Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/281376090 Apostila de Cardiologia UFPR Research · August 2015 CITATIONS 0 READS 7,847 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Doutorado em Clínica Cirúrgica View project Prostate Cancer View project Frederico Ramalho Romero Universidade Estadual do Oeste do Paraná 117 PUBLICATIONS 1,163 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Frederico Ramalho Romero on 31 August 2015. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/281376090_Apostila_de_Cardiologia_UFPR?enrichId=rgreq-a1d8206daab4e89e0de693c9d8584cde-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MTM3NjA5MDtBUzoyNjg1NTgxNjA2MjU2NzBAMTQ0MTA0MDY2MzkyNA%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/281376090_Apostila_de_Cardiologia_UFPR?enrichId=rgreq-a1d8206daab4e89e0de693c9d8584cde-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MTM3NjA5MDtBUzoyNjg1NTgxNjA2MjU2NzBAMTQ0MTA0MDY2MzkyNA%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Doutorado-em-Clinica-Cirurgica?enrichId=rgreq-a1d8206daab4e89e0de693c9d8584cde-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MTM3NjA5MDtBUzoyNjg1NTgxNjA2MjU2NzBAMTQ0MTA0MDY2MzkyNA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Prostate-Cancer-51?enrichId=rgreq-a1d8206daab4e89e0de693c9d8584cde-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MTM3NjA5MDtBUzoyNjg1NTgxNjA2MjU2NzBAMTQ0MTA0MDY2MzkyNA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-a1d8206daab4e89e0de693c9d8584cde-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MTM3NjA5MDtBUzoyNjg1NTgxNjA2MjU2NzBAMTQ0MTA0MDY2MzkyNA%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Frederico_Romero?enrichId=rgreq-a1d8206daab4e89e0de693c9d8584cde-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MTM3NjA5MDtBUzoyNjg1NTgxNjA2MjU2NzBAMTQ0MTA0MDY2MzkyNA%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Frederico_Romero?enrichId=rgreq-a1d8206daab4e89e0de693c9d8584cde-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MTM3NjA5MDtBUzoyNjg1NTgxNjA2MjU2NzBAMTQ0MTA0MDY2MzkyNA%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Universidade_Estadual_do_Oeste_do_Parana?enrichId=rgreq-a1d8206daab4e89e0de693c9d8584cde-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MTM3NjA5MDtBUzoyNjg1NTgxNjA2MjU2NzBAMTQ0MTA0MDY2MzkyNA%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Frederico_Romero?enrichId=rgreq-a1d8206daab4e89e0de693c9d8584cde-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MTM3NjA5MDtBUzoyNjg1NTgxNjA2MjU2NzBAMTQ0MTA0MDY2MzkyNA%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Frederico_Romero?enrichId=rgreq-a1d8206daab4e89e0de693c9d8584cde-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MTM3NjA5MDtBUzoyNjg1NTgxNjA2MjU2NzBAMTQ0MTA0MDY2MzkyNA%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf CARDIOLOGIA - 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Cardiologia Estenose mitral Anatomia É importante se ter uma noção da anatomia da valva mitral para que nós possamos entender a fisiopatologia da estenose mitral. A valva mitral encontra-se fixa ao óstio mitral, localizado entre o átrio e o ventrículo esquerdos e é constituída por um anel fibroso e duas cúspides, uma anterior e outra posterior. Por isso, a valva mitral também é denominada de valva bicúspide. Aderidas as extremidades livres de ambas as cúspides, encontramos as cordas tendíneas primárias, secundárias e terciárias. Ao conjunto dessas cordas dá-se o nome de cordoalhas tendíneas, que estão presas ao endocárdio pelos músculos papilares, dois anteriores e dois posteriores. Fisiopatologia Figura 1 - Anatomia da valva mitral Figura 2 - Fisiopatologia da estenose mitral CARDIOLOGIA - 2 Quando a valva mitral se encontra aberta ela tem uma área de 4 a 6 cm². Com essa abertura, há uma boa vazão sangüínea do átrio para o ventrículo esquerdo. No ritmo sinusal normal, nós temos um ciclo pressórico nas cavidades cardíacas que se mantém mais ou menos constante. No ventrículo esquerdo, a pressão sistólica máxima é de 120 mmHg, que é igual a pressão sistólica da aorta. Diferentemente da pressão diastólica da aorta que é de cerca de 80 mmHg, a pressão diastólica inicial do ventrículo esquerdo (PD1) é próxima de 0 mmHg, enquanto a pressão diastólica final (PD2), que corresponde a pressão máxima do ventrículo esquerdo antes de se iniciar a sístole ventricular, varia de 12 a 15 milímetros de mercúrio. Como a pressão diastólica é exercida pelo acúmulo de sangue proveniente do átrio esquerdo e das veias pulmonares, semelhantemente, a pressão diastólica nessas estruturas também varia entre 12 e 15 mmHg. Contudo, essas são medidas de pressão normais, quando a abertura da valva mitral é de 4 a 6 cm². Quando sua abertura for inferior a essa medida, nós vamos ter caracterizada uma estenose mitral. Nessas condições, vai haver um acúmulo de sangue no átrio esquerdo e, conseqüentemente, um aumento da pressão diastólica nessa estrutura. A diferença de pressão entre essa “nova” pressão atrial esquerda (> 15 mmHg) e o ventrículo esquerdo (12 mmHg < PD2 < 15 mmHg) recebe o nome gradiente de pressão. É esse gradiente que caracteriza a estenose mitral sob o ponto-de-vista hemodinâmico. Como resultado, vai haver tanto uma hipertrofia do átrio esquerdo quanto um aumento de pressão nos vasos pulmonares (hipertensão pulmonar), que vai ser tanto maior quanto maior for o gradiente de pressão do átrio esquerdo. Em resposta a essa variação na pressão dos vasos pulmonares, o ventrículo direito, que normalmente tem uma pressão sistólica de cerca de 30 mmHg, também vai se hipertrofiar. Esse aumento de pressão pulmonar pode causar transudação dos capilares pulmonares, provocando edema intersticial e manifestando-se clinicamente por dispnéia progressiva aos esforços. Quando nós temos uma hipertensão pulmonar severa e crônica, já ao nível de 80 mmHg nas artérias pulmonares, pode-se desenvolver um espessamento dos capilares pulmonares com fibrose ao redor dos vasos, reduzindo a quantidade de edema intersticial agudo. Isso também ocorre devido aos vasos linfáticos estarem mais desenvolvidos e drenarem melhor este excesso de líquido. Esse espessamento fibrótico ocorre principalmente ao nível da camada média dos capilares e pode manifestar-se por cianose, além da dispnéia. Nessa fase da estenose mitral, onde existe doença vascular pulmonar associada, o prognóstico se torna muito ruim, mesmo que a estenose seja tratada. Os sintomas da estenose mitral geralmente aparecem após a área valvar reduzir-se cerca de 50% do normal e atingir 1,5 a 2 cm 2 . A dispnéia e as palpitações são as queixas mais habituais. Elas podem ocorrer isoladamente ou coexistir em dado momento. Figura 3 - Ciclo pressórico normal do coração 6 mmHg 30 mmHg 6 mmHg 0 mmHg 120 mmHg 12 mmHg 0 mmHg 12 mmHg 30 mmHg 120 mmHg CARDIOLOGIA - 3 Epidemiologia A estenose mitral tem uma maior incidência no sexo feminino numa proporção de 60 a 70% dos casos. Etiologia No nosso meio, sua principal etiologia é a doença reumática (98%). Raramente, ela é congênita. A febre reumática é uma doença inflamatória aguda não supurativa, geralmente recorrente, que acomete principalmente crianças entre 5 e 15 anos que apresentaram uma infecção faringítica por estreptococos -hemolítico do grupo A de Lancefield. Nessa patologia, anticorpos contra o estreptococo agem também sobre o coração (reação cruzada), podendo provocar espessamento e fusão comissural da valva mitral, resultando em conseqüente estenose mitral quando a abertura valvar for inferior a 4 cm². A redução da abertura mitral é um processo muito lento que podelevar décadas. Complicações Dentre as principais complicações da estenose mitral nós temos o desenvolvimento de arritmias atriais (principalmente a fibrilação atrial), que ocorrem devido ao aumento do volume do átrio esquerdo. Na fibrilação atrial deixa de haver a sístole atrial, responsável por cerca de 20 a 30% do volume do débito cardíaco. Desta forma, além da dispnéia, o paciente também vai apresentar sintomas de fadiga ou cansaço. O aumento do átrio esquerdo cria condições favoráveis para o desenvolvimento de arritmias atriais devido ao estiramento das fibras musculares e dos feixes de condução. Figura 4 - Espessamento e fusão comissural da valva mitral na febre reumática CARDIOLOGIA - 4 A estenose mitral também propicia a formação de trombos no apêndice atrial esquerdo e, mais tardiamente, na parede atrial. Ao se desprenderem, esses trombos podem causar acidentes vasculares cerebrais, infartos esplênicos, etc. Quando há hipertensão pulmonar pode ocorrer ruptura das paredes arteriais que comunicam-se com os alvéolos e que, então, são eliminadas juntamente com a tosse (hemoptise). Essa situação subentende que a área valvar deve ter atingido valores cerca de 1,1 cm 2 . Uma complicação que ocorre devido ao edema intersticial pulmonar é o desenvolvimento de bronco-infecções pulmonares. Ainda, a estenose mitral pode predispor ao desenvolvimento de endocardite infecciosa. Porém, das valvopatias reumáticas, a estenose mitral é a que tem menor incidência de endocardite infecciosa. Outra complicação que ocorre numa fase muito avançada e que, por isso, é extremamente incomum é o tromboembolismo pulmonar decorrente de trombose venosa profunda dos membros inferiores provocada pela estase venosa causada pela insuficiência do ventrículo direito. Exame físico Na inspeção, pode-se observar uma característica da estenose mitral severa com doença vascular pulmonar, que é a fácies mitralis. A fácies mitralis caracteriza-se por cianose perioral e edema malar com hiperpigmentação. À palpação, pouco se obtém quando a estenose mitral é leve. Porém, na estenose moderada ou na severa, pode-se palpar um frêmito diastólico que corresponde a sensação tátil do sopro da estenose mitral. Se houver hipertensão pulmonar com insuficiência do ventrículo direito, ele se desenvolve, dilata e hipertrofia-se, podendo ser palpável com a mão em garra na borda esternal esquerda. Às vezes, a primeira bulha pode também ser palpada, sugerindo uma mobilidade da cúspide anterior até certo ponto preservada. Na ausculta, nós vamos observar hiperfonese da primeira bulha, denotando persistência de flexibilidade das cúspides, ou então, o seu abafamento por calcificação. Figura 5 - Trombos atriais Figura 6 - Fácies mitralis CARDIOLOGIA - 5 A segunda bulha também pode estar hiperfonética quando houver hipertensão pulmonar devido a pressão exercida pelos vasos pulmonares, que podem fazer a valva pulmonar se fechar muito mais bruscamente. Semelhantemente, a força exercida pelo ventrículo direito para abrir a valva pulmonar nesse regime de hipertensão pode gerar a ausculta de um clique de ejeção (estalido proto-sistólico). A valva mitral, por sua vez, devido ao seu espessamento, pode dar origem a um clique de abertura (estalido protodiastólico), que sucede a segunda bulha após intervalo de tempo inversamente proporcional à hipertensão atrial esquerda e que também permite supor mobilidade das cúspides de certa forma preservada, pois ele desaparece em caso de calcificação importante das mesmas. Finalmente, quando a abertura mitral for igual ou inferior a 1 cm² pode-se auscultar um ruflar (ou sopro) diastólico. Dependendo do tempo de duração desse sopro nós podemos caracterizar a gravidade da estenose, ou seja, quanto mais demorado for o sopro, mais severa é a estenose. O sopro da estenose mitral é audível no período mesodiastólico, logo após o relaxamento isovolumétrico e, às vezes, também está presente na fase pré-sistólica. Porém, como na estenose mitral geralmente ocorre fibrilação atrial, a sístole atrial não se processa e, conseqüentemente, não ocorre sopro nessa fase. Como a maior parte do sopro da estenose mitral é produzido por um fluxo passivo de sangue do átrio para o ventrículo esquerdo e a contração atrial tem uma intensidade relativamente baixa, seu som é de baixa freqüência e, desta forma, é melhor auscultável com a campânula do estetoscópio. Ainda, na dependência da sístole atrial, a quarta bulha pode ser audível. Graficamente, o sopro diastólico da estenose mitral pode ser representado da seguinte maneira. A complementação do exame físico inclui o exame da tireóide, pois a concomitância com hipertireoidismo deve ser sempre cogitada em casos de fibrilação atrial; a procura de hepatomegalia, edema de membros inferiores e ascite; e a propedêutica pleuro- pulmonar. Lesões associadas Associada a estenose mitral, pode ocorrer uma insuficiência tricúspide que geralmente é funcional (não orgânica). Ela ocorre devido a dilatação do ventrículo direito com conseqüente dilatação do anel fibrótico da valva tricúspide, impedindo que seus folhetos se Figura 7 - Representação gráfica do sopro da estenose mitral CARDIOLOGIA - 6 fechem adequadamente. Quando essa insuficiência é pequena, tratada a estenose mitral, ela pode regredir. Porém, quando ela for importante, faz-se necessário tratamento cirúrgico. O sopro sistólico dessa insuficiência tricúspide, audível ao nível da borda esternal esquerda, deve ser diferenciado de uma insuficiência mitral associada. Um meio de diferenciá-los são as manobras de apnéia pós-inspiratória e pós-expiratória, que intensificam, respectivamente, o sopro da insuficiência tricúspide e o sopro da insuficiência mitral. Também devido a dilatação do ventrículo direito, os folhetos da valva pulmonar podem sofrer separação e não conseguir se fechar normalmente. Com isso, surge um chiado característico causado pelo refluxo de sangue da valva pulmonar, ao qual se dá o nome de sopro de Graham-Stiel. Como a principal causa da estenose mitral é a febre reumática, pode ocorrer acometimento de outras valvas simultaneamente, especialmente da valva aórtica. Exames complementares Através do eletrocardiograma (ECG), pode-se detectar aumento do átrio esquerdo através do alargamento da onda P, aumento do ventrículo direito através do desvio do complexo QRS para a direita, presença de arritmias atriais (principalmente a fibrilação atrial), etc. Figura 8 - Eletrocardiograma de um paciente com estenose mitral CARDIOLOGIA - 7 Na radiografia de tórax póstero-anterior (PA), nós observamos um discreto aumento da silhueta cardíaca principalmente devido ao aumento do ventrículo direito. Também pode ser observado um duplo contorno na altura do átrio direito, que ocorre devido ao crescimento do átrio esquerdo, cuja margem vai se aproximar da borda do átrio direito. Outras evidências do aumento do átrio esquerdo incluem presença de 4 o arco na borda cardíaca esquerda e elevação do brônquio fonte esquerdo. Na radiografia torácica em perfil, pode-se observar o ventrículo direito encostando na borda esternal e, além disso, o Raio-X contrastado com bário pode evidenciar o deslocamento posterior do esôfago provocado pelo aumento do átrio esquerdo. Com relação a circulação pulmonar, além de identificar graus de dilatação da artéria pulmonar, muitas vezes já suspeitada pela ausculta do estalido proto- sistólico, o estudo radiográfico também pode mostrar uma redistribuição da circulação pulmonar e edema intersticial entre as fissuras dos lobos. O ecocardiograma é o exame complementar mais específico para o diagnóstico da estenose mitral. Ele mostra a anatomia da valva mitral; o comprometimento do aparelho valvar e subvalvar(cordoalhas tendíneas), que podem sofrer fibrose; dimensiona volumes e diâmetros das câmaras cardíacas; estima pressões, bem como o grau de hipertensão arterial pulmonar; reconhece disfunção ventricular esquerda; quantifica em centímetros quadrados a área valvar mitral; revela trombos atriais; e identifica lesões associadas, como a valvopatia aórtica e vegetações de endocardite infecciosa. Figura 9 - Raio-X de tórax, em PA e perfil, de um paciente com estenose mitral Figura 10 - Ecocardiograma unidimensional CARDIOLOGIA - 8 O cateterismo cardíaco caiu em desuso com o advento da ecocardiografia. Ele só é indicado para pacientes com indicação cirúrgica que necessitem de um estudo pormenorizado sobre suas coronárias. Diagnósticos diferenciais A hipertensão pulmonar primária idiopática pode ser confundida com a hipertensão pulmonar da estenose mitral. Porém, um exame mais cuidadoso do precórdio, principalmente, vai ser capaz de fazer esse diagnóstico diferencial. O mixoma de átrio esquerdo é um tumor pediculado que se instala na parede atrial e desenvolve um tubérculo que dificulta o esvaziamento quando ocorre a sístole atrial, mimetizando a sintomatologia de uma estenose mitral. Existe também uma doença congênita denominada cor triatriatum na qual existe a persistência embrionária de uma terceira câmara atrial que tem um orifício de saída estenosado, funcionando exatamente como uma valva mitral estenosada. Com o passar do tempo, esse orifício que não acompanha o crescimento normal do coração torna-se mais estreito, manifestando-se clinicamente ao redor da adolescência. O tratamento desta patologia é Figura 11 - Ecocardiograma bidimensional (IVS = Septo interventricular; RV = Ventrículo direito; AO = Aorta; AoV = Valva aórtica; LV = Ventrículo esquerdo; MV = Valva mitral; PW = Parede posterior; LA = Átrio esquerdo) Figura 12 - Mixoma atrial CARDIOLOGIA - 9 cirúrgico, no qual se retira a membrana que separa essa 3 a câmara atrial do restante do átrio esquerdo. Tratamento O tratamento da estenose mitral é muito importante porque os pacientes que desenvolvem hipertensão pulmonar e não são tratados têm uma sobrevida média de 2 a 5 anos. Enquanto assintomático, o portador de estenose mitral necessita somente de medidas de profilaxia para doença reumática e para endocardite infecciosa. A presença de sintomas já admite a aplicação de medidas terapêuticas. A primeira recomendação é sempre de ordem higiênico-dietética e de controle de eventuais doenças associadas. Na evolução, a farmacoterapia inclui, mais comumente, a reversão de fenômenos congestivos por diuréticos; o controle de taquicardia por - bloqueadores ou digitálicos; a reversão ou a prevenção de arritmias supraventriculares por drogas como quinidina, amiodarona, digitálicos e -bloqueadores; e a prevenção de embolia pela anticoagulação oral ou por heparina, dependendo da situação. Cirurgicamente, existem basicamente três tratamentos para esta patologia. Quando nós temos uma estenose mitral com uma qualidade valvar boa, ou seja, sem fibrose ou calcificação, pode-se realizar uma valvoplastia por cateter balão para se tentar corrigir essa estenose. Para realizar essa valvoplastia disseca-se a veia femoral e dirige-se até o interior o átrio direito. Então, perfura-se o septo interatrial próximo ao forame oval e insere-se o cateter no átrio esquerdo. A pequena CIA (comunicação interatrial) que é formada se fecha naturalmente. Na próxima etapa é inserido um fio guia pelo interior do cateter, que será responsável pelo direcionamento do balão (ainda desinsuflado) até o nível da valva mitral estenosada. Figura 13 - Cor triatriatum CARDIOLOGIA - 10 Finalmente, insufla-se o balão para se obter uma dilatação da abertura mitral além da abertura crítica de 1,5 cm². Geralmente, quando se realiza uma valvoplastia por cateter balão, obtém-se uma média de abertura de 2,1 cm². Raramente se consegue uma abertura de 4 cm² numa valva uma vez estenosada devido ao espessamento de seus folhetos e da fusão comissural. Contudo, uma estenose de 2 a 4 cm² não apresenta sintomatologia. A mortalidade de uma valvoplastia por cateter balão é inferior a 1%. Porém, para a utilização do balão, nós temos que ter somente fusão comissural. Quando há fibrose ou calcificação do aparelho valvar ou subvalvar é necessário cirurgia porque o balão só age nos folhetos valvares. Por fim, quando a valva mitral está tão dura, tão estenótica, que não se consegue mais “consertá-la”, procede-se a colocação de uma prótese valvar. A abertura média das próteses é de 1,9 a 2,2 cm², o que é suficiente para manter o paciente assintomático. A taxa de mortalidade na colocação de próteses é de cerca de 8%. Figura 14 - Desenho esquemático da colocação de uma prótese valvar mitral CARDIOLOGIA - 11 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Cardiologia Insuficiência mitral Anatomia A insuficiência mitral é a falta de coaptação entre as cúspides da valva mitral, que não se unem de forma harmônica. Epidemiologia Ao contrário da estenose mitral, a insuficiência mitral ocorre mais freqüentemente nos homens. Figura 1 - Anatomia da valva mitral CARDIOLOGIA - 12 Etiologia A insuficiência mitral pode ser causada principalmente por: Rompimento das cordoalhas tendíneas A endocardite bacteriana, por exemplo, pode causar ruptura das cordoalhas tendíneas e levar a uma insuficiência mitral leve ou grave. O trauma pode provocar ruptura das cordas tendíneas causando uma insuficiência mitral geralmente leve, mas que também pode ser grave. Insuficiência coronariana A falta de irrigação de uma região com isquemia leve de um músculo papilar pode levar a um prolapso da cúspide valvar para o átrio esquerdo. Porém, isso pode ser revertido corrigindo-se a isquemia. A isquemia grave de um músculo papilar geralmente gera um infarto, o que pode levar a uma insuficiência mitral permanente. Caso o infarto seja agudo, com rompimento do músculo papilar, ocorre um quadro de insuficiência mitral grave, com edema agudo de pulmão, que é uma situação dramática e que constitui uma emergência cirúrgica. Figura 2 - Ruptura das cordoalhas tendíneas causada por endocardite infecciosa Figura 3 - Rompimento do músculo papilar (seta) provocado por infarto agudo do miocárdio CARDIOLOGIA - 13 Doença reumática Cerca de 1 /3 das valvopatias reumáticas manifesta-se por fibrose do aparelho subvalvar, com encurtamento, contração e fusão das cordoalhas tendíneas e conseqüente retração dos folhetos mitrais. Ou seja, cerca de 1 /3 das valvopatias reumáticas apresenta-se como uma insuficiência mitral. Miocardiopatias A miocardiopatia dilatada pode levar a uma dilatação dos anéis átrio-ventriculares causando uma insuficiência que pode ser mitral e/ou tricúspide. Nessa patologia não ocorre uma alteração anatômica nos aparelhos valvares e subvalvares, mas apenas uma inadequada coaptação entre suas cúspides. Por isso, pode-se dizer que essa insuficiência é funcional. A miocardiopatia hipertrófica também pode gerar uma insuficiência mitral leve por provocar uma hipertrofia dos músculos papilares e conseqüentemente um processo isquêmico crônico, com fibrose e retração desses músculos. Doenças congênitas Defeito do coxim endocárdico; Fibroelastose endocárdica; Valva mitral em pára-quedas; Outras. Estiramento das cordoalhas tendíneas Como ocorre algumas vezes após uma micose aguda, que pode levar a uma síndrome do prolapso da valva mitral, na qual um dos folhetos, geralmente o posterior, fica frouxo e pode everter para o átrio esquerdo. Nesse caso, geralmente ocorre uma insuficiência mitralleve sem tendência a evolução. Outras causas Calcificação idiopática do ânulo mitral Ocorre principalmente em mulheres idosas e pode ter causa degenerativa; Lupus Eritematoso Sistêmico; Artrite Reumatóide; Espondilite Anquilosante. Figura 4 - Fibrose do aparelho subvalvar na febre reumática CARDIOLOGIA - 14 Fisiopatologia Na insuficiência mitral, como suas cúspides não se unem de forma harmônica durante a sístole ventricular, ocorre regurgitação de sangue para o átrio esquerdo. Esse refluxo gera uma redução do esvaziamento para a aorta, ou seja, uma redução da fração de ejeção, por dois fatores. Primeiro, obviamente, porque há uma perda do sangue ventricular para o átrio esquerdo e, segundo, porque vai ocorrer uma diminuição da pressão sistólica nesse ventrículo devido a essa abertura na cavidade ventricular. Ao longo dos anos, pode ocorrer uma adaptação do coração esquerdo com aumento progressivo do átrio esquerdo e com hipertrofia ventricular e posterior dilatação. Na insuficiência mitral aguda, que decorre, por exemplo, da ruptura de um músculo papilar por infarto ou trauma, como o átrio vai estar com sua complacência normal, vai ocorrer um aumento de pressão no sistema pulmonar de maneira muito rápida, com edema agudo de pulmão e, clinicamente, uma dispnéia súbita e inexplicada. Na insuficiência mitral crônica, seu desenvolvimento ao longo dos anos vai promover uma dilatação do átrio esquerdo, que vai ter, então, sua complacência aumentada, preservando o sistema pulmonar. Neste caso, muitas vezes, quase não há sintomatologia por um longo período de tempo. A doença reumática freqüentemente causa esse tipo de insuficiência. Várias situações podem causar uma insuficiência mitral intermediária em relação a essas duas anteriores, dependendo da complacência do átrio esquerdo em cada uma delas. Além disso, a insuficiência mitral também pode ser classificada em insuficiência mitral com leve, moderado ou grave refluxo. Clinicamente, em função dessa situação de adaptação do átrio esquerdo nas insuficiências mitrais crônicas, o paciente pode evoluir de uma insuficiência leve para uma insuficiência grave sem apresentar sintomas. Geralmente, a sintomatologia só vai se manifestar quando ocorre descompensação. Figura 5 - Fisiopatologia da insuficiência mitral CARDIOLOGIA - 15 Nesse caso, pode ocorrer dispnéia rapidamente progressiva devido ao aumento gradual da pressão pulmonar, ao contrário da estenose mitral, na qual ocorre um quadro de dispnéia lentamente progressiva. Contudo, apesar da dispnéia da insuficiência mitral evoluir mais rapidamente, como, em geral, o coração tolera melhor a sobrecarga de volume do que a de pressão, sua sintomatologia pode permanecer muito mais tempo ausente do que a da estenose. Também, como na descompensação o ventrículo esquerdo já está na fase de dilatação e o débito cardíaco não está mais eficiente, o paciente pode relatar fadiga muscular. Numa fase mais avançada da doença, a hipertensão pulmonar pode causar uma insuficiência cardíaca direita e uma conseqüente sintomatologia congestiva. Porém, como essa evolução é muito longa, essa situação só ocorre raramente. Exame físico Na inspeção, o ictus cordis pode ser visível. À palpação, podemos detectar um frêmito sistólico normalmente localizado no ápice do ventrículo esquerdo. Às vezes pode-se palpar a 3 a e a 4 a bulhas cardíacas. Contudo, deve-se registrar que as bulhas são melhor auscultadas do que palpadas. Caso haja hipertensão pulmonar também é possível se palpar a impulsão sistólica do ventrículo direito através da manobra da mão em garra na borda esternal esquerda. Na ausculta, geralmente se observa um sopro holossistólico que pode ser classificado em 1, 2, 3 ou 4 cruzes, de acordo com a sua intensidade. Quanto maior a sua intensidade, mais severa é a insuficiência mitral. Graficamente, o sopro da insuficiência mitral pode ser representado da seguinte maneira: Ao contrário do que normalmente ocorre, como as cúspides mitrais estão insuficientes e não se fecham adequadamente, o componente tricúspide pode estar mais forte do que o mitral, principalmente nas insuficiências severas. Na presença de hipertensão pulmonar também é possível se auscultar um sopro de ejeção ao nível do foco pulmonar, provavelmente devido a dificuldade que o ventrículo direito encontra para ejetar seu sangue contra esse novo gradiente de pressão entre o sistema pulmonar e ele. Na insuficiência mitral crônica severa, pode-se auscultar a 3 a bulha, devido ao maior volume de sangue que vai para o ventrículo na fase de enchimento ventricular rápido, Figura 6 - Representação gráfica do sopro da insuficiência mitral CARDIOLOGIA - 16 associada a um aumento da freqüência cardíaca, caracterizando o “ritmo em galope” e indicando uma insuficiência cardíaca esquerda. A 4 a bulha, correspondente a sístole atrial, é melhor auscultada na insuficiência mitral aguda. Uma característica importante do sopro da insuficiência mitral que pode auxiliar no diagnóstico diferencial do sopro da estenose aórtica é a sua irradiação. Na estenose aórtica ocorre uma irradiação principalmente para os vasos da base, enquanto que na insuficiência mitral a irradiação ocorre predominantemente no sentido da região axilar posterior, porque esta é a região de melhor projeção do átrio esquerdo. Por isso, nós ainda podemos intensificar o sopro da insuficiência mitral posicionando o paciente em decúbito lateral esquerdo porque nós vamos estar aproximando o átrio esquerdo da parede torácica. Outra maneira de intensificar o sopro da insuficiência mitral é através da manobra de apnéia pós-expiratória. Desta forma, nós vamos estar aumentando a pressão intrapulmonar e determinado um maior fluxo de sangue para o átrio e, conseqüentemente, para o ventrículo esquerdo, que vai então, intensificar o som desse sopro. Exames complementares Devido ao aumento de volume do átrio esquerdo, ocorre um estiramento das fibras e dos feixes miocárdicos, facilitando a ocorrência de arritmias atriais, principalmente a fibrilação atrial. Através do eletrocardiograma, nós podemos detectar uma onda P bífida, indicando dilatação atrial esquerda, ou nos casos com maior grau de evolução, a ausência de onda P, que é substituída por ondulações irregulares, de pequena Figura 8 - Ausculta do precórdio em decúbito lateral esquerdo Figura 9 - Eletrocardiograma demonstrando ausência de ondas P e presença de ondas f, características de Fibrilação Atrial Figura 7 - Diferenciação entre o sopro de uma insuficiência mitral crônica severa, à esquerda, e de uma insuficiência mitral aguda, à direita CARDIOLOGIA - 17 amplitude, chamadas ondas f, demonstrando uma fibrilação atrial. Ainda, outros tipos de arritmias atriais que pode ser visualizadas pelo ECG são o flutter atrial, no qual as ondas P são substituídas por ondulações em “dente-de- serra”, regulares e mais amplas que as ondas da fibrilação atrial, chamadas de ondas F; e a extra-sístole atrial. A sobrecarga ventricular esquerda pode ou não ser demonstrada, sendo eventualmente acompanhada de alteração da repolarização ventricular. A radiografia do tórax em incidência póstero-anterior (PA) nos mostra um aumento da silhueta cardíaca devido principalmente ao aumento do átrio esquerdo, que pode ser visualizado através do duplo contorno do átrio direito, da presença do 4 o arco na borda cardíaca esquerda e da elevação do brônquio-fonte esquerdo. O aumento ventricular esquerdo pode ser visto principalmente através da inserção do ápice cardíaco sobre o diafragma. Ainda em PA, observa-se um aumento do calibre vascular pulmonar, especialmente nas porções superiores do pulmão, devido a redistribuição da circulaçãopulmonar. Em perfil, pode-se observar aumento atrial esquerdo principalmente quando contrastado pela ingestão de bário; e, na insuficiência mitral descompensada com hipertensão pulmonar, um aumento do ventrículo direito. Figura 10 - Eletrocardiograma de um paciente com insuficiência mitral Figura 11 - Radiografia torácica em PA na insuficiência mitral CARDIOLOGIA - 18 O ecocardiograma contribui no diagnóstico da insuficiência mitral e na sua provável etiologia; no grau de hipertensão pulmonar e da insuficiência cardíaca; na presença de trombos intracavitários; etc. O cateterismo cardíaco entrou em desuso com a ecocardiografia e, atualmente, só é usado na pesquisa de insuficiência coronariana em pacientes acima dos 45 anos indicados para cirurgia. Tratamento clínico Recomenda-se uma diminuição da ingestão de sal e auxilia-se na excreção de sódio com a administração de diuréticos. Quando há insuficiência cardíaca, trata-se-a com digitálicos, principalmente para os casos com fibrilação atrial; e vasodilatadores. O tratamento cirúrgico deve ser indicado no momento adequado, quando nós observamos que a cirurgia vai trazer mais benefícios do que riscos para o paciente. Para isso, nós devemos acompanhar de perto o desenvolvimento da insuficiência mitral com o auxílio dos exames complementares. Quando começar a haver deteriorização do ventrículo esquerdo, pode-se indicar uma plastia mitral ou uma troca por prótese biológica ou metálica. Figura 12 - Ecocardiograma unidimensional, acima, e ecodopplercardiograma, abaixo, demonstrando o refluxo atrial esquerdo da insuficiência mitral (RV = Ventrículo direito; LV = Ventrículo esquerdo; AoV = Valva aórtica; LA = Átrio esquerdo) CARDIOLOGIA - 19 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Cardiologia Estenose aórtica Anatomia e fisiologia Macroscopicamente, as cúspides aórticas têm uma consistência bastante delgada e funcionam abrindo adequadamente durante a sístole. Ao espaço existente entre as cúspides e a parede da aorta dá-se o nome de seios aórticos ou de Valsalva. O preenchimento sangüíneo desses seios, na diástole, provoca o fechamento da valva aórtica, resultando o componente aórtico da segunda bulha e o suprimento sangüíneo das artérias coronarianas. Etiologia A estenose aórtica pode ser congênita ou adquirida. As estenoses congênitas podem ocorrer em uma valva unicúspide, que geralmente se manifesta na criança; numa valva bicúspide, que é uma valvopatia congênita muito comum e que pode apresentar certo grau de estenose na 4 a ou 5 a décadas de vida; ou numa valva tricúspide, que já nasce estenosada e, por isso, manifesta-se predominantemente na lactância. Alguns autores excluem da definição de estenose aórtica congênita as valvas bicúspide e unicúspide congênitas por elas não causarem estenose funcional ao nascimento mas uma maior susceptibilidade a estenose numa idade mais avançada. Figura 1 - Anatomia da valva aórtica Figura 2 - Estenose aórtica congênita por valvas bicúspide e tricúspide CARDIOLOGIA - 20 As estenoses aórticas adquiridas podem ser causadas pela doença reumática, quando elas estão virtualmente sempre acompanhadas por estenose mitral e apresentam fusão comissural com posterior calcificação. Outra causa das estenoses aórticas adquiridas é o envelhecimento. Com o processo evolutivo da idade pode ocorrer um espessamento das cúspides com calcificação ao nível do anel aórtico. Ao contrário da estenose aórtica reumática, neste tipo de estenose, denominado estenose aórtica degenerativa calcificada, não ocorre fusão comissural. Ainda, outros fatores que raramente podem causar estenose aórtica são a hipercolesterolemia familiar, o Lupus Eritematoso Sistêmico, a doença reumatóide e possíveis valvulites de origem viral ou causadas por ricketsias. Fisiopatologia Normalmente, a abertura da valva aórtica tem uma área variando entre 2,5 a 3,5 cm². Quando sua área de abertura apresenta medidas inferiores a estas, nós dizemos que existe uma estenose aórtica. Ainda em relação a área de abertura da valva aórtica, nós podemos classificar a estenose aórtica em leve, quando essa área está entre 1 e 2,5 cm²; moderada, quando sua área mede entre 0,75 e 1 cm²; ou severa, quando a área de abertura é inferior a 0,75 cm². Essa classificação, contudo, não é estanque. Com a estenose aórtica, vai haver uma obstrução gradual e evolutiva, em termo de décadas, ao nível do ventrículo esquerdo, com conseqüente hipertrofia compensatória (os miócitos podem aumentar em até 5 ou 7 vezes seu diâmetro normal) e diminuição do seu diâmetro interno. Isso ocorre com a finalidade de manter constante o débito cardíaco e pode ser demonstrado pela lei de LaPlace. A lei de LaPlace diz que a tensão no interior de uma cavidade é igual a pressão exercida em suas paredes multiplicada pelo seu diâmetro e dividida pelo dobro da sua espessura. P D 2 E Logo, para manter o débito cardíaco constante, como a valva de saída do ventrículo esquerdo está estenosada e a pressão no seu interior está elevada, suas paredes sofrem um espessamento (hipertrofia) e, assim, também diminuem de diâmetro. Figura 3 - Fusão da cúspide aórtica direita com a cúspide posterior em um paciente com doença reumática Figura 4 - Estenose aórtica degenerativa calcificada T = (1) CARDIOLOGIA - 21 Esses mecanismos compensatórios vão trazer algumas alterações prejudiciais ao organismo. Por exemplo, o relaxamento muscular do ventrículo esquerdo e, conseqüentemente, sua complacência vão estar diminuídos. Desta forma, nós podemos observar que a pressão diastólica final (PD2) desse ventrículo vai estar aumentada, dificultando a passagem do sangue que vem do átrio esquerdo para o respectivo ventrículo. Assim, ocorre também um aumento de pressão ao nível do átrio esquerdo, que resulta primeiramente numa hipertrofia da musculatura atrial, para tentar manter o enchimento ventricular constante, e caso essa hipertrofia seja insuficiente, numa hipertensão pulmonar, com edema intersticial e dispnéia. Desta forma, o desenvolvimento da hipertrofia ventricular acarreta numa mudança do padrão de enchimento, que vai ser menor durante a fase de enchimento ventricular rápida e maior durante a sístole atrial. Compreende-se, desta forma, que pacientes portadores de estenose aórtica importante podem apresentar grave deterioração hemodinâmica e edema pulmonar caso se perca a contribuição atrial para o enchimento ventricular como, por exemplo, por ocasião de uma fibrilação atrial. Outro mecanismo que visa manter o débito cardíaco do coração normal é o aumento do período sistólico, em detrimento do período diastólico. Esse mecanismo também pode causar alterações indesejáveis no organismo. A primeira dessas alterações que pode ser observada é que, diminuindo o tempo do período diastólico, o enchimento ventricular, que já está diminuído pela redução do relaxamento e da complacência ventricular, vai se tornar ainda mais diminuído. Outro fator que pode se mostrar prejudicado é o enchimento coronariano, que ocorre durante o período diastólico. E isso é especialmente importante porque esta é uma condição em que o consumo de oxigênio está aumentado principalmente pela hipertrofia do ventrículo esquerdo, pelo aumento da pressão sistólica e pelo tempo de ejeção aumentado, situações que têm uma demanda metabólica maior e que, desta forma, necessitam de uma maior oxigenação. Em contraste, além do enchimento coronariano estar diminuído pela redução do período diastólico, o aumento da pressão do ventrículo esquerdo provoca uma compressão coronariana, reduzindo ainda mais a oferta de oxigênio para as fibras cardíacas. A soma desses fatores leva a isquemia miocárdica, que é responsável por um dos sintomas clássicosda estenose aórtica, a angina pectoris, que pode ocorrer mesmo na ausência de doença coronariana concomitante. Os outros dois sintomas que compreendem a tríade clássica da estenose aórtica são a síncope ou tontura aos esforços e a dispnéia. A síncope após esforço físico é explicada pela vasodilatação periférica, que transfere o sangue da circulação cerebral para os músculos. Normalmente, haveria uma quantidade suficiente tanto para o cérebro como para os músculos devido ao aumento do débito cardíaco. Porém, na estenose aórtica o aumento do débito cardíaco ocorre de maneira inapropriada. A dispnéia, como já foi explicado, ocorre devido ao acúmulo de sangue no ventrículo esquerdo, no átrio esquerdo e nos vasos pulmonares, ou seja, em decorrência da insuficiência cardíaca esquerda. O acúmulo de sangue no coração esquerdo provoca, obviamente, um gradiente de pressão entre o ventrículo esquerdo e a aorta. Sob o ponto-de-vista hemodinâmico, quando essa diferença de pressão for superior a 50 mmHg, nós vamos ter uma estenose aórtica crítica, ou seja, assim como quando a CARDIOLOGIA - 22 área de abertura da valva aórtica for inferior a 0,75 cm², nós vamos ter a manifestação sintomatológica da doença. Muitas vezes, porém, o paciente passa anos assintomático, sendo sua estenose aórtica detectável somente pelo exame físico de rotina e pelos exames complementares. Quando o ventrículo esquerdo não for mais capaz de compensar o débito cardíaco, ou seja, a pressão no seu interior for superior ao mecanismo compensatório de hipertrofia ventricular e de redução do seu diâmetro, vai haver uma redução da contratilidade miocárdica com redução ainda maior do débito cardíaco e do tempo de ejeção, associada a uma redução do gradiente pressórico entre o ventrículo esquerdo e a aorta, entrando o coração numa disfunção sistólica ventricular, com dilatação e morte. Desta forma, para a adequada quantificação do grau de estenose é importante que se recorde que caso haja disfunção ventricular e redução do débito cardíaco pode haver redução do gradiente pressórico transvalvar, mesmo em casos de estenose grave com redução extrema do orifício aórtico. Assim, o gradiente pressórico é bom indicador do grau de estenose em pacientes que apresentam débito cardíaco normal, mas pode subestimar o grau de estenose quando houver disfunção ventricular. Exame físico Na estenose aórtica, o pulso carotídeo, se comparado com o pulso normal, apresenta-se com um amplitude baixa e uma duração prolongada, ao qual se costuma denominar de pulso parvus et tardus. A baixa amplitude é decorrente do menor fluxo sangüíneo que passa pela valva aórtica estenosada e a duração prolongada ocorre em decorrência do período sistólico prolongado, na tentativa de manter o débito cardíaco normal. Na inspeção, habitualmente se observa a pulsação do ictus cordis um pouco deslocada inferior e lateralmente. À palpação, nós vamos observar um ictus propulsivo e sustentado em decorrência da hipertrofia compensatória ventricular. Na estenose moderada ou severa, pode-se palpar um frêmito sistólico no foco aórtico e na fúrcula esternal, que corresponde a sensação tátil do sopro da estenose aórtica. Na ausculta, nós podemos identificar um sopro na fase meso-sistólica, em forma de diamante, que às vezes é precedido por um clique de abertura da valva aórtica, principalmente quando ela for leve ou moderada. Na estenose severa, esse clique geralmente desaparece porque os folhetos aórticos praticamente não se movimentam, a intensidade do sopro aumenta e pode-se identificar o desdobramento paradoxal da segunda bulha. A segunda bulha tem dois componentes, um que é constituído pelo fechamento da valva aórtica e outro formado pelo fechamento da valva pulmonar. Fisiologicamente, o componente aórtico da segunda bulha ocorre antes do componente pulmonar porque o nível pressórico intra-aórtico, sendo mais alto do que o pulmonar, faz com que haja uma inversão do gradiente de pressão mais precocemente no lado esquerdo do coração. Na estenose aórtica severa, no entanto, há um mecanismo compensatório do débito cardíaco que prolonga o período sistólico e, com isso, retarda o fechamento da valva aórtica, que vai ocorrer paradoxalmente depois do fechamento da valva pulmonar. A essa inversão na ordem de ocorrência dos componentes da segunda bulha dá-se o nome de desdobramento paradoxal da segunda bulha. CARDIOLOGIA - 23 Na prática, é possível diferenciar-se os ruídos aórtico e pulmonar pela intensidade, que é maior na valva aórtica. A primeira bulha costuma ser normal ou abafada e precedida da quarta bulha, correspondente a sístole atrial. Graficamente, nós podemos representar os elementos auscultáveis na estenose aórtica da seguinte maneira. Pode ocorre irradiação desse sopro da estenose aórtica para a fúrcula esternal e para os vasos da base. A intensidade do sopro pode diminuir nos casos graves em que haja disfunção ventricular, podendo mesmo desaparecer. Exames complementares Através do eletrocardiograma nós conseguimos detectar a sobrecarga do ventrículo esquerdo, através do índice de Sokolow-Lyon (S de V1 + R de V5 ou V6 > 35 mm), que ocorre em 85% dos pacientes com estenose importante. Também pode existir alterações do segmento ST, que corresponde ao tempo que decorre do fim da despolarização até o começo da repolarização da musculatura ventricular, com desnivelamentos que ultrapassam 1,5 mm; e, às vezes, uma inversão da onda T determinada pela isquemia miocárdica. Essas alterações ocorrem principalmente na hipertrofia severa. Ocasionalmente, pode haver desaparecimento de ondas R, em derivações precordiais direitas, com padrão eletrocardiográfico de “pseudo-infarto” ântero- septal. Em 80% dos pacientes há sinais de sobrecarga atrial esquerda. A ocorrência de fibrilação atrial é incomum. Além disso, em 5% dos pacientes com estenose aórtica calcificada pode-se encontrar diversos graus de bloqueio átrio-ventricular e bloqueios intraventriculares e, também, a ocorrência de arritmias ventriculares complexas. Figura 5 - Representação gráfica do sopro da estenose aórtica CARDIOLOGIA - 24 O Raio-X de tórax com incidência póstero-anterior (PA) não nos mostra muita coisa porque não existe um grande aumento do ventrículo esquerdo e, assim, a área cardíaca se apresenta normal, observando-se com freqüência apenas discreta dilatação da aorta ascendente como única anormalidade. Aumentos da área cardíaca costumam aparecer quando há disfunção ventricular. O achado de aumento da imagem do átrio esquerdo faz suspeitar da presença de insuficiência mitral. Em perfil, pode-se observar calcificações na topografia da área aórtica. Figura 6 - Eletrocardiograma Figura 7 - Raio-X de tórax em PA e perfil CARDIOLOGIA - 25 Com o ecocardiograma, nós podemos ter informações completas sobre a anatomia valvar e cavitária e podemos também analisar o fluxo sangüíneo através da valva aórtica. O método permite ainda a identificação de anomalias congênitas, a avaliação do grau de hipertrofia ventricular, análise da função muscular e do padrão de enchimento diastólico, etc. Figura 8 - Ecocardiograma unidimensional Figura 9 - Ecocardiograma bidimensional (IVS = Septo interventricular; RV = Ventrículo direito; AO = Aorta; AoV = Valva aórtica; LV = Ventrículo esquerdo; MV = Valva mitral; PW = Parede posterior; LA = Átrio esquerdo) CARDIOLOGIA - 26 O cateterismo, hoje em dia, serve principalmente para a avaliação das artérias coronarianas nos pacientes acima de 45 anos que são indicados para cirurgia. Suas outras funções, como a determinação da severidade da obstrução, a avaliação da função ventricular e a pesquisa de outras valvopatias associadas também podem ser realizadas pelo ecocardiograma, que tem a vantagem de não ser invasivo.Tratamento No paciente com estenose aórtica assintomática, nós devemos vigiar o aparecimento de sintomas. Isso é importante porque o paciente pode ficar anos assintomático. Porém, a partir do momento em que o portador de uma estenose aórtica começa a apresentar os sintomas seu prognóstico piora muito, com uma sobrevida de 60% em 3 anos, 50% em 5 anos e 20% em 10 anos caso ele não seja tratado. No paciente assintomático com estenose leve, deve-se fazer seu controle num período de 2 em 2 anos. O indivíduo com estenose aórtica moderada ou severa é recomendado a realizar os exames eletrocardiográfico, radiográfico e ecocardiográfico em intervalos de 6 a 12 meses. Deve-se também alertá-lo quanto a atividades físicas intensas e orientá-lo quanto a profilaxia da endocardite infecciosa. A cirurgia de troca valvar é indicada quando aparecem os sintomas na estenose aórtica severa e quando um paciente assintomático apresenta progressão com redução do ventrículo esquerdo e cardiomegalia, porque esse indivíduo vai apresentar sintomatologia em questão de meses se não for tratado cirurgicamente. Figura 10 - Cirurgia de troca valvar aórtica CARDIOLOGIA - 27 Os fatores de risco que mais aumentam a mortalidade no tratamento cirúrgico da estenose aórtica são: Classe funcional; Função ventricular esquerda; Arritmias ventriculares; Insuficiência aórtica associada; Idade avançada e Coronariopatias associadas. A média de duração das próteses valvares é de oito anos, ou seja, esses pacientes tem que ser freqüentemente reoperados e, a cada vez, a anatomia vai ficando mais difícil, com cada vez mais fibrose, o que torna os resultados cada vez piores. Desta forma, a troca valvar não é uma medida curativa e, sim, paliativa que, porém, aumenta sobremaneira a sobrevida do paciente e permite uma qualidade de vida melhor. A valvoplastia por cateter-balão é útil em crianças com estenose aórtica congênita justamente pelo fato de serem necessárias repetitivas cirurgias para a troca de uma prótese valvar, mas também é indicada quando o paciente recusa o tratamento cirúrgico ou quando o risco da cirurgia é extremo. Nas estenoses aórticas calcificadas, a utilização da valvoplastia por cateter-balão é inútil porque em 50% dos pacientes a valva aórtica reestenosa em 6 meses. Prognóstico A insuficiência cardíaca congestiva é indício de péssimo prognóstico. Contudo, de acordo com vários trabalhos clínicos, o aparecimento de qualquer das três manifestações principais da doença (dispnéia, angina ou síncope) é indicativo de sobrevida média de 2 a 5 anos. Aproximadamente 15 a 25% dos pacientes morrem subitamente, dos quais 3 a 5% apresentam a morte súbita como primeira manifestação da doença. A cirurgia de troca de valva aórtica provê uma sobrevida de aproximadamente 80% em cinco anos e 60% em 10 anos. CARDIOLOGIA - 28 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Cardiologia Insuficiência aórtica Etiologia Basicamente, nós podemos dizer que a insuficiência aórtica pode ser aguda ou crônica e suas causas podem ser de origem valvar ou da raiz da aorta. As principais etiologias de origem valvar são: Febre reumática Que é muito comum; Endocardite infecciosa Que pode ser causa de insuficiência aórtica tanto aguda quanto crônica; Valva bicúspide congênita Que pode dar origem a uma estenose ou a uma insuficiência aórtica; Desalinhamento do folheto não-coronariano. Figura 1 Figura 2 CARDIOLOGIA - 29 As principais etiologias de origem na raiz aórtica são: Dilatação da raiz da aorta Síndrome de Marfan Hipertensão arterial de longa duração Aneurisma da aorta ascendente; Necrose cística da camada média da aorta e Processos infamatórios crônicos Raramente causam insuficiência aórtica Aortite sifilítica Artrite reumatóide Espondilite anquilosante Síndrome de Reiter. Fisiopatologia Para nós podermos entender a insuficiência aórtica nós também podemos utilizar a lei de LaPlace. Recordando, ela diz que a tensão no interior de uma cavidade é igual a pressão exercida em suas paredes multiplicada pelo seu diâmetro e dividida pelo dobro da sua espessura. Assim, com o fechamento inadequado das cúspides aórticas vai haver uma sobrecarga de volume no ventrículo esquerdo. Isso porque além do enchimento ventricular normalmente proporcionado pelo átrio esquerdo, vai ocorrer também uma regurgitação sangüínea da aorta, pela valva insuficiente, durante o período diastólico. Contudo, essa sobrecarga vai aumentar apenas discretamente a pressão intraventricular na insuficiência aórtica crônica porque lentamente ocorre um mecanismo compensatório com hipertrofia miocárdica excêntrica, que difere da hipertrofia concêntrica da estenose aórtica, onde os miócitos chegam a ter 7 vezes o seu diâmetro normal, por apresentar um alongamento das fibras miocárdicas predominantemente no sentido longitudinal; e um conseqüente aumento na espessura da parede ventricular. Assim, a relação parede/cavidade é mantida pois ao mesmo tempo que ocorre um aumento do volume cardíaco intracavitário, ocorre também um aumento na espessura da sua parede. Figura 3 CARDIOLOGIA - 30 Desta forma, o ventrículo esquerdo passa a ser uma bomba de alta complacência capaz de abrigar grandes volumes de sangue sem elevar muito a pressão. Tais mecanismos adaptativos permitem que o ventrículo esquerdo mantenha desempenho sistólico normal, com valores da fração de ejeção em geral superiores a 0,50. A partir do momento que essa dilatação não consegue mais manter o débito cardíaco, ocorre uma série de conseqüências. Como o ventrículo esquerdo vai estar descompensado, ele não vai mais ser capaz de ejetar o sangue nele alojado, aumentando o volume diastólico final e o volume sistólico final. O aumento do volume sistólico final leva à dilatação da aorta ascendente, que pode agravar a insuficiência aórtica por afastamento adicional dos folhetos. Além disso, grandes dilatações ventriculares com freqüência determinam dilatação do anel mitral, com aparecimento de insuficiência mitral associada. A dispnéia, a ortopnéia e a dispnéia paroxística noturna podem surgir pela disfunção ventricular e elevação da pressão venocapilar pulmonar. Também, devido a diminuição da fração de ejeção vai ocorrer uma dilatação cardíaca ainda maior, com diminuição da relação parede/cavidade e, segundo a lei de LaPlace, aumento da tensão sistólica da parede ventricular. Obviamente, esse desenvolvimento é crônico e, da mesma maneira que na estenose aórtica, esses pacientes podem ficar anos assintomáticos. Também da mesma maneira que ocorre na estenose aórtica, a hipertrofia ventricular da insuficiência aórtica resulta em um aumento do consumo aeróbico pelas miofibrilas cardíacas. Porém, como durante a diástole, fase em que ocorre o enchimento coronariano, as valvas aórticas insuficientes permitem um refluxo aórtico para o interior do ventrículo esquerdo, o fluxo das artérias coronarianas torna-se menor, manifestando-se clinicamente por angina pectoris. Neste caso, não há sincope ou tontura porque na fase compensada da doença o débito cardíaco é suficiente, mesmo aos esforços. Na insuficiência aórtica aguda, há um aumento abrupto de sangue no interior do ventrículo esquerdo com conseqüente aumento de pressão. Esse aumento de pressão pode fazer com que o átrio esquerdo tenha dificuldade de esvaziar seu sangue durante a diástole. Chega a um ponto que ocorre fechamento prematuro da valva mitral e ela permanece fechada durante grande parte do período diastólico. Como conseqüência, nós podemos ter hipertensão pulmonar e edema agudo de pulmão. Em alguns casos, o ventrículo esquerdo se apresenta tão cheio de sangue durante a diástole que, no momento da sístole atrial,apesar da valva mitral estar fechada em decorrência da pressão diastólica ventricular elevada, ocorre uma transmissão pressórica do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo, aumentando ainda mais a pressão no interior deste e produzindo um afastamento dos folhetos da valva aórtica. Esse fenômeno é raro, mas pode acontecer e, por isso, está representado no esquema a seguir. CARDIOLOGIA - 31 Exame físico Na insuficiência aórtica, a clínica varia de acordo com o tipo e o grau de insuficiência. O pulso carotídeo, no exame físico, se comparado com o pulso normal, tem uma amplitude alta devido a grande pressão diferencial decorrente tanto do aumento da pressão sistólica, causada pelo maior volume de sangue ejetado; quanto da diminuição da pressão diastólica, decorrente da própria lesão da valva aórtica. Esse pulso tem também um tempo de duração inferior ao do pulso normal e é denominado na prática médica de “pulso martelo d’água” (ou pulso de Corrigan) e sua pulsação visível à inspeção é descrita nos livros como “dança das carótidas”. Existem alguns sinais que podem ser observados numa fase avançada da insuficiência aórtica. São eles: Sinal de Musset O paciente apresenta um movimento pendular da cabeça para frente e para trás, que ocorre juntamente com o pulsar das carótidas e decorre da pressão exercida sobre os músculos esternoclidomastóideos pelo pulsar carotídeo. Sinal de Traube É a manifestação auditiva do “pulso martelo d’água” quando se posiciona o diafragma do estetoscópio sobre a artéria femoral. O som auscultado assemelha-se aos sons produzidos por “tiros de pistola”. Sinal de Müller O paciente apresenta um movimento pendular da úvula ao exame da cavidade oral. Sinal de Duroziez Figura 4 CARDIOLOGIA - 32 É a ausculta do sopro sisto-diastólico quando se comprime a artéria femoral com o estetoscópio. Sinal de Quincke É a visualização da pulsação capilar arterial quando se realiza uma compressão ungueal ou através da transiluminação das polpas digitais. Ao exame físico cardiológico, na inspeção, pode-se observar a localização do ictus cordis, que em geral vai estar desviado para a esquerda e inferiormente devido a dilatação ventricular esquerda. Pode-se também observar pulsação do oco esternal e, às vezes, da artéria subclávia esquerda. À palpação, observa-se um ictus propulsivo e não sustentável, ao contrário do ictus da estenose aórtica. Dependendo do grau de insuficiência pode-se palpar um frêmito diastólico no foco aórtico. Na ausculta, observa-se um sopro diastólico precoce de alta freqüência, por isso melhor auscultado com o diafragma do estetoscópio, e decrescente (ou aspirativo). Essa característica decrescente do sopro da insuficiência aórtica ocorre devido a uma diminuição no gradiente de pressão entre a aorta e o ventrículo esquerdo a medida que este recebe maior volume sangüíneo durante a diástole. O sopro da insuficiência aórtica é melhor audível no segundo espaço intercostal, na região paraesternal à direita, e no terceiro ou quarto espaço intercostal à esquerda, estando o paciente sentado, em expiração e com o tórax inclinado para a frente. Pode também haver um sopro sistólico na insuficiência aórtica que tem origem a partir do grande volume ejetado do ventrículo esquerdo, fazendo com que haja uma “estenose relativa” da valva aórtica. A esse componente sistólico do sopro da insuficiência aórtica dá-se o nome de sopro sistólico de hiperfluxo. Ainda, graças ao aumento da pressão ventricular que ocorre na insuficiência aórtica aguda e que diminui tanto a área quanto o tempo de abertura da valva mitral durante a diástole, pode ocorrer um sopro de baixa freqüência, produzido por essa estenose funcional, chamado de sopro de Austin-Flint. Quando esse sopro ocorre, pode ser difícil de diferenciar uma insuficiência aórtica aguda de uma insuficiência aórtica crônica severa com uma estenose mitral associada. Graficamente, nós podemos representar o sopro sistodiastólico da insuficiência aórtica da seguinte maneira. Figura 5 - Posição ideal para a ausculta do sopro da insuficiência aórtica CARDIOLOGIA - 33 A gravidade da lesão, que na estenose aórtica é determinada pela intensidade do sopro, na insuficiência aórtica se associa mais com a sua duração. Nas formas muito leves, o sopro é audível apenas durante aproximadamente metade da diástole, tornando-se holodiastólico nas formas mais graves. Todas as condições que aumentam a pressão periférica também aumentam o sopro da insuficiência aórtica como, por exemplo, os vasopressores, a posição de cócoras, exercício isométricos, etc. Da mesma maneira, a redução da pressão periférica diminui o sopro dessa patologia. Como exemplo dessas situações nós temos a ingestão de nitrito de amilo e a fase de esforço da manobra de Valsalva. A primeira bulha costuma ser fraca, abafada, enquanto que a segunda é de regra hiperfonética, tornando-se abafada nas formas graves. Exames complementares No eletrocardiograma, nós podemos identificar sobrecarga do ventrículo esquerdo, semelhantemente a estenose aórtica mas com a diferença que, nesta, geralmente as ondas T (repolarização ventricular) estão mais negativas do que na insuficiência aórtica. Figura 6 - Representação gráfica do sopro da insuficiência aórtica Figura 7 - Eletrocardiograma CARDIOLOGIA - 34 O aparecimento de infradesnivelamento de ST e de inversões de onda T constitui-se em indicador de mau prognóstico, freqüentemente associado à disfunção ventricular. O ritmo é quase sempre sinusal, observando-se raros casos de fibrilação atrial, especialmente quando existe aumento importante do átrio esquerdo por insuficiência mitral. O Raio-X em PA mostra aumento da silhueta cardíaca às custas do aumento do ventrículo esquerdo e da aorta ascendente e pode mostrar sinais de aumento atrial esquerdo, tais como duplo contorno, presença de quarto arco cardíaco e desvio do brônquio fonte esquerdo. Em perfil, pode-se visualizar o aumento do átrio esquerdo quando se faz um Raio-X contrastado com bário. O ecocardiograma confirma o diagnóstico da insuficiência aórtica e permite-nos medir o volume do ventrículo esquerdo. Além disso, ele nos fornece importantes informações que com freqüência permitem o diagnóstico da sua etiologia. No ecodopplercardiograma, além da detecção de fluxo retrógrado, pode-se detectar a severidade da insuficiência aórtica pela variação da velocidade do refluxo aórtico. Figura 8 - Raio-X de tórax em PA Figura 9 - Ecocardiograma bidimensional (IVS = Septo interventricular; RV = Ventrículo direito; AV = Valva aórtica; LV = Ventrículo esquerdo; MV = Valva mitral; PW = Parede posterior; LA = Átrio esquerdo) CARDIOLOGIA - 35 Por exemplo, quando a variação da velocidade do refluxo é alta significa que a valva aórtica está amplamente aberta e, em conseqüência, a insuficiência aórtica é severa. Quando, porém, sua variação de velocidade é baixa, há apenas uma pequena abertura na valva aórtica, indicando que a sua insuficiência é apenas leve. O cateterismo é indicado principalmente para pacientes acima de 45 anos indicados para cirurgia para avaliação da sua função coronariana. Tratamento Os pacientes com insuficiência aórtica leve ou moderada que são assintomáticos devem fazer acompanhamento clínico e ecocardiográfico a cada 6 ou 12 meses. Além disso, devem ser alertados quanto a prática de esportes vigorosos e educados sobre a profilaxia da endocardite infecciosa. Os pacientes com lesão severa que forem assintomáticos e que tiverem uma função ventricular esquerda normal devem ser tratados conservadoramente. Porém, os pacientes assintomáticos que tiverem um decréscimo constante da sua função ventricular devem ser tratadoscirurgicamente porque os sintomas não tardarão em aparecer. Aqueles pacientes com insuficiência aórtica grave sintomática, ou seja, que apresentam dispnéia por insuficiência cardíaca esquerda e, às vezes, angina pectoris, também dever ser tratados cirurgicamente. Vasodilatadores orais, como a hidralazina, podem determinar reduções da fração de regurgitação e do volume ventricular, conseguindo-se protelar a indicação cirúrgica. Os digitálicos e os diuréticos estão indicados quando houver insuficiência cardíaca, de preferência associados a vasodilatadores. A insuficiência aórtica aguda em geral é severa e exige tratamento cirúrgico imediato. Na espera, recomenda-se a utilização de inotrópicos como a dopamina e a dobutamina, para aumentar a força contratio do miocárdio, e de vasodilatadores como o nitroprussiato. A troca da valva aórtica determina reduções nas dimensões ventriculares e melhora da capacidade física. A redução da dimensão da câmara ventricular é mais pronunciada no pós-operatório precoce, continuando a se processar, mais lentamente, durante até sete anos após a cirurgia. Apesar de haver redução das dimensões do ventrículo esquerdo, a fração de ejeção não costuma melhorar após a cirurgia. Após a operação, os pacientes portadores de próteses mecânicas devem ser mantidos em esquema de anticoagulação oral indefinidamente. Para as próteses biológicas, em vários serviços, a anticoagulação é mantida apenas durante aproximadamente dois meses. Figura 10 - Ecocardiograma unidimensional CARDIOLOGIA - 36 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Cardiologia Insuficiência cardíaca Introdução A insuficiência cardíaca é uma doença que tem aumentado sua incidência drasticamente na última década. Há uma certa dificuldade em se definir a insuficiência cardíaca porque como o coração tem uma modificação constante na sua atividade frente a diversas situações metabólicas distintas, é difícil estabelecer um parâmetro de quando ele está insuficiente. Contudo, a insuficiência cardíaca pode ser definida como uma incapacidade do coração em se adequar a essas diversas condições metabólicas do organismo. Para efeitos práticos, nós podemos dividir o coração em direito e esquerdo e, conseqüentemente, a insuficiência cardíaca em direita e esquerda. Às vezes, nós também podemos ter uma associação dessas duas. A insuficiência cardíaca esquerda, cuja principal manifestação clínica é a dispnéia, é mais freqüente que as outras especialmente porque as patologias sistêmicas atingem mais freqüentemente o coração esquerdo. A insuficiência cardíaca direita, que causa congestão venosa sistêmica, deve-se na maior parte dos casos ao paciente com insuficiência cardíaca esquerda. Obviamente, porém, as doenças pulmonares também podem causar insuficiência cardíaca direita através do cor pulmonale. Quando nós temos ambas as insuficiências, nós dizemos que o paciente tem uma insuficiência cardíaca global ou uma insuficiência cardíaca congestiva. A insuficiência cardíaca também pode ser descrita como de alto ou de baixo débito, aguda ou crônica, anterógrada ou retrógrada e sistólica ou diastólica. Existe ainda uma situação na qual o bombeamento cardíaco está normal mas nós temos sintomas muito semelhantes aos da insuficiência cardíaca. Essa situação ocorre muito nos centros de terapia intensiva (CTI), devido a infusão rápida de líquidos, e nos casos de insuficiência renal aguda e é chamada de estado congestivo. De maneira crônica, o estado congestivo pode ocorrer nas anemias. A insuficiência cardíaca também deve ser distinguida das causas não-cardíacas de débito sangüíneo inadequado, como o choque hipovolêmico e a redistribuição do volume sangüíneo. Fisiopatologia Para se entender a fisiopatologia da insuficiência cardíaca, é preciso saber quais os fatores que determinam o bombeamento cardíaco normal. O bombeamento cardíaco normal, também chamado de débito cardíaco, é diretamente proporcional ao volume de ejeção e a freqüência cardíaca e pode ser expresso numericamente entre 2,5 e 3,5 litros por minuto e por metro quadrado de superfície corporal. Débito cardíaco = Volume de ejeção Freqüência cardíaca (2) CARDIOLOGIA - 37 Assim, nós estamos saindo de conceitos instáveis e tornando a função cardíaca mais palpável, com números que vão facilitar o nosso conceito de insuficiência cardíaca. Porém, o débito cardíaco não é determinado rotineiramente nos pacientes ambulatoriais, nos quais nós usamos parâmetros clínicos, como a dispnéia e o edema, para fazer o diagnóstico de insuficiência cardíaca; mas em algumas situações nós podemos determinar o débito cardíaco do paciente através do cateter de Swan-Ganz, a partir do princípio de Fick de termodiluição. O volume de ejeção, que é um fator que colabora com o débito cardíaco, depende principalmente de três fatores: 1. Pré-carga; 2. Pós-carga e 3. Contratilidade miocárdica. A pré-carga corresponde a distensão das fibras ventriculares no final da diástole e é representada através do volume de líquido no interior do ventrículo. Porém, como não é fácil obter nem um nem outro desses dados, nós podemos dizer que a pré-carga é diretamente proporcional a pressão diastólica final (PD2) dos ventrículos que, no lado direito, varia entre 6 e 12 mmHg e, no lado esquerdo, entre 12 e 15 mmHg. Existe um mecanismo de calcular a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo através do ventrículo direito. Utilizando-se o cateter de Swan-Ganz, faz-se sua introdução através de uma veia, geralmente no braço, e insufla-se seu balão guia ao nível da veia subclávia para que ele seja carreado para o interior do átrio direito. Seguindo a circulação cardíaca, o cateter vai ser guiado para o interior do ventrículo direito e, através do tronco pulmonar, até os pequenos ramos da artéria pulmonar. Relembrando o ciclo cardíaco, nós vamos observar que durante a diástole, quando nós medimos a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, a valva mitral vai estar semi-aberta e, conseqüentemente, nesse exato momento, a pressão atrial esquerda vai ser igual a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo. Semelhantemente, como as veias pulmonares são isentas de valvas, a pressão atrial esquerda vai ser muito semelhante a pressão nas veias pulmonares. Concluindo, como a pressão pulmonar é muito baixa, a pressão dos capilares arteriais pulmonares, onde vai estar localizado o cateter de Swan-Ganz, é bem próxima à pressão dos capilares venosos pulmonares e, conseqüentemente, a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo. Pode-se então, através desse método, determinar a pré-carga do ventrículo esquerdo, com duas exceções. No enfisema pulmonar, a resistência pulmonar está elevada e as pressões capilares vão, então, estar muito diferentes. Na estenose mitral, devido a dificuldade de abertura da valva mitral, as pressões no interior do átrio esquerdo e do ventrículo esquerdo também vão divergir, impossibilitando a determinação da pressão diastólica final por este processo. Rotineiramente, nós avaliamos a pré-carga através do retorno venoso com o exame de enchimento das jugulares ou através da determinação da pressão venosa central (PVC). Quanto maior a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, maior é a sua pré-carga. Em conseqüência, como a pré-carga é um fator diretamente proporcional ao volume de ejeção e este, por sua vez, está diretamente ligado ao débito cardíaco, quanto maior a pré-carga, maior o débito cardíaco. CARDIOLOGIA - 38 Mas isso só é verdade até um certo limite, pois a partir de então, o aumento da pressão ventricular não é mais acompanhado por um débito adequado e o coração pode descompensar, dilatar e levar o paciente ao óbito. Outro fator do qual o débito cardíaco depende é a pós-carga. A pós-carga pode ser definida como a resistência dosistema vascular a ejeção de sangue, ou arteriolar pulmonar, ou arteriolar periférico. A pós-carga oferecida pelo sistema vascular arteriolar pulmonar pode ser avaliada pelo ecodopplercardiograma através da pressão pulmonar. A pós-carga esquerda, por sua vez, pode ser avaliada com a medida da pressão arterial. Trazendo esses conceitos para o dia-a-dia nós podemos dizer que um paciente que tem hipertensão arterial tem uma pós-carga aumentada. Desta forma, nós concluímos que quanto maiores as pressões arteriais periférica ou pulmonar, menor o volume de ejeção ventricular, ou seja, menor o débito cardíaco. Se não houver alterações na pré ou pós-cargas, é a contratilidade cardíaca (ou inotropismo) que vai determinar o débito cardíaco. A contratilidade miocárdica depende da liberação de adrenalina e pode ser avaliada pela fração de ejeção ventricular, que é calculada pelo volume de sangue ejetado dividido pelo volume de sangue no final da diástole. Volume de sangue ejetado Volume diastólico final A fração de ejeção ventricular pode ser avaliada por três maneiras. A maneira mais simples de se avaliar a fração de ejeção ventricular é pela ecocardiografia, verificando-se o tamanho cavitário na sístole e na diástole. As outras duas maneiras são através de rádio isótopos e da ventriculografia por contraste. Normalmente, a fração de ejeção ventricular esquerda é igual a 0,55, o que significa que 55% do volume diastólico final é ejetado. Porém, 30% dos pacientes com insuficiência cardíaca têm a fração de ejeção ventricular normal, ou seja, têm contratilidade normal. Sua sintomatologia é causada por uma deficiência no relaxamento miocárdico durante a diástole, quer dizer, por causa de uma diminuição da pré-carga, que pode ser causada por hipertrofia ventricular, como ocorre na hipertensão arterial sistêmica e na estenose aórtica; por isquemia miocárdica; ou por causa de doenças infiltrativas, como a amiloidose. Figura 1 Fração de ejeção ventricular = (3) Volume sistólico Volume sistólico Pré-carga Pós-carga CARDIOLOGIA - 39 Esse grupo de insuficiência é denominado insuficiência cardíaca diastólica e é importante porque esses pacientes não necessitam usar drogas inotrópicas (como os digitálicos) terapeuticamente mas, sim, drogas que aumentem o relaxamento miocárdico, aumentando a pré-carga e conseqüentemente o débito cardíaco. Mecanismos de compensação Os mecanismos de compensação da insuficiência cardíaca são os mesmos que o organismo usa no dia-a-dia para a suas necessidades metabólicas normais, porém, eles são exacerbados na sua intensidade e na sua duração. É importante enfatizar que, na insuficiência cardíaca leve, tais mecanismos compensatórios quase sempre são capazes de restaurar ao normal a pressão arterial, a perfusão orgânica e o débito cardíaco em repouso e até mesmo durante o exercício físico moderado. Inicialmente, ocorre um aumento na atividade simpática, que contribui com a contratilidade miocárdica e resulta em um aumento da freqüência cardíaca (taquicardia). Essa taquicardia pode aumentar o débito cardíaco em até 3 vezes. Porém, freqüências cardíacas muito altas, acima de 180 bpm, causam uma redução do débito cardíaco por falta de enchimento ventricular. Além do aumento da freqüência cardíaca, a atividade simpática promove uma vasoconstrição periférica que tem 3 conseqüências principais. A primeira é o aumento do retorno venoso, que tende a aumentar o volume de ejeção ventricular pelo aumento da pré-carga. A segunda conseqüência é o aumento da resistência vascular periférica, que tende a reduzir o débito cardíaco pelo aumento da pós-carga. A outra é o desvio do fluxo sangüíneo procurando preservar o coração e o cérebro. Em contrapartida, esse desvio de fluxo diminui a perfusão da pele, músculos esqueléticos, órgãos esplâncnicos e rins. Desta forma, nós observamos que, como todo mecanismo compensatório, esses mecanismos apresentam condições benéficas e condições deletérias ao organismo, sendo responsáveis por muitos dos sintomas e disfunções orgânicas, até mesmo o óbito, que ocorrem nos pacientes com insuficiência cardíaca. Outro mecanismo compensatório que pode ocorrer na insuficiência cardíaca é a dilatação, acompanhada de um surpreendente aumento na sua pré- carga e, conseqüentemente, no débito cardíaco. Todavia, a partir de determinado tamanho a dilatação também se torna deletéria, principalmente porque os sarcômeros se afastam e impossibilitam a sua contração. A nível das fibras miocárdicas, um dos principais ajustes do coração é a hipertrofia, que pode ser basicamente de 2 tipos. A hipertrofia por sobrecarga de pressão é do tipo concêntrica, como ocorre na estenose aórtica. Nesses casos há um aumento na espessura da parede ventricular, mas não há aumento no seu diâmetro. As sobrecargas de volume fazem hipertrofia do tipo excêntrica, com aumento do tamanho das fibras predominantemente no sentido longitudinal, como ocorre na insuficiência aórtica. Esse tipo de hipertrofia aumenta a espessura e o diâmetro interno do ventrículo proporcionalmente. Conseqüentemente, como efeito deletério nós temos a isquemia dessas fibras hipertrofiadas por uma necessidade metabólica aumentada e, CARDIOLOGIA - 40 eventualmente, um fluxo sangüíneo reduzido por perda de enchimento coronariano ou por uma coronariopatia associada, que se manifesta clinicamente por dor pré-cordial (angina pectoris). Quando ocorre hipertrofia, principalmente a excêntrica, pode haver também uma dilatação ventricular com o objetivo de manter uma tensão sistólica adequada (lei de LaPlace). Porém, nos quadros agudos, freqüentemente a dilatação ocorre de forma isolada. Outro mecanismo compensatório das insuficiências cardíacas é aumento do volume plasmático e da pressão capilar provocados pelos rins. Isso ocorre em decorrência da queda da pressão glomerular, causada pela redução do débito cardíaco, que simula uma hipovolemia e ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona, provocando uma retenção de sódio e água pelos túbulos renais. A principal evidência desse mecanismo compensatório dos rins é a formação de edema e derrames intracavitários. Manifestações clínicas Como vimos, a insuficiência cardíaca se caracteriza por uma congestão venosa pulmonar e/ou sistêmica, associada a um débito cardíaco diminuído, sendo possível considerar separadamente a insuficiência ventricular direita e a insuficiência ventricular esquerda. Também acabamos de ver que dentro de certos limites o organismo lança mão de mecanismos compensadores capazes de manter a perfusão celular em níveis adequados. Quando é ultrapassada essa capacidade de compensação eclode o quadro clínico da insuficiência cardíaca. De uma maneira geral, o coração tolera melhor a sobrecarga de volume do que a de pressão. É por isso que a insuficiência aórtica pode permanecer vários anos sem causar sintomas enquanto a sobrecarga provocada pela estenose aórtica determina sinais e sintomas de insuficiência cardíaca mais precocemente. Da mesma forma, as sobrecargas que se instalam progressivamente são mais bem toleradas do que as sobrecargas agudas. Por exemplo, a insuficiência mitral causada por lesão reumática pode perdurar muitos anos sem desencadear insuficiência miocárdica enquanto a insuficiência mitral produzida por ruptura de cordoalha tendínea precipita uma rápida e intensa insuficiência cardíaca. Os sinais e sintomas da insuficiência cardíaca compreendem um grupo de sintomatologia atribuível ao próprio coração e um grupo extracardíaco. Essas manifestações extracardíacas devem ser interpretadas dentro do contexto clínico do paciente pois elas não são necessária e exclusivamente decorrências da insuficiência cardíaca. CARDIOLOGIA - 41 As manifestações clínicas
Compartilhar