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TEMA - DIREITO ISLAMICO

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FASUG - História do Direito – 1º Período 
Prof.ª Áustria Régia 
 
 
TEMA: DIREITO ISLÂMICO (MUÇULMANO) 
 
1- Origem e considerações 
 
 O direito muçulmano teve sua origem na Idade Média e tem características muito 
peculiares. Hoje é a base de cerca de 1/5 da humanidade independentemente de suas 
nacionalidades. Isso se dá porque este é um direito que resulta da religião que professam e 
não deixa de ser atual, pois a religião islâmica ainda cresce e encontra adeptos em vários 
países, mesmo nos dias de hoje. 
 O islamismo tem como fundador Muḥammad (nome que foi aportuguesado para 
Maomé). Sua vida e sua história são a própria essência do Islamismo. Ele é o exemplo a ser 
seguido, é o guia do Islã. 
 Maomé nasceu em Meca no ano de 570 d.C. Era de um família de notáveis da cidade que 
havia perdido sua influência. Ele perdeu o pai antes de seu nascimento e a mãe aos 6 anos de 
idade. Cresceu exercendo o comércio e empreendendo viagens comerciais. Aos 25 anos casou-
se com Khadija, uma viúva rica de quarenta anos para quem trabalhava como homem de 
confiança. 
 Em 610 d. C aproximadamente, Maomé fez um longo retiro em uma gruta de nome Hira 
em pleno deserto, e lá teve um sonho (uma visão segundo algumas tradições). Nesse sonho 
ele viu um ser sobre-humano (que os muçulmanos consideram como sendo o Anjo Gabriel) 
que lhe dava ordens e considerações, que mais tarde, após a morte de Muḥammad foram 
colocadas em um livro chamado de Alcorão. O Alcorão é o livro sagrado da religião islâmica, e 
só foi efetivamente escrito pela terceira geração do profeta Maomé. 
 Após ter essa visão, Maomé começou a pregar os ensinamentos dados pelo anjo Gabriel 
a todos comerciantes de sua terra natal e logo foi amplamente seguido. Também pregou ao 
povo beduíno e às tribos coraixitas, o que logo o fez ser perseguido por adeptos de outras 
religiões. Sendo perseguido, Maomé sai de sua cidade Meca e vai para Latreb, hoje conhecida 
como Medina, essa fuga ficou conhecida na história como Hégira e marcou o primeiro ano do 
calendário muçulmano. 
 Em Medina Maomé passou a ter atribuições políticas e buscou centralizar o poder 
através da nova religião que professava. Após algum tempo também passou a considerar 
inimigos aqueles que eram contrários à religião islâmica, como por exemplo, os judeus de 
Medina e posteriormente os próprios coraixitas. Quando o número de adeptos do Islamismo 
tornou-se grande, Maomé tomou Meca, destruiu seus ídolos e transformou seu principal 
centro a Caaba no centro religioso do Islamismo. 
 Maomé faleceu 10 anos após a Hégira (ano 632 do nosso calendário). Após sua morte 
muitas disputas aconteceram e no seio do mundo islâmico, no sentido de apontar ou manter 
sucessores na posição de chefia (religiosa e política), tendo aqueles que queriam seguir a letra 
do Alcorão e apontavam somente os parentes do profeta como sucessores e aqueles que 
queriam seguir a tradição, que apontava como sucessor outras pessoas. Baseados nessa 
incoerência surgiram duas facções rivais: os sunitas e os xiitas. Os coraixitas se juntaram aos 
sunitas e passaram a disputar o poder com os parentes do Profeta. Essas divergências 
perfazem até hoje as guerras civis dentro dos países islâmicos. 
 
 
FASUG - História do Direito – 1º Período 
Prof.ª Áustria Régia 
 
2- Fundamentos do Direito Muçulmano ou Islâmico 
 O direito islâmico em si, é um direito intrinsecamente religioso, político, repleto de 
dogmas morais e comportamentais, e é a base dos países islâmicos. Entretanto, cabe salientar 
que só se aplica aos fiéis e adeptos do islamismo. 
 Na puberdade o muçulmano torna-se obrigado a seguir a lei do Alcorão, isso porque se 
considera que o indivíduo deva possuir o uso da razão consciente para aderir definitivamente 
à obediência da lei islâmica. Mas é costume desde a infância se preparar as crianças para o 
momento da adesão à religião islâmica. 
 Para os islâmicos o Alcorão sendo o livro sagrado, é a própria transmissão dos 
ensinamentos de Alá (Deus) através de Maomé, ditadas pelo anjo Gabriel. Assim sendo, pelas 
palavras de Deus, não há contestação cabível aos homens. 
 
3 - Principais pontos do Alcorão 
O Alcorão está dividido em 114 suras ou capítulos e subdivididos em versículos. Os principais 
pontos serão destacados a seguir: 
 Infalibilidade do Alcorão. Não há dúvidas sobre o Alcorão, sendo as palavras de Alá 
irremediáveis. Aquele que contestar qualquer escritura terá seu julgamento a ser preparado 
pelo próprio Deus. 
 Justiça e Equidade. Em um sentido geral, a sociedade muçulmana é igualitária, visto que 
não reconhece o sacerdócio. Logo, todos devem ser tratados de maneira igual, pois são iguais 
também na fé. 
 Cumprimento da Lei. Um dos pilares da lei islâmica é a recompensa espiritual dada 
aqueles que cumprem fielmente a seus ensinamentos. Quem descumpre o Alcorão é 
considerado infiel e tem como punição o inferno, pois está com uma vida de pecado (haram). 
O Alcorão promete um paraíso incrível aos seus fiéis, como largos rios, farta comida e 
mulheres puras. 
 Pena de Talião. A pena de talião é aplicável aos islâmicos fiéis em forma de exemplos. 
Tanto no caso de guerras como para a proteção da própria vida. Sura 228: “ Na lei de talião 
está a proteção de vossas vidas, ó homens sensatos. E possais temer a Deus”. Sura 229: “ Se 
vos atacarem no mês sagrado, atacai-os também no mês sagrado. E que as profanações sejam 
castigadas pela pena de talião. Aqueles que vos agredirem, agredi-os da mesma forma. Porém, 
temei a Deus. E lembrai-vos de que Ele está com os piedosos”. 
 Homicídio. O princípio da pena de talião também deve ser aplicado quando do 
homicídio, entretanto, está aberta a possibilidade do perdão. Quando há o perdão do 
homicídio, um parente da vítima deve ser indenizado. 
 Alimentos Proibidos. Algumas proibições alimentares específicas (em termos de qual 
animal pode ser comido) são muito semelhantes às do Antigo Testamento, como a que proíbe 
a carne do porco. De modo geral, o sangue e, portanto o animal que não foi sangrado ao ser 
morto, o porco, bebidas alcoólicas, burro, certos répteis são considerados animais impuros, 
por conseguinte, são proibidos. As carnes que não foram sacrificadas a qualquer um que não 
seja Alá, são terminantemente proibidas. Os peixes são permitidos na dieta. 
 Bebidas e Jogos. Bebidas e jogos são colocados no mesmo patamar de proibições dos 
alimentos. Mesmo assim, no caso dos jogos, caso o fiel o faça, deverá abster-se de gastar o 
necessário para sua vida e de sua família, podendo gastar somente o supérfluo. 
 Usurpação e Suborno. Há no Alcorão a previsão de proibição de suborno a Juízes, 
principalmente para, através deste, apropriar-se de bens alheios. Sura 234: “Não usurpeis os 
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bens uns dos outros por meios ilícitos, e não os empregueis para subornar os juízes e apoderar-
vos, intencional ou injustamente, de bens alheios”. 
 Peregrinações e condições. A peregrinação é considerada um grande ‘perdão’ que sendo 
bem feita, pode proporcionar a remissão dos pecados. Todo muçulmano adulto, livre que 
disponha de recursos necessários para a viagem sem prejudicar a vida da família, tem a 
obrigação de efetuar a peregrinação. A peregrinação é a visita a Meca pelo menos uma vez na 
vida. As mulheres muçulmanas, desde que acompanhadas, deve também fazer a peregrinação. 
Detalhes interessantes: deve ser feita a peregrinação no mês sagrado, fora dele, a visita não é 
considerada ‘perdão’. Quem fizer a peregrinação, deve abster-se da cópula (relacionamento 
sexual), da depravação e de brigas. 
 Casamento. O casamento é base da formação da célula muçulmana. Assim, para os 
islâmicos estar casado é situação considerada normal para homens e mulheres. Há uma 
tradição que afirma que Maomé teria dito que “ o casamento é a metade da religião”. Sendo 
assim, o casamento é feito em 2 etapas.Primeiro as famílias interferem diretamente no 
casamento, pois a união é vista como união de famílias e não somente dos nubentes. 
Escolhidos os noivos, o pai da noiva ou parente masculino assina um contrato com o marido, 
onde estão estipulados questões materiais, como o dote e presentes para a noiva. Uma vez 
assinado os cônjuges estão legalmente casados, a ruptura do contrato é igualada ao divórcio. 
Contudo, pela tradição islâmica a consumação do casamento é a etapa mais celebrada com 
comemorações festivas, pois o casamento só se efetiva com a relação sexual entre os cônjuges 
e com o atestado de virgindade da esposa que é exposto por um pano com sangue derivado 
do defloramento e mostrado aos convidados. Para os islâmicos é terminantemente proibido o 
casamento com não muçulmanos. Há também a figura o “casamento temporário” ou desfrute 
(mut’a) aceito pelos xiitas e considerado ilícito pelos sunitas. O casamento entre adúlteros é 
permitido somente entre eles, ou seja, uma pessoa não adúltera não pode se casar com uma 
adúltera, somente um homem adúltero pode se casar com uma mulher adúltera. Aos 
adúlteros também é permitido o casamento com pessoas não muçulmanas. Há proibição do 
casamento com mulheres casadas, mas é lícito às mulheres escravas. Estas, entretanto, devem 
ser tratadas com respeito e não apenas para satisfação sexual. 
 Poligamia. O Alcorão abre a possibilidade de um homem se casar com várias mulheres. 
Mas hoje, nos países islâmicos, a regras contém algumas condições: primeiro que o número de 
esposas não ultrapasse 4 e este mesmo homem tenha condições financeiras de arcar com 
todas as mulheres e familiares e segundo, que o marido trate a todas as esposas com 
equidade, sem favorecer nenhuma. Além das esposas, é possível aos homens ter concubinas, 
principalmente escravas. Maomé após a morte de Khadija teve várias esposas, isso deriva 
resquícios no Alcorão perpetuando a ideia de que os varões necessitavam de privilégios 
sexuais superiores aos das mulheres, o que também permitia através da poligamia que todas 
as mulheres se casassem. 
 Mulheres. As mulheres são subestimadas pelo Alcorão. Servem para o casamento e 
toda sua vida deve ser dedicada à família e aos filhos. Devem ser puras, submissas e estão à 
mercê da vontade masculina em vários casos. A razão utilizada para este argumento no 
Alcorão é que “superioridade masculina” foi dada por Alá aos homens e o fato destes serem 
provedores delas. As mulheres devem ser recatadas, virgens até o casamento e ter 
moralmente um comportamento discreto. Não podem exibir o corpo e em alguns países há 
obrigação do uso do véu. Mas essa é uma questão controversa, pois atualmente em alguns 
países muçulmanos só há obrigação do uso do véu em público e em outros, não há mais essa 
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obrigação. Os olhos são permitidos de serem vistos, qualquer que seja a vestimenta. A mulher 
menstruada é considerada impura e deve ser evitada. 
 Adultério. O adultério é considerado falta grave no Alcorão, mas é não é expresso 
nitidamente sobre as consequências. Há possibilidade de perdão, mas ao mesmo tempo 
contém penas severas e castigo em público perante as testemunhas. Se uma mulher for 
considerada adúltera deve haver pelo menos 4 testemunhas, se não houver, deve ser feito um 
juramento sobre o Alcorão sob pena de cometimento de pecado do mesmo peso. Depende 
muito da interpretação do caso concreto. 
 Divórcio. A palavra árabe para divórcio é repúdio, mais especificamente “mandar 
embora, ou devolução”. O homem tem primazia nesse direito, e para isso, não é necessário 
que ele preste contas a ninguém de seu ato, embora isso vá abalar as condições das famílias. 
Para a mulher só cabe essa iniciativa se houver no contrato de casamento a explicitação desse 
direito e se isso for permitido na sociedade jurídica onde ela viva. O Alcorão não vê com bons 
olhos o repúdio, e por isso incentiva a reconciliação. Dá um prazo de 4 meses para que o 
divórcio se torne definitivo e também se tenha certeza que a mulher não esteja grávida. A 
mulher repudiada pode se casar novamente, mas deve esperar alguns meses. Se a mulher 
repudiada estiver livre, pode ser retomada pelo marido, mas ao repudiar a mesma por 3 vezes, 
não poderá retomá-la antes que ela se case com outro e se divorcie deste. Após o divórcio se a 
mulher estiver grávida o marido deve sustentá-la, e em grande parte dos casos, ela recebe a 
integralidade de seu dote. Se ela já possuir filhos, só ficam com ela, os filhos menores até 7 
anos de idade, após essa idade, devem ser entregues ao ex marido. Mas nesse caso, para que 
os filhos menores permaneçam com a mulher essa deve ser considerada honrada. 
 Testamento e Herança. O testamento é previsto no Alcorão. Está indicado na lei 
muçulmana que a herança pode ser dividida em 2 partes: a primeira e mais importante é 
automaticamente partilhada entre os herdeiros e a outra parte pode ser deixada em 
testamento. Filhas recebem menos que os filhos, mães recebem menos que os pais e irmãos 
recebem mais que irmãs. 
 Viúvas. As viúvas devem ter proteção após a morte do marido, entretanto, para o 
Alcorão o sustento que deve ser dado à viúva não deve ser vitalício. E ela não pode se casar 
antes do prazo de 4 meses. 
 Órfãos. É permitido o cuidado aos órfãos, porém, com restrições entre os bens 
particulares e os dos órfãos. Sura 276: “Acerca deste mundo e do outro. E interrogar-te-ão 
sobre os órfãos. Responde: Cuidar deles num espírito de justiça é o melhor. Se misturardes seus 
negócios com os vossos, lembrai-vos de que eles são vossos irmãos. Deus distingue o bom do 
malvado; e se Ele quisesse, sobrecarregar-vos-ia. Alá é poderoso e sábio”. Sura 277: “ E daí ao 
órfão o que lhe pertence e não substituas o bom pelo ruim. E não junteis seus bens aos vossos. 
Cometeríeis grave delito”. 
 Adoção. No caso de adoção o adotivo permanece com o nome dos pais biológicos. Um 
órfão não precisa ser adotado para ser sustentado. Já alguém adotado goza de mais direitos 
que os órfãos. 
 Moral Sexual e Celibato. O celibato pelo Alcorão não é bem visto, vez que para este, 
todos devem se casar. Já a moral sexual é rígida principalmente para as mulheres, aos homens 
também, inclusive com jejum, mas o mais importante é o nome da família que está em jogo, 
portanto, os abusos podem ser apenados. As servas não podem ser prostituídas por seus 
donos. 
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 Privilégios do Profeta. Maomé não foi somente um líder espiritual, foi também líder 
político. Assim sendo, gozou de prerrogativas exclusivas. Teve mais de 4 esposas, divorciou-se 
mais vezes que qualquer muçulmano, teve quantas mulheres desejou e estas depois de 
tocadas pelo profeta não puderam mais se casar nem ter outro relacionamento com outro 
homem, viveu conforme seus ensinamentos mas era visto como instrumento de Deus, 
portanto, tinha mais regalias, inclusive de ordem material também. 
Excetuando-se questões diárias muito interessantes contidas no Alcorão, esse documento tem 
uma mensagem muito simples: ele anuncia o juízo final e o que um bom fiel deve fazer para 
evitar as ameaças do fogo eterno. Mas mesmo nesse sentido, o Alcorão tem dois momentos 
específicos, as mais antigas tradições insistiam em questões relativas à justiça social, pouco 
depois as ameaças objetiva àqueles que ameaçam ou rejeitam Alá ou não aceitam Maomé 
como profeta e líder religioso e político do Islã. 
 
4- Outras Fontes do Direito Islâmico 
 
 Outras fontes do Direito Islâmico: além do Alcorão, são consideradas fontes do direito 
muçulmano: as Sunas (tradições orais relativas ao profeta, sua vida e suas decisões), os Idjmâ 
(acordo unânime da sociedade, ou especialistas/ doutores de áreas) e os Qiyâs (que trata de 
outras questões fora do Alcorão e são resolvidas em sua maioria pelo raciocínio baseado na 
analogia). 
 
5- ConsideraçõesFinais sobre direito islâmico. 
 
 Modernamente, podemos dizer que o direito islâmico sofre de certas mutações locais. 
Isso porque, a ocidentalização do direito islâmico tem repercussões sociais em diversas 
localidades dos adeptos do islamismo. Na realidade a gama de mutações são apenas 
adaptações locais aos ensinamentos do Alcorão e suas fontes. Numerosos Estados de 
população muçulmana continuam a afirmar nas suas leis e em muitas de suas constituições a 
sua ligação com os princípios do Islã. Por exemplo, essa submissão pela Constituição se dá nos 
países como Marrocos, Tunísia, Síria, República Árabe do Iêmen, Códigos Civis do Egito, 
Afeganistão, Irã, Paquistão Mauritânia. Mas em cada um desses países, as lacunas jurídicas 
existentes são preenchidas com os princípios do direito muçulmano. Portanto, depende da 
realidade local da adaptação (a tradição desses países é diferente entre si), mas muitos dos 
princípios iniciais desde a época do Profeta continuam intocáveis.

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