Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A OMISSÃO PENAL NA DOUTRINA DE ARMIN KAUFMANN Flavio Ribeiro da Costa Especialista em Direito Publico UFU. Advogado Introdução, 1. Evolução epistemológica da omissão,1.1.Visão retrospectiva da omissão,1.2.Primeiras idéias sobre sistema naturalista,1.3 Neokantismo, 1.4 Finalismo,1.5.Finalidade como causalidade do potencial,1.6 Funcionalismo,1.7 Sistema Constitucionalista,1.8.Relevância da omissão no código de 1940, 1.9.O crime omissivo impróprio no código 1969, 1.9.1. O Atual dispositivo na reforma de 1984. 1.9.2 Os crimes Comissivos por Omissão 2. Doutrina de Armin Kaufmann, considerações finais. Resumo O presente estudo não pretende esgotar o estudo acerca do tema, sem exagero. Seu escopo é o de, após exame da doutrina estrangeira e nacional, apresentar os fundamentos na atual dogmática do direito penal e os subsídios para a discussão do assunto e, a real necessidade do questionamento acerca da eficácia do método KAUFAMNN, utilizado para a definição do crime comissivo por omissão. Propõe-se uma orientação desvinculada das realidades ontológicas previas, devendo guiar-se pelas finalidades do Direito Penal. Pode-se afirmar que o presente trabalho faz parte de uma seleta e restrita contribuição para conseguimos chegar a reavivar os debates a respeito da teoria da ação esperada de MEGZER, merecendo ainda muita discussão. Palavra chave: Crimes Omissivos por Comissão, Omissivos, Comissivos. Introdução. O comportamento humano é objeto de atenção para as ciências criminais, que tentam explicar ou pelo menos compreender as diferentes manifestações de atos dos indivíduos. Para a ciência do Direito Penal, o assunto, conduta humana, constitui um dos primeiros aspectos, no estudo da estrutura do delito, dentro do conceito de crime. O crime comissivo por omissão, em direito Penal, é um assunto que emerge amplo debate a respeito de sua problemática, assim nesta pequena contribuição, será abordada, num complexo de exposições, uma análise dogmática moderna, razão porque, nos compreendemos que, pouco a pouco, poderemos perpetrar a elucidação de um assunto que ainda merece muito estudo com a profundidade e a análise que merece. Assim, com a licença permitida, esclarecemos que nós tentaremos com estas linhas, mostrar os aspectos essenciais sobre o crime comissivo por omissão, com a simplicidade dos máximos e sem pretensão filosófica. 1 O tema faz enfatizar que a doutrina não fez progredir o significado essencial deste ilícito que, apenas o comparou com outros institutos de reflexão do direito Penal, não chegando ao grau e na investigação da análise que se esperava. A comissão ou a ação, sempre foi considerada como o ponto da partida para a definição do crime. Por essa razão, os crimes de omissão foram tratados por muitos peritos da doutrina penal, como parte integrante do primeiro, conceito que mudou (embora não totalmente) dentro do direito Penal, de tantas posições e das considerações daqueles que acreditam que hoje a omissão é uma forma da conduta humana independente da ação, embora carregue relação com esta. Na opinião MEZGER somente a omissão pura teria que ser considerada crime, visto que a imprópria, ou comissiva por omissão, pertenceria ao espaço dos crimes de ação. De encontro à razão a esse parecer, um outro setor da opinião, dirigido por WELZEL, compreende que ambos mostram uma problemática em comum, duas formas que podem ter os crimes de omissão. Nos casos contemplados pelo direito positivo, no crime comissivo por omissão, a sociedade esperou do sistema legal, um comportamento positivo porque da realização deste comportamento dependeu a proteção de um interesse legalmente protegido que também, tivesse que ser guardado na razão às considerações humanitárias “o defeito da omissão Imprópria ou da comissão”. Alguns autores da doutrina, entre eles JUAN RAMIREZ, concordam que o crime comissivo por omissão, que especificamente não são tipificados pelo legislador, por sua estrutura, permite também a omissão; assim citam o exemplo clássico da mãe que não nutre seu filho e o deixa morrer de fome. O problema fundamental desta forma de omissão, não é esse para decidir-se se trata de uma ação ou uma omissão, porque é claramente omissão, mas sua relação com o princípio de legalidade. Não acolhido como formula expressa porque entendido desnecessário pelo legislador de 1940, conforme justificativa apresentada a época. HUNGRIA dissertava que a relevância causal da omissão repousava em muito no caráter de antijuridicidade da conduta, mas não antevia com o costumeiro acerto o vazio tipológico, que adviria da falta de disposição a respeito. Redimindo de tal falha, HUNGRIA justificava, nas entrelinhas, por prever expressamente a hipótese em que a omissão valesse como causa, mas não frizar as suas fontes de dever jurídico. 2 Instituída a nova Parte geral do Código Penal (Lei 7.209/84) e acolhido o dispositivo previsto no artigo 13, § 2º. Nada mais interessante de que analisar o instituto dos crimes comissivos por omissão também sob a perspectiva histórica positiva, apesar da enorme dificuldade que certa o tema, ou talvez precisamente devido à necessidade de se buscar a clarificação, inclusive devida aos trabalhos de ARMIN KAUFMANN, que demonstra serem insatisfatórias as soluções dadas pelas teorias que passaremos a apresentar. 1.0 A evolução epistemológica da omissão. Em relação aos antecedentes pré-dogmaticos da omissão nós podemos remontar as reflexões suscitadas em torno da antiga filosofia. Nesse sentido, o conceito da omissão foi compreendido como a relação de existência ou não existência de qualquer coisa. Em Roma, CÍCERO se expressa na seguinte forma: “tudo o que quer que aconteça, acontece pelo trabalho de uma causa antecedente: conseqüentemente, tudo acontece pelo trabalho do destino” Em um outro contexto, na filosofia grega, nós encontramos PLATÃO, que dizia: “tudo o que é carregado, é carregado necessariamente pela ação de uma causa, porque é impossível que algo possa ser carregado sem causa”. No direito canônico, a omissão, também foi abordada, mas da perspective da causa de uma omissão pecaminosa. SANTO TOMÁS dissertava, em sua teologia, que na omissão, sua essência consiste em uma privação voluntária, ou na permissão do ato emitido; de modo que o ato somente pudesse constituir sua essência como a causa ou ocasião para emitir, que é necessária de modo que a omissão seja voluntária. (BIERRENBACH, Sheila de Albuquerque. Crimes Omissivos Impróprios. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1996). As legislações do século XVII, cercadas pela doutrina filosófica, consideraram que ao lado das ações também estiveram incluídas/compreendidas às omissões, mas sempre as penalidades para esta última eram mais benignas. Sem a pretensão de rigorosamente referir a datas ou fatos cronologicamente vinculados, o presente opúsculo traz à baila algumas das primeiras referências acerca dos delitos omissivos. 3 Outras referências que a doutrina faz, é quanto àquele que mantém sob sua custódia um prisioneiro e acaba deixando este morrer por não lhe prover condições de vida (não lhe fornecer alimento, não tratar moléstias graves, etc.). E também surge desde os primórdios, o conhecido exemplo da mãe que deixa o filho morrer por inanição. No mesmo século, ANSELM RITTER VON FEUERBACH expressa uma condição geral dos delitos omissivos. Ou seja, para ele haveria delito de omissão quando uma pessoa tem direito a real exteriorização de atividade de outro. Inclusive, traz a lei e o contrato como fontes jurídicas do dever de impedir o resultado. LUDEN é quem contribui com o Direito Penal,na mesma época, distinguindo omissão própria e imprópria. Ele sustenta que um homem quieto é imprevisível e se ele não faz uma coisa fará outra (LUDEN, Uber Den Tatbestand Der Verbechenm, 1840). 1.1. A visão retrospectiva da omissão e de sua vinculação com as teorias da ação: começo da teorização científica dos crimes da omissão. O período de iniciação do debate em torno do conceito da omissão deve ser ficado situado no final do século XIX, no calor da altura do domínio do causalismo naturalístico na dogmática penal alemã, quando o conceito da ação no sistema penal alcançou seu componente causal máximo no trabalho de FRANZ VON LISZT. Nos sistemas anteriores ao causalismo, o conceito idealístico de ação e do crime, na escola hegeliana, em ordem, não criou problemas significativos à punibilidade da omissão, de modo que, em primeiro lugar, o conceito de ação era construído na base da teoria da imputação. Em segundo lugar, nele a coisa decisiva era à vontade; a ação aparece como uma exteriorização da vontade e da moral. Considerar que a evolução histórico-dogmatico do crime omissivo como modelo da imputação típica e, em outras palavras, a evolução que girou em torno da teoria da ação. O conceito de omissão não pode ser compreendido historicamente como o da ação e não se tem que compreender em um momento restrito, mas em toda a amplitude da palavra, mas a referência, em aparente conduta, derivou-se da ação. Dentro do sistema jurídico-penal historicamente concebido, a exteriorização da ação, conseqüentemente, esta mais adiante, como veremos, para ser uma “involução” em alguns aspectos da omissão. Nas linhas que seguimos, nós mostraremos alguns destes estágios evolucionários com relação ao crime omissivo. 1.2. O sistema naturalista-positivista. 4 O conceito naturalista de ação e omissão mostra claramente a influência da filosófica positivista, cuja idéia pretendiam transplantar, para a área das ciências humanas, os métodos e as leis das ciências da natureza. A falha da teoria causal da ação era fundamentalmente que o conceito unitário de ação, não poderia dar a resposta nem à omissão nem aos crimes da mera atividade, porque era um conceito excessivamente amplo. Em tal sentido, um problema grave aparecia, na teoria do causalista – positivista, o tratamento dos crimes de omissão, no sistema de imputação, era incapaz de explicar o porquê do “não fazer” causa a configuração de um fato punível. Dentro da estrutura do naturalismo-positivista, - onde as primeiras concepções foram desenvolvidas sobre a ação, as concepções sobre as omissões no mundo exterioras foram consideradas um nada. Sem dúvida, a pretensão a encontrar um conceito unitário que poderia incluir/compreende a ação e a omissão, era num mesmo momento, a busca da dogmática. Pode-se sistematizar que o conceito causal da ação não poderia servir de base comum à ação e à omissão, devido a sua estrutura, que compreendia a vontade o movimento corporal e o resultado, assim concebido em seu aspecto natural, ou axiologicamente neutro, conforme a teoria acromática, sistema LISZT-BELING, (BIERRENBACH, Sheila de Albuquerque. Op. Cit, p. 70). Como se sabia que a característica da omissão era – abstenção de um comportamento e a ausência de vontade, para se ter um processo causal, necessário era enfrentar o resultado típico, no conceito de voluntariedade, assim intrínseco à idéia da ação, (para compreender qual era certamente a intenção do agente com relação ao fato cometido), necessária, se tornava um resgate a uma categoria dogmática diferente: a culpabilidade. A omissão não coube na descrição feita por VON LISZT, e, implicou a impossibilidade de conceber dogmaticamente a omissão imprópria ou comissão por omissão. A teoria causal da ação teve que encontrar soluções satisfatórias a uma realidade atual de conduta diferente dos crimes comissivos. A omissão era, no geral, a não realização de determinado não fazer esperado. Omitir é um verbo transitivo. Não significa não fazer, mas não fazer algo. Algo natural no conceito de omissão aparece também para a ação causal BELING. Este conceito de omissão é incluído/compreendido em toda sua dimensão com relação ao conceito da ação mantido por BELING, que afirmava que a ação é um movimento corporal voluntário. 5 Com o fruto do pensamento monista no causalismo. O critério da equivalência – constitui mera conexão causal, de fato, um corpo completamente estranho na teoria moderna, não obstante, as razões do tradicionalismo, tanto quanto a jurisprudência e doutrina dominante, continuam dando boas-vindas a esta fonte. Também uma outra solução pode ser ficada situada, isto porque a teoria causal da ação esteve dividida, de acordo com o tipo de solução que procurou, em duas tendências: no chamado sistema categorial e o teleológico sistemático. Finalmente, é significativo considerar, que dentro da teoria naturalismo- positivista, com relação à realização da omissão, concepções negativas, levantaram a discussão acerca da concepção das condutas comissivas por omissão. Após a aplicação contínua da teoria causal da ação, passou-se a considerar que esta não se aplicaria em delitos omissivos, pela carência da causalidade entre a não realização de uma ação e o resultado. A omissão para LISZT consistiria então, em não impedir, voluntariamente o resultado, e a manifestação de vontade se dão pelo non facere, voluntariamente um movimento corporal realizável e que deveria ser realizado. Por fim, repetida vez tentou-se encaixar os delitos omissivos nesta teoria sem que se chegasse ao fim desejado, qual seja a adequação aos delitos de omissão. Inclusive EDMUND MEZGER exímio defensor deste pensamento, valia-se de elementos alheios à conduta humana sem que houvesse resultado. (WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman. Tradução de Juan Bustos Ramírez e Sérgio Yáñez Pérez. Santiago do Chile: Editorial Jurídica de Chile, 1997). 1.3. Neokantismo No neokantismo os juristas (FRANK, MAYER, RADBRUCH, SAUER, MEZGER etc.) criticaram duramente a concepção neutra de ação e omissão formulada no causalismo, sublinhando o aspecto valorativo do tipo legal. No campo penal, admitiu-se, por influencia da filosofia neokantiana, um conceito valorativo de ação e de conduta humana, como atuação da vontade no mundo exterior, mas que não deixou de ser um conceito causal e positivista. A orientação casual-positivista no conceito de ação e omissão cede lugar à causalidade valorativa, dando nascimento ao conceito neoclássico de delito. Evolve o conceito de ação, igualmente, a omissão e a noção de tipicidade se vê enriquecida por elemento valorativo. 6 O tipo não descreve uma conduta neutra, sim, uma conduta valorada negativamente pelo legislador (o matar alguém não é neutro, é algo valorativamente negativo). O tipo penal não objetivo e neutro é objetivo e valorativo, ao mesmo tempo. Apesar de toda ênfase dada ao aspecto valorativo do Direito penal (que não é uma ciência naturalista, sim, valorativa), no que concerne à estrutura formal (ou objetiva) da tipicidade pouco se alterou: continuou sendo concebida preponderantemente como objetiva. A tipicidade penal, para o neokantismo, é tipicidade objetiva e valorativa. O lado subjetivo da tipicidade só viria a ser admitido (alguns anos depois) com o finalismo de WELZEL. Por ultimo, o conceito de culpabilidade se transforma de exclusivamente psicológico para psicológico-normativo. Teoria normativa de FRANK. 1.4. Sistema finalista. Para o sistema finalista, objeções foram centradas, como no causalismo, na omissão. Na teoria final, a linha principal, considerava a omissão, um ponto ontológico. As normasjurídicas não podem proibir ou ordenar meros processos causais, dirigidos finalisticamente. WELZEL, entendendo que o assunto não era fácil, com a passagem do tempo, modificou seu pensamento com relação à natureza dos crimes de omissão, em um primeiro momento, porque considerava que a omissão era um problema específico na vontade e depois, porque considerava que a omissão era um problema da finalidade e do causalismo. Para KAUFMANN, que fez os estudos mais aprofundando da omissão no campo do finalismo, a omissão era tratada como um problema da vontade. Ademais, não há de se falar em causalidade na omissão, já que não existe uma relação de causalidade, em sentido estrito, entre a omissão e a produção do resultado delitivo. O resultado é conseqüência de uma serie de condições existentes, de uma serie de fatores causais concorrentes. Nos delitos comissivos por omissão, o agente podia (devia) evitar a produção do resultado e não o fez, mas não o causou. A omissão por isso, nunca criou ou aumentou o perigo da produção do resultado. Contra essa posição, manifesta-se, por exemplo, Antolisei, que considera a controvérsia sobre a causalidade na omissão como uma das mais infecundas da ciência do Direito. ARMIN KAUFMAN ao manter que a capacidade da ação é um elemento comum entre o ativo e a conduta omissiva, junto com sua natureza pré-legal, torna 7 possível afirmar que ambas os formas de condutas, estão baseados em um conceito comum, adicionando à ação ou a omissão um elemento intelectual, assim, o omitente deve ter o conhecimento da situação e a possibilidade real para planear a realização da ação final. 1.5. A omissão como finalidade e causalidade do potencial. Mais tarde, neste novo estágio, o finalismo elaborou um novo conceito da ação final com o da omissão para promover a harmonização, - porque se entendia que a ação e a omissão eram duas subclasses independentes dentro da “conduta” suscetível a ser dirigida por uma finalidade potencial, por um causação potencial. Para WELZEL, a omissão não é um mero conceito negativo, mas uma “limitação”: é a omissão de uma ação possível do autor, aquele que seja subordinada então ao poder final do fato à finalidade potencial da pessoa (WELZEL, Hans. Op. Cit, p. 262). A omissão é à vontade da finalidade potencial (possível) de uma pessoa com relação a alguma ação. Somente essa ação que é subordinada ao poder final do fato (domínio do fato) de uma pessoa, pode ser omitida. Logo a fim de fazer específico seu pensamento descreve um exemplo: “Os habitantes de Berlim não podem” omitir “o salvamento de uma pessoa que sufoque no Rio. A omissão não significa mero não fazer qualquer coisa, mas não fazer possível uma ação subordinada ao poder final do fato de uma pessoa que faz o específico” Em todo o argumento, tanto para aos crimes comissivos, como para omissivos a finalidade deve estar atual. GIMBERNAT indica que a teoria final e causal concorda com o respeito às exigências necessárias para existe uma ação humana: não é imaginação que uma atividade é ação para a teoria causal e o processo natural para finalismo (RAMOS, Enrique Peñaranda; GONZÁLEZ, Carlos Suárez; MELIÁ, Manuel Cancio. Um novo sistema do direito penal. Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Barueri: Manole, 2003, p. 1 e seguintes) 1.6 O Funcionalismo. Para o sistema funcional o conceito de ação e omissão passou a ter configuração bem distinta a partir do conceito normativo do funcionalismo (todas as categorias do delito acham-se em função da finalidade da pena), sobretudo o teleológico-racional de ROXIN. A propósito, foi com o funcionalismo de ROXIN (1970) e de JAKOBS (1985) (teleológico e sistêmico) que o conceito do tipo penal, passou a ganhar uma tríplice 8 dimensão: (a) objetiva; (b) normativa e (c) subjetiva (ROXIN in KREBS, Pedro. Teoria jurídica do delito. Noções introdutórias: tipicidade objetiva e subjetiva. Barueri: Manole, 2004). O que o funcionalismo agregou como novidade na teoria do tipo penal e da ação foi a imputação objetiva, ou seja, a segunda dimensão (normativa ou valorativa) do tipo penal. Não basta para a adequação típica o "causar a morte de alguém" (posição do causalismo de VON LISZT-BELING) ou mesmo "causar dolosamente ou culposamente a morte de alguém" (posição do finalismo de WELZEL). O tipo penal, depois do advento do funcionalismo, não conta só com duas dimensões (a formal-objetiva e subjetiva), sim, com três (formal-objetiva, normativa e subjetiva). Tipicidade penal, portanto, significa tipicidade formal-objetiva + tipicidade normativa (imputação objetiva da conduta e imputação objetiva do resultado) + tipicidade subjetiva (nos crimes dolosos). O tipo penal passou a fazer parte da imputação objetiva (dimensão normativa do tipo), que se expressa numa dupla exigência: (a) só é penalmente imputável à conduta, ação ou omissão, que cria ou incrementa um risco proibido (juridicamente desaprovado); (b) só é imputável ao agente o resultado que é decorrência direta desse risco. O comerciante que vendeu a faca não pratica fato típico nenhum porque sua conduta, ação ou omissão é criadora de risco permitido. Quem cria risco permitido não realiza nenhum fato típico. Falta a tipicidade normativa. 1.7. Sistema constitucionalista. A última etapa evolutiva da teoria do tipo e no conceito de ação e omissão, em direito penal, deu-se a partir da concepção constitucionalista, fundada na inegável aproximação e integração entre o Direito Penal e a Constituição. A teoria constitucionalista enfoca o delito como ofensa (concreta) ao bem jurídico protegido (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico) (cf. GOMES, Luiz Flávio, Princípio da ofensividade em Direito penal, São Paulo: RT, 2002). Não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria). Esse lado material do delito (ofensa ao bem jurídico), que antes recebia tratamento dentro da antijuridicidade (material), passou a ganhar relevância também dentro da tipicidade. 9 Sublinhe-se, de outro lado, que por força do princípio da intervenção mínima, essa ofensa deve ser grave e intolerável e o bem jurídico sumamente relevante. Crime, portanto, nada mais é que uma ofensa grave e intolerável a um bem jurídico relevante protegido pela lei. De outro lado, a partir dessa premissa cabe concluir que a tipicidade penal é composta de quatro dimensões: (a) tipicidade formal-objetiva + (b) tipicidade normativa (imputação objetiva da conduta e do resultado) + tipicidade material (resultado jurídico relevante = lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico) + tipicidade subjetiva (nos crimes dolosos). No funcionalismo, a tipicidade tem três dimensões. Com a teoria constitucionalista o tipo penal passa a contar com quatro dimensões. O marco central da teoria constitucionalista do delito, como se vê, consiste em concebê-lo como ofensa a um bem jurídico assim como a inserção dessa ofensa dentro da tipicidade, ao lado da imputação objetiva. A dimensão material da tipicidade consiste na exigência de um resultado jurídico relevante (presente em todos os crimes). Tanto o bem jurídico quanto a sua ofensa, que antes andavam perambulando pela teoria do delito como estrelas perdidas, passaram a ter relevância ímpar. Ao lado dos clássicos princípios do Direito Penal (legalidade, culpabilidade, responsabilidade subjetiva etc.) dois novos passaram a ocupar relevante espaço: princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos e princípio da ofensividade (que é chamado por ZAFFARONI e FERRAJOLI, dentre outros, de princípio da lesividade). (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito PenalBrasileiro. Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 519). Sucintamente: (a) da primeira dimensão (formal-objetiva) fazem parte: (a) conduta, ação ou omissão; (b) resultado naturalístico (nos crimes materiais); (c) nexo de causalidade e (d) adequação típica formal (subsunção do fato à letra da lei); (b) integram a segunda dimensão (normativa): (a) a imputação objetiva da conduta e (b) imputação objetiva do resultado; 10 (c) o resultado jurídico relevante (ofensa transcendental - contra terceiras pessoas - grave e intolerável a um bem jurídico relevante protegido pela lei) pertence à terceira dimensão; (d) a quarta dimensão (subjetiva), que só é exigida nos crimes dolosos, é composta (a) do dolo e, eventualmente, (b) de outros requisitos subjetivos específicos. Do ponto de vista sistemático, a ordem de todos esses requisitos é a seguinte: (a) conduta, ação ou omissão; (b) resultado naturalístico (nos crimes materiais); (c) nexo de causalidade; (d) adequação típica formal (tipicidade formal-objetiva); (e) imputação objetiva da conduta (tipicidade normativa); (f) resultado jurídico relevante (tipicidade material); (g) imputação objetiva desse resultado (tipicidade normativa) e (h) imputação subjetiva (nos crimes dolosos). Enfatizando: depois de constatada a tipicidade formal-objetiva (primeira dimensão), fundamental é também verificar a tipicidade normativa (segunda dimensão), que é composta (obviamente) de requisitos puramente normativos (imputação objetiva da conduta e imputação objetiva do resultado), assim como a tipicidade material (resultado jurídico relevante = transcendental, grave e intolerável). Nos crimes dolosos ainda se requer a imputação subjetiva (quarta dimensão, constituída do dolo e eventualmente outros requisitos subjetivos específicos). Exemplificando: no caso do homicídio ou do aborto, por exemplo, não basta (para a tipicidade penal) constatar a causação de uma morte ou de um fato abortivo (a parte objetivo-formal) ou mesmo a sua causação dolosa (dimensão objetiva mais subjetiva). Mais que isso (e, aliás, antes da verificação da imputação subjetiva): fundamental agora é perguntar se a conduta causadora da morte foi praticada no contexto de um risco permitido ou proibido, se desse risco derivou um resultado jurídico e se esse resultado jurídico tem direta conexão com o risco criado). Em primeiro lugar e desde logo, portanto, cabe perguntar: o risco gerado (para o bem jurídico) é ou não desaprovado juridicamente? Para que haja responsabilidade penal, como se vê, já não basta a simples causação objetiva de um resultado (mero desvalor do resultado). Isso é necessário, mas não é suficiente. A tipicidade penal, de outro lado, já não é tão-somente formal ou 11 fático-legal (ou formal-objetiva). É também material e normativa. Causar não é a mesma coisa que imputar. Causação é distinta da imputação. Por isso que o art. 13 do nosso Código Penal diz: "O resultado, de que depende a existência do crime, só é imputável a quem lhe deu causa". O causar está no mundo fático (mundo da causalidade). A imputação pertence ao mundo axiológico (ou valorativo). O causar é objetivo (pertence ao mundo da causalidade, ao mundo fático). A imputação é normativa (depende de juízo de valor do juiz). O causar é formal. A imputação é normativa e o resultado é requisito material (de garantia). Causação e imputação, em suma, são conceitos complementares, porém, distintos. Depois de comprovada a causação de um resultado (naturalístico), impõe-se examinar, numa segunda etapa, a imputação assim como a produção de um resultado jurídico relevante. Do exposto se extrai que nem tudo que foi mecanicamente causado pode ser imputado ao agente, como fato pertencente a ele (como obra dele pela qual deva ser responsabilizado). Aquilo que se causa no contexto de um risco permitido (autorizado, razoável) não é juridicamente desaprovado, logo, não é juridicamente imputável ao agente. Na lesão esportiva (dentro das regras do esporte) há a causação de um resultado, mas isso não pode ser objetivamente imputado ao agente (porque se trata de risco permitido). Diga-se a mesma coisa em relação à intervenção cirúrgica, à colocação de ofendículos, ao exercício de um direito etc. Tudo que se produz no contexto de riscos permitidos não é objetivamente imputável (não é fato típico, ou melhor, não é um fato material e normativamente típico). 1.8. A relevância da omissão perante o código penal de 1940. O silêncio do legislador de 1940 suscitou relações doutrinarias díspares. Aquela altura já se consolidava, mundo afora, a idéia de que a lei penal procura sempre um fim de tutela para certos interesses, e que toda e qualquer conduta, desde que resulte em ofensa ou ameaça a tais interesses, deve ser considerável quer consista num facere ou num omittere (cf. ARAUJO, Laurentino da Silva, Código Penal Português, Coimbra: Coimbra LTDA, 1966. p 11-13). É na doutrina alienígena, como a nacional, bem estabelecida o pressuposto do dever de evitar um resultado, como os oriundos da lei, da ordem do superior hierárquico, de uma situação contratual ou profissional. A estes, a doutrina portuguesa acrescentaria os resultantes de uma situação de fato (o que adviria de uma ação anterior licita, como o do que promove queimada e tem que impedir o alastre) ou dos deveres 12 resultantes da moral e dos costumes, numa ampliação arrojada para a época exemplificando com o não andar nu pelas ruas, quando, aí, a conduta era nitidamente comissiva. Em sua obra principal, o mestre BASILEU GARCIA teceu comentário bastante sucinto quando aos próprios delitos comissivos por omissão, sem qualquer preocupação de detalhamento “caracteriza-se a existência da infração quando o sujeito ativo tem o dever de praticar ato de que se obstem” (GARCIA, Basileu, Instituições de Direito Penal, Max Limonad, 5ª ed.: 222). Calava-se quando ao tema, seguindo os passos do legislador ao tratar da relação causal. ANIBAL BRUNO igualmente pouco discorre acerca da matéria limitando-se a pouco mais que dizer. “A punibilidade da omissão é” outro problema, cuja solução depende da comprovação de concorrência de outro elemento do fato punível, a partir da antijuricidade, resultante do dever jurídico de agir, que incumbia ao omitente (BRUNO, Aníbal, Direito Penal Parte Geral, São Paulo: Forense, tomo I, 1967). MAGALHÃES NORONHA parece ter sido um dos que mais atentou olhar dirigiu à questão. Admitiu expressamente a omissão sob um posto de vista naturalístico. Para o renomado autor, razão se encontra na teoria Naturalística, portanto. Mas, nem por isso afasta a necessidade de afirmação de seu conteúdo antijurídico: Mas, ao Direito penal elas só interessam quando tem relevância jurídica ou se opõem ao COMANDO da norma legal, o que lhes dá conteúdo normativo. Não se cansa de demonstrar que a omissão é um fato e não uma abstração. (NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal, São Paulo: Saraiva v1, p.106). Refutando-se, aos adeptos de tal superfetação erguia-se a voz de PAULO JOSÉ DA COSTA JUNIOR, de formação nitidamente clássica italiana ao deliberar que não poderia os legisladores brasileiros suprimir o dispositivo em questão, previsto no projeto ALCANTAR MACHADO, que antecedeu o código penal. Sem ele não será possível promover a condicionalidade hipotética omissiva à categoria de causa. Necessário, portanto, o decreto de promoção normativa. Ausente a ficção legal, a omissão perde sentido. Dois, portando, os pressupostos da causalidade omissiva: a conexão condicionalhipotética entre conduta e evento; e a violação de uma obrigação jurídica de intervir. Neste ponto, vê-se, claramente que o ex-professor titular de Direito Penal da faculdade de direito da Universidade de São Paulo afirmava o que outros 13 intuíam: a falta de tipicidade dos delitos comissivos por omissão. (COSTA JUNIOR, Paulo José da, Direito penal Objetivo, São Paulo: Forense Universitária, 1989, p.32). Esta precisamente, a grande critica que se fazia e cada vez mais tomando espaço na doutrina mundial. Faltava-se a tipicidade ao denominados delitos omissivos impróprios, faltava-lhes legalidade. 1.9. O crime omissivo impróprio no Código de 1969. Os crimes são praticados mediante uma conduta humana que consiste em um fazer ou um não fazer. Os primeiros classificam-se como crimes de ação, ou crimes comissivos. Os segundos como crimes de omissão, ou omissivos. A primeira espécie de omissão conhecida pela Ciência Penal compreendia, singelamente, em "não fazer o que a lei manda". Essa lei deveria, pois, ter característica mandamental, ou preceptiva. Nas Ordenações Filipinas incriminavam-se os que "encobrissem os que querem fazer mal" (Título CV), o que já é uma forma de omissão penalmente relevante. No artigo segundo, parágrafo primeiro, do Código Criminal do Império, tipificava-se como crime "toda ação ou omissão voluntária contrária às leis penais”. A falta de exação no cumprimento dos deveres era punida na forma omissiva (art. 153). A omissão foi alcançada pelo Código Penal de 1890, cuja redação do artigo segundo não deixou dúvidas, e manteve-se na Consolidação das Leis Penais de 1932 (art. 2°). "A violação da lei penal consiste em ação ou omissão." O artigo 338 punia a "omissão de declarações no registro civil". Vimos que até o presente momento, a espécie de omissão punida tinha de estar necessariamente tipificada. Porém, a doutrina começou a questionar-se a respeito da possibilidade do "fazer mediante um não fazer". Quando o sujeito, em determinadas situações tivesse o dever jurídico de agir, embora essa conduta não constasse de uma norma mandamental. Com o advento do Código Penal de 1940, o nexo de causalidade assumiu importância ímpar, procurando-se excluir o "versari in re illicita", dizendo-se que crime é a ocorrência de um resultado, cuja causa somente é imputada a alguém a título de ação ou omissão (art. 11). Segundo o escólio de PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR o Projeto de ALCÂNTARA MACHADO continha dispositivo que a Comissão Revisora deliberou suprimir: "Não impedir um evento, que se tem o dever jurídico de evitar, equivale a causá-lo.” Conta-se que NÉLSON HUNGRIA teve papel preponderante para essa 14 modificação, que nem da Exposição de Motivos do Código de 1940 constou (COSTA JUNIOR, Paulo José, do nexo de causalidade, São Paulo: 1964, 303). Surgia, pois, no Anteprojeto de ALCÂNTARA MACHADO o que se viria a conhecer como crime omissivo impróprio. Como bem afirmou COSTA JÚNIOR, não podia o legislador brasileiro suprimir aquele dispositivo. O Anteprojeto de Código Penal apresentado em 1963 a convite do governo JÂNIO QUADROS, pelo Ministro aposentado do Supremo Tribunal, NÉLSON HUNGRIA, procurou re-introduzir o delito comissivo por omissão no Direito Pátrio. O fez, conforme a exposição de motivos do Código de 1969, por que: "Não se encontram tipificados na lei vigente, nem nos Códigos de sua época... (...) como se demonstrou, amplamente, a ilicitude aqui surge não porque o agente tenha causado o resultado, mas porque o não impediu violando o seu dever de garantidor... (...) o dever jurídico de impedir o resultado surge basicamente com a lei, com o contrato, ou com a atividade causadora do perigo, mesmo sem culpa... (...) não é propriamente do contrato que surge o dever jurídico, mas de sua projeção social, como espécie de direito público, exercendo-se não em relação aos outros contratantes, mas ao corpo social. (.Exposições de Motivos, n.1 D. O.U. de 21 .10.69, n 9)” Com sucessivos adiamentos, o Código NÉLSON HUNGRIA não entrou em vigor. Enquanto isso, o Código de 1940 viu-se aperfeiçoado por inúmeras leis, até que no governo GEISEL, sendo Ministro da Justiça, o Dr. ARMANDO FALCÃO, revogou- se o Código de 1969, sob o singelo argumento: "O Código de 1940 se tornara mais atualizado que o vacante”. Com isso, o delito omissivo impróprio virou discussão bizantina. Porém, a redação do Código de NÉLSON HUNGRIA foi praticamente repetida pela Comissão Revisora da Parte Geral, em 1984. Corrigiu-se o pequeno defeito que consistia em "criar o risco de sua superveniência", a toda vista vago, impreciso, substituindo-o, por "risco da ocorrência do resultado". A Revisão de 1984, presidida pelo Ministro FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, achou de maior facilidade dividir as hipóteses da relevância da omissão, em alíneas. (art. 13§ 2°, letras a, b e c). Além disso, segundo HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, "a lei vigente especifica as fontes do dever jurídico de impedir o resultado, sob a rubrica imprópria de relevância da omissão, diversamente do que ocorria na redação original do Código de 1940" que silenciava sob as fontes do dever de atuar, que poderia implicar em direito 15 penal consuetudinário. (FRAGOSO, Heleno Cláudio, Direito penal comentários, São Paulo, 2003) 1.9.1. O atual dispositivo na formula adotada na reforma penal de 1984. O atual dispositivo repete quase que identicamente, a proposta de NELSON HUMGRIA, que constituiu o malfadado código de 1969: Art. 13 – o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa, a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. §1º-... Relevância da Omissão. § 2º - A omissão é penalmente relevante quando omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever incumbe a quem: a) Tenha a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) De outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) Com seu comportamento anterior criou o risco da ocorrência do resultado. De inicio, constata-se a convivência de um critério mecanicista (caput), e de uma forma normativa (§2) no preceito, o que é incongruente, como alertou RENÉ ARIEL DOTTI, lembrado por Damásio. A explicação para tanto e dada pelo ultimo doutrinador, no sentido de que “a incongruência do texto atual não se encontra no Projeto do CP”. Deveu-se à emenda no Congresso, não convence, na medida em que o mesmo defeito ostentava na formular proposta por HUMGRIA em 1963. A explicação dada por RICARDO ANTUNES ANDREUCCI e SERGIO MARCOS DE MORAES PITONBO, membros da comissão responsável pela atualização da reforma, é mais convincente: Volveu-se, neste passo, seguindo a linha dos legisladores atuais, a formula que se continha no Código de 1969, para disciplinar a relevância etiológica da omissão, estabelecendo-se os destinatários do preceito primário, para o que se concretizou, em elenco, o prévio dever de agir. O conteúdo da norma, contudo, não implica a adesão, pura e simples a um conceito normativo, mesmo porque, mantida a referencia, de origem naturalística, à omissão no caput, as hipóteses em que se instaura o dever de agir melhor se ajustam à antijuricidade do que ao tipo. O legislador, nesta matéria, como em outras, não assumiu compromisso doutrinário que transcendesse a sua tarefa especifica (cf. Trabalho apresentado ao colóquio nacional 16 preparatório do 12º Congresso Internacional de Direito Penal in Revista de direito penal, n 33). Interessante notar que, sob os aplausos do não menos JIMENEZ DE ASUA, volvia-se a singela explicação prestada pelo próprio ALCANTARA MACHADO, ao inicio da “atoarda”, como se tem da referencia. (Asua,Luiz Jimenes de, op, cit 1153). E, portanto, definitivamente, incorporava o legislador á lei pela brasileira o que a grande maioria dos doutrinadores da época de 1940, e a quase totalidade dos da época atual o faziam: a relevância jurídica da omissão e os casos de tal relevância/dever. Para que o principio da legalidade não sofresse qualquer esbarrão, só estava se possível, a explicitação dos tipos penais, que comportassem a forma omissiva imprópria, o que ficou para o futuro. Procedente, como sempre, a observação de ALBERTO SILVAFRANCO: Diante da alternativa ou enumerar, em artigos de lei, as fontes geradoras do dever de atuar, ou compor, tal como ocorre com o crime culposo, figura atípica de omissão imprópria, não há duvida de que a opção melhor atende ao direito de liberdade do cidadão e a segunda. O legislador de 84 preferiu, contudo definir se pela primeira, acolhendo, em linhas gerais, no texto legal, a tipologia clássica das fontes geradoras do dever de atuar, sem concessão alguma ás considerações da doutrina mais moderna, a respeito de fontes desse dever, de conotação ética ou moral (Franco, Alberto Silva, Código Penal e Sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo: RT, p.74). E indaga: “não se ajustaria a tal hipótese o caso do transeunte, único testemunha do fato, que, sem nenhum esforço maior, poderia salvar uma criança de tenra idade que caiu numa fonte da praça publica? (GUNTER STRATENWERTH, ob. Ct., p. 302). Assim, vê-se, a previsão legal vigente não é satisfatória conforme abalizadas vozes, porque incompleto o tipo genérico e ofensivo ao principio da reserva legal a inexistência de tipos omissivos impróprios na parte especial, ao lado dos tipos comissivos, da mesma forma que ao lado dos tipos dolosos arrolam-se alguns culposos. Todavia, a verdade é que doutrinadores como DAMÁSIO, preferiram o silêncio quanto à tão importante questão, quem sabe para considerá-la como a considerou. Merece destaque, entretanto, o posicionamento de FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, sem divida o grande mentor da reforma da parte geral do CP, em 1984: 17 O problema da causalidade nesses delitos omissivos por omissão tem ensejado inúmeras disputas doutrinarias que, entre nos, com a reforma do código penal, perde relevância. Com efeito, o legislador pátrio estabeleceu um nexo de causalidade normativa entre a omissão e o resultado, no art. 13 e parágrafo do Código Penal, especificando as hipóteses em que esse nexo deva ser reputado presente, a saber: A omissão terá o mesmo valo penalistico da ação quando o omitente se colocar, por força dever jurídico (art. 13, §2º), na posição de garantidor da não-ocorrência do resultado (Toledo, Francisco de Assis, Princípio Básicos de Direito penal, São Paulo: Saraiva p.116). Será, assim, efetivamente? A posição de garante esgotaria a questão da tipicidade de tais delitos? A previsão legal e, portanto, suficiente? Afinal, qual o seu campo de abrangência? O risco pessoal afasta ou não o dever jurídico? São questões ainda pendentes, sobre as quais nos debruçaremos a seguir. 1.92 Crime Comissivo Por Omissão. O crime omissivo por ação, também chamado de comissivo por omissão traduz no seu cerne a não execução de uma atividade, predeterminada juridicamente exigida do agente. São crimes de evento, isto porque o sujeito que deveria evitar o injusto é punido com o tipo penal correspondente ao resultado (BIERRENBACH, Sheila de Albuquerque, 2004). Todavia o que faz de um delito omissivo, comissivo por omissão é a posição de garantia do agente. Assim, o salva-vidas que assiste inerte, ao afogamento de um banhista incorre na prática do delito de homicídio (comissão) por omissão. É dizer, que nos crimes omissivos puros, viola-se um dever legal de agir, enquanto que na omissão imprópria, o dever de operar do agente decorre de uma norma proibitiva, mas se erige de uma posição garantista. Logo, na omissão pura integra o tipo, o não atendimento da ação devida; por isso, tem-se na omissão imprópria uma desatenção (indireta, por omissão) “à norma proibitiva de causar o resultado”. Assim, tanto na omissão própria como nos crimes comissivos por omissão (e nos crimes de omissão e resultado, como sugere a classificação tripartida dos delitos omissivos), há a essência de uma omissão, manifestando, todavia, vultosa relevância na estrutura típica destes delitos. 2.0. A omissão penal na doutrina de ARMIN KAUFMANN: a capacidade da ação. 18 Definitivamente ARMIN KAUFMANN foi o propulsor principal da teoria da omissão na perspectiva do finalismo. Foi o autor que introduziu um elemento novo em seu conceito de omissão, para encontrar um elemento comum com a ação: a capacidade de ação, com uns dados a mais: o aspecto intelectual. Em outros termos, a capacidade da ação inclui/compreende uma série dos elementos, sendo a possibilidade física de agir, externo e objetivo e a capacidade de conduta final (cf. KAUFMANN, Armin, Die Dogmatik, 1959). Com o elemento da capacidade da ação, a omissão obtém um aspecto positivo, definindo como “a finalidade potencial”. ARMIN KAUFMANN, em sua conhecida obra, examina extensamente o assunto, formulando diversos exemplos: 1)Tício mantém seguro, na margem, o bote que a corrente levaria para caio, que esta se afogando. 2) Tício mantém seguro um cão de guarda que “quer” retirar da água a pequena filha do patrão. 3) Tício perfura o bote inflável com que Caio quer salvar Mévio, que está se afogando; ou Tício sua violência para impedir a ação de Caio. 4) Tício ameaça Caio de causar-lhe grave mal se este se lançar na água para salvar Mévio; Caio permanece na margem. 5)Num local de acidente, o motorista Tício détem-se para prestar socorro ás vitimas. Caio quer impedir o socorro e convencer falsamente a Tício que as vítimas já foram transportadas. 6) Depois de um acidente, prepara-se Tício para prestar socorro ás vitimas. Caio, no entanto, dando-lhe uma nota de cem marcos, o faz seguir viagem. 7) Tício consegui, com grande esforço, o medicamento capaz de salvar Caio, gravemente enfermo. Conduzindo o medicamento, Tício se encontra com Mévio que, com conhecimento de causa, destrói o remédio. Ou Mévio prende Tício até que Caio morra. 8) No mesmo caso anterior, Tício encontra-se com Mévio que lhe dá um cheque de mil marcos e fica com o medicamento. Em todos os casos mencionados, sem a ação praticada pelo agente a morte da vítima não teria ocorrido. O agente atuou dolosamente, por cobiça. As hipóteses 1 e 2 19 são, sem a menor dúvida, de crimes comissivos, que se praticam através de ação. Estes casos envolvem também uma omissão, mas decisivo é o comportamento ativo, porque não só é este que causa o resultado, como também, é sobre ele que recai a reprovabilidade. O caso 3 também seria resolvido pela doutrina tradicional como crime comissivo, quer Caio tivesse, ou não, o dever jurídico de impedir o resultado. A hipótese de emprego de grave ameaça (exemplo 4) coloca a questão de saber se Tício é o autor imediato de um crime de omissão, pois em tal caso permanece capaz de ação e realiza uma omissão típica e antijurídica. Em tal caso, Tício poderia ser punível por omissão de socorro, se não tinha o dever jurídico de impedir o resultado, solução positivamente esdrúxula. No caso 5 também se admite a pratica de um crime omissivo através de ação, o agente iria responder apenas por omissão de socorro, se lhe faltasse o dever de impedir o resultado. No caso 6 teríamos instigação a um crime omissivo e, portanto, Caio deveria responder apenas por omissão de socorro, se não tem a posição de garante, o que é totalmente injustificável, pois ele causa o resultado. No caso 7, parece inafastável a responsabilidadede Mévio por ação e não pela omissão que obriga Tício a realizar. Neste caso não há participação na ação de tício, e seria impensável um crime omissivo por comissão. No ultimo caso, temos a mesma situação do exemplo 6 e a mesma solução inaceitável, no caso de inexistir dever jurídico de impedir o resultado. ARMIN KAUFMANN, depois de mostrar que seriam completamente insatisfatórias as soluções a que se teria de chegar se admitisse uma participação ativa em crime omissivo, resolve todas as hipóteses formuladas como crime comissivo, entendendo que a questão fundamental em todos esses exemplos é a causalidade, que tem de ser afirmada. É perfeitamente possível desfechar uma cadeia causal por ação, levando em conta que não ocorrerá fator capaz de impedir o resultado. Então, pois, reunidas, na espécie, as características de um crime comissivo, que resolve com os princípios gerias dos crimes que se cometem ação. Em conseqüência, termina o autor, por dizer que os crimes omissivos por ação simplesmente não existem “sie existieren nicht”. 20 Considerações finais. A natureza dos crimes comissivos por omissão, no que tange a relevância causa, precipuamente normativa, decorre do caráter de antijuridicidade da abstenção de atuar. Assim sendo, é necessário, como faz o Código atual, que se determine sua relevância, ocorrível quando houver o poder e o dever jurídico. A diferença entre a ação e a omissão depende do critério do valorativo da norma, referência que nós usamos analisando a conduta humana. Para essa razão a distinção não é sempre fácil de fazer e é necessária para considerar sempre a norma de referência antes do formulário da mesma manifestação de conduta, aquela é constituída sempre de momentos ativos e da omissão. Os crimes de omissão, do mesmo modo que comissões integram o conceito superior do comportamento humano do alcance social considerável, mas são diferentes essencialmente dos crimes cometidos por meio de fazer o positivo. Não obstante a controvérsia o elemento subjetivo dos crimes omissivos impróprios são os mesmos dos comissivos: dolo e a culpa, esta quando prevista no tipo penal respectivo. E admissível a tentativa de crime comissivo por omissão, devendo-se salientar, entretanto, que o inicio da execução, no sentido normativo, do delito, dá-se quando o bem jurídico passa a exposição ao risco pela demora na ação obstadora. Pode ocorrer participação é o caso referido do marido que não impede a mulher de não aleitar o filho comum. Tal não se confunde com a chamada participação por omissão em crime omissivo próprio, como no caso de empregada que deixa a porta aberta a entrada do gatuno. Só o dever jurídico não basta para a responsabilidade penal por omissão: é preciso que o agente tenha o domínio fático de impedir o resultado. Isto significa não só que tenha meios físicos como também que atitude salvadora não implique num sacrifico que se configura excludente, ainda que da inexigibilidade da conduta diversa. É indubitável a necessidade de que conste do texto legal, ao menos, a previsão da relevância da omissão, sem o que se operaria em clara infringencia do Principio da Legalidade, daí porque correto o posicionamento adotado no Projeto de Alcântara Machado e equivocado o legislado de 1940 em excluí-lo. Mas que isto, ainda, há de se adotar, como feito em 1840 à enumeração hipotética dos deveres de agir, bem como, um passo adiante, a previsão, no próprio tipo penal, da possibilidade omissiva. 21 Em outra linha de raciocínio não hesitamos em adotar a solução dos postulados de Armin Kaufmann que, em seu parece, afirma que a capacidade da ação é um elemento comum entre a ação e a conduta omissiva, junto com sua natureza jurídica, tornando possível afirmar que ambas os formas de condutas, estão baseados em um conceito comum, adicionando à ação ou a omissão um elemento intelectual. Assim, o omitente deve ter o conhecimento da situação e a possibilidade real para planear a realização da ação final. Logo, no conceito de capacidade da ação, a omissão obtém um aspecto positivo, definindo como “a finalidade potencial” o qual permite definir perfeitamente que é possível desfechar uma cadeia causal por ação, levando em conta que não ocorrerá fator capaz de impedir o resultado. Então, pois, inaceitável seria admitir que a existência do dever jurídico de ativar-se, por si só, levaria a concluir que se trata de um crime comissivo por omissão, e, portanto, um crime omissivo. Outrossim, embora admitida pela doutrina e pela generalidade dos autos, terminados este trabalho ao afirmar, categoricamente, que realmente não existem os crimes omissivos por comissão. BIBLIOGRÁFIA BACIGALUPO, Enrique. Principios de Derecho Penal. Parte General. Madrid: Akal Ediciones, 1994. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 22 BIERRENBACH, Sheila de Albuquerque. Crimes Omissivos Impróprios. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1996. BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte geral. São Paulo. CARNELUTTI, Francesco. O Delito. Tradução de Julia Jimenes Amador. Campinas: Péritas Editora, 2002. COELHO, Walter. Teoria Geral do crime. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. CONDE, Francisco Muñoz; ARAÚJO, Mercedez García. Derecho Penal. Parte General. Conforme al Código Penal de 1995. Valencia: tirant lo blanch libros, 1996. FRANCO, Alberto Silva; STOCCO, Rui. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. Parte Geral. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. JAKOBS, Günther. Fundamentos do Direito Penal. Tradução de André Luís Callegari. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. KREBS, Pedro. Teoria Jurídica do Delito. Barueri: Manole, 2004. KAUFMANN, Armin, Die Dogmatik, 1959. LUISI, Luiz. Os Delitos Omissivos Impróprios e o Princípio da Reserva Legal. Ciência e Política Criminal em Honra de Heleno Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 422- 438. MIR, José Cerezo. Curso de Derecho Penal Español. Parte General. Teoría Jurídica del Delito I. Madrid: Editorial Tecnos, 1997. MONREAL, Eduardo Novoa. Fundamentos de los Delitos de Omisión. Buenos Aires: Depalma, 1984. MOURULLO, Gonzalo Rodriguez. La Omission de Socorro en el Codigo Penal. Madrid: Editorial, Tecnos, 1966. MUNHOZ NETTO, Alcides. Crimes Omissivos. Revista da Associação dos Magistrados do Paraná, 1984, número 36, p. 83-121. 23 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais Ano de publicação, 2004. ORDEIG, Enrique Gimbernat. La Distinción entre Delitos Propios (Puros) y Delitos Impropios de Omisión (o de comisión por omisón). Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 44, p. 34-62. PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, v. 1. RAMIREZ, Juan Bustos. Manual de Derecho Penal Español. Parte General. Barcelona: Editorial Ariel, 1984. RAMOS, Enrique Peñaranda; GONZÁLEZ, Carlos Suárez; MELIÁ, Manuel Cancio. Um Novo Sistema do Direito Penal. Tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Barueri: Manole, 2003. ROCHA, Fernando A. N. Galvão. Imputação Objetiva nos Delitos Omissivos. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v. 33, p. 101- 120. SILVA, César Dario Mariano da. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense. 2003. 24
Compartilhar