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HISTÓRIAS DA INFÂNCIA E DE SUA EDUCAÇÃO: DA PROPOSIÇÃO À MATERIALIZAÇÃO Laís Leni Oliveira Lima (Universidade Federal de Goiás – Campus Jataí) laisleni@yahoo.com.br 1. Considerações iniciais Ao analisar as propostas da educação infantil, somos exigidos quanto ao resgate do percurso de sua história, já que é nela que se pode encontrar as objetivações da sociedade em condições determinadas. É na história que as relações sociais aparecem sintetizadas, o que, não significa dizer que essa síntese é a resolução da história e dos problemas que nela são desenvolvidos. Cabe aqui perguntar qual é a história que interessa? Qual é o passado que importa? O passado e a história que têm significado é aquele que não passou, passado que está presente. Como diria Marx (1978), é aquele passado que oprime como pesadelo. A volta ao passado só interessa na medida em que este se constitui mediação do presente, e revela o que está velado. Nesse sentido, a possibilidade desse desvelamento, pode conduzir à compreensão de sua história atual e entender o porquê das políticas propostas às crianças menores de seis anos. Como afirma Marrou (1990), a história da educação na Antiguidade não pode deixar indiferente a cultura moderna, visto que esta apresenta indícios dessa tradição pedagógica. Pode-se dizer que o essencial de nossa civilização é originário daquela. Fazer um percurso na educação do Ocidente1 – Grécia e Roma, assim como pela história da criança brasileira para pensar a criança de hoje. Acredita-se que esse exercício proporcionará conhecer diferentes representações da educação da infância. 2. A infância e sua educação 1 Cada vez que se pensa em educação, se pensa nos gregos, como se a Grécia fosse considerada civilização superior, um modelo a ser copiado, imitado. Pensa-se no homem grego como perfeito. Isso não significa que a história de outros povos (Maias, Astecas, Incas...) não seja importante ou que não esteja impregnada em nossas vidas, entretanto, estas mesmo legitimadas, grande parte das histórias das civilizações não teve chances de serem reconhecidas, visto que na maioria das vezes se legitima ou valoriza a história dos vencedores e não dos vencidos. mailto:laisleni@yahoo.com.br 55519 Nota Da página 36 a 48 Pensar a infância hoje se faz necessário compreender as profundas modificações na maneira que ela tem sido concebida desde as civilizações das antiguidades clássicas, até as atuais. Para autores como Kohan (2003), Marrou (1990) e Faria (1999), desde os gregos já existiam um sentimento de infância. Acredita-se que não havia escolas maternais na Grécia. Esta instituição é bastante moderna, tendo sua constituição propriamente definida após inserção das mulheres no mercado de trabalho, no entanto, isso não significa que não se pensava a infância ou que esta não tinha uma educação específica. Desde a antiga Grécia, a educação escolar e a escola se abrem às pessoas cidadãs livres, ou seja: homens e não mulheres, livres e não servos, gregos e não bárbaros, prestando sua contribuição na formação cultural e política da polis. Quando um cidadão pertencia à elite rural, vinha-se à cidade estudar. A educação para os gregos era objeto primordial. Por toda parte em que se instalavam, logo implantava as instituições de ensino – escolas primárias e ginásios –. A educação clássica era a iniciação à vida grega, a qual ‘modelava’ às crianças tornando-as diferentes do homem bruto e bárbaro. Segundo Marrou (1990), pode-se dizer que a tradição da cultura grega está em Homero, isso não significa que ele foi o único educador, todavia, representa a base fundamental de toda pedagogia clássica. A educação era nitidamente definida: o jovem recebia conselhos dos mais velhos, a quem era confiado sua formação. Na primeira infância, a criança era entregue a uma pessoa ligada ao rei – preceptor –. A educação homérica tinha dois aspectos: uma técnica que preparava a criança progressivamente para inserir em um determinado modo de vida; e outra ética, trabalhava com o ideal de existência, a formação do homem. A educação também ocupou lugar privilegiado na história da educação dos tempos arcaicos e clássicos (Esparta, Atenas). Como a sociedade espartana era muito rigorosa, a educação era definida como adestramento. Esta se organizava em função das necessidades do Estado, ficando em suas mãos. A política espartana se interessava pela criança antes mesmo desta ter nascido. Ao nascer, a criança deveria ser apresentada a uma comissão de anciões, entretanto, o futuro cidadão sé era aceito se fosse belo, bem formado e robusto. Aqueles considerados raquíticos e desproporcionados eram condenados ao lixo. Até aos sete anos a criança estava entregue aos poderes da família, visto que até essa idade, não considerava que a educação já teria começado, tratava apenas de criação. Após completar sete anos a criança era requisitada pelo Estado para viver numa comunidade de jovens e participar de uma educação coletiva. A sociedade ateniense mesmo representando um progresso na evolução educacional, não se difere muito de educação espartana. Para o homem grego a educação era um conjunto de cuidados dispensado por um homem mais velho a um jovem. O adulto era seu modelo e guia. Platão foi um grande mestre da tradição clássica. O conceito de educação para Platão se enquadrava nas questões políticas. Ele desenvolve idéias avançadas para seu tempo. Ao descrever sobre a cidade imaginária, na obra A República, Platão defende a eliminação da propriedade e da família, e afirma que as crianças deveriam receber educação do Estado. Reconhece também a desigualdade entre as pessoas, e defende que a educação deveria ser dada conforme estas diferenças. Entretanto, justifica que até aos vinte anos a educação deveria ser a mesma para todos. Platão considerava a educação como bem mais precioso que poderia ser dado aos mortais. O período escolar, considerado por Aristóteles, era dos sete aos quatorze anos. Porém isso não significa que a criança não era educada. Sua educação iniciava desde os primeiros anos quando a criança se insere na vida social, ao participar das boas maneiras, geralmente ensinadas pelas amas. Como esse período é consagrado como aquisição da linguagem, muitos educadores insistiam na necessidade de uma ama-de- leite com boa dicção na linguagem, a fim de evitar que a criança adquira hábitos viciosos, o que posteriormente torna difícil de deixar. a formação da infância para os gregos é muito mais do que uma concepção intelectual, letrada, sábia; é acima de tudo a formação moral. A educação coletiva inicia-se somente a partir dos sete anos (MARROU, 1990). Outra questão da educação da criança de zero a seis anos é a iniciação cultural. A criança grega era inserida no mundo da música através das cantigas de acalanto, no mundo da literatura através dos contos das amas-de-leite: fábulas com personagens animais, histórias de bruxas, narrativas, e no mundo religioso, através dos mitos e lendas dos deuses e heróis. A educação romana desenvolveu paralela à da Grécia, porém um pouco mais tardia. Mesmo sofrendo muitas influências dos gregos, os romanos compõem-se, de 55519 Realce maneira independente, à margem ao mundo grego. Marrou (1990) pontua que a educação romana era uma educação de camponeses. “encontramos Roma e a cultura romana dominada por uma aristocracia de campesinos, de proprietários rurais explorando diretamente suas terras: uma classe social muito diversa, pois, da nobreza guerreira da epopéia homérica” (MARROU, 1990, p. 358). Dessa forma se explicam as características da educação romana – uma educação de camponeses. Sua característica principal eraa iniciação progressiva de um modo de vida tradicional. A criança desde muito pequena é levada a imitar o adulto com seus gestos. Ao crescer é admitida de forma silenciosa no mundo dos adultos. Essa admissão se dá através do ouvir o adulto falar sobre o tempo, o trabalho, os animais; além de acompanhá-lo nos diversos trabalhos nos campos, lavouras e pastos. O conhecimento era sustentado nos costumes dos ancestrais, assim sendo, a constituição da família ocupava lugar de destaque na sociedade. Sendo a própria mãe a educadora do seu filho. Quando a mãe não podia desempenhar esta função, escolhia uma descendente da família em idade madura. Esta deveria ser uma mulher de respeito, ter moral e ser severa até nos brinquedos. “Aos olhos dos romanos, a família é o meio natural em que deve crescer e formar-se a criança” (MARROU, 1990, p. 361). Após os sete anos a criança deixava os cuidados maternos e passava para aos cuidados paternos, sendo este considerado o verdadeiro educador. A menina permanecia mais tempo com a mãe, aprendendo os trabalhos domésticos. O menino acompanhava o pai às festas, e até nas reuniões secretas do senado, iniciando, através do exemplo, sua vida adulta. Como nessa sociedade predominava a agricultura, o menino aprendia o manejo da terra. Aprendia a ler, escrever e contar. Era preparado com exercícios físicos, se caso fosse necessário ir para as guerras. Só mais tarde, com a existência de mestres, a ação destes era considerada como a paterna. A educação familiar só terminava por volta dos dezesseis anos. O ingresso na vida pública se fazia com algum tipo de cerimônia. O período medieval caracterizou-se pela preponderância do feudalismo, sendo a Igreja maior instituição feudal do Ocidente europeu, exercia hegemonia ideológica e cultural da época. Atuando em todos os níveis da vida social, ela estabeleceu normas, orientou comportamentos e, sobretudo, imprimiu nos ideais do homem medieval a cultura religiosa. Os valores deveriam se adequar a esse sistema. Conseqüentemente essas questões afetaram o sistema de educação. Durante vários reinados não havia nenhuma instituição educacional, a não ser as escolas episcopais, mantidas pelos bispos. Estas tinham um horizonte bastante ‘limitado’, visto que o propósito da maioria das escolas era formar monges e clérigos. Muitos meninos eram consagrados a Deus desde o nascimento. Estes permaneciam em mosteiros por toda a vida. Isso mostra a falta de respeito por uma livre decisão da criança. Em muitas escolas monásticas o seu chefe recebia o nome de ‘pai’. A disciplina era muito rígida. A primeira etapa de instrução se reduzia ao aprendizado do latim, o idioma da Igreja. Desde muito cedo a criança é posta diretamente com textos sagrados. Assim, a Igreja adquiriu o controle da educação, sendo o clero a elite intelectual e suas escolas as únicas instituições culturais atuantes. Segundo Ariès (1981), foi a partir dessa época que se pode datar o início do respeito pela infância. Divide os grupos de mesma ‘capacidade’ e sob a direção do mesmo mestre. Por volta dos séculos X e XI, começa a inaugurar uma nova fase histórica. Período de grande efervescência cultural, devido às transformações econômicas e políticas ocorridas com o renascimento comercial e urbano. Com o ressurgimento do comércio e o crescimento das cidades, estas passam a depender dos banqueiros. Se, até então, a educação era privilégio dos clérigos e se restringia à formação religiosa, o crescimento das cidades, exigia uma nova formação: ler, escrever e calcular. Os burgueses queriam uma escola ‘prática’, voltada a seus reais interesses e que pudesse atender as dificuldades do momento. O conhecimento passou a ser indispensável à plena realização de seus negócios. Crescem as lutas contra os senhores feudais. Aos poucos as vilas se transformam em cidades livres. Esses fatos contribuíram para uma vida menos subordinada à ‘inquestionável vontade de Deus’. Ainda que a Igreja continuasse direcionando a produção cultural, as cidades passaram a ter importância como centros irradiadores dos novos valores culturais, libertando-se pouco a pouco dos domínios religiosos. Com o advento da burguesia se faz necessário maior desenvolvimento intelectual. Surgem novos sistemas de educação. As escolas seculares2. Houve grandes transformações em relação à família medieval e a família burguesa. O ‘velho’ passa a ser motivo de vergonha para a família burguesa, visto que ele não produzia riquezas. A criança, pelo contrário, passa a ser vista como ser 2 As escolas seculares significavam escolas do século, do mundo, de qualquer atividade não religiosa. produtivo, como herdeiro. Assim sendo, ela começa a merecer espaço tornado alguém que ‘promete’ para o mercado. Segundo Le Goff (1993), com o Renascimento urbano e nascimento dos intelectuais no século XII, houve aprimoramento na cultura dos filhos dos nobres, educados nas escolas do palácio, dos futuros clérigos, educados nos centros monásticos ou episcopais. Surgem escolas nas cidades mais importantes. A língua latina é substituída pela língua pátria. Esta questão provoca a contestação do ensino religioso e põe fim às outras formas de ensino elementar que os mosteiros merovíngios difundiam entre as crianças camponesas daquela redondeza. No início, essas escolas não dispunham de lugares apropriados. Os professores recebiam os alunos em diferentes locais. Comenius, considerado um marco no contexto da Reforma, foi o primeiro a sistematizar o velho e o novo da pedagogia. Seu projeto é baseado em vários princípios, dentre eles a capacidade da adequação das questões à capacidade infantil. Ele foi inovador porque considerou a especificidade do ensino para a infância, trazendo uma nova preocupação para o ato de ensinar. Preocupava com a sistematização dos conhecimentos, chegando a criar um manual ilustrado sobre todas as coisas para facilitar a aprendizagem, pressupondo uma nova sistematização do saber. Outro movimento apontado nesse período foi o Iluminismo. Seu princípio pauta na utilização da razão para a compreensão da realidade. Se a concepção teocêntrica ‘escurecia a realidade’, o objetivo dessa era ‘iluminar e esclarecer essa realidade’. Esse movimento solidificava o primado da razão e interferia na concepção de educação. A partir daí o elemento norteador do processo educacional passa a ser o saber científico. Não teria mais um ensino livresco, mas um ensino baseado nas várias ciências – da natureza, matemática, química e física –, bem como a implantação às várias ciências sociais, dentre elas, os princípios da Sociologia. Não podiam mais analisar os fatos humanos e sociais através da teologia. Nesse momento estava começando também a era das grandes enciclopédias – Enciclopedismo –. A preocupação dos intelectuais era de classificar e atualizar o saber que se ocupara todo século XVII e a primeira metade do XVIII. Tinha como objetivo elaborar uma proposta com a sistematização científica do saber. Essa mentalidade influenciou a concepção de ensino da época. Destaca-se alguns teóricos como Diderot, D’Alambert, Pestalozzi, Rousseau e Kant. Para Rousseau, a forma de educar uma criança é afastá-la, o máximo possível da sua vida social, levando-a ao contato com a natureza. Ele enfoca uma abordagem que privilegia a discussão da infância sem submissão da fase adulta. Contesta a tese de que a criança é um adulto em miniatura; analisa a infância em si mesma. Para esse autor a educação tem por objetivo a formação da pessoa humana em todas as suas dimensões. Kant se constituiu um dos filósofos alemães mais marcantes doséculo XVIII. As crianças devem ser instruídas apenas naquelas coisas que são adaptadas à sua idade. Muitos pais alegram vendo os filhos proferirem discursos de velhos; tais crianças a nada chegam. Uma criança não deve ter senão a prudência de uma criança; e não deve transformar-se num imitador cego (KANT, 1996, p. 88). Elabora uma teoria que investiga o valor dos nossos conhecimentos a partir da crítica das possibilidades e do limite da razão. Ele entrelaça os pressupostos filosóficos aos pedagógicos. Para ele, cabe a educação formar o caráter moral: “O homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz” (KANT, 1996, p. 15). É a educação que possibilita ao homem atingir seu objetivo pessoal e social. Para Kant (1996): “O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução como formação. Conseqüentemente, o homem é infante, educando e discípulo” (KANT, 1996, p. 11). Trabalha com quatro conceitos ligados à educação: cuidado, disciplina, instrução e formação. Destaca os aspectos morais sobre os intelectuais na formação dos jovens. 3. A infância no Brasil Nos séculos XVII e XVIII, o ensino brasileiro, não apresentou modificações se comparado com o século anterior. Os jesuítas continuavam monopolizando o ensino. Este mantinha conservador e rejeitava as mudanças científicas. Era centrado no latim, nos clássicos e na religião. Interessava os poucos elementos da classe burguesa. Estava longe da realidade da colônia – agrária e escravista –, visto que eram transmitidas as questões urbanas da metrópole. As crianças negras não interessavam aos padres e continuavam excluídas do ensino. Com várias críticas ao dogmatismo jesuítico, estes são expulsos de vários países. Em 1759 o primeiro ministro de Portugal Marquês de Pombal, expulsa os jesuítas do reino e de seus domínios, inclusive do Brasil. Finalmente em 1773 a Companhia de Jesus foi extinta. A expulsão dos jesuítas desorganiza a estrutura educacional por eles montada. O ensino regular só foi substituído por outra organização uma década mais tarde, provocando um retrocesso em todo sistema educacional brasileiro. A partir do final do século XVIII e início do século XIX, as efervescências revolucionárias que antes estavam restritas à França irradiaram-se pelo resto do mundo. A Revolução Industrial originada na Inglaterra, logo alcançou todo o continente europeu. Esse processo de desenvolvimento capitalista emergiu mudanças intelectuais, políticas, econômicas e religiosas na vida das pessoas. A Revolução Industrial estabeleceu a definitiva supremacia burguesa na ordem econômica, rápida acumulação do capital, crescente pauperização de amplas camadas da população, ao mesmo tempo em que acelerou o êxodo rural, o crescimento urbano e a formação de classe operária. Estas mudanças acentuaram a necessidade das mulheres, principalmente da classe trabalhadora, se inserirem ao processo produtivo. Inaugura-se uma ‘nova época’. A escola no século XIX enfrentou muitas dificuldades de sistematização teórica. Nesse período retoma-se a questão da industrialização e sua relação com a instrução. Várias são as experiências concretas de pedagogos que atuaram nesse período. Destaca- se aqui duas consideradas muito significativas: Pestalozzi e Frobel. Pestalozzi parte da influência de Rousseau e Basedow – homem bom e inocente –, porém diferenciando desses, especialmente pelo seu processo de filantropia e pela capacidade de traduzir os princípios em prática. Seu trabalho constituiu um dos pontos de partida da nova pedagogia e de todo novo processo educativo. Inúmeros foram os trabalhos desenvolvidos por ele, com o objetivo de reeducar as crianças pobres – órfãos, abandonados e mendigos. Sua concepção concilia a formação geral e profissional. Ficou sendo considerado um dos defensores da escola popular para todos. Afirmava que a educação tinha função social, isto é, não só de instruir, mas de uma formação completa, visto que considerava o homem como um todo, cujas partes devem ser cultivadas – espírito-coração-mão. Segundo ele, cabe ao professor respeitar o aluno, tal como o jardineiro respeita a planta. Considerava a família como a base de toda educação, por ser nela o primeiro lugar que se recebe afeto. Exerceu profunda influência internacional, passando a ser referência em vários países da Europa, chegando até os Estados Unidos. Seguindo essas ideais de Pestalozzi, Frobel também contribuiu pedagogicamente para a atenção às crianças na educação da primeira infância. Foi criador dos Kindergarten – jardim de infância –, que, segundo Freitas (2003), tinha por finalidade a “educação dos sentidos” ou “despertar o divino que existe no interior da alma humana”. Considerava as crianças como “plantinhas” que precisavam ser cuidadas para crescerem bem. Privilegia a atividade lúdica para o desenvolvimento sensório-motor e inventa diferentes metodologias de trabalho para aperfeiçoar as habilidades: jogos, cantos, danças, marchas, narrações de contos e pinturas. Com a vinda da Família Real para o Brasil, início do século XIX, faz-se necessário várias adaptações administrativas, econômicas e culturais, para atender o grande número de pessoas que aqui chegaram. As cidades cresciam e a sociedade tornava mais complexa com o aumento da burguesia urbana. Conforme afirma Ribeiro (1981), iniciava uma maior possibilidade de contato com novas idéias com a “Abertura dos Portos”. Quanto a constituição do processo educacional, são criados cursos por ser preciso o preparo do pessoal mais diversificado. Com isso origina-se a estrutura educacional do ensino imperial composta dos seguintes níveis: o primário continua sendo um nível de instrução técnica - ler e escrever -; o secundário permanece a organização de aulas régias – construção de cátedras isoladas. Segundo Ribeiro (1981), pode-se dizer que as mudanças e transformações no Brasil aconteceram com muito atraso. Até então, não se pode dizer que havia uma política de educação propriamente ‘brasileira’, e conseqüentemente, a conquista da autonomia política brasileira, impunha exigências à organização educacional. Segundo alguns autores, nada melhor que o processo de escolarização para ‘correr atrás do prejuízo’. Surgem técnicos profissionais em escolarização. O grande objetivo era que todos aprendessem a ler e a escrever. Percebe-se que até hoje esse discurso vigora com a mesma intensidade, como se a educação fosse a ‘salvadora’ do mundo. Esse discurso alimenta as idéias e esperanças de transformação da sociedade, vindo caracterizar o otimismo da escola nova, que acreditava na democratização da sociedade. Era necessário elaborar um planejamento educacional capaz de atender a todos em idade escolar. Porém, as forças conservadoras de uma tradição agrária, sustentada por escravos, resistem às idéias liberais, e a clientela se reduz aos filhos dos homens livres. Houve muitas dificuldades de uma política pública educacional sistemática e planejada. A demanda pela educação primária não era meta prioritária - responsabilidade das províncias. A elite educava seus filhos em casa com preceptores pagos, os outros seguimentos sociais – poucas escolas –, restringiam a ensinar a ler, escrever e calcular. 4. Reorganização da sociedade capitalista: mudanças no sistema educacional Manacorda (2002) aponta o processo de relação entre industrialização e instrução. O lócus da organização do trabalho que até então se dava artesanalmente de forma individualou em pequenos grupos, passa-se a uma fase iniciativa do mercador capitalista. Surgem novas relações de propriedade, concentrando numa só oficina. Em momento posterior, da cooperação simples, passa-se para a manufatura, que efetua a primeira divisão do trabalho. Esse processo de transformação do trabalho desloca massas inteiras da população não só das oficinas artesanais para as fábricas, mas também do campo para a cidade, provocando conflitos sociais, transformações culturais e revoluções morais. Esse processo de reorganização da sociedade capitalista traz mudanças significativas para o sistema educacional. O ensino começa a ser modernizado surgindo a divisão do ensino: educação infantil, ensino elementar, técnico e superior. Nesse processo, segundo Manacorda (2002), houve muitos avanços em relação ás metodologias, à compreensão da infância, à sistematização do ensino, aos princípios da laicização e à universalização do ensino. Entretanto, houve também alguns retrocessos em relação à estatização do ensino, tendo a Igreja investido em novas frentes educacionais. Com inúmeras transformações sociais ocorridas, dentre elas, a emancipação das classes populares e a expansão da instrução, iniciam-se uma grande preocupação em criar um sistema adequado para poder mudar as condições sociais. Essas questões tornavam mais complexas nos momentos de crise social. Dois aspectos disputam o grande e variado movimento da renovação pedagógica, que acontece nesse período. Era preciso a presença do trabalho no processo de instrução técnico-profissional, que tendia realizar em um lugar separado – a “escola” –, em vez do aprendizado no trabalho; e a descoberta da psicologia infantil com suas exigências “ativas”. Assim, o trabalho entra no campo da educação por dois caminhos: pelo desenvolvimento objetivo das capacidades produtivas sociais (Revolução Industrial) e pela “descoberta da criança”. O critério fundamental de várias escolas e diferentes contextos sociais, passa a ser o ‘aprender fazendo’. O século XX e XXI foi e está sendo marcado pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia em quase todo mundo: novas fontes de energia, crescente urbanização, automação nas fábricas e nos campos, revolução nos meios de transportes e comunicações, entre outros. Em relação ao crescimento industrial, também foram grandes as mudanças que estimula a produção em massa.3 Este século também ofereceu grandes produções intelectuais. A infância também ganha centralidade nas discussões contemporâneas. A criança assume lugar de ‘destaque’ na organização familiar, além de ‘ganhar’ um mercado de bens que justifica atender as características próprias da infância. uma vez estabelecida a idéia de que a criança é um ser singular, com características diferentes das do adulto, passou à busca de suas peculiaridades, dos elementos próprios à sua condição como indivíduo (GHIRALDELLI JR., 2002, p. 13). A luta por uma escola pública, gratuita e laica continua sendo as exigências da sociedade. Segundo estatísticas, pode-se dizer que não há mais uma elite privilegiada que tem acesso à escola, porém não se pode também afirmar que essa totalidade de crianças, representadas nestas estatísticas, tem tido um ensino de qualidade. Segundo Manacorda (2002), procura-se substituir as exigências da pedagogia antiga pela permissividade da pedagogia atual numa escola feita à medida da criança. Faz-se necessário continuar lutando e exigindo do poder público a materialização das propostas legais, dos direitos das crianças de zero a seis anos, a começar da Constituição Federal (CF) de 1988, que considera a educação um direito subjetivo; o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Leis 8069/90); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( LDBNE) (Lei 9394/96); as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil 3 Uma análise mais ampla sobre o crescimento industrial, nas formas contemporâneas de vigência da centralidade do trabalho se encontra em: ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 1991. (DCNEI/99) e demais pareceres; a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) (Lei 8742/93); as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais. Referências Bibliográficas ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 1991. ARIÈS, Philipe. História social da criança e da família. Rio Janeiro: LTC, 1981. COMENIUS, Jan Amós. A Didática Magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. São Paulo: Martins Fontes, 2002. FARIA, Ana Lúcia Goulart e PALHARES, Marina Silveira (orgs.). Educação Infantil pós-LDB: rumos e desafios. São Paulo: Autores Associados, 1999. GHIRALDELLI, Paulo Jr. Pedagogia e infância em tempos neoliberais. In: SILVA JR. Celestino A; BUENO, M. Sylvia; GHIRALDELLI, Paulo Jr. Infância Educação e Neoliberalismo. São Paulo: Cortez, 2002. p 1-11. KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. São Paulo: Unimep. 1996. LE GOFF, Jaques. Os intelectuais na Idade Média. São Paulo: Brasileiensse, 1993. MANACORDA, Mário Alighiero. História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 2002. p. 382. MARX, Karl. O 18 Brumário e as Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. PLATÃO. A República ou: sobre a justiça. Gênero Político. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: Edufpa, 2000. RIBEIRO, Maria Luiza S. História da Educação Brasileira: a organização escolar. São Paulo: Moraes, 1981. RIBEIRO, Maria Luiza S. História da Educação Brasileira: a organização escolar. São Paulo: Moraes, 1981. 2.2 Documentos consultados BRASIL. Lei nº 9.394/96, de 20 dezembro, 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília: 20 dezembro, 1996. ___. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto Constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais números 1/92 a 44/2004 e pelas Emendas Constitucionais de revisão números 1 a 6/94. Brasília – Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2004. ___. Lei nº 8.069, de 13 de jul. de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Imprensa Nacional, 1997. ___. Resolução CEB nº 1, de 07 de Abril de 1999. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial da União. Brasília: 13 de abr. 1999.
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