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1 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann ESTABILIDADE DE ENCOSTAS E TALUDES 1. MOVIMENTOS GRAVITACIONAIS DE MASSA 1.1. Introdução Em todo o planeta, vales em regiões montanhosas têm experimentado um acelerado processo de ocupação como resultado do crescimento populacional, e consequentemente uma crescente demanda de áreas para ocupação urbana, agricultura e mineração (TURNER e JAYAPRAKASH, 1996). Essas áreas, no entanto, são frequentemente palco de instabilidades de encosta. Assim, movimentos gravitacionais de massa vêm sendo ao longo do tempo objeto de extensos estudos por parte de muitas áreas da ciência, tais como geologia, geografia e geotecnia, visto a necessidade cada vez maior de um entendimento acerca das causas e mecanismos destes processos. Na literatura internacional é habitual a utilização do termo landslide para descrever movimentações de solo e/ou rocha que ocorrem na superfície do planeta. Landslides podem ser definidos como movimentos de solo ou rocha que envolvem deformações cisalhantes ao longo de uma ou várias superfícies de ruptura, que podem ser visíveis ou podem ser razoavelmente inferidas (VARNES, 1978). Já Bromhead (1995) define landslides como sendo movimentos de solos e rochas sob influência da gravidade. O termo landslides pode ser traduzido como “movimentos gravitacionais de massa” para descrever esses processos. Movimentos gravitacionais de massa tem sido objeto de amplos estudos em todo o planeta, não apenas por sua importância como agentes atuantes na evolução das formas de relevo, mas também em função de suas implicações práticas e de sua importância do ponto de vista econômico (GUIDICINI e NIEBLE, 1984). De acordo com Schuster (1996), movimentos gravitacionais de massa constituem o maior elemento de movimentação de massa nos continentes. Ao longo do tempo, estes processos contribuem na estabilização de terrenos, formando áreas propícias à prática agrícola e habitação. No entanto, em curto prazo torna-se difícil enxergar os benefícios advindos dos movimentos gravitacionais de massa, sendo mais frequentemente tratados como desastres naturais. Conforme ressaltado por Turner e Jayaprakash (1996), em muitas regiões grandes movimentos gravitacionais de massa são pouco frequentes, e seu tempo de recorrência é longo, se comparado ao tempo de vida humana, o que acaba por gerar uma falsa sensação de segurança em relação aos perigos desses movimentos. No entanto, os movimentos gravitacionais de massa vêm se tornando cada vez mais comuns e de maior magnitude. Segundo Schuster (1996), os fatores causadores desta elevação no número e gravidade destes episódios são: 2 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Urbanização crescente e necessidade de ocupação de áreas suscetíveis a instabilidades; Contínuo desmatamento de áreas propensas a instabilidades; Aumento dos volumes precipitados em algumas regiões, em função de mudanças climáticas. Os passivos ambientais, como antigas áreas de extração de madeira e estradas abandonadas, também são fatores que contribuem para o aumento de casos de instabilidade. Além dos riscos à vida humana, os prejuízos causados por movimentos gravitacionais de massa podem ser desastrosos. Além dos custos diretos, como reconstrução e reparo dos danos causados Schuster (1996) lista custos indiretos que podem inclusive exceder os custos diretos, mas que muitas vezes não são levados em conta, como: Perdas de produtividade agrícola e industrial e nas atividades turísticas como resultado dos danos às terras e fábricas, ou interrupção dos sistemas de transporte; Redução do valor imobiliário das terras ameaçadas por movimentos gravitacionais de massa e perdas nos impostos, por desvalorização das propriedades em áreas de risco; Necessidade de adoção de medidas para prevenir ou mitigar danos por outras instabilidades; Danos na qualidade da água em córregos e sistemas de irrigação; Perda de produtividade humana e animal, por ferimentos, mortes ou traumas psicológicos; Ocorrência de desastres naturais decorrentes de movimentos gravitacionais de massa, tais como inundações, por exemplo. No Brasil as atividades de engenharia geotécnica associadas à estabilidade de encostas são normatizadas pela ABNT NBR 11682/2009. Além desta, diversas outras normas são úteis à solução de problemas de estabilidade de encostas, como por exemplo: ABNT NBR 8044/1983 - Projeto geotécnico; ABNT NBR 6502/1995 - Rochas e solos; ABNT NBR 9061/1985 - Segurança de escavação a céu aberto, entre tantas outras. 1.2. Nomenclatura e metodologias de classificação dos movimentos gravitacionais de massa. Inicialmente é possível fazer uma distinção entre taludes e encostas. As encostas são os taludes ditos naturais, onde a ruptura se dá principalmente dentro de uma topografia/geologia predominantemente natural. Os taludes são as conformações topográficas geradas por cortes ou aterros executados pelo homem (BRESSANI, 2007). Naturalmente existem situações intermediárias entre estas duas que devem ser abordadas de forma coerente. 3 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann A terminologia para designação dos elementos de caracterização de um escorregamento está indicada na Figura 1. Figura 1. Nomenclatura empregada em estabilidade de encostas. A classificação dos movimentos gravitacionais de massa é importante, primeiramente, para a definição e estruturação deste campo de estudos, e em segundo lugar, no sentido de facilitar o intercâmbio de ideias, desenvolvendo, na medida do possível, uma terminologia clara e consensual (HUTCHINSON, 1988). Os movimentos gravitacionais de massa são processos complexos. Esta condição resultou no surgimento de muitos critérios de classificação baseados nas diversas variáveis que atuam no fenômeno. Entre muitas classificações desenvolvidas, com aplicabilidade geral ou de cunho regional, a metodologia proposta por Cruden e Varnes (1996) baseada em Varnes (1978), se tornou uma das mais difundidas e utilizadas. Segundo esta proposta, qualquer movimento gravitacional de massa pode ser classificado e descrito por dois termos, onde o primeiro indica o material envolvido (solo, rocha, ou detritos) e o segundo o tipo de movimento (queda, tombamento, deslizamento, escoamento, fluxo). No caso de múltiplos movimentos estes termos são repetidos quantas vezes forem necessárias. Os autores sugerem ainda uma complementação a esta classificação, que a torna mais elaborada, através da adição de outros termos à descrição do movimento. Assim, antecedendo os dois termos (material e tipo de movimento) pode-se ter uma caracterização da atividade do movimento em termos de estado, distribuição e estilo, seguido por descrição do movimento em si, em termos de velocidade e teor de umidade, e aí então incluir o material envolvido e o 4 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann tipo do movimento. A Tabela 1 apresenta os termos utilizados nesta nomenclatura, conforme a seqüência recomendada por Cruden e Varnes (1996. Tabela 1. Glossário para nomenclatura dos movimentos gravitacionais de massa (modificado de CRUDEN e VARNES, 1996). Atividade Estado Distribuição Estilo Ativo Em avanço Complexo Reativado Retrogressivo Composto Suspenso Com alargamento Múltiplo Inativo Com ampliação Sucessivo Dormente Confinado Simples Abandonado Com diminuição Estabilizado Em movimento Reliquiar Descrição do movimento Velocidade Teor de umidade Material Tipo Extremamente rápido Seco Rocha Queda Muito rápido Úmido Solo Tombamento Rápido Encharcado Terra Deslizamento Moderado Muito encharcado Detritos Escoamento Lento Fluxo/corrida Muito lento Extremamente lento O tipo de movimento é um dos principais critérios para classificação dos movimentos gravitacionaisde massa. As descrições destes tipos, feitas a seguir, baseadas em Cruden e Varnes (1996), são igualmente válidas para outras metodologias, já que se referem, de forma geral, às mesmas cinemáticas de movimento. As quedas ocorrem quando uma porção de solo ou rocha se desprende do maciço (Figura 2-a). Durante a queda o material viaja pelo ar e o movimento é muito rápido ou extremamente rápido. O tombamento caracteriza-se pela rotação de um bloco de solo ou rocha sobre um eixo localizado abaixo de seu ponto de gravidade, atingindo desde velocidades extremamente lentas a extremamente rápidas (Figura 2-b). Este movimento é causado pela elevação dos níveis de poropressão em fraturas e descontinuidades ou pelo peso do material anteriormente localizado acima da massa movimentada. Os deslizamentos são movimentos descendentes de solo ou rocha, relativamente rápidos, que ocorrem predominantemente em superfícies de ruptura ou em zonas pouco espessas, onde se concentram intensas deformações cisalhantes. Os deslizamentos podem ser translacionais ou rotacionais, basicamente. 5 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Figura 2. Principais tipos de movimento gravitacionais de massa. a) queda; b) tombamento; c) deslizamento rotacional; d) deslizamento translacional; e) escoamento; f) fluxo ou corrida (modificado de HIGHLAND e BOBROWSKY, 2008). Os deslizamentos rotacionais ocorrem através de uma superfície de deslizamento curva e côncava, sendo predominantes em materiais homogêneos (Figura 2-c). Por outro lado, nos deslizamentos translacionais (Figura 2-d) o material se desloca por sobre uma superfície de ruptura planar ou ondulada, sendo geralmente movimentos mais rasos que os rotacionais. Esta superfície de ruptura normalmente se localiza em descontinuidades do maciço ou na interface entre solo e rocha. Escoamentos são movimentos complexos. Quando uma massa de solo coesivo ou rocha está localizada sobre um material mais frágil, esta se torna bastante fraturada. O solo ou rocha fraturada pode então sofrer movimentos de subsidência, rotação e translação sobre o material menos resistente, até que se desintegre, ao passo que o material subjacente flui de 6 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann forma ascendente através das fraturas (Figura 2-e). Estes movimentos são extremamente lentos e podem se desenvolver por muitos quilômetros. O fluxo ou corrida é caracterizado como um movimento espacialmente contínuo sem uma superfície de cisalhamento bem preservada. O material se desloca de forma semelhante a um líquido viscoso, estando a velocidade do movimento ligada diretamente à quantidade de água contida na massa. Estes movimentos normalmente incidem sobre detritos (debris), que quando em contato com muita água e situados em taludes mais íngremes, evoluem para corridas rápidas ou avalanches, podendo ser atingidas velocidades da ordem de 100 m/s em casos extremos. O nível de danos causados por movimentos gravitacionais de massa está intimamente ligado à velocidade com que ocorrem. Movimentos envolvendo grandes volumes de solo, mas com baixa velocidade, possibilitam a retirada das pessoas ou até a execução de obras de remediação que permitem o convívio da população com o processo. Por outro lado, movimentos envolvendo pequenos volumes de massa, mas que ocorrem em alta velocidade podem ser destruidores. Além da elevada energia desenvolvida durante o movimento, não há tempo para fuga da população ou adoção de qualquer medida emergencial. Em relação à velocidade do movimento, Cruden e Varnes (1996) apresentam sete classes de velocidade, conforme proposta de Varnes (1978). A Figura 3 apresenta esta divisão feita em função da velocidade dos movimentos e dos danos associadas às classes de velocidade. Figura 3. Escala de velocidade de movimentos gravitacionais de massa (modificado de CRUDEN e VARNES, 1996). 7 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Baseado nas ocorrências de movimentos gravitacionais de massa existentes no País, Augusto Filho (1992) propôs uma classificação com aplicabilidade nacional, na qual divide as instabilidades de encostas em quatro grupos fenomenológicos, em função das características do movimento, dos materiais envolvidos e da sua geometria, de acordo com a Tabela 2. Tabela 2. Classificação de movimentos gravitacionais de massa (AUGUSTO FILHO, 1992). Processos Características do movimento/material/geometria Rastejo (Creep) - vários planos de deslocamento (internos); - velocidades muito baixas a baixas (cm/ano) e decrescentes com a profundidade; - movimentos constantes, sazonais ou intermitentes; - envolvem solos, depósitos, rochas alterada ou fraturada; - geometria indefinida. Deslizamentos (Slides) - poucos planos de deslocamento (externos); - velocidade média (m/h) a alta (m/s); - pequenos e grandes volumes de material; - geometria e materiais variáveis. Planares: Solos pouco espessos, solos e rochas com um plano de fraqueza. Circulares: Solos espessos homogêneos e rochas muito fraturadas. Em cunha: Solos e rochas com dois planos de fraqueza. Quedas (Falls) - sem planos de deslocamento; - movimento em queda livre ou em plano inclinado; - velocidades muito altas (vários m/s); - envolve materiais rochosos em pequenos a médios volumes; - geometria variável (lascas, placas, blocos). Corridas (Flows) - muitas superfícies de deslocamento (internas e externas); - movimento semelhante a um líquido viscoso; - desenvolvimento ao longo das drenagens; - velocidades médias a altas; - envolve solos, rochas, detritos e água em grandes volumes; - extenso raio de alcance, mesmo em áreas planas. 1.3. Causas e condicionantes dos movimentos gravitacionais de massa Os movimentos gravitacionais de massa são processos complexos que envolvem muitas variáveis. Cruden e Varnes (1996) apresentam um checklist das possíveis causas de movimentos gravitacionais de massa. Estas causas podem ser de origem geológica, morfológica, física ou por ação antrópica, conforme apresentado na Tabela 3. 8 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Terzaghi (1950) separou os fatores causadores de movimentos gravitacionais de massa em duas categorias: internos e externos, como mostra a Tabela 4. Sob qualquer uma destas classificações de fatores causadores de movimentos gravitacionais de massa, verifica-se basicamente que estes processos estão associados diretamente à redução da resistência ao cisalhamento ou a um acréscimo das tensões atuantes no material. Tabela 3. Causas de movimentos gravitacionais de massa (modificado de CRUDEN e VARNES, 1996). Geológicas Morfológicas Físicas Antrópicas Materiais frágeis Soerguimento tectônico ou vulcânico Chuvas intensas Escavação de encostas ou modificações geométricas complexas Materiais sensíveis Alívio de tensões por degelo Rápido descongelamento da neve Carregamento de encostas ou de sua crista Materiais intemperizados Erosão fluvial do pé da encosta Precipitações excepcionais prolongadas Esvaziamento rápido de reservatórios Materiais cisalhados Erosão do pé da encosta por ação das ondas do mar Rápido rebaixamento do nível das águas (marés, enchentes) Desmatamento Materiais com juntas ou fissuras Erosão glacial do pé da encosta Terremotos Irrigação Descontinuidade da massa adversamente orientada Erosão das margens laterais Erupção vulcânica Mineração Descontinuidade estrutural adversamente orientada Erosão subterrânea (piping) Degelo Vibrações artificiais Contraste em permeabilidade Carregamento da crista da encosta por deposição Intemperismo por ciclos de gelo e degelo Vazamento em redes de abastecimento de água Contraste em rigidez Remoção da vegetação Intemperismo porciclos de expansão e contração Infiltração de esgotos 9 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Tabela 4. Fatores causadores de movimentos gravitacionais de massa (TERZAGHI, 1950). Fatores externos Mudanças geométricas: cortes ou erosão do pé da encosta, mudança na altura ou inclinação. Carregamento: adição de materiais ou construções na encosta. Descarregamento: erosão ou mudanças na geometria. Choque e vibrações: explosões ou terremotos. Rebaixamento do lençol freático: mudanças nos níveis de lagos e reservatórios. Mudanças no regime de chuvas ou infiltração: desmatamento, mudanças climáticas, uso do solo. Fatores internos Ruptura progressiva Intemperismo Erosão interna Mudança no fluxo de água subterrânea No entanto, os movimentos gravitacionais de massa podem ter muitas causas, mas somente um deflagrador (VARNES, 1978 apud CRUDEN e VARNES, 1996). Os mecanismos deflagradores, ou gatilhos, como são citados na literatura, são por definição um estímulo externo, como chuvas intensas, terremotos, erupções vulcânicas, ondas violentas ou fluxos erosivos intensos, que têm como resultado um quase imediato aumento das tensões ou redução da resistência do material envolvido (CRUDEN e VARNES, 1996). Assim, a associação de predisposições da encosta à ruptura com um mecanismo deflagrador gera a condição necessária para a ocorrência do processo. Logo, qualquer esforço no sentido de se compreender esses processos passa necessariamente pela identificação das características da encosta, que a tornam susceptível à ruptura, e dos fatores que podem levar à deflagração do movimento. Da mesma forma, Guidicini e Nieble (1984), ao estruturarem as causas de movimentos gravitacionais de massa, fazem uma distinção entre: agentes predisponentes, que seriam a associação dos fatores motivadores, preparatórios, e agentes efetivos, que seriam os responsáveis por desencadear o fenômeno. 1.4. Resistência ao cisalhamento operacional A resistência ao cisalhamento dos solos pode variar ao longo do tempo por conta de diversos fatores e como a resistência não é algo imutável, adotou-se o conceito de resistência ao cisalhamento operacional dos solos. 10 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Cabe ao projetista escolher criteriosamente qual é a resistência que terá maior influência no problema a ser estudado. Assim, a resistência operacional não depende apenas do tipo de solo e da profundidade da superfície de ruptura, que são sem dúvida os parâmetros básicos, mas depende também do nível de deformação que a massa de solo já sofreu, da velocidade do carregamento imposto e do tipo de clima que o talude estará submetido durante sua vida útil. A seguir serão abordadas algumas das situações mais importantes relacionadas à instabilidade de encostas. 1.4.1. Resistência não-drenada (Su) Em problemas que envolvem materiais de baixa permeabilidade solicitados em velocidades altas em relação à drenagem esta é a resistência operacional. São conhecidos como problemas de curto prazo já que esta condição geralmente só ocorre durante os primeiros dias/semanas após a construção O exemplo típico desta situação são aterros construídos sobre solos moles (argilas normalmente adensadas saturadas). O comportamento da argila mole em termos de resistência ao longo da construção do aterro pode ser expresso através da Figura 4. Figura 4. Variação do FS e u durante a execução de aterros sobre solos moles sob condição não-drenada. 11 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Ao final do período de construção a poropressão na fundação do aterro terá se elevado ao seu valor mais alto como resultado do carregamento não-drenado imposto (em caso de saturação completa do solo). A partir daí haverá uma dissipação da poropressão no processo usual de adensamento. Á medida que esta pressão de água diminui, ocorre um aumento da tensão efetiva e um aumento da resistência do solo. Desta forma observa-se que o ponto crítico de estabilidade ocorre quando o aterro tem sua maior altura e a resistência ao cisalhamento do solo ainda não aumentou (caso final da construção). A partir deste ponto haverá aumento do FS do aterro contra ruptura geral e para maiores tempos haverá maior resistência. Nesta situação a resistência operacional do solo é Su (o solo opera com parâmetros de resistência não-drenada). 1.4.2. Resistência ao cisalhamento drenada de pico (c’p e φ’p) A resistência de pico ocorre em situações em que os solos sofreram tensões e deformações associadas menores do que máxmas possíveis (solos indeformados) ou solos que ainda não alcançaram a condição de ruptura. Como exemplos desta situação citam-se os cortes recentes em solos saprolíticos. Neste caso o material terá uma resistência ao cisalhamento ainda relativamente alta e as deformações associadas são pequenas, desde que não ultrapassado certo nível médio de tensões cisalhantes que corresponda a pequenas deformações. Isto é alcançado com a adoção de um FS adequado (FS>1,3). 1.4.3. Resistência ao cisalhamento drenada de grandes deformações (c’cv e φ’cv) Esta resistência é definida para uma condição de deformação além do pico, em que há uma pronunciada redução da resistência, e posterior estabilização da mesma sob deformações elevadas (caso típico de materiais arenosos densos), ou em materiais depositados com baixa densidade, como solos fofos. Assim, no caso de taludes em que já tenha ocorrido grandes deslocamentos (caracterizando ou não uma ruptura), esta é a resistência ao cisalhamento a ser adotada. Exemplos que podem ser citados incluem: (i) cortes em colúvios com comportamento granular (siltosos ou arenosos) e (ii) taludes que sofreram deslocamentos, ou rupturas, anteriores. Devido ao seu histórico de formação, os depósitos coluvionares geralmente estão com sua resistência operacional relacionada diretamente a esta condição. É importante realçar que estas rupturas anteriores, que podem ser muito antigas, podem passar despercebidas pela investigação do subsolo ou o solo coluvionar pode ser confundido com o solo saprolítico, 12 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann 1.4.4. Resistência ao cisalhamento residual (φ’r,; c=0) Este é um caso especial muito importante que ocorre em materiais que tem um elevado conteúdo de argila plástica, ou muita mica. A presença destes minerais proporciona o surgimento de uma resistência ao cisalhamento bastante baixa quando existem grandes deslocamentos, a qual é definida pelo ângulo de atrito residual (φ’r). O mecanismo de redução da resistência envolve a orientação de partículas argilosas ou de mica em um arranjo que é denominado deslizante, numa condição drenada. Este fenômeno ocorre em certas em que deslocamentos de taludes (ou outras situações) induzem ao surgimento de grandes deformações cisalhantes localizadas. Este mecanismo é muito importante no caso de taludes coluvionares argilosos das encostas de basalto do RS. 1.4.5. Resistência ao cisalhamento de solos não saturados (φ; c) A resistência ao cisalhamento não-saturada tem importância nos casos em que os solos permanecem não-saturados durante a vida útil do projeto. Isto pode acontecer tanto em virtude do clima com em função de condições especiais de fluxo de água. São casos em que uma parte substancial da resistência disponível é dada pela sucção (poropressão negativa de água). A influência da sucção é muito grande nos solos não-saturados de textura argilosa, qualquer que seja sua origem, podendo ser importante nos solos saprolíticos com grau de saturação 0,3<Sr<0,85. Para graus de saturação maior, a sucção cai fortemente tendo pouca interferência na resistência operacional do talude. 1.5. Solução de problemas de estabilidade de taludes Embora muitos problemas encontrados emobras relacionados com instabilidade de taludes sejam bastante simples, e por isso têm sua solução expedita diariamente elaborada e executada em campo, em muitos casos os fenômenos podem ser bastante complexos. Nesse caso são requeridos procedimentos de investigação e solução que são bem mais elaborados e que demandam mais recursos e tempo. As etapas aqui apresentadas referem-se à solução de problemas de maior porte. Em problemas de menor vulto muitas das etapas descritas podem ser resumidas, realizadas simultaneamente, sem que haja uma estrita sequência pré-definida. O sistema não é rígido, mas ao contrário, deve ser adaptado às condições de cada obra e necessita retro-alimentação (feed-back) de informações para torná-lo mais adequado a cada problema em particular. De forma geral, para a solução de um problema em taludes precisam-se obter informações sobre a topografia da área, o perfil de subsolo, níveis de água, as resistências dos materiais e seus pesos específicos e formas de ruptura existentes ou potenciais. Em todas as etapas, mas em especial durante a concepção da investigação do subsolo, é preciso tentar responder à pergunta: “o que ainda preciso conhecer?” O objetivo final é a obtenção de um 13 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann modelo geomecânico que seja o mais fiel possível ao problema em estudo. É a partir do modelo geomecânico que as soluções poderão ser definidas e verificadas quanto a sua eficiência. 1ª Fase: Estudo inicial de escritório e levantamento de campo Nessa fase são coletadas todas as informações disponíveis sobre o problema: topografia, obras que foram ou estavam sendo feitas, tipos de materiais presentes (dados de projetos, mapas geológicos, informações do pessoal da obra), ocorrência de chuvas, fotografias aéreas, etc. No caso de haver inspeção de campo recomenda-se o uso de máquina fotográfica e caderneta de campo, para que essas informações possam auxiliar na posterior análise de dados. Como em quase todos os problemas geotécnicos, há poucas atividades que sejam mais importantes que uma inspeção a pé do local. Neste caso procura-se obter informações sobre: a) Extensão do movimento b) Tipo de material presente c) Geomorfologia do local d) Trincas de deformações já existentes 2ª Fase: Estudo preliminar de campo (investigações diretas – esboço do modelo geomecânico) Algumas vezes é possível obter em campo informações suficientes para que se esboce um modelo geomecânico preliminar do problema. Certamente que isso dependerá do nível de complexidade do caso estudado e da facilidade na obtenção de informações do subsolo. Por exemplo, nos casos de obras rodoviárias, em que existe uma empresa de terraplanagem com equipamento ainda no local, muitas vezes é possível proceder-se imediatamente ao chamado estudo de campo preliminar: topografia de seções relevantes, sondagens a trado ou trincheiras de investigação executadas com escavadeiras, determinação dos níveis de água por observação ou instalação de medidores de nível de água. Com essas informações deve-se tentar responder a pergunta: “é possível determinar o modo e a extensão do escorregamento que ocorreu?“ ou “é possível definir os limites máximos que uma ruptura poderia abranger?” Se a resposta for afirmativa pode-se iniciar a análise da solução ou do projeto, se for negativa será necessário continuar as investigações e trabalhos como descrito. Em problemas mais simples, uma solução correta pode ser originada de trabalhos de campo bastante expeditos, desde que bem conduzidos e analisados. 3ª fase: Projeto de investigação de campo e análise de dados. 14 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Se a interpretação dos dados obtidos na fase inicial não conduz a resultados satisfatórios, isto é, muitas perguntas continuam sem respostas adequadas, torna-se necessário fazer uma investigação mais aprofundada. Exemplos: não se tem certeza sobre todos os materiais envolvidos; a profundidade da ruptura não está estabelecida de forma definitiva, se desconhece as poropressões existentes ou quais os mecanismos envolvidos. É necessário definir quais são as novas questões que devem ser respondidas e quais os dados necessários para respondê-las. Note que esta etapa e a etapa anterior servem para definir melhor o problema em relação à etapa inicial. O projeto de investigação de campo é então delineado em termos de topografia de detalhe (escala tal que se possa traçar curvas de nível de 1m em 1m), furos de sondagem (posições geométricas e profundidades previstas) e emprego de equipamentos de investigação (SPT, sondagens elétricas, sísimicas, cones, vane, piezômetros, etc. Nesta fase também se faz um planejamento de coleta de amostras para ensaios de laboratório com trincheiras (coleta de blocos) ou com amostradores tipo shelby. 4ª fase: Reavaliação do modo e extensão do escorregamento Com os dados de topografia e mapeamento de trincas, avalia-se se a extensão do problema é aquela inicialmente estimada. Geralmente em problemas de menor magnitude não há muita diferença, mas em problemas maiores, a escala do problema inicialmente observado pode ser, na realidade, muito maior. 5ª fase: Investigação de campo e laboratório É fundamental que as equipes de sondagem (investigação de subsolo) estejam bem treinadas e plenamente informadas do que se está procurando, o que se espera encontrar e o que é importante relatar. Se a equipe de sondagem entender o problema e as perguntas que se procura responder, seus membros estarão mais aptos a tomar decisões corretas quando for necessário (aprofundar furo, amostrar material, colocar piezômetro em determinadas profundidades, etc). É importante notar que muitas vezes as decisões têm que ser tomadas em campo, sem comunicação com o projetista. Além disto, as informações que estes operadores têm potencial de transmitir ao projetista podem ser muito importantes (perda de água nas sondagens, variações sutis de resistência, pequenas camadas de argila ou areia, etc) e estas observações devem ser incentivadas e consideradas. Com as amostras de campo é possível realizar ensaios geotécnicos em laboratório, compreendendo desde os mais simples (limites de Atterberg, umidade, peso específico), até ensaios de resistência em amostras indeformadas, tanto no ensaio triaxial, como no cisalhamento direto ou ring shear. A escolha do ensaio dependerá muito do material e 15 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann deformações envolvidos, mas de modo geral o cisalhamento direto é o ensaio mais utilizado tanto por custo como por adequação aos problemas. 6ª fase: Determinação do Modelo Geomecânico Uma análise de um problema de taludes é tão boa quanto a qualidade do Modelo Geomecânico montado com as informações de campo. Ele consubstancia o perfil do terreno (topografia e variações), os estratos do subsolo (com pesos específicos e resistências ao cisalhamento), redes de fluxo e decorrentes poropressões e, no caso de materiais como solos residuais saprolíticos, a orientação de diaclases. O modelo deve ser criticamente montado utilizando os dados de campo e laboratório, analisando-se sempre se os dados são compatíveis com a ruptura observada. 7ª fase: Análises de estabilidade e avaliação de risco – Fatores de Segurança Com base no Modelo Geomecânico são realizadas as análises de estabilidade por equilíbrio limite e é possível avaliar a probabilidade de ruptura possível em áreas similares. Quando se estuda um talude já rompido, nesta fase é possível comprovar a qualidade do modelo geomecânico através de retro-análise da ruptura observada. Experiência em taludes bem estudados dá margens de um erro da ordem de ±5%, sendo que em geral o maior problema está em estabelecer a poropressão atuante no momento da ruptura. Quando os níveis de água variammuito rápido estes percentuais são raramente atingíveis com os dados de campo (exceto com instrumentação contínua). Nos casos em que o FS resulta em valores muito diferentes da realidade para a retro- análise, tem-se que reavaliar o Modelo Geomecânico ou com uma revisão crítica dos dados de campo ou com investigações adicionais de campo. É necessário rever todo o processo. 8ª fase: Projeto de estabilização Se o Modelo Geomecânico é satisfatório, pode-se utilizá-lo para projetar obras de estabilização. Em geral, um diagnóstico bem feito induz à escolha da solução mais adequada. O processo de escolha da melhor solução segue alguns passos básicos: a) Redução da(s) causa(s) mais importantes do problema (uso de drenagem se este for excesso de poropressão, com retaludamento se o problema refere-se a excesso de inclinação, com bermas ou estruturas de arrimo se o problema refere-se a resistência ou tensões cisalhantes muito altas). b) Observação de restrições geométricas (presença de estruturas próximas ou alinhamento da rodovia). c) Critérios de disponibilidade de materiais, máquinas e custo total. 16 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann O modelo geomecânico permite verificar se o projeto vai estabilizar satisfatóriamente o talude, uma vez que as obras estejam implantadas. O estudo do modelo e a avaliação das condições de estabilidade permitem também uma comprovação das condições assumidas (hipóteses). Nesta fase sempre é possível fazer uma reavaliação dos modelos utilizados e das analises realizadas. 9ª fase: Construção Em geral no Brasil o projetista tem envolvimento com a fase de implantação de projetos geotécnicos, mas isso não é a regra. Isto é um procedimento que deve ser modificado tendo em vista que dificilmente se consegue na fase de investigação obter todos os dados geotécnicos que se desejaria, por problemas de tempo e custo. Portanto, é durante a fase de construção que são feitas muitas observações importantes sobre o projeto e há vários casos em que os projetos foram modificados nesta fase para adequá-los a uma realidade diferente da prevista, e que só foi percebida durante a construção. Como recomendação geral, deve-se aproveitar todas as informações que podem ser obtidas na fase de implantação, para reavaliar ou confirmar hipóteses de trabalho adotadas nas etapas anteriores. Isto pode significar alterar certos parâmetros de projeto tornando-os mais ajustados às condições encontradas no campo, no caso de hipóteses que provarem excessivamente arrojadas ou conservadoras, conforme o caso. 17 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann 2. ANÁLISE DE ESTABILIDADE DE ENCOSTAS E TALUDES 2.1. Introdução Neste capítulo serão apresentados alguns métodos para análise de estabilidade de encostas e taludes, baseados no princípio do equilíbrio limite e que são empregados principalmente para verificação dos Fatores de Segurança que regem a estabilidade dos maciços. Atualmente existem diversos métodos para análise de estabilidade de taludes e muitos deles sob a forma de programas de computador que permitem análises automáticas, mas a qualidade dos resultados passa pela sensibilidade do projetista ao determinar o método mais adequado ao seu problema e pela qualidade do modelo geomecânico empregado. Os métodos de análise de estabilidade diferem inicialmente na forma da superfície de ruptura analisada e isso depende sobremaneira da geomorfologia e da investigação de campo realizada anteriormente. 2.2. Rupturas com superfície planar (taludes infinitos) Algumas rupturas em solo, rocha, ou na interface entre ambos se desenvolvem sob forma plana, e neste caso as análises, em nível de estudo inicial ou pré-projeto, ou para projetos em condições bastante simples, podem ser realizadas supondo taludes infinitos. Embora sejam análises mais simples, os métodos apresentados a seguir tendem a oferecer bons resultados, dentro de suas limitações. Para isso, no entanto, é crucial que os parâmetros de entrada sejam representativos da situação analisada. 2.2.1. Taludes em solos não-coesivos e secos 18 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann sin 'tancos W W FS [Eq. 1] tan 'tan FS [Eq. 2] 2.2.2. Taludes em solo não coesivos e completamente submersos tan 'tan FS Idêntico ao caso dos solos não coesivos secos. 2.2.3. Taludes em solos não coesivos com presença de nível d’água. Neste caso os efeitos da poropressão são levados em conta e a expressão para solos secos é modificada, ficando: sin 'tancos W uW FS [Eq. 3] 2.2.4. Taludes em solo coesivo e com fluxo de água paralelo à superfície Este caso é bastante importante para a análise de rupturas translacionais em solos tropicais. Em muitos casos a ruptura se dá em uma interface solo-rocha e os parâmetros de resistência são os da interface. É importante conhecer a posição do nível d’água para análises mais acuradas. 19 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann cossin 'tancos' 2 z zmc FS w [Eq. 4] Esta expressão pode ser empregada também para casos em que o solo é friccional e coesivo, mas não há presença de água, fazendo com que m=0. 2.2.5. Taludes em solo coesivo e com fluxo de água horizontal Um exemplo típico de aplicação desta forma de análise é a ocorrência de rebaixamento rápido do nível d’água em barragens, em que a água presente no maciço então saturado tende a escoar de forma horizontal. cossin 'tancos' 2 z zc FS w [Eq. 5] 2.2.6. Taludes com ruptura não drenada Ocorre em solos argilosos com ruptura rápida, não-drenada, sendo a resistência ao cisalhamento expressa por Su. O Fator de Segurança é dado por: sincos z S FS u [Eq. 6] 20 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann 2.3. Rupturas com superfície circular 2.3.1. Método de Hoek e Bray Este método é baseado no método de círculo de atrito, introduzindo hipóteses simplificadoras sobre a distribuição de tensões normais Hoek e Bray (1981) apresentaram ábacos de estabilidade para taludes de geometria simples, podendo existir trincas de tração e para determinadas condições de fluxo no talude. Os requisitos e simplificações necessárias para aplicação do método são: - o material é homogêneo e isotrópico; - resistência ao cisalhamento é dada por: nc - a superfície de ruptura circular passa pelo pé do talude (em geral esta é a superfície mais crítica desde que φ>5º; - existência de trinca de tração; - a localização das trincas de tração e da superfície de ruptura são tais que o fator de segurança fornecido pelos ábacos para geometria considerada, é mínimo; - podem ser consideradas diferentes condições de fluxo no talude. O procedimento para aplicação do método é o seguinte: 1) Decide-se sobre as condições de água no talude (para cada condição existe um ábaco específico 2) Calcula-se o valor adimensional: tanH c Onde: c é a coesão, γ é o peso específico aparente, H é a altura do talude e φ é o ângulo de atrito. 3) Pelo ábaco selecionado encontra-se o valor correspondente de tan φ/FS ou c/γH para o valor adimensional calculado no passo 2. 4) Calcula-se o fator de segurança A seguir são apresentados os ábacos empregados no método de Hoek e Bray. As condições de drenagem são definidas com base na relação entre altura do talude (H) e distância entre o pé do talude e o ponto onde o NA atinge a superfície. 21 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Caso 1: Solo seco 22 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Caso 2: Lw=8H 23Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Caso 3: Lw=4H 24 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Caso 4: Lw=2H 25 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Caso 5: Nível d’água na superfície Figura 5. Ábacos de Hoek e Bray 2.3.2. Ábacos de Taylor Os primeiros ábacos de estabilidade foram preparados por Taylor (1948) e apresentam aplicação bastante restrita, sendo baseado no método de Culmann para rupturas em cunha. 26 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Ao empregar o método de Taylor as análises são feitas em termos de tensões totais, assumindo o solo homogêneo, e se restringindo a problemas de geometria simples. Quando as análises são feitas em termos de Su, assume-se a resistência não drenada constante com a profundidade, embora dificilmente esta hipótese seja verificada em campo. Taylor pesquisou o circulo crítico (FS=1) considerando o problema de um talude simples e superfície de ruptura circular. Com base nesta geometria Taylor sugere o cálculo do fator de estabilidade (N) correspondente à ruptura. O roteiro a seguir permite a aplicação do método de Taylor. i) Assumir um valor de FS=FS1 ii) Calcular o valor de φmob→tan φmob=tanφ/FS1 iii) A partir de φmob, β, γ e H → determinar cmob iv) Calcular FS2=c/cmob v) Caso FS1≠FS2 retornar para o primeiro passo. Onde: H – altura do talude; β – inclinação do talude; γ – peso específico do solo; DH – profundidade da superfície de ruptura. D=DH/H Figura 6. Ábaco de Taylor 27 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann 2.3.3. Métodos de Equilíbrio-Limite Os métodos de equilíbrio limite partem dos seguintes pressupostos: - o solo se comporta como material rígido-plástico, ou seja, rompe bruscamente sem se deformar. - as equações de equilíbrio estático são válidas até a iminência da ruptura, quando na realidade o processo é dinâmico. - o Fator de Segurança é constante ao longo da linha de ruptura, isto é, ignoram-se eventuais fenômenos de ruptura progressiva. Existem diversas métodos para análises de estabilidade de encostas por equilíbrio- limite. Alguns dos métodos mais difundidos são: Fellenius, Bishop, Bishop Simplificado, Spencer e Morgenstern-Price. Dentre os supracitados, o de Morgenstern-Price é o que efetua análises mais rigorosas, requerendo cálculos mais ostensivos. Os demais métodos podem ser aplicados manualmente de forma relativamente simples, bem como implementados na forma de programas de computador. Por seu valor histórico, simplicidade e por apresentar bons resultados, o método de Bishop Simplificado será apresentado mais detalhadamente. Posteriormente será apresentado brevemente o método de Fellenius. a) Método de Bishop Simplificado Para esse método admite-se que a linha de ruptura seja um arco de circunferência e a massa de solo é subdividida em lamelas ou fatias como mostra a Figura 7. Considera-se o equilíbrio de forças verticais da fatia e o equilíbrio de momentos de todas as fatias. 28 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Figura 7. Análise de estabilidade de um talude frente à ruptura circular A Figura 8 mostra uma lamela genérica, com a indicação das forças e dos parâmetros desconhecidos. O equilíbrio das forças ainda envolve o peso da lamela (P), as forças resultantes de poropressões na base (U) e nas faces da lamela, e as forças E e X, atuantes na face da lamela. Figura 8. Forças atuantes em uma lamela No entanto as forças entre lamelas (E e X) não geram momento, pelo princípio da ação e reação (como em duas lamelas adjacentes), e os efeitos se anulam. O método de Bishop original incluía estas forças E e X, no entanto, a não consideração das mesmas conduzia a um O R W i Ni Si/F S αi ℓi Ni Xi Ei Xi- 1 Ei-1 29 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann erro de aproximadamente 1% no valor de FS, Daí Bishop ter recomendado o não emprego das mesmas, razão pela qual o foi agregado ao nome do método o termo “simplificado”. No método de Bishop Simplificado o equilíbrio de forças é feito na direção vertical conforme mostrado na Figura 8. A expressão final que permite calcular o fator de segurança para uma superfície de ruptura arbitrada é a seguinte: n i ii n i iiiiiii W kbuWc FS 1 1 sin 'tan' [Eq. 7] iii i i m FS k 1 'tantan 1 sec [Eq. 8] Como se pode observar, a incógnita FS aparece nos dois lados da igualdade, o que resulta na necessidade de um processo interativo para determinação do FS. O cálculo iterativo do Fator de Segurança (FS) é feito da seguinte forma: adota-se um valor inicial FS1, entra-se na Equação 7, extrai-se um novo valor de Fator de segurança FS2, que é comparado ao inicial FS1. Para os problemas correntes, basta obter precisão decimal no valor de FS. Se a precisão escolhida não for atingida, repete-se o procedimento. Obtendo-se FS1=FS2 repete-se o cálculo para outro círculo de ruptura potencial com diferentes centros de circunferência e raios. Entre as dificuldades existentes na aplicação do método duas merecem atenção: - Na região do pé do talude, α pode ser negativo. Quando 2,0 1 ik sugere-se o emprego de outro método. - Se FS<1,0 e se a poropressão for suficientemente grande, então o denominador de k pode se tornar negativo. Frequentemente FSBishop Simplificado ~ 1,15 FSFellenius b) Método de Fellenius O método de Fellenius também supõe uma superfície circular e é baseado na divisão da massa de solo em lamelas. O Fator de Segurança pode ser obtido através da seguinte expressão: 30 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann n i ii n i iiiiiiii W buWc FS 1 1 sin 'tanseccos' [Eq. 9] O método de Fellenius pode levar a graves erros, pelo tratamento que dá às poropressões. A rigor, as forças resultantes das poropressões atuam também nas faces entre lamelas. Como são forças horizontais, elas têm componentes na direção da normal à base das lamelas, que é a direção de equilíbrio das forças. Na prática, poropressões elevadas implicam em valores de N’ negativos iiiii buWN seccos , quando então são tomados como nulos, na sequência dos cálculos. Excetuando este fato, o método de Fellenius continua usado pela sua simplicidade, sendo mais conservativo que outros métodos mais rigorosos, como Bishop Simplificado, por exemplo. 31 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann 3. FATORES DE SEGURANÇA SEGUNDO A NBR 11682:2009 3.1. Conceito A ABNT NBR 11682:2009 considera que as análises usuais de segurança desprezam as deformações que ocorrem naturalmente no talude ou na encosta e que o valor do fator de segurança (FS) tem relação direta com a resistência ao cisalhamento do material do talude. Admite-se, portanto, que um maior valor de FS corresponde a uma segurança maior contra a ruptura. Entretanto, no caso de encostas, a variabilidade dos materiais naturais pode reduzir significativamente a segurança, aumentando a probabilidade de ocorrência de uma ruptura da encosta. Na metodologia recomendada pela referida norma, admite-se que o valor de FS pode variar em função da situação potencial de ruptura do talude, no que diz respeito ao perigo de perda de vidas humanas e à possibilidade de danos materiais e de danos ao meio ambiente. Devem ser consideradas as situações atuais e futuras, previstas ao longo da vida útil do talude estudado. A NBR 11682:2009 indica alguns valores de FS para todos os casos de carregamento definidos pelo engenheiro civil geotécnico responsável pelo projeto, incluindo hipóteses sobrea situação do nível de água, sobrecargas, alterações previstas na geometria, ação de sismos e outros. 3.2. Metodologia Os fatores de segurança (FS) considerados na Norma têm a finalidade de cobrir as incertezas naturais das diversas etapas de projeto e construção. Dependendo dos riscos envolvidos, deve-se inicialmente enquadrar o projeto em uma das seguintes classificações de nível de segurança, definidas a partir da possibilidade de perdas de vidas humanas, conforme a Tabela 5 e de danos materiais e ambientais, conforme Tabela 6. Tabela 5. Nível de segurança desejado contra a perda de vidas humanas. Nível de segurança Critérios Alto Áreas com intensa movimentação e permanência de pessoas, como edificações públicas, residenciais ou industriais, estádios, praças e demais locais, urbanos ou não, com possibilidade de elevada concentração de pessoas. Ferrovias e rodovias de tráfego intenso. Médio Áreas e edificações com movimentação e permanência restrita de pessoas Ferrovias e rodovias de tráfego moderado Baixo Áreas e edificações com movimentação e permanência eventual de pessoas Ferrovias e rodovias de tráfego reduzido 32 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Tabela 6. Nível de segurança desejado contra danos materiais e ambientais. Nível de segurança Critérios Alto Danos materiais: Locais próximos a propriedades de alto valor histórico, social ou patrimonial, obras de grande porte e áreas que afetem serviços essenciais. Danos ambientais: Locais sujeitos a acidentes ambientais graves, tais como nas proximidades de oleodutos, barragens de rejeito e fábricas de produtos tóxicos. Médio Danos materiais: Locais próximos a propriedades de valor moderado Danos ambientais: Locais sujeitos a acidentes ambientais moderados Baixo Danos materiais: Locais próximos a propriedades de valor reduzido Danos ambientais: Locais sujeitos a acidentes ambientais reduzidos O enquadramento nos casos previstos na Tabela 5 e na Tabela 6 deve ser justificado pelo engenheiro civil geotécnico, sempre em comum acordo com o contratante do projeto e atendendo às exigências dos órgãos públicos competentes. O fator de segurança mínimo a ser adotado no projeto, levando-se em conta os níveis de segurança preconizados na Tabela 5 e Tabela 6, deve ser estipulado de acordo com a Tabela 7. Tabela 7. Fatores de segurança mínimos para deslizamentos. Nível de segurança contra danos a vidas humanas Alto Médio Baixo N ív el d e se g u ra n ça co n tr a d an o s m at er ia is e am b ie n ta is Alto 1,5 1,5 1,4 Médio 1,5 1,4 1,3 Baixo 1,4 1,3 1,2 NOTA 1: No caso de grande variabilidade dos resultados dos ensaios geotécnicos, os fatores de segurança da tabela acima devem ser majorados em 10 %. NOTA 2: No caso de estabilidade de lascas/blocos rochosos, podem ser utilizados fatores de segurança parciais, incidindo sobre os parâmetros γ, ϕ’ e c’ em função das incertezas sobre estes parâmetros. O método de cálculo deve ainda considerar um fator de segurança mínimo de 1,1. Este caso deve ser justificado pelo engenheiro civil geotécnico. NOTA 3: Esta tabela não se aplica aos casos de rastejo, voçorocas, ravinas e queda ou rolamento de blocos. Os fatores de segurança indicados na Tabela 7 referem-se às análises de estabilidade interna e externa do maciço, sendo independentes de outros fatores de segurança recomendados por normas de dimensionamento dos elementos estruturais de obras de contenção, como, por exemplo, do concreto armado e de tirantes injetados no terreno. 33 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann Entende-se por estabilidade interna aquela que envolve superfícies potenciais de escorregamento localizadas, a serem estabilizadas pela estrutura de contenção, como no caso de uma cunha de empuxo ativo. Por outro lado, a estabilidade externa é aquela que envolve superfícies de escorregamento globais. No caso de estruturas de arrimo reforçadas por tirantes, tiras, grampos ou geossintéticos, por exemplo, as superfícies localizadas interceptam os elementos de reforço (estabilidade interna), enquanto que as superfícies globais não interceptam estes elementos (estabilidade externa). Nos casos de estabilidade de muros de gravidade e de muros de flexão, devem ser atendidos os fatores da Tabela 8. Tabela 8. Requisitos para estabilidade de muros de contenção. Verificação de Segurança Fator de Segurança Mínimo Tombamento 2,0 Deslizamento 1,5 Fundações 3,0 NOTA: Na verificação da capacidade de carga da fundação, podem o ser alternativamente utilizados os critérios e fatores de segurança preconizados pela ABNT NBR 6122/2009. 34 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Este material foi elaborado com base nas seguintes obras: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMA TÉCNICAS, NBR 11682 – Estabilidade de encostas. ABNT, Rio de Janeiro, 2009. BRESSANI, L.A. Estabilidade de taludes – Notas de Aula. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. GUIDICINI, G. e NIEBLE, C.M. Estabilidade de Taludes Naturais e de Escavação. Edgard Blücher, São Paulo, 1984. HEIDEMANN, M. Caracterização Geotécnica de um Solo Residual de Granulito Envolvido em uma Ruptura de Talude em Gaspar – SC. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil – UFRGS. Porto Alegre, 2011. MASSAD, F. Obras de Terra – Curso Básico de Geotecnia. 2ª Ed. Oficina de Textos, São Paulo, 2010. As referências de autores citados ao longo do texto e não constantes nesse capítulo podem ser consultadas em HEIDEMANN (2011). 4. EXERCÍCIOS 1. Pesquise casos de movimentos gravitacionais de massa recentemente ocorridos e busque classificar o movimento e descrever as causas da ocorrência do mesmo e fatores que contribuíram para tal. 2. Uma encosta tem sua estabilidade regida por parâmetros de resistência que não são constantes, e resultam em FS variáveis. Como se dá a variação do FS em relação à chuva em uma encosta cujo solo encontra-se normalmente em condição não-saturada. 3. O que é a resistência residual? Em que condições ela é importante? 4. Qual o FS mínimo dado pela Norma de Estabilidade de Taludes aplicável a um corte em solo, às margens de uma rodovia de baixo tráfego, mas que possui ao longo de seu traçado uma tubulação para transporte de gás? 5. Um projeto prevê a execução de um talude em um solo puramente friccional, conforme mostrado. Assumindo-se o solo seco, este talude será estável após a 35 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann execução frente a uma ruptura plana? Caso não, qual a inclinação máxima para que o talude encontre-se, minimamente estável? E em segurança? 6. Qual o fator de segurança para o talude mostrado abaixo? Supõe-se a ocorrência de ruptura plana a uma profundidade de 4m por conta de uma camada de material mais frágil com φ’= 23° e c’=35 kPa. O solo movimentado apresenta γnat= 18 kN/m³. 7. Com a ocorrência de chuvas o nível da água subiu até 0,6 metros abaixo da superfície do talude da questão 6, mantendo-se paralelo ao talude? Qual o FS nessas condições? 8. Faça uma análise paramétrica com base no problema da questão 6 e verifique quais as variáveis exercem maior influência na estabilidade do talude (c’, γ, φ’,β, altura do NA). 9. Calcule o fator de segurança, para o caso de ruptura plana, para uma barragem de enrrocamento conforme mostrado abaixo, quando esta sofre rebaixamento rápido. Qual o FS quando a barragem esta cheia? 10. Determine o FS do talude mostrado, empregando o método de Taylor e Hoek e Bray. β= 37° β φ'=31° 30m 21m NA 15,0 m 10,0 m φ'=47° γ=21 kN/m³ 36 Mecânica dos Solos II – Prof. Marcelo Heidemann 11. Determine o FS para o taludea seguir pelo método de Hoek e Bray, supondo diferentes condições de drenagem. A variação do FS se mostra linear com a mudança na posição do N.A.? γ= 19 kN/m³ φ=30° c=15 kPa 12,0 m 5,5 m γ= 18 kN/m³ φ=33° c=25 kPa 7,8m 4 m
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