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O papel da mulher na família e na sociedade islâmica

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Bruna Saraiva da Rocha
O papel da mulher na família e na sociedade islâmica
Brasília/DF
2020
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo de estudo delinear de maneira acessível o papel da mulher no núcleo familiar e na atual sociedade, dentro de seus deveres, direitos e limitações tendo como base os preceitos do Islã.
O ocidente apresenta um grande preconceito contra o Islã como um todo e em grande parte repudia a maneira como as mulheres vivem e são tratadas, contudo este é um pensamento insensato e mal construído.
A seguir será descrito o real papel da figura feminina no Islã, desde o seu surgimento até os dias atuais, contrapondo o pensamento de maioria ocidental acerca do tema.
	
2. A MULHER E O ISLÃ
2.1. Muhammad e o surgimento do islamismo
Primeiramente, para entender as especificidades dentro do islã é de extrema importância que haja um básica introdução quanto a sua história e seus princípios norteadores. 
No início do século VII, em um ambiente de guerra e desentendimentos na Arábia, coexistiam diversos povos juntos, a maioria politeístas, sem nenhuma união religiosa ou governamental única entre eles. Neste conturbado contexto, surgiu o Islã e sua disseminação se deu por meio de Muhammad ibn Abdallah.
Muhammad ibn Abdallah nasceu em 570 d.C. em Meca, órfão desde os oito anos de idade, foi educado por seu tio Abu Taled da tribo Coraixitas – a tribo dominante me Meca na época - formada por comerciantes e guardiões de Caaba. Entorno dos 25 anos o profeta casou-se com uma viúva rica chamada Khadija, com quem teve quatro filhas e dois filhos. Historiadores pressupõem que foi durante caravanas comerciais que o profeta entrou em contato com o cristianismo e o judaísmo. [footnoteRef:1] [1: NETTO, Júlia da Cunha. O papel social e religioso da mulher no islã. Juiz de Fora, 2018.] 
Em 610, aos 40 anos, no decorrer de um longo retiro em uma gruta no monte Hira, Muhammad recebeu a primeira revelação de Alá, o Deus único, por meio do Arcanjo Gabriel,[footnoteRef:2] momento em que lhe foi recitado os primeiros ensinamentos. As aparições duraram cerca de 23 anos e todas as orientações foram reunidas no Alcorão. [2: BARBOSA DOS SANTOS, Mila Clitia. Islã: direitos e deveres da mulher mulçumana e o feminismo islâmico como forma de libertação da posição subalterna. Juiz de Fora, 2018.] 
Incialmente, a religião possuía poucos seguidores, contudo com o tempo o Islã se espalhou rapidamente, tornando-se uma religião de forte aceitação e obediência aos ensinamentos de Deus, o único. O Alcorão é a fonte primária de conhecimento, versando sobre Deus, adorações, doutrinas, transações, lei, ideais de uma sociedade justa, condutas aceitáveis e até mesmo um sistema econômico ideal[footnoteRef:3]. [3: I. A. Ibrahim, Um Breve Guia Ilustrado Para Compreender o Islã.] 
2.2. Os princípios fundamentais
O Islã é um sistema completo que dita tanto quanto a correta conduta humana e sua fé quanto a ideal concepção de Estado.	Assim, pode extrair quatro principais direitos fundamentais: direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade.
O direito à vida no Islã trata da integridade física e moral do ser humano, sendo sagrada a vida, a honra e a reputação. [footnoteRef:4] Percebe-se, dessa forma, a equivocada insinuação de incentivo a morte que fazem ao Islã devido a ignorância de muitos, visto que a religião trata o direito à vida como algo inviolável. [4: CASTRO VIEIRA, Danilo Porfírio de. Ação universalista norte-americana e o desenvolvimento do terrorismo contemporâneo. Araraquara, 2018.] 
O direito à liberdade é um direito individual dado ao homem por Deus, assim, liberto para cumprir suas vontades desde que não afrontem os ensinamentos dados por Deus. Ainda, além de agir para o devido cumprimento das Leis de Deus deve conduzir-se também para o bom funcionamento da sociedade.[footnoteRef:5] [5: Idem.] 
O direito à propriedade assegura que todo homem tem direito a possuir bens e deles cuidar, estando sujeito, assim como o direito à liberdade, ao adequado funcionamento da sociedade. No Islã, a propriedade, como forma de riqueza, não deve funcionar como um diferencial social opressor[footnoteRef:6], devendo sempre haver respeito e honestidade nas relações pessoais até mesmo jurídicas, uma vez que a fé e o Estado não se distanciam. [6: Idem] 
Por fim, o direito à igualdade no Islã é concreto e preciso, fundamenta-se que todos são iguais perante o Deus único. Por tanto, ao contrário do que muitos desconhecedores pesam, não existe uma subordinação entre homem e mulher, há uma paridade entre eles.
2.3. A mulher no Islã
	Existe um grande alvoroço no que cerca os direitos e deveres da mulher no Islã, construindo-se uma crença ocidental de que deve haver um “salvamento” das mulheres injustiçadas, censuradas, ridicularizadas pela sociedade islâmica. Entretanto, este pensamento é equivocado e superficial.
	É verdade que muitas mulheres no oriente sofrem com rituais arcaicos e abusivos, como por exemplo, a mutilação genital feminina – o corte ou remoção dos lábios e do clitóris -, a obrigatoriedade de casarem com quem lhes for ordenado ou atos ligados a violência psicológica. Entretanto, nenhuma dessas condutas está relacionada com o Islã, mas sim com costumes patriarcais pré-existentes aos Islã[footnoteRef:7] ou leituras deturpadas deste. Trata-se de ações contrárias ao que o Alcorão realmente reflete, violando o direito à honra, integridade e reputação – o direito à vida - dos por Alá. [7: Idem.] 
	No Islã, a mulher é vista como um ser independente possuindo direito de pensar e agir por si própria. Além disso, dispõe do direito de ter e gerenciar suas propriedade e seus ganhos sem a intervenção de terceiros (pai, marido ou outra pessoa), inclusive sendo seu dote – dinheiro dado pelo noivo para noiva – de uso pessoal. [footnoteRef:8] [8: I. A. Ibrahim, Um Breve Guia Ilustrado Para Compreender o Islã.] 
	O Profeta Muhammad, de acordo com Karen Armstrong, tratava suas esposas com ternura, dando espaço para suas opiniões individuais, chegava a auxilia-las na organização do lar se fosse preciso e dava extrema importância a presença de cada uma delas, sendo várias destas participantes ativas da vida política da comunidade.[footnoteRef:9] Observa-se que o que realmente foi passado para o Islã é uma cultura de harmonia e respeito mútuo e igualitário entre um homem e uma mulher. [9: BARBOSA DOS SANTOS, Mila Clitia. Islã: direitos e deveres da mulher mulçumana e o feminismo islâmico como forma de libertação da posição subalterna. Juiz de Fora, 2018.
] 
	Um tema muito polêmico e discutido versa sobre os trajes femininos, conhecidos genericamente como “as burcas”. O Alcorão orienta que tanto homens quanto mulheres vistam-se com certa discrição, no geral, recomenda-se estarem ocultos os ombros, o colo, os braços e as pernas. Há, contudo, tradições, por exemplo, cobrir o cabelo, que estão mais ligadas com a política adotada por determinados países do que com a religião em si. [footnoteRef:10] [10: PEREIRA DA COSTA, Jéssica. O Islã, os mulçumanos e seus conceitos. Caxias do Sul – 2016.] 
	A origem do véu tem como ponto inicial o momento de transição entre os valores pré-islâmicos e os apresentados pelo Profeta Muhammad. O véu se transformou em uma forma de identificação das mulheres que seguiam Alá devendo ser respeitadas e honradas – servindo até mesmo como uma segurança. Com o tempo, tornou-se uma afirmação da identidade feminina no Islã.[footnoteRef:11] Este assunto continuará a gerar polêmicas em que de um lado existiram os que defendem a utilização desses trajes por cultura e religião e outro discordante que trata essas vestes como uma forma de opressão. [11: CASTRO VIEIRA, Danilo Porfírio de. Ação universalista norte-americana e o desenvolvimento do terrorismo contemporâneo. Araraquara, 2018.] 
2.3.1. A mulher e o núcleo familiar
	A família é um dos pilares mais fundamentais do Islã, motivo pelo qual tantas leis versam sobre o núcleo familiar. A mulher tem um grande papel dentroda família, é considerada como a dona, organizadora e educadora da casa, responsável por cuidar do lar como um todo e educar os filhos, garantindo a ordem e o equilíbrio em um lugar tão sagrado. 
Logo, a figura materna no Islã acaba por ser extremamente respeitada e honrada por todos, sendo mais merecedora do melhor companheirismo do que a figura masculina, o pai.
As mulheres no Islã, sem interferências de culturas patriarcais, não é obrigada a casar com quem não deseja, contudo existem requisitos para um bem sucedido casamento. Primeiramente, o homem deve ser tradicionalmente mulçumano - garantindo assim a criação dos filhos na religião Islâmica -, deve estar apto para sustentar sua esposa financeiramente, e por fim ambos devem ser virgens e sexualmente maduros.[footnoteRef:12] [12: juju] 
O casal é responsável pela criação adequada dos filhos, todavia com níveis diferentes de responsabilidade. Devendo o homem deve tratar sua esposa com ternura e respeito e vice versa.
A poligamia é permitida para os homens de acordo com o Alcorão, no entanto o número não deve ultrapassar quatro e a condição financeira deve ser igual para todas. Independentemente da idade ou de ordem cronológica das uniões, as esposas devem ser tratadas o mais igualitariamente possível respeitando suas vontades – até impedir que o marido tenha outra esposa.
O Islã condena explicitamente o adultério, considerado um crime punido severamente desde receber 100 chibatadas até a morte por apedrejamento, recebendo 80 chibatadas aquele que acusar falsamente.
Ainda, os métodos contraceptivos, mesmo ainda que não aceitos pelos mais conservadores, é permitido no Islã, assim como o aborto até antes do quarto mês de gestação, quando passa a ser considerado assassinato.[footnoteRef:13] A mulher também tem direito a receber uma herança, porém trata-se de metade do valor dado ao filho, visto que este precisará sustentar sua esposa e filhos – na prática essa regra é aplicada em 16,33% dos casos.[footnoteRef:14] [13: NETTO, Júlia da Cunha. O papel social e religioso da mulher no islã. Juiz de Fora, 2018.] [14: Aïcha El Hajjami. A condição das mulheres no Islã: a questão da igualdade.Campinas, 2008.] 
Por fim, o Islã prevê e aceita – repudiando - o divórcio, a mulher tem o direito de pleitear o divórcio, nesta situação haverá uma tentativa de reconciliação por meio de mediadores, caso não funcione a autoridade judicial pede que o marido aceite o divórcio ou faz a dissolução do casamento. Na hipótese do marido solicitar o divórcio, ele ficará responsável por determinados benefícios da ex esposa.[footnoteRef:15] [15: CASTRO VIEIRA, Danilo Porfírio de. Ação universalista norte-americana e o desenvolvimento do terrorismo contemporâneo. Araraquara, 2018.] 
É evidente a importância da mulher no Islã visto a quantidade de leis criadas para garantir sua integridade como ser individual a ser respeitado e honrado. Contudo, não há como negar que diversas mulheres sofrem abusos físicos e psicológicos por parte de seus maridos, inúmeros direitos lhes são negados como se nunca houvessem existido. Por isso, a de se diferenciar a crença da prática, o Alcorão em si das intromissões patriarcais e abusivas juntamente com interpretações distorcidas.
2.3.2. A mulher na sociedade
Inicialmente, as mulheres eram vistas apenas como reprodutoras e organizadoras, entretanto, com o tempo elas lutaram cada vez mais por seu espaço e sua individualidade trazendo para a realidade o que dispõe o Alcorão, pois como visto anteriormente as esposas do Profeta além de cuidarem do lar também participavam politicamente da sociedade. 
Devido a mudanças políticas, sociais e econômicas a finalmente conseguiu acessar áreas da vida em sociedade que antes lhes eram restringidas - não pelo Islã – como a educação, a política e o mercado de trabalho.
Outro motivo para este triunfo foram os movimentos pelos direitos das mulheres conforme alega Monshipouri:
As feministas no mundo muçulmano, como em outros lugares, são diferentes entre si e representam vários pontos de vista. Conscientes de sua identidade e de seus direitos, bem como de seu papel na história, muitas mulheres muçulmanas tornaram-se grandes entusiastas da globalização. E um contexto globalizado definido por problemas comuns e por modelos compartilhados, assim como por identidades e vínculos transnacionais, o principal papel das será o de moldar os termos e estabelecer as condições sob as quais se deverá agir contra a discriminação e se irá defender a elaboração de reformas sociais e legais.[footnoteRef:16] [16: MONSHIPOURI,1998, apud LONARDONI, Adalgisa da Luz; PRIORI, Claudia. Mulheres muçulmanas: as representações sociais e simbólicas sob a ótica de profissionais da educação. Paraná, 2016.] 
 
Apesar do número de mulheres educadas, infelizmente, as oportunidades no mercado de trabalho ainda são muito reduzidas e limitadas, ainda mais em países de reclusão total de mulheres. 
Em relação a religiosidade, homens e mulheres possuem os mesmos direitos e deveres religiosos, entretanto, devido a visão errônea de determinados homens, influenciados por costumes de sociedades patriarcais, as mulheres ficam em locais separados das mesquitas e não possuem permissão para liderar uma congregação em oração caso haja um homem presente no local. [footnoteRef:17] [17: NETTO, Júlia da Cunha. O papel social e religioso da mulher no islã. Juiz de Fora, 2018.] 
3. CONCLUSÃO
Percebe-se que, ao contrário do que muitos no ocidente pensam, a mulher no Islã possui inúmeros direitos garantidores de igualdade e de integridade física e moral da mulher. A figura feminina no Islã é reconhecida como um ser individual digno de respeito e honra. 
Por meio desta pesquisa compreende-se que a mulher no Islã possui direitos e deveres a serem seguidos e executados, entretanto com o passar do tempo alguns direitos foram cada vez mais distorcidos ou proibidos a estas como se nunca tivessem existido. 
Conclui-se que o principal problema não são os princípios do Islã, mas sim a prática distorcida e infectada por pensamentos patriarcais da religião, igual a muitas religiões ao redor do mundo. 
Da mesma maneira, recentemente, as mulheres apresentaram-se mais ativas na sociedade na tentativa de eliminar estas injustiças participando do mercado de trabalho, ainda carente, e da vida política.
BIBLIOGRAFIA
Aïcha El Hajjami. A condição das mulheres no Islã: a questão da igualdade. Cad. Pagu  n.30 Campinas jan./jun. 2008. versão impressa ISSN 0104-8333versão On-line ISSN 1809-4449.
BARBOSA DOS SANTOS, Mila Clitia. Islã: direitos e deveres da mulher mulçumana e o feminismo islâmico como forma de libertação da posição subalterna. Artigo acadêmico apresentado ao Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob orientação de Maria Cecília dos Santos Ribeiro Simões. Juiz de Fora. 2018.
CASTRO VIEIRA, Danilo Porfírio de. Ação universalista norte-americana e o desenvolvimento do terrorismo contemporâneo. Tese de Doutorado, apresentado ao Conselho, Departamento, Programa de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp. ARARAQUARA – S.P. 2018
I. A. Ibrahim, Um Breve Guia Ilustrado Para Compreender o Islã. ISBN: 9960-34-011-2 Library of Congress Catalog Card Number: 97-67654 Publicado por Darussalam, Publishers and Distributors, Houston, Texas, USA. Tradução por: Maria Christina da S. Moreira.
NETTO, Júlia da Cunha. O papel social e religioso da mulher no islã. Artigo acadêmico apresentado ao Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob orientação de Maria Cecília dos Santos Ribeiro Simões. Juiz de Fora. 2018.
PEREIRA DA COSTA, Jéssica. O Islã, os mulçumanos e seus conceitos. Programa de Pós graduação em História – Mestrado Profissional. Sob orientação da Profª Drª Cristine Fortes Lia. Caxias do Sul - 2016
LONARDONI, Adalgisa da Luz; PRIORI, Claudia. Mulheres muçulmanas: as representações sociais e simbólicas sob a ótica de profissionais da educação. Os desafios daescola pública paranaense na perspectiva do professor. Volume I. Versão Online.ISBN 978-85-8015-093-3. Paraná. 2016

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