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INTRODUÇÃO Significado de ERRO e IGNORÂNCIA Como aponta o Professor Nucci, erro é a falsa representação da realidade ou falso conhecimento de um objeto (exemplo: avisto uma pessoa na esquina achando que é X quando na realidade é Y); já ignorância é a falta de representação da realidade ou total desconhecimento do objeto (exemplo: acredito que a um local está vazio quando existe uma pessoa naquele local). O conceito de erro, com o qual trabalharemos no ordenamento jurídico, abarca tanto o conceito de erro como o de ignorância. TEORIAS DO ERRO O desenvolvimento da teoria do erro no âmbito penal segue a evolução do conceito analítico de crime: A) Teorias do dolo (causalismo) Para a teoria neokantista o conhecimento da ilicitude é elemento do dolo (dolo normativo ou híbrido), que está situado na culpabilidade. Assim, tanto o erro de tipo como o erro de proibição excluem o dolo. a) teoria estrita ou extrema do dolo – considera que a falta de consciência do fato e da ilicitude do fato elide sempre o dolo, faz uma total equiparação entre erro de tipo e erro de proibição, sendo ambos excludentes do dolo. Crítica: Essa teoria atribui consequências jurídicas iguais para situações desiguais (o erro de tipo é menos reprovável que o erro de proibição). b) teoria limitada do dolo – Como a teoria antecedente, a consciência da ilicitude constitui um elemento do dolo. No caso de ausência dessa consciência, elimina-se o dolo, subsistindo, porém, a culpa, existindo um tipo auxiliar de “culpa jurídica”. Mas o estado de indiferença ou de inimizade do autor diante do direito iguala-se ao dolo, respondendo a título de dolo. A principal diferença entre as teorias dolo está no fato de a primeira exigir um conhecimento atual e concreto do injusto, e a teoria limitada apenas seu conhecimento potencial. Essa teoria, defendida por Edmund Mezger, relativiza o erro de proibição, mantendo o dolo quando o erro sobre a ilicitude do fato for derivado de uma especial “cegueira jurídica”. Ou seja, a postura de inimizade ao direito é equiparada ao conhecimento atual da ilicitude. Essa “cegueira jurídica” ou “inimizado com o Direito” é atestada segundo a condução da vida do agente. Assim Mezger, substitui o conhecimento atual da ilicitude pelo conhecimento presumido (culpabilidade pela condução de vida do agente). Critica: Nítida manifestação do Direito Penal do autor. c) teoria modificante do dolo – Parte do pressuposto de que a consciência da ilicitude faz parte do dolo, como as demais teorias; assim, o erro de proibição inevitável exclui a consciência da ilicitude e, em consequência, o dolo que faz parte da culpabilidade excluindo-a. A diferença reside no fato do erro ser evitável. Se evitável o erro de proibição, o agente será punido com a pena do crime doloso, podendo ser atenuada. Aqui reside a distinção entre essa teoria modificada do dolo e a tradicional teoria limitada do dolo, pois, para esta, o erro evitável implica na punição do agente por crime culposo. B) Teorias da culpabilidade (esquema finalista) Ao contrário das teorias do dolo, nas teorias da culpabilidade, desenvolvidas pelo finalismo, o dolo é natural, separando da consciência da ilicitude, que passa integrar a culpabilidade. Para essas teorias, o dolo é a mera consciência e vontade de realização do tipo objetivo – dolo valorativamente neutro. Como o dolo não exige o conhecimento normativo, a consciência da ilicitude não o integra, sendo alocada na culpabilidade, reduzida a simples juízo de censura. Essas concepções são divididas em duas: teoria estrita e teoria limitada da culpabilidade. A teoria estrita da culpabilidade – considera que o erro sobre a ilicitude do fato é sempre erro de proibição. Neste último, o autor tem conhecimento da realização do tipo (dolo): sabe o que faz, mas erroneamente acredita ser permitido, seja por desconhecer a norma penal ou por mal interpretá-la, seja por supor erroneamente a concorrência de uma causa de justificação. Em cada uma dessas hipóteses, há exclusão ou diminuição da reprovabilidade. Desse modo, o erro sobre as causas de justificação – descriminantes putativas – é erro de proibição e exclui a culpabilidade se for inevitável. Há uma distinção basilar em relação às hipóteses de erro de tipo, nas quais falta o dolo do agente. Aparece como decisiva “a possibilidade ou não de ser o autor censurado pela ignorância do injusto. Inexistindo censura, não há culpabilidade nem pena”. O erro de proibição, ainda que verse precipuamente sobre matéria normativo/legal, pode alcançar, também, o fato. A teoria limitada da culpabilidade – opera uma distinção entre erro de proibição direto e indireto, ocorrendo este último quando incidente, em certa vertente, sobre uma justificante. Dessa maneira, a teoria limitada estabelece uma solução diferenciada no tratamento do erro que versa sobre as descriminantes putativas: 1) o erro sobre os pressupostos fáticos da causa de justificação (errônea suposição de condicionantes típicas) de uma causa de justificação equipara-se, nos seus efeitos, ao erro de tipo permissivo, de modo que exclui o dolo, restando a culpa. Exemplo: Um mendigo se aproxima do sujeito que, acreditando que será roubado, dispara em direção ao mendigo (acreditava que sua atitude estava abarcada por uma causa de justificação – legitima defesa putativa). 2) o erro sobre a existência, o âmbito ou os limites legais de uma causa de justificação constitui erro de proibição indireto, que, se inevitável, exclui a culpabilidade e, se evitável, atenua a pena. Exemplo: o sujeito acredita que para impedir a ofensa à honra (legitima defesa da honra) tira a vida daquele que o ofende. Assim, a diferença entre as duas teorias da culpabilidade – estrita e limitada – está no tratamento dado ao erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação: Para a teoria estrita (erro de proibição); para a teoria limitada (tratado como erro de tipo permissivo). Acerca do tratamento do erro que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação, cumpre observar que a postura perfilhada pelo Código Penal brasileiro – a saber, a adoção da teoria limitada da culpabilidade (art. 20, § 1.º) e a exposição de motivos do Código Penal no item 17. É, todavia, no tratamento do erro que o princípio nullum crimen sene culpa vai aflorar com todo o vigor no direito legislativo brasileiro. Com efeito, acolhe o Projeto, nos artigos 20 e 21, as duas formas básicas de erro construídas pela dogmática alemã: erro sobre elementos do tipo (Tatbestandsirrtum) e erro sobre a ilicitude do fato (Verbotsirrtum). Definiu-se a evitabilidade do erro em função da consciência potencial da ilicitude (parágrafo único do artigo 21), mantendo-se no tocante às descriminantes putativas a tradição brasileira, que admite a forma culposa, em sintonia com a denominada "teoria limitada da culpabilidade" (Culpabilidade e a Problemática do Erro Jurídico Penal, de Francisco de Assis Toledo, in Rev. Trib. 517/251). A posição adotada pelo nosso ordenamento não é imune a críticas, com as quais eu concordo: 1- Para Nucci (2019; p. 517): Remetendo ao exemplo já citado do mendigo atingido por agente que estava acreditava estar em legitima defesa (legitima defesa putativa), bem explica o professor que o seu engano recai sobre a proibição, não estando autorizado a agir dessa forma, portanto, houve sim dolo embora afetada a consciência da ilicitude de seu fato (que integra a cupbilidade). Para o professor todo erro sobre a ilicitude do fato deveria ser classificado como erro de proibição (seja erro sobre os pressupostos fáticos, erro sobre a existência de uma causa excludente de ilicitude e erro sobre os limites de uma excludente de antijuridicidade), adotando a teoria extremada da culpabilidade. 2- Cezar Roberto Bitencourt aponta as falhas da adoção da teoria da culpabilidade limitada: I – Se o fato praticado for invencível será considerado atípico e lícito, sendo que a vítima irá suportar as consequências do resultado causado; II – Gera consequências no concurso de agentes na figurado partícipe. O ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria da acessoriedade limitada, ou seja, a punição do partícipe pressupõe a prática de fato típico e ilícito, afastando-se a necessidade de que o agente seja culpável. Ao considerar a descriminante putativa quando o erro recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de exclusão de ilicitude como excludente do dolo, torna a conduta do participe não punível, mesmo sabendo que o autor está agindo em erro (desde que não tenha provocado o erro); III – A tentativa não seria punível, pois exclui-se o dolo. Mesmo que o erro fosse vencível, o fato ficaria impune, pois os crimes culposos não admitem tentativa; 3- Luiz Regis Prado: Não é certo, conforme se assevera, que a teoria limitada da culpabilidade produz resultados mais justos, visto que se “o sujeito atua com consciência e vontade de realizar os elementos que fundamentam o injusto específico de uma determinada conduta delitiva (os elementos positivos do tipo, segundo a terminologia da teoria dos elementos negativos do tipo), que deve servir-lhe de estímulo para certificar acerca da concorrência ou não das circunstâncias que servem de base para uma causa de justificação”, mais justo seria, na verdade, “considerar esse erro como um erro de proibição, como faz a teoria pura”. O erro sobre os pressupostos fáticos das causas de justificação não deveria excluir o dolo, e sim receber o mesmo tratamento conferido ao erro de proibição. A teoria estrita da culpabilidade reconhece que a consciência da ilicitude não é elemento do dolo, mas da culpabilidade, e, assim, o erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação deve excluir a culpabilidade (se inevitável o erro) ou atenuar-se a pena imposta (se evitável). C) TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO Assevera Bittencourt que essa teoria surgiu na Alemanha para suprir a omissão do § 59 do revogado Código Penal alemão de 1871, que tratava do erro de fato sem mencionar as descriminantes putativas. Para corrigir essa falha Merkel e Frank criaram a teoria dos elementos negativos do tipo, visando que as descriminantes putativas tivessem o mesmo tratamento que o erro de fato. Essa teoria cria um tipo total de injusto, abrangendo o fato típico e a antijuridicidade em um mesmo conceito. Assim as causas de justificação seriam elementos negativos do tipo (características negativas do tipo). Portanto, qualquer erro que recaia sobre os pressupostos fáticos (da tipicidade ou da ilicitude) será erro de tipo, enquanto qualquer erro que recaia sobre o conteúdo jurídico (referente ao tipo ou à ilicitude) será erro de proibição. Crítica de Hans Jescheck: Para o mencionado autor essa teoria ao inserir os elementos de justificação como elemento do tipo (negativo), o dolo também deveria referir-se sua ausência. Na pratica o autor do fato não está pensando nisso, mas sim está pensando nos elementos constitutivos do tipo – Quem está em legítima defesa putativa, quer matar alguém para salvar a sua vida e não pensando que está matando porque o ordenamento autoriza matar. Outra crítica apresentada por Junqueira é que aos olhos da teoria dos elementos negativos do tipo, são situações valoradas, exatamente da mesma forma: matar um pernilongo e matar um ser humano quando se está em legítima defesa. 1 - ERRO DE TIPO Para Nucci, o erro de tipo é o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo, tanto os descritivos (aqueles avaliados pela mera percepção), como os elementos normativos (jurídico ou extrajurídico), sendo que uma vez constatado sempre exclui o dolo. Há de fato um descompasso entre a realidade objetiva e a representação subjetiva a respeito de um objeto. Ocorre, porém, que essa equivocada percepção das elementares do tipo podem ser escusáveis ou inescusáveis. Para ambas, há exclusão do dolo, porém se o erro for inescusável o agente poderá responder pela figura culposa, caso haja previsão legal do tipo culposo. Aponta Hans Welzel, que não podemos confundir a terminologia “erro de tipo” com “erro de fato”, pois o erro de tipo é o desconhecimento de uma circunstância objetiva do fato pertencente ao tipo legal, seja de caráter fático (descritivo) ou normativo. O erro sobre elemento do fato não significa erro sobre elemento de fato. Portanto, a terminologia mais adequada é erro de tipo e não erro de fato. Para atestar se o erro era vencível ou não se leva em conta a prudência do homem médio (bom senso), ou seja, analisa-se, no caso concreto se houve ou não a incidência de imprudência, negligência ou imperícia. Na ausência dessas condições afasta-se o tipo culposo. O erro de tipo pode incidir não só sobre crimes comissivos, como também crimes omissivos próprios e impróprios. Nos próprios pode ocorrer que o agente desconhece a situação de perigo e não preste socorro (artigo 135 do CP). Ex: Uma pessoa que vive brincando que está se afogando e quando os amigos vão tentar socorrer descobrem a brincadeira. Em uma situação real de afogamento, os amigos acreditam que a vítima está brincando e não prestam socorro, vendo a mesma falecer. Nesse caso, os amigos incorreram em erro de tipo em um crime omissivo, pois acreditavam que se tratava de uma brincadeira e não uma situação real de perigo. Quanto aos crimes impróprios podemos mencionar a seguinte situação: um homem vê uma criança se afogando e tendo condições de ajudar nada faz. Quando a vítima falece percebe-se que era seu filho, situação desconhecida pelo pai no momento do perigo. Nesse caso, o homem não sabia da sua condição de garante (não sabia que era seu filho), o que impede que responda por crime comissivo por omissão de homicídio doloso, mas poderá responder por omissão de socorro (artigo 135 do CP). 1.1 – Erro sobre elementares normativas Como apontam Junqueira e Vanzolini, o dolo em relação aos elementos normativos do tipo não exigem conhecimento técnico jurídico, mas apenas a chamada “valoração paralela na esfera do profano”, ou seja, é preciso apenas que o sujeito tenha conhecimento no plano fático e sobre o seu significado social (Ex: Artigo 150 do CP – Violação de Domicilio – O sujeito não precisa saber o conceito jurídico de domicilio, basta saber que é errado invadir a casa dos outros, ou seja, o sentido social da ação e não necessariamente a da proibição jurídica). Sobre o tema explica Claus Roxin que se X envenena e mata o cachorro de Y, e ao ser denunciado pelo crime de dano alega em sua defesa que não sabia que cachorro era classificado pelo ordenamento jurídico como coisa, previsto no tipo penal do artigo 163 do CP. Não há aqui um erro de tipo, pois X conhecia a materialidade do cachorro (sabia que era de Y) e, em segundo lugar, na “esfera do profano”, sabia que sua conduta era socialmente reprovável, o que é suficiente para o dolo.. Não há portanto ausência de dolo e nem erro de tipo, mas sim o que a doutrina convencionou chamar de erro de subsunção (que não é idôneo sequer para configurar erro de proibição). 1.4 – Erro sobre elemento normativo referido à antijuridicidade Em alguns tipos penais incriminadores há elementos normativos que fazem referência à antijuridicidade como as expressões: “sem autorização”; “conforme o direito”; “sem a devida permissão ou licença”. Sobre o tema há duas posições: a) Para Welzel, independentemente de estar previsto no tipo, a antijuridicidade não se converte em elementar do tipo. Logo, por adotar a teoria extremada da culpabilidade (todo erro sobre a antijuridicidade, seja de fato ou de conhecimento da causa justificante é um erro de proibição), entende que se escusável exclui a culpabilidade pela ausência de potencial consciência da ilicitude, já se for inescusável incide somente a causa de diminuição de pena de um sexto a um terço; b) Para Luiz Flávio Gomes, uma vez inserida no tipo penal, o erro sobre esses elementos só poderá ser de tipo; Exemplo de Roxin: Artigo 345 do CP diz que: “Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”. Se o credor para reaver o bem, subtrai-osem consentimento do devedor, por acreditar que a lei permite, há para a primeira corrente um erro de proibição, pois se trata de um elemento relativo à antijuridicidade, e não na configuração do tipo. Já a segunda corrente, entenderia tratar de erro de tipo pois uma vez inserida no tipo penal incriminador vira elementar do tipo. 1.3 – Erro essencial e acidental O erro de tipo essencial é aquele que recai sobre uma elementar do tipo penal, seja ela descritiva ou normativa. Exemplo: Alguém, que por engano pega uma bolsa de outrem achando ser sua incorre em erro de tipo essencial pois recai sobre a elementar (coisa alheia móvel prevista no artigo 155 do CP). Já o erra acidental incide sobre elementos secundários que não integram o tipo penal, logo não configuram erro de tipo. Se um sujeito furta uma caneta acreditando ser uma lapiseira não incide em erro de tipo pois essa não deixou de ser coisa alheia móvel. Isso não significa que o erro acidental não tenha consequências jurídicas. No caso, se o agente querendo furtar um diamante furta uma bijuteria de pequeno valor nada impede a incidência da causa de diminuição de pena do Artigo 150, § 2º do CP (posicionamento contrário de Fernando Capez). Já o erro quanto a pessoa, nos termos do artigo 20, § 3º do CP determina que a pena seja imposta considerando as qualidades pessoais da vítima real e não virtual. 1.4 – Erro determinado por terceiros O artigo 20, § 2º do CP determina que o terceiro responde pelo crime cometido por aquele que foi induzido à erro o autor do fato responderá pelo crime. Já o sujeito ludibriado dependerá se seu erro foi escusável, excluindo o dolo e a culpa, ou inescusável, subsistindo a figura culposa se prevista em lei. 2- ERRO DE PROIBIÇÃO Segundo Nucci, cuida-se de erro incidente sobre a ilicitude do fato, ou seja, a compreensão de que o fato é ou não proibido. O Erro de proibição não se confunde com o desconhecimento do direito. O desconhecimento da norma não pode servir de fundamento para exclusão do crime (artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), sendo o seu conhecimento uma presunção absoluta. O desconhecimento da lei pode ser usado como uma atenuante prevista no artigo 65, II, do CP. Nos ensinamentos de Alcides Munhoz Netto: “a diferença reside em que a ignorância da lei é o desconhecimento dos dispositivos legislativos, ao passo que a ignorância da antijuridicidade é o desconhecimento de que a ação é contrária ao direito”. Lembrando que dentro da estrutura analítica do crime, o que exclui a culpabilidade é a potencial consciência da ilicitude e não propriamente o conhecimento atual da ilicitude. Assim, o erro de proibição exige que essa falta de informação seja devidamente justificada, demonstrando que o indivíduo, mesmo se esforçando não conseguiria obter aquela informação, seja pelas condições sociais em que vive (em uma comunidade silvícola isolada) ou condições pessoais do agente (estava em uma ilha deserta quando a conduta tornou-se típica). EXEMPLO DO INDIO Para a formação da culpabilidade não se exige o conhecimento técnico jurídico, senão a consciência profana comum da proibição daquela conduta (segundo os parâmetros morais daquela sociedade). Exemplo: O sujeito que alega erro de proibição dizendo que não sabia que guardar cocaína configura o crime do artigo 33 da Lei 11.343/06, achando que somente quem vendia era traficante. Ora, é evidente, ainda mais na sociedade da informação na qual estamos imersos, que o sujeito se esforçasse um pouco saberia que a conduta é ilicita. Se no momento da conduta, o agente não tinha noção da ilicitude, nem tinha condições de saber, em razão das circunstâncias do caso concreto, o erro é escusável, excluindo a culpabilidade. Agora se o agente que não tinha conhecimento da ilicitude do fato, mas se tivesse ao menos ter sido diligente para saber sobre a ilicitude do fato, estamos diante de um erro de proibição inescusável, que não exclui a culpabilidade mas diminui a pena de 1/6 a 1/3. O professor Nucci citando Francisco de Assis Toledo propõe uma solução interessante para identificar se o erro era inescusável: a) O agente atua com consciência de que está fazendo algo errado; b) O agente não possui essa consciência, mas dentro das circunstâncias era fácil perceber; c) O agente não tem consciência da ilicitude, porque de propósito não se informou (colocou-se em cegueira deliberada); d) O agente não possui essa consciência, não se informou quando deveria tê-lo feito, tendo em vista trata-se de atividade regulamentada em lei; O erro de proibição divide-se em: c.1) direto – o agente atua com a convicção de que sua ação não está proibida pela ordem normativa – erro sobre a ilicitude da conduta (sobre a existência da própria norma legal e sobre o âmbito de sua abrangência). c.2) indireto ou erro de permissão – designa o erro sobre uma norma permissiva. O agente pensa que sua ação é lícita por estar amparada por uma permissão legal (o agente supõe presente uma causa de justificação inexistente) que, na verdade, não é reconhecida pelo direito – erro sobre a existência ou os limites de uma causa de justificação. c.3) Erro mandamental – O sujeito ignora um dever jurídico de agir, logo a sua incidência recai sobre os tipos omissivos. Segundo Bitencourt: “se alguém se engana sobre a existência do perigo, sobre a indenidade da pessoa que tem a responsabilidade de proteger, sobre a existência dos meios, sobre a sua capacidade de utilizá-los, tudo isso constitui erro de tipo. Mas se erra sobre a existência do dever, sabendo da situação de perigo, sabendo que a pessoa é aquela a que está obrigada a proteger, sabendo que tem os meios e que pode usá-los, mas acha que não precisa, que não deve, porque, por exemplo, crê que seu dever não envolve necessariamente risco pessoal, ou, então, no caso de um plantão, por exemplo, cujo horário de saída seja às dezessete horas, imagina que a partir daí não é mais responsável, afinal, azar do outro que se atrasou. Errado, continua responsável. Erra a respeito dos limites do dever, erra sobre a norma mandamental, sobre o dever em si, e não sobre a situação fática do dever ou sobre os seus pressupostos, mas sobre o dever propriamente. Esses são erros de man-damento, erros sobre a ilicitude, na hipótese de crimes omissivos” (Tratado de direito penal, 2012, v. 1, p. 516). DESCRIMINANTES PUTATIVAS Putativo é tudo aquilo que é imaginário e descriminante são as excludentes de ilicitude. Elas se dividem em: a) Erro quanto aos pressupostos fáticos de uma causa de exclusão – O agente no caso concreto acredita estar agindo em uma situação justificante – Nesse ponto em que reside, como visto a diferença entre a teoria limitada e extremada da culpabilidade; b) Erro quanto à existência de uma causa de exclusão de ilicitude – Exemplo: Eutanásia; c) Erro sobre os limites da causa excludente da ilicitude – O agente sabe que existe a causa, porém ele extrapola nos meios utilizados (há a legitima defesa da honra, mas não matando o agressor); JURISPRUDÊNCIA O TRF da 4ª região tem entendido que a importação de mira telescópica, a depender do caso concreto pode configurar erro de proibição invencível: EMENTA: PENAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTOS. PEQUENA QUANTIDADE DE MEDICAMENTOS. USO PRÓPRIO. DEMONSTRAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. IMPORTAÇÃO DE LUNETAS. ERRO DE PROIBIÇÃO CONFIGURADO. 1. No caso de aplicação do art. 273, § 1º-B, do Código Penal devem ser observadas as consequências do julgamento da arguição de inconstitucionalidade pela Corte Especial deste Tribunal, quais sejam, a depender da quantidade e destinação dos medicamentos internalizados: aplicação integral do art. 273 do Código Penal; aplicação do preceito secundário do art. 33, caput, da Lei nº. 11.343/2006; desclassificação para o art. 334-A do Código Penal; ou aplicação do princípio da insignificância. 2. Nos casos de internalização de medicamento em diminuta quantidade e ínfimo potencial lesivo, destinado a uso próprio, a conduta é insignificantepara o Direito Penal. Precedentes desta Corte. 3. Os elementos probatórios não são suficientes para demonstrar que o réu tinha ciência do transporte de acessório de arma de fogo e que, assim, concorreu para o ilícito. 4. Demonstrado o erro de proibição inevitável, mantendo-se a absolvição. 5. Apelação criminal do Ministério Público Federal desprovida. (APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5000758-60.2015.4.04.7002/PR. RELATOR:JOÃO PEDRO GEBRAN NETO). 4. Erro de proibição. O réu RONI CESAR ALVES RODRIGUES foi absolvido da imputação da prática dos crimes dos artigos 18 e 19 da Lei nº 10.826/03, pelos seguintes fundamentos: Restou demonstrado nos tópicos relativos à materialidade e à autoria que o acusado RONI CESAR ALVES RODRIGUES efetivamente tentou importar do Paraguai para o Brasil as lunetas que restaram apreendidas. Dispõem os artigos 18 e 19 da Lei nº 10.826/03: "Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente: Pena - reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito." Por outro lado, a apreensão das lunetas ocorreu na Aduana da Ponte Internacional da Amizade, em zona alfandegária primária. Dessa maneira, impõe-se reconhecer que se trata da modalidade tentada do crime em comento, na forma do artigo 14, inciso II, do Código Penal. O dolo na conduta do acusado igualmente se revela inconteste nos autos, pois efetivamente ele quis importar do Paraguai e transportar em território nacional as miras telescópicas apreendidas. Entretanto, verifico que a absolvição do denunciado é medida que se impõe diante do evidente desconhecimento acerca da proibição de importar o acessório de arma de fogo apreendido, conforme passo a expor. Inicialmente, cabe esclarecer que o erro de tipo incide sobre os elementos, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue à figura típica, portanto, é analisado no tipo. O erro de tipo é tradicionalmente conceituado como uma falsa representação da realidade, faltando ao agente a consciência de que pratica uma infração penal, o que afasta o dolo. O erro de proibição, por sua vez, não é estudado no tipo penal, mas na culpabilidade do agente. Procura-se perquirir se, nas condições em que se encontrava o agente, tinha ele a possibilidade de compreender que o fato que praticava era ilícito. No erro de proibição, ao contrário do erro de tipo, o agente sabe perfeitamente o que faz, entretanto, desconhece a ilicitude da conduta que pratica. O erro de proibição está previsto no artigo 21 do Código Penal, in verbis: Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. No caso em apreço, o réu não teve qualquer falsa representação da realidade (erro de tipo), pois ele agiu com a intenção de importar e transportar as miras telescópicas que, embora seja classificada como acessório de arma de fogo, seria supostamente utilizada por ele e seus irmãos em "espingardinhas de pressão", para brincarem de tiro ao alvo no sítio do seu pai, onde sempre se reúnem nos finais de semana. Entretanto, o réu alegou com coerência que desconhecia a ilicitude da conduta que praticava. As afirmações do réu, aliada à inexistência de qualquer apontamento em sua folha de antecedentes criminais (bem como na de seus parceiros de viagem), ao seu histórico familiar de vinculação com a vida rural (onde é comum o uso de espingardas de pressão), o fato de ser procedente de pequena cidade do interior de Santa Catarina (Videira), de onde não se tem notícia de existência de relevante índice de criminalidade, especialmente com uso de armamento pesado (onde pudessem ser instaladas e utilizadas as miras telescópicas), demonstram que ele incorreu em erro sobre a ilicitude do fato escusável ou inevitável, pois tanto o acusado RONI disse que não imaginava que "as lunetas pudessem lhe prejudicar tanto", quanto os codenunciados DOUGLAS e OSWALDO afirmaram desconhecer a gravidade dos fatos em que estavam envolvidos. Aliás, DOUGLAS e OSWALDO mesmo tendo sido alcançados pela conduta de RONI, figurando no polo passivo da presente ação penal pela prática de crimes que cominam penas altíssimas, continuaram acreditando que ele não agiu com o intuito de lhes prejudicar, pois creem que RONI não tinha ciência de que estava praticando um crime ao importar as lunetas. De qualquer sorte, no caso de importação de lentes de aumento, que tanto podem ser acopladas a armas de fogo, como a armas de pressão -, não é razoável crer que pessoa leiga em relação a conhecimentos de material bélico saiba identificar, à simples visualização, que o produto seja considerado como acessório de arma de fogo - especialmente de uso restrito. O mesmo não se pode dizer de armas ou munições, propriamente ditas, cuja ilicitude é cristalina para qualquer pessoa, independentemente do nível de instrução que tenha. Miras telescópicas, no entanto, não possuem essa característica, ainda mais quando outras circunstâncias do caso concreto indicam que o uso das lunetas em espingarda de pressão era fato tido como lícito pelo réu, a fazer crer que realmente ele imaginava tratar-se de um produto sobre o qual não recaía nenhuma exigência de autorização especial para importação, o que revela o erro sobre a ilicitude do fato (ou de proibição). De fato, qualquer pessoa de diligência normal poderia ter incorrido no equívoco do réu, haja vista que somente alguém com conhecimento específico acerca de armamento e legislação saberia que a conduta praticada pelo acusado era criminosa. Nesse contexto, o fato de a luneta servir tanto para acoplar em armas de pressão como em armas de fogo empresta credibilidade ao relato do réu, no que toca ao fato de imaginar que sua conduta não era proibida pelo direito (ou seja, se o principal é permitido, por qual razão supor que o acessório não o seria?). De outra parte, o fato de as miras terem ampla capacidade de adaptação, servindo tanto para armas de pressão, como armas de fogo e equipamentos de arco e flecha aponta para a veracidade do relato do réu, no que toca ao fato de imaginar que sua conduta não era proibida pelo direito. De todo modo, para o cidadão comum, leigo no trato de material belicoso, reconhecer as características específicas das miras telescópicas e saber qual tipo é de uso permitido e quais são consideradas como acessório de arma de fogo de uso restrito, é tarefa difícil. Ademais, afigura-se razoável que o homem médio conclua que, se não há proibição quanto à compra e uso de armas de pressão, também não haveria proibição para seu acessório, no caso, miras telescópicas, desde que se ignore que tal acessório também possa ser utilizado em armas de fogo. Por outro lado, soa desarrazoado, diante das circunstâncias do caso concreto, exigir que uma pessoa soubesse que, ao trazer 05 miras telescópicas estaria cometendo um crime cuja pena prevista é de 06 a 12 anos de reclusão (art. 18 c/c 19, ambos da Lei 10.826/2003), tratamento gravoso dado a criminosos que geram, ao menos por via reflexa, efeitos sociais dos mais nefastos. Portanto, está plenamente configurado o erro de proibição inevitável, que isenta o agente de pena, conforme preceitua o citado artigo 21 do Código Penal. Sobre o tema, confira-se a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: DIREITO PENAL. CONTRABANDO. MIRA TELESCÓPICA. EQUIPAMENTO DE UTILIZAÇÃO VARIADA. ERRO DE PROIBIÇÃO. Tratando-se de acessório que, em alguns casos, admite regular importação e uso também para armas de pressão e equipamentos de arco e flecha, a aquisição de mira telescópica fora das especificaçõesprevistas no Decreto 3.665/2000 caracteriza, considerando-se as peculiaridades do caso, situação típica de erro de proibição inevitável. (TRF4, ACR 5000212-31.2013.404.7210, OITAVA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 20/03/2017) PENAL E PROCESSUAL. CONTRABANDO DE ACESSÓRIOS DE USO RESTRITO. ARTS. 18 E 19 DA LEI 10.826/2003. ERRO DE PROIBIÇÃO. ABSOLVIÇÃO. Não havendo prova de que a ré tivesse ciência da ilicitude da conduta de importar luneta óptica (classificada na legislação como acessório para arma de fogo), a qual, no caso, destinava-se a uso em arma de ar comprimido de calibre permitido, impõe-se a sua absolvição, com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. (TRF4, ACR 5003195-37.2012.404.7210, Sétima Turma, Relator p/ Acórdão Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 02/10/2014 - destaquei) PENAL. ARTIGO 273, §1º-A, DO CÓDIGO PENAL. MEDICAMENTOS. AUSÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE. ABSOLVIÇÃO. ARTIGOS 18 E 19 DA LEI 10.826/03. ACESSÓRIOS DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ERRO DE PROIBIÇÃO. ABSOLVIÇÃO. 1. Se o réu nega ter importado os medicamentos descritos na denúncia, os quais não foram arrolados no Termo de Lacração de Volumes por ele assinado no momento da apreensão, e não há outras provas do cometimento do delito, impõe-se a absolvição, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo penal. 2. Evidenciado o desconhecimento da ilicitude do ato praticado pelo réu, impõe-se a absolvição quando ao crime previsto no artigo 18, c/c o artigo 19 da Lei nº 10.826/03. (TRF4, ACR 5003249-45.2012.404.7002, Sétima Turma, Relator p/ Acórdão José Paulo Baltazar Junior, juntado aos autos em 05/06/2014 - destaquei) Portanto, existente a circunstância prevista no artigo 21, primeira parte, do Código Penal, impõe-se a absolvição do acusado RONI CESAR ALVES RODRIGUES, pela prática do crime descrito no artigo 18 c/c 19 da Lei 10.826/2003, nos termos da fundamentação. Com efeito, o réu RONI admitiu ter adquirido as lunetas, afirmando que seriam usadas em "espingardinhas de pressão" para ele e seus irmãos "brincarem" no sítio do pai, no interior do município de Videira/SC. Diz o réu que não imaginava que lunetas para armas de pressão fossem proibidas, nem mesmo que seriam classificadas como acessórios de arma de fogo. Cumpre esclarecer que o Laudo Pericial confirmou o uso das lunetas em armas de pressão. Confira-se (ev. 22 do IPL): "(...) Esta luneta, por suas limitações de instalação e calibração, destina-se ao uso recreativo em armas de pressão por ação de gás comprimido (Art. 16, VIII do R-105 do EB) ou por ação de mola (Art. 17, V, do R-105 do EB); podendo ainda, apesar das limitações técnicas, ser utilizada em armas de fogo longas com alma raiada, independentemente do calibre, bastando que a arma possua suporte compatível com o sistema de fixação da luneta". (grifei) Como se vê, a alegação do acusado, de ter adquirido as lunetas para uso em armas de pressão se coaduna com a finalidade do artefato - embora ele até possa ser utilizado em outro tipo de armamento -, indicando a veracidade do relato do réu, no que toca ao fato de imaginar que sua conduta não era proibida pelo direito. Cabe ressaltar que para o cidadão comum, sem amplo conhecimento de armas e materiais belicosos, não é desarrazoado imaginar que acessórios para armas recreativas, como as de pressão, não se classificam como mercadoria de importação proibida. Assim, está plenamente configurado o erro de proibição inevitável, que isenta o agente de pena, razão pela qual impõe-se a manutenção da sentença absolutória. Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação criminal do Ministério Público Federal, nos termos da fundamentação. É o voto.