humanos, na medida em que esses direitos estão dispostos em 
ordenamentos internos, tratados e convenções, muitas vezes até me-
diante instrumentos jurídicos específicos. Todavia, se é certo que esse 
contingente possui direitos humanos, porque assim previstos em papel, 
também é certo afirmar que esses seres humanos usufruem livre, autô-
noma e dignamente desses mesmos direitos? E também seria correto 
50 Luis A. Warat. A Proteção Crítica do Saber Jurídico. ln: Carlos A. Plastino (Org.). 
Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1984, p . 21-22, apud WOLKMER, 
Antonio Carlos, op. cit. , p . 21-22. 
51 YOUNG, Iris Marion. La justicia y la política de la diferencia. Traducción de Silvina 
Álvarez. Madrid: Ediciones Cátedra, 2000, p . 15-16. 
52 Os informes produzidos pela Anistia Internacional são uma grande referência a res-
peito das condições e violações de direitos humanos no mundo. ANISTIA Internacional. 
Amnesty International Report 2014/15: The State Of The World's Human Rights. Dispo-
nível em: <https://www.amnesty.org/en/documents/pollO/OOOl/2015/enl>. Acesso em: 
mar. 2016. 
43 
admitir que a efetividade desses direitos encontra-se plenamente garan-
tida diante de sua mera normatização? 
A negativa se impõe em ambos os casos, porquanto cediço, em 
especial nos países do Sul, que negros, índios e pobres são discriminados 
em todas as escalas de mobilidade social e que os direitos de mulheres e 
crianças e adolescentes são violados, em muitos casos fisicamente, dia a 
dia; que nos países do Norte os imigrantes são discriminados somente 
pelo seu status quo; que homossexuais, transexuais e prostitutas são es-
tigmatizados e desrespeitados, em todo o mundo, por força única de sua 
opção sexual e de vida; que muitos trabalhadores escravos no Brasil per-
manecem ou voltam ao trabalho escravo; que as pessoas com deficiência 
são tratadas, em geral, como vítimas e têm desrespeitados direitos míni-
mos, como direito à acessibilidade aos prédios (públicos e privados), aos 
transportes e aos meios de comunicação e de acesso à educação. 
David Sánchez Rubio lança a debate um encadeamento de fatos 
bem interessante e que ao final vem a demonstrar, na prática, que só a 
via judicial e normativa não tem o condão de garantir ou reparar direi-
tos humanos, sobretudo quando violados. O autor parte do seguinte 
raciocínio, que se apresenta em sinopse: reflita-se primeiramente em 
quantas violações de direitos humanos se sucedem a cada dia, a cada 
hora, a cada minuto no mundo. O volume de agressões e atentados 
contra a dignidade das pessoas em cidades como Sevilha, México, São 
Paulo, Bogotá, Madrid, segue altíssimo. Em continuação, prossegue o 
autor, imaginem-se quantas violações de direitos humanos são atendi-
das judicialmente em cada uma dessas cidades? Desses atendimentos 
judiciais quantos são julgados com sentença favorável? E com sentenças 
que se façam efetivas? Poderia se dizer, ainda que de forma generosa, 
que a proporção seria de 99 ,99% de vulnerações de direitos humanos e 
um 0,001 % de casos atendidos judicialmente com sentença favorável e 
de maneira efetiva53? 
A partir dessa reflexão sobre a quantidade mínima de violações de 
direitos humanos atendidas judicialmente, Sánchez Rubio chama a aten-
53 RUBIO, David Sánchez. Repensar derechos humanos: de la anestesia a la sinestesia. 
Sevilla: Editorial MAD, 2007, p. 15. 
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ção para outra consequência de caráter reducionista: ao se pensar que os 
direitos humanos só se cumprem pela via jurídico-positiva e que são vul-
nerados antes mesmo de serem reclamados nos Tribunais, ao final resulta 
que se estaria defendendo uma posição pós-violadora e contraditória de 
direitos humanos, é dizer, que somente se fazem efetivos quando são vio-
lados, não antes. Assim, o autor assinala que o mais importante não é só 
incrementar-se uma cultura jurídica de proteção, mas sim potencializar 
uma cultura de direitos humanos em geral,

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