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FEMINICÍDIO E A APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS 
Faculdade Mineira de Direito 
 
 
 
 
Yasmin Sevaybricker Vilanova Pereira 
 
 
 
 
 
 
 
FEMINICÍDIO E A APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA: 
INSTRUMENTOS PARA COIBIR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2020
 
 
Yasmin Sevaybricker Vilanova Pereira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FEMINICÍDIO E A APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA: 
INSTRUMENTOS PARA COIBIR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 
 
Pesquisa apresentada à Faculdade Mineira de 
Direito como requisito para aprovação na 
disciplina Monografia, do 9° período do curso 
de Direito da Pontifícia Universidade Católica 
de Minas Gerais 
Área de concentração: Direito Penal 
 
Prof. Orientador: Cláudio Brandão 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte, 23 de novembro de 2020. 
 
 
FEMINICÍDIO E A APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA: 
INSTRUMENTOS PARA COIBIR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 
 
Yasmin Sevaybricker Vilanova Pereira 
 
 
Aprovada em ____/____/_____. 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
 
 
_________________________________________________ 
Prof. Cláudio Brandão – PUC Minas (Orientador) 
 
 
 
 
 
_________________________________________________ 
Prof. – PUC Minas (Banca Examinadora) 
 
 
 
 
 
_________________________________________________ 
Prof. – PUC Minas (Banca Examinadora) 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte, 23 de novembro de 2020. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A todas as mulheres da minha vida, em 
especial a minha mãe, minha avó e minha 
filha, que me inspiram todos os dias e me dão 
forças para continuar essa luta diária que é 
ser mulher. 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 Agradeço primeiramente a minha família, pelo incentivo, amor e apoio 
incondicional. Foram eles que sempre acreditaram em mim e que, apesar de todas as 
dificuldades, fizeram o possível e o impossível para que eu chegasse até aqui. 
 Em segundo lugar, agradeço aos meus amigos que sempre se fizeram tão 
presentes na minha vida, em especial, ao Guilherme Fins, Lorena Duarte, Luiza 
Montezuma e Pedro Lunardi, que acompanharam todo o processo, desde o início. 
Eles são a família que eu escolhi e sou muito grata por ter pessoas tão valiosas 
comigo. A meus amigos da faculdade, que compartilharam comigo cada momento de 
alegria e sofrimento, principalmente o Victor Andrade, meu maior companheiro e que 
se tornou um dos meus melhores amigos. Agradeço também ao Guilherme Visconti, 
meu maior ouvinte, por todo o apoio, paciência, incentivo e por ter acreditado em mim 
quando eu mesma já não acreditava. Isso fez com que eu voltasse a acreditar 
também. 
 Em sequência, agradeço ao Professor Cláudio Brandão pela confiança, 
apoio, orientação e todo o suporte, no pouco tempo que lhe coube. Agradeço também 
a todos os professores que passaram por mim durante a minha vida. A dedicação e o 
apoio de todos foram essenciais para a minha formação, como aluna e como pessoa. 
 A todos que de alguma forma, direta ou indiretamente, contribuíram para a 
realização deste projeto. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Este estudo tem por objetivo identificar as principais formas de violência contra a 
mulher, abordando o contexto histórico da luta das mulheres contra essas violências, 
analisando suas conquistas dentro do espaço social e a aplicação das leis referentes 
aos direitos das mulheres e como elas contribuem positivamente na luta do movimento 
feminista e no combate à violência contra a mulher, bem como identificar as medidas 
a serem tomadas para que o índice de violência diminua. A pesquisa se classifica 
como dedutiva e descritiva, pautando-se no levantamento bibliográfico e documental. 
Constata-se que a inserção a qualificadora no Código Penal, objeto de estudo, é alvo 
de diversas discussões, dividindo opinião dos estudiosos. Contudo, percebe-se que 
algumas críticas tem fundamento, pois não basta um tipo penal para tornar efetiva a 
proteção da mulher vítima de violência, sendo mister a adoção de políticas públicas, 
até mesmo porque o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking de homicídios praticados 
contra mulheres. 
Palavras chave: Homicídio. Mulher. Feminicídio. Direito Penal Simbólico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This study aims to identify the main forms of violence against women, addressing the 
historical context of women's struggle against such violence, analyzing their 
achievements within the social space and the application of laws regarding women's 
rights and how they contribute positively to struggle of the feminist movement and in 
the fight against violence against women, as well as to identify the measures to be 
taken so that the rate of violence decreases. The research is classified as deductive 
and descriptive, based on the bibliographic and documentary survey. It appears that 
the insertion of the qualifier in the Penal Code, object of study, is the subject of several 
discussions, dividing the opinion of scholars. However, it is clear that some criticisms 
are well-founded, as a penal type is not enough to make the protection of women 
victims of violence effective, and the adoption of public policies is necessary, even 
because Brazil occupies the fifth place in the ranking of homicides committed against 
women. 
Keywords: Homicide. Woman. Femicide. Symbolic Criminal Law. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 
1 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ........................................................................ 11 
1.1 ASPECTOS GERAIS .......................................................................................... 11 
1.2 FORMAS DE VIOLÊNCIA NA LEI MARIA DA PENHA ....................................... 14 
2 DA LEI DO FEMINICÍDIO ...................................................................................... 18 
2.1 FORMAS DE FEMINICÍDIO ................................................................................ 21 
2.2 REQUISITOS TÍPICOS À CARACTERIZAÇÃO DO FEMINICÍDIO NO BRASIL 23 
2.2.1 Sujeito ativo ...................................................................................................... 24 
2.2.2 Sujeito passivo: mulher .................................................................................... 24 
2.2.3 Razão da condição de sexo feminino ............................................................... 26 
2.2.4 As circunstâncias caracterizadoras das “razões de condição de sexo 
feminino”.................................................................................................................... 28 
2.3 CAUSAS DE AUMENTO NA QUALIFICADORA FEMINICÍDIO .......................... 29 
2.4 INCLUSÃO NO ROL DE CRIMES HEDIONDOS ................................................ 30 
3 DAS FORMAS DE PROTEÇÃO À VÍTIMA CONTRA O FEMINICÍDIO ................ 31 
3.2 A PUNIÇÃO DOS HOMICÍDIOS CONTRA AS MULHERES (EM RAZÃO DE 
GÊNERO) ANTES DO ADVENTO DA LEI 13.104/2015 – FEMINICÍDIO ................. 32 
3.3 DIREITO PENAL SIMBÓLICO E A CRIMINALIZAÇÃO DO FEMINICÍDIO ......... 36 
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 42 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 46 
 
 
 
 
 
 
9 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
A violência contra a mulher é problema que assola a humanidade há tempos, 
mormente a violência perpetrada no ambiente doméstico e familiar, o que se deve 
principalmente ao papel exercido pela mulher no âmbito privado, relegada às questões 
domésticas, ao cuidado dos filhos, deixando para o homem as questões públicas. 
A legislação brasileira, por longos anos, apesar do compromisso firmado na 
Constituição daRepública de 1988 quanto ao combate de toda e qualquer forma de 
violência contra a mulher, foi omissa, contribuindo para um cenário estarrecedor, no 
qual esta modalidade de violência ficava restrita ao âmbito privado, sem a intervenção 
do Estado. 
Nas últimas décadas, porém, a situação mudou, sendo editadas normas 
específicas de proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar, qual seja, a 
Lei n° 11.340/2006 - Lei Maria da Penha; e, mais recentemente, o Código Penal foi 
alterado pela Lei n° 13.104/2015, para fazer constar, dentre as qualificadoras do crime 
de homicídio, o feminicídio, que se caracteriza quando este delito é praticado com 
violência doméstica e familiar, ou com menosprezo ou discriminação à condição de 
mulher. 
Cumpre esclarecer que o legislador não criou um novo tipo penal, pois o que 
houve foi a alteração da redação do § 2º do art. 121 do Código Penal, constando a 
qualificadora acima citada, bem como o acréscimo do § 7º ao mesmo dispositivo legal, 
estabelecendo causas de aumento de pena quando for o feminicídio praticado durante 
a gravidez ou nos três primeiros meses posteriores ao parto; contra menor de quatorze 
anos de idade, ou maior de sessenta anos, ou portador de deficiência; ou, ainda, na 
presença de ascendente ou descendente da vítima. 
Não se pode ignorar que os homicídios praticados contra mulheres é problema 
que assola a sociedade e clama do Poder Público medidas enérgicas, até mesmo 
porque o Brasil ocupa, no ranking mundial, posição nada favorável quando se trata de 
crimes praticados contra a mulher. 
Em meio a esse cenário surge a seguinte indagação, que norteia o estudo ora 
apresentado: como se deu o surgimento da Lei do Feminicídio e as principais formas 
de proteção para redução do número de ocorrências? 
Desta feita, tem-se como objetivo geral identificar as principais formas de 
violência contra a mulher, abordando o contexto histórico da luta das mulheres contra 
10 
 
 
essas violências, analisando suas conquistas dentro do espaço social e a aplicação 
das leis referentes aos direitos das mulheres e como elas contribuem positivamente 
na luta do movimento feminista e no combate à violência contra a mulher, bem como 
identificar as medidas a serem tomadas para que o índice de violência diminua. 
Como objetivos específicos busca-se a) Analisar as formas de violência contra 
a mulher; b) Identificar as causas originárias e os fatores potencializadores dessa 
violência; c) Conhecer os benefícios da Lei Maria da Penha e como ela funciona; d) 
Conhecer o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio; e) Analisar a 
importância das políticas públicas como forma de combate à violência contra a mulher 
e um meio de efetivas as garantias fundamentais da Constituição 
Para tanto, faz-se necessário abordar as razões do crime de feminicídio, como 
uma resposta à violência de gênero; destacar o papel da Lei Maria da Penha no 
combate à violência contra a mulher, mormente a ampliação do conceito de violência; 
ressaltar as peculiaridades da qualificadora que veio regulamentar expressamente o 
feminicídio no direito pátrio; e, por fim, averiguar as medidas de proteção à vítima 
voltadas à redução do número de homicídios praticados contra mulheres por questões 
de gênero. 
Quanto a metodologia, a pesquisa se classifica, quanto ao método de 
abordagem, em dedutiva e, quanto ao método de procedimento, em descritiva. No que 
tange a técnica de pesquisa, esta se classifica como documental indireta, pautada no 
levantamento bibliográfico e documental, pois se busca na doutrina, legislação, 
artigos, dentre outras fontes, elementos para a compreensão do tema. 
Assim, divide-se o estudo em três capítulos. No primeiro capítulo aborda-se a 
problemática da violência contra a mulher, destacando o conceito de gênero, as 
formas de violência e, principalmente, a importância da Lei Maria da Penha nesse 
contexto. 
No segundo capítulo, por sua vez, destacam-se as peculiaridades do 
feminicídio, com ênfase na análise do tipo penal. 
Por fim, no terceiro capítulo, traça-se uma análise crítica das medidas de 
proteção à vítima e sua eficácia na redução do número de homicídios praticados 
contra mulheres por questões de gênero. 
 
 
 
11 
 
 
1 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 
 
 A violência contra a mulher é temática que envolve uma série de fatores, 
culturais, históricos, legais, sociais, dentre outros. É, pois, um fenômeno que não 
escolhe classe, idade, raça, assolando toda a sociedade. E, apesar da sua gravidade, 
apenas há pouco tempo ganhou relevo, visibilidade, pois foi, por longos anos, 
ignorada pelo Estado. Contudo, antes de se passar à análise dos mecanismos de 
enfrentamento da violência contra a mulher, é necessário compreender os seus 
aspectos históricos, sua relação com gênero, dentre outros fatores, objeto desse 
primeiro capítulo. 
 
1.1 ASPECTOS GERAIS 
 
Compreender a problemática da violência contra a mulher, clama, 
indubitavelmente, uma breve análise da violência de gênero, principalmente porque 
esta forma de violência assola a sociedade de longa data, embora tenha ganhado 
visibilidade há pouco tempo, principalmente quando se trata da violência perpetrada 
no âmbito doméstico e familiar, pois as vítimas, vulneráveis psíquica e 
financeiramente, tendem a se calar diante das agressões. 
Anote-se que nas sociedades patriarcais, em que o papel do homem e da 
mulher são bem delimitados, sendo a esta relegadas as funções domésticas, de 
procriação e cuidado dos filhos, enquanto o homem se dedica às questões públicas, 
a vulnerabilidade da mulher tornou-se ainda mais evidente, contribuindo para 
perpetuação de diversas formas de violência. 
Acontece que a partir da segunda metade do século XX, com a maior 
independência das mulheres, sua participação na sociedade, no mercado de trabalho 
e na vida pública, as discussões sobre o tema ganhara visibilidade. 
De acordo com Bianchini (2014, p. 13-14), são fruto das “[...] pesquisas 
iniciadas nos anos 19701 sobre as relações entre direito e feminismo”, que num 
primeiro momento se restringiram ao plano teórico, e constataram a “[...] ambivalência 
 
1 Cf. Bandeira (2014), “desde o início dos anos 1970, as feministas americanas denunciavam a violência 
sexual contra a mulher, porém uma década depois é que esse fenômeno veio a ser apresentado como 
categoria sociológica e área de pesquisa, cuja configuração mais usada passou a ser violência contra 
a mulher e se caracterizou como a questão central do movimento feminista nacional”. 
12 
 
 
do discurso jurídico em relação ao gênero feminino, que implicava na insuficiente, 
inefetiva e inadequada tutela de direitos fundamentais das mulheres”. 
Do plano teórico as discussões sobre a violência de gênero passaram a clamar 
da sociedade e do Estado uma atuação efetiva na tutela dos direitos das mulheres, 
cobrando medidas voltadas a obstar a violência pautada no gênero. 
Segundo Gregori (1993, p. 60-68), os estudos realizados no Brasil sobre a 
violência de gênero,2 em especial a perpetrada contra a mulher, a partir da década de 
1980, apontam duas características principais quanto ao enfrentamento do problema: 
a primeira é o caráter militante, que deu maior visibilidade ao problema, possibilitando 
instrumentos adequados de denúncia; a segunda diz respeito à posição da mulher 
não apenas no âmbito doméstico e familiar, mas na sociedade como um todo, pois as 
“[...] situações de violência contra a mulher são fruto de uma condição geral de 
subordinação”, se relacionando, portanto, ao papel que a mulher assume em 
sociedade e as expectativas sobre o papel exercido por cada gênero. 
Nesse ponto é mister destacar que o papel assumido por cada gênero na 
sociedade, e a submissão do sexo feminino ao masculino é uma característica das 
sociedades patriarcais, como enfatiza Bianchini (2014, p.33), para quem a “[...] 
relação de poder advém dos papéis impostos às mulheres e aos homens, reforçados 
pela ideologia patriarcal, os quais induzem relações violentas entre os sexos, já que 
calcados em uma hierarquia de poder,” que, por sua vez, tendem a impor à mulher 
uma situação de submissão, de inferioridade, propícia à instauração de práticas de 
violência. 
Ainda segundo Gregori (1993, p. 128), a violência de gênero é fruto de uma 
ideologia machista, pois se aceita o mundo a partir da visão dos homens, enquanto 
que, para as mulheres, “[...] veicula-se a ideia de que elas são complacentes, não 
porque concordam ou acreditam nisso, mas porque toda ação ou aceitação da parte 
do dominado é resultado de um poderoso ocultamento”. 
Já Grossi (1991, p. 167) preconiza que o conceito de gênero está relacionado 
à importância do social e do cultural nas diferenças entre homem e mulher e, por 
 
2 Cf. Suzuki (2014, p. 62), a violência de gênero é categoria que abrange não apenas a praticada contra 
a mulher, alcançando também crianças, adolescentes e idosos, de ambos os sexos, embora no “[...] 
exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias 
sociais nomeadas”, o que levaria, no entender da autora, a uma implícita autorização para que a 
sociedade puna determinadas condutas femininas vistas como desvio. 
13 
 
 
conseguinte, nas relações entre os sexos, que refletem posições hierárquicas 
antagônicas. 
Não há dúvidas de que a violência de gênero é fenômeno complexo, cujas 
raízes estão baseadas no gênero propriamente dito, na sexualidade, na identidade e 
também nas relações interpessoais. 
A esse respeito Grossi (1991, p. 41) complementa afirmando que, muito 
embora diversas sejam as causas da violência de gênero,3 a relação hierárquica e a 
desigualdade socioeconômica tem um papel fundamental na violência contra a 
mulher. 
Comungam desse entendimento Castanho e Alves (2010), que defendem ser 
a violência de gênero, “[...] na maioria das vezes, parte de uma relação de dominação 
entre os sexos, submetendo a mulher ao papel de vítima da violência moral, física, 
sexual e psicológica”. 
Importa esclarecer que, não raras vezes, as expressões “violência de gênero” 
e “violência contra a mulher” são utilizadas como sinônimo, o que compromete e 
banaliza a importância da primeira situação, pois embora toda violência de gênero 
seja, necessariamente, uma violência contra a mulher, nem toda violência perpetrada 
contra a mulher será uma violência de gênero, uma vez que esta pressupõe 
necessariamente a existência da relação de poder, de dominação do homem e da 
submissão da mulher, o que nem sempre estará presente em uma agressão praticada 
contra vítima do sexo feminino. 
Bianchini (2014, p. 33) enfatiza que a “[...] submissão decorre de condições 
concretas [...] a que a mulher se encontra submetida/enredada, exatamente por conta 
do papel que lhe é atribuído socialmente”. 
No ordenamento jurídico brasileiro, o legislador se atentou para as questões 
afetas a violência de gênero, pois em sendo esta apenas uma das modalidades de 
violência praticada contra a mulher, o advento da Lei Maria da Penha - Lei n° 
11.340/2006, editada em consonância com as orientações normativas internacionais, 
objetiva prevenir, punir e erradicar toda forma de violência doméstica e familiar contra 
 
3 Cf. Grossi (1991), a reprodução do poder nas relações é que caracteriza prioritariamente a violência 
de gênero, sendo a principal causa a dominação masculina, que se reflete em motivos fúteis, como 
ciúmes, sentimento de posse, machismo, patriarcalismo ou modalidades outras de subjugação do 
gênero. 
14 
 
 
a mulher, embora o diploma legal em comento também contribua para a confusão 
terminológica acima citada. 
Segundo Campos e Carvalho (2011) o legislador conceituou normativamente 
“violência de gênero”, nos arts. 5° a 7° da Lei n° 11.340/2006, como violação dos 
direitos humanos das mulheres, rompendo com a “[...] tradição jurídica de 
incorporação genérica da violência de gênero nos tipos penais incriminadores 
tradicionais”; e, embora não tenha criado nenhum tipo penal incriminador, estabeleceu 
situações que caracterizam a violência e a condição de ser esta praticada no âmbito 
doméstico agrava ou qualifica a pena. 
Não obstante, a Lei Maria da Penha não se aplica a toda e qualquer forma de 
violência contra a mulher, pois o legislador delimitou o contexto em que se dá a sua 
aplicação, de forma expressa, no art. 5°, ao dispor que tem incidência no contexto 
doméstico ou familiar da ação ou ante existência de uma relação íntima de afeto 
(BRASIL, 2006). 
Nesse sentido são os ensinamentos de Lima (2015, p. 907): 
[...] a proteção diferenciada contemplada pela Lei Maria da Penha para o 
gênero feminino terá incidência apenas quando a violência contra a mulher 
for executada em tais situações de vulnerabilidade. A contrario sensu, se uma 
mulher for vítima de determinada violência, mas o delito não tiver sido 
executado no ambiente doméstico, familiar ou em qualquer relação íntima de 
afeto (v.g., briga entre vizinhos), afigura-se indevida a aplicação da Lei nº 
11.340/06. 
Portanto, em relação à Lei n° 11.340/2006, resta evidente a preocupação do 
legislador em relação à maior vulnerabilidade da mulher no lar, dada a sua maior “[...] 
exposição ao agressor e a distância das vistas do público [...], é comum que o agressor 
prevaleça-se desse contexto de convivência para manter coagida a mulher, 
desencorajando-a a noticiar a violência sofrida” (BIANCHINI, 2014, p. 34-35). 
 
1.2 FORMAS DE VIOLÊNCIA NA LEI MARIA DA PENHA 
 
A Lei Maria da Penha reconhece como violência doméstica contra a mulher 
diversas formas de violência, nos termos do art. 7º, a saber: violência física, violência 
psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral. Adotou o 
legislador, portanto, um conceito amplo, pois como já dito alhures, a violência 
15 
 
 
doméstica e familiar contra a mulher é toda forma de agressão que objetiva retirar 
direitos, aproveitando da sua situação de vulnerabilidade. 
Bianchini (2014, p. 41) chama a atenção para o fato de que o rol contido no art. 
7º é meramente exemplificativo, visto que a própria Lei citou exemplos das condutas 
e teve o legislador cuidado em constar a expressão “entre outras”, ressaltando a 
autora inclusive que nem toda a conduta descrita na Lei Maria da Penha baliza-se no 
âmbito penal, pois a Lei abrange desde o dano físico até o dano patrimonial, visto que 
a referida se vale principalmente do sentido sociológico, utilizando-se do conceito 
violência de gênero que segundo a autora abrange os papéis que a sociedade 
determina ao homem e a mulher, e o problema surge quando estes papéis não são 
balanceados remetendo importâncias diferentes a cada um, no caso da sociedade, 
dando ao homem uma importância supervalorizada em relação à mulher, como já 
mencionado alhures. 
De acordo com Nucci (2016, p. 550-551), a violência física é a principal forma 
de violência praticada contra a mulher, e pode ser conceituada como a “lesão corporal 
praticada contra mulher no âmbito doméstico ou familiar”. 
A violência física é uma das mais recorrentes e mais comuns, não apenas 
perpetrada do marido, companheiro ou namorado para com a mulher, mas também 
dos pais, por exemplo, para com os filhos, como forma de punição, ou como forma de 
disciplinar e educar, apesar de rechaçado pelo direito. 
Segundo Bianchini (2014, p. 43), a violência física não necessariamente deixa 
marcas aparentes, e sim a que tem o uso da força física que ofenda o corpo ou a 
saúde, sendo que a violência que deixa sinais é de mais fácil comprovação. A intenção 
não é apenas proteger a integridade física, mas também a saúde corporal, sendo que 
a violência física pode desencadearsintomas físicos que se perpetuam no tempo, 
podendo gerar incapacidades laborais, sintomas físicos como dores de cabeça, 
insônia, fadiga, podendo trazer a ansiedade e depressão. 
A Lei Maria da Penha tratou, ainda, da violência psicológica, no inciso II, do art. 
7º, sendo, pois, qualquer conduta capaz de causar dano emocional ou a diminuição 
da autoestima do agredido, ou voltada a prejudicar o seu desenvolvimento, ou, ainda, 
que objetiva desagradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e 
decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, 
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, 
16 
 
 
exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause 
prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (BRASIL, 2006). 
A violência psicológica é uma das formas mais difíceis de se identificar, embora 
possa se concretizar em situações cotidianas, quando o agressor impede, por 
exemplo, a mulher de ir trabalhar fora, de ter sua liberdade financeira, de sair de casa, 
a ameaça de espancamento, priva de afeto, priva do convívio com outros membros 
do núcleo familiar, ofende sua moral ou de sua família, dentre outras tantas situações 
(DIAS, 2012, p. 67). E o que busca o legislador tutelar é a autoestima e a saúde 
psicológica da mulher vitimada. 
A terceira forma de violência é a sexual, certamente uma das formas de 
violência mais polêmicos, e que quando praticada no seio familiar causa ainda mais 
repúdio e revolta social. O que ocorre é que esse tipo de violência, embora polêmico, 
é muito comum e recorrente em nossa sociedade, motivo pelo qual o legislador tratou 
do tema de forma expressa, no inciso III, do art. 7º, da Lei Maria da Penha, a definindo 
nos seguintes termos: 
A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a 
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, 
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a 
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a 
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, 
à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, 
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos 
sexuais e reprodutivos (BRASIL, 2006). 
Decerto, é modalidade de agressão que mais causa vergonha e 
constrangimento à vítima, o que a leva a querer ocultar o ocorrido, enquadrando-se 
na tipificação do crime de estupro. 
Também tipificou o legislador a modalidade de violência patrimonial, entendida 
como a retenção, subtração, destruição, seja parcial ou total, dos objetos da vítima, 
instrumentos de trabalho, documentos, bens, valores, direitos ou recursos 
econômicos, incluindo os destinados a satisfação das necessidades pessoais 
(BRASIL, 2006). 
De acordo com Dias (2012, p. 71-72), a violência patrimonial, não raras vezes, 
é uma forma utilizada pelo agressor para manter a vítima próxima, em virtude da 
dependência econômica. 
17 
 
 
Por último tem-se a violência moral, prevista no inciso V, do art. 7 º, da Lei Maria 
da Penha, que dispõe tratar-se de qualquer conduta que “configure calúnia, difamação 
ou injúria” (BRASIL, 2006), ou seja, qualquer dos crimes previstos contra a honra 
tipificados no Código Penal. 
A violência moral sofrida pela mulher no âmbito doméstico é sempre tida como 
ato que atinge o psicológico da vítima, vez que atinge a autoestima e o 
reconhecimento social da vítima, envolvendo-a em situações de desqualificação, 
inferiorização e ridicularização, hoje resultando maior impacto a vida da vítima, pois a 
tecnologia vem a corroborar devido à fácil divulgação e acesso a informações. A 
violência moral se caracteriza nos delitos contra a honra, como a calúnia que consiste 
em imputar a vítima a pratica de fato criminoso falso, difamação que se determina pela 
imputação de pratica de fato desonroso, estas atingem a honra objetiva da vítima, a 
injúria que atinge a honra subjetiva consumada com o conhecimento da própria vítima 
referente a afirmativa, que lhe causa ofensa devido a atribuições de qualidades 
negativas. Caberá o agravamento de pena previsto no art. 61, inciso II, Código Penal, 
quando sofrido por mulher no âmbito da convivência familiar e doméstica (DIAS, 2012, 
p. 72-73). 
Não resta dúvidas de que a Lei Maria da Penha tratou do conceito de violência 
doméstica e familiar contra a mulher de forma ampla, de modo a proteger diversos 
bens jurídicos, a exemplo da moral, da liberdade sexual, da integridade física, dentre 
outros. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
18 
 
 
2 DA LEI DO FEMINICÍDIO 
 
A Lei nº 13.104/2015 alterou o Código Penal Brasileiro com a inclusão da 
qualificadora do feminicídio no crime de homicídio, dispondo sobre esta no inciso VI 
do art. 121, do referido diploma legal. 
A motivação para a tipificação desta modalidade de homicídio encontra-se de 
forma clara na justificação do Projeto de Lei nº 292/2013, apresentada pelo Senado 
Federal, in verbis: 
A importância de tipificar o feminicídio é reconhecer, na forma da lei, que 
mulheres estão sendo mortas pela razão de serem mulheres, expondo a 
fratura da desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade, e é 
social, por combater a impunidade, evitando que feminicidas sejam 
beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente 
inaceitáveis, como o de terem cometido „crime passional ‟. Envia, outrossim, 
a mensagem positiva à sociedade de que o direito à vida é universal e de que 
não haverá impunidade. Protege, ainda, a dignidade da vítima, ao obstar de 
antemão as estratégias de se desqualificarem, midiaticamente, a condição de 
mulheres brutalmente assassinadas, atribuindo a elas a responsabilidade 
pelo crime de que foram vítimas (BRASIL, 2013). 
Antes de aprofundarmos sobre os aspectos trazidos pela tipificação do 
feminicídio no Código Penal, importante salientar os aspectos históricos para o 
reconhecimento do “femicídio”. 
Esta expressão veio à tona pela fala de Diana Russel enquanto prestava um 
depoimento no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres no ano de 1976, em 
Bruxelas. Após este episódio, Russel uniu-se com Jill Radford e desenvolveram 
conceitos que se tornaram referência sobre o tema (PASINATO, 2011, p. 223). 
Pasinato, no seu artigo “Femicídios e as mortes de mulheres no Brasil”, destaca 
trecho do texto de Russel e Caputti que ensina claramente a definição e abrangência 
do feminicídio: 
Feminicídio está no ponto mais extreme do contínuo de terror anti-feminino 
que inclui uma vasta gama de abusos verbais e físicos, tais como estupro, 
tortura, escravização sexual (particularmente a prostituição), abuso sexual 
infantil incestuoso e extra-familiar, espancamento físico e emocional, assédio 
sexual (ao telefone, na rua, no escritório e na sala de aula), mutilação genital 
(cliterodectomia, excisão, infibulações), operações ginecológicas 
desnecessárias, heterossexualidade forçada )ao criminalizar a contracepção 
e o abordo), psicocirurgia, privação de comida para mulheres em algumas 
culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do 
embelezamento. Onde quer que estas formas de terrorismo resultem em 
mortes, elas tonam femicídios (RUSSEL; CAPUTTI apud PASINATO, 2011, 
p. 224). 
19 
 
 
Pasinato (2011, p. 226) refere, conforme estudos analisados, que há dois 
exemplos marcantes de feminicídios de ordem mundial, são eles: O “Massacre da 
Escola Politécnica da Universidade de Montreal”, no dia 06 de dezembro de 1968, 
quando um jovem de 25 anos, que não conseguiu matricular-se na escola, matou 14 
mulheres jovens e deixou 13 pessoas feridas (4 homens e 9 mulheres), em seguida 
suicidou-se deixando uma carta expondo os motivos que o levaram a prática dos atos: 
“que as mulheres morreram porque estavam cada vez mais ocupando o lugar dos 
homens”;O segundo caso polêmico são as mortes da Ciudad Juarez, os assassinatos de 
mulheres ganharam ênfase a partir de 1993 porquanto o modus operandi revelava um 
cenário de horror: 
[...] os corpos são encontrados em valas e terrenos baldios com marcas de 
violência sexual, tortura, algumas têm as mãos atadas e são visíveis sinais 
de estrangulamento. Alguns corpos são esquartejados. Além das mortes, há 
inúmeros casos de desaparecimentos, sobre os quais também paira a certeza 
de que ocultam homicídios (PASINATO, 2011, p. 226). 
Segundo dados obtidos pela feminista Marcela Lagarde junto à Comissão 
Nacional de Direitos Humanos, dentre os anos de 1993 e 2003 foram calculados o 
total de 263 assassinatos de mulheres em Juarez, sendo um total de 4500 mulheres 
desaparecidas. Conforme dados da Anistia Internacional, os números de homicídios 
de mulheres em Juarez são elevados para 370 (PASINATO, 2011, p. 227). 
Os casos da Ciudad Juarez revelam que as mortes não são comuns. Em 
verdade, o cenário peculiar em que as vítimas são encontradas demonstra que os 
assassinatos são uma consequência da violência doméstica. 
Os assassinatos de mulheres nesta localidade ganharam proporções mundiais, 
sendo considerado um dos impulsos para discutir-se sobre a violência de gênero e o 
reconhecimento de que uma mulher morre, tão unicamente, em razão da sua condição 
de gênero (PASINATO, 2011). 
Importante destacar, aqui, que a primeira termologia surgida foi “femicide” – 
termo original em inglês, apresentado por Diana Russel. Com o termo, Russel buscou 
“considerar o femicídios como mortes intencionais e violentas de mulheres em 
decorrência de seu sexo, ou seja, pelo fato de serem mulheres”. Pasinato (2011, p. 
229-230) ainda destaca que este crime possui caráter misógino, “de repulsa contra as 
mulheres”. 
20 
 
 
O termo “feminicídio” surge pela deputada federal e feminista Marcela Lagarde. 
Isso porque verificou que o temo proposto por Russel e Radford, quando traduzido 
para o castelhano, apresentava-se fraco. 
Deste modo, denomina feminicídio como o “conjunto de delitos de lesa 
humanidade que contém os crimes e os desaparecimentos de mulheres” (LAGARDE 
apud PASINATO, 2011, p. 232). 
Pasinato (2011, p. 233) ainda enfatiza: 
[...] possível perceber que os estudos fazem uso dos dois vocábulos – 
femicídio e feminicídio – indistintamente, sem se preocupar com as 
diferenças, o que poderia ajudar no desenvolvimento de uma formulação 
mais política para o conceito. 
Ainda quanto à nomenclatura utilizada, o livro “Diretrizes Nacionais Feminicídio” 
refere: 
Há duas distinções básicas entre os conceitos: uma linguística e outra 
política. A distinção linguística se refere à tradução da expressão femicide 
(em inglês, idioma original em que foi formulada) para femicídio (em 
castelhano, idioma em que o conceito teria se difundido). Nessa vertente, a 
tradução teria limitado a expressão que seria homóloga ao homicídio, 
referindo-se apenas a “assassinato de mulheres”. A outra formulação 
proposta – feminicídio – soaria mais apropriada ao castelhano. A distinção 
política deve-se principalmente ao componente da impunidade e da 
responsabilidade do Estado no cometimento desses crimes – presente na 
definição de feminicídio proposta por Marcela Lagarde. As leis existentes na 
região adotam as duas expressões. Para analistas desse aspecto, do ponto 
de vista da mudança política que se deseja alcançar, a distinção conceitual 
entre as duas expressões não é relevante uma vez que ambas se referem ao 
mesmo fenômeno de mortes violentas de mulheres (CHIAROTT apud 
PASINATO, 2016, p. 25). 
Cunha (2015) considera que há distinção dos vocabulários na prática 
porquanto: Matar mulher, na unidade doméstica e familiar (ou em qualquer ambiente 
ou relação), sem menosprezo ou discriminação à condição de mulher é FEMICÍDIO. 
Se a conduta do agente é movida pelo menosprezo ou discriminação à condição de 
mulher, aí sim tem-se “feminicídio”. 
A lei do feminicídio é considerada mais uma conquista dos movimentos 
feministas, os quais buscam evidenciar e divulgar as violências das quais as mulheres 
estão submetidas em razão de uma sociedade patriarcal hegemônica. 
Assim, a tipificação penal busca nomear de modo apropriado a forma mais 
extrema de violência contra a mulher, unicamente pela razão de serem mulheres – o 
feminicídio (OLIVEIRA; SANTOS, 2014, p. 376). 
21 
 
 
Igualmente, a Lei do Feminicídio visa afastar interpretações jurídicas errôneas 
acerca da violência praticada contra a mulher, “tais como as que reconhecem a 
violência contra a mulher como ‘crime passional’” (OLIVEIRA; SANTOS, 2014, p. 376). 
Cumpre, então, averiguar as formas de feminicídio, objeto do próximo tópico. 
 
2.1 FORMAS DE FEMINICÍDIO 
 
Pasinato (2011, p. 236) alerta que o conceito de feminicídio/femicídios ainda 
não está bem formulado, motivo pelo qual a literatura adotou uma tipologia, 
desenvolvida por Ana Carcedo, a fim de demonstra as diferenças de violência contra 
a mulher, mas que no fim trata-se de mortes provocadas por discriminação de gênero. 
Esta tipologia é composta por três grupos, sendo o primeiro deles compreendido como 
“feminicídio íntimo”, assim definido pela autora: 
Femicídio íntimo: aqueles crimes cometidos por homens com os quais a 
vítima tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou afins. 
Incluem os crimes cometidos por parceiros sexuais ou homens com quem 
tiveram outras relações interpessoais tais como maridos, companheiros, 
namorados, sejam em relações atuais ou passadas (PASINATO, 2011, p. 
236). 
Além do feminicídio íntimo, Pasinato (2011, p. 236) apresenta a noção de 
feminicídio não íntimo: 
Femicídio não íntimo: são aqueles cometidos por homens com os quais a 
vítima não tinha relações íntimas, familiares ou de convivência, mas com os 
quais havia uma relação de confiança, hierarquia ou amizade, tais como 
amigos ou colegas de trabalho, trabalhadores da saúde, empregadores. Os 
crimes classificados nesse grupo podem ser desagregados em dois 
subgrupos, segundo tenha ocorrido a prática de violência sexual ou não. 
Por último, mas não menos importante, Pasinato (2011, p. 236) destaca a 
presença de um terceiro grupo, que nomeia de “femicídios por conexão”: 
[...] são aqueles em que as mulheres foram assassinadas porque se 
encontravam na “linha de fogo” de um homem que tentava matar outra 
mulher, ou seja, são casos em que as mulheres adultas ou meninas tentam 
intervir para impedir a prática de um crime contra outra mulher e acabam 
morrendo. Independem do tipo de vínculo entre a vítima e o agressor, que 
podem inclusive ser desconhecidos. 
22 
 
 
Não obstante a tipologia acima apresentada, o livro “Diretrizes Nacionais 
Feminicídio” reconhece como modalidades de feminicídios/femicídios, além das três 
citadas. Assim, Pasinato (2016, p. 26) traz a modalidade infantil (assassinato de 
menina com idade inferior a 14 anos, sendo o agressor homem que esteja “no âmbito 
de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder conferido pela sua condição 
de adulto sobre a menoridade da menina”); a modalidade familiar (decorrente da 
relação de parentesco entre a mulher e o agressor, parentesco por consanguinidade, 
afinidade ou adoção), a modalidade por mutilação genital feminina (quando a morte 
da mulher/menina resulta da prática de mutilação genital); a modalidade racista (nos 
casos em que as mulheres são assassinadas em razão da sua origem étnica, racial 
ou seus traços fenotípicos, crimes baseados em ódio ou rejeição dessas 
características); a modalidade lesbofóbico (também um crime por ódio ou rejeição, é 
caracterizado pela morte de uma mulher lésbica em decorrência da sua orientação 
sexual) e, por fim, a modalidade transfóbico (quando o(s) agressor(es) matam uma 
mulher transgênero ou transexual por conta da sua condição ou identidade de gênero 
transexual em razão de ódio ou rejeição). 
Além das modalidadesacima nomeadas, há outras três apresentadas por 
Pasinato (2016, p. 26-27). A primeira é o feminicídio por prostituição ou ocupações 
estigmatizadas, assim definida pela autora: 
[...] morte de uma mulher que exerce prostituição e/ou outra ocupação (como 
strippers, garçonetes, massagistas ou dançarinas de casas noturnas), 
cometida por um ou vários homens. Inclui os casos nos quais o(s) 
agressor(es) assassina(m) a mulher motivado(s) pelo ódio e misoginia que a 
condição de prostituta da vítima desperta nele(s). Esta modalidade evidencia 
o peso de estigmatização social e justificação da ação criminosa por parte 
dos sujeitos: “ela merecia”; “ela fez por onde”; “era uma mulher má”; “a vida 
dela não valia nada”. 
Dando seguimento, tem-se o feminicídio por tráfico de pessoas: 
Morte de mulheres produzida em situação de tráfico de pessoas. Por “tráfico”, 
entende-se o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou 
acolhimento de pessoas, valendo-se de ameaças ou ao uso da força ou 
outras formas de coação, quer seja rapto, fraude, engano, abuso de poder, 
ou concessão ou recepção de pagamentos ou benefícios para obter o 
consentimento da(s) pessoa(s), com fins de exploração. Esta exploração 
inclui, no mínimo, a prostituição alheia ou outras formas de exploração sexual, 
os trabalhos ou serviços forçados, a escravidão ou práticas análogas à 
escravidão, a servidão ou a extração de órgãos (PASINATO, 2016, p. 27). 
23 
 
 
Por último, mas tem-se o feminicídio por contrabando de pessoas, definido por 
Pasinato (2016, p. 26) nos seguintes termos: 
[...] morte de mulheres produzida em situação de contrabando de migrantes. 
Por “contrabando”, entende-se a facilitação da entrada ilegal de uma pessoa 
em um Estado do qual a mesma não seja cidadã ou residente permanente, 
no intuito de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro 
benefício de ordem material. 
Mais adiante a autora lembra que há estudiosos do tema que se preocupam 
em apresentar outras nomenclaturas para caracterizar as espécies de feminicídio. 
Assim, tem-se a modalidade sexual sistêmica, “quando as mulheres são previamente 
sequestradas, torturadas e/ou estupradas, sendo subdividido em duas modalidades”. 
Esta modalidade pode se dar de forma desorganizada, “quando a morte das mulheres 
está acompanhada de sequestro, tortura e/ou estupro”, havendo a presunção de que 
os autores matam a vítima num interregno determinado, ou, ainda, de forma 
organizada, quando “presume-se que, nestes casos, os sujeitos ativos atuam como 
uma rede organizada de feminicidas sexuais, com um método consciente e planejado 
por um longo e indeterminado período de tempo” (PASINATO, 2016, p. 27). 
Superada a análise das formas de feminicídio, passa-se a abordar os requisitos 
elencados pela Lei nº 13.104/2015, que alterou o Código Penal para inserir uma 
qualificadora para o crime de homicídio, imprescindíveis à caracterização do 
feminicídio. 
 
2.2 REQUISITOS TÍPICOS À CARACTERIZAÇÃO DO FEMINICÍDIO NO BRASIL 
 
De acordo com a Lei nº 13.104, que entrou em vigor em 10 de março de 2015, 
o Código Penal Brasileiro passou a prever a qualificadora de Feminicídio no seu art. 
121, inciso VI, atribuindo pena de reclusão de 12 a 30 anos quando o homicídio é 
praticado “contar a mulher por razões da condição de sexo feminino” (BRASIL, 2015). 
O § 2º-A, do art. 121 do Código Penal, é uma norma explicativa, que vem 
esclarecer o que são “razões da condição de sexo feminino”, a saber: 
§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o 
crime envolve: 
I - violência doméstica e familiar; 
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher (BRASIL, 2015). 
24 
 
 
Dessa forma, os requisitos típicos da qualificadora feminicídio são: a) homicídio 
cometido contra a mulher; b) por razões de sexo feminino; quando envolver; c) 
violência doméstica e familiar; d) menosprezo; e, ainda, f) discriminação à condição 
de mulher (BIANCHINI; GOMES, 2015). 
 
2.2.1 Sujeito ativo 
 
Cunha e Pinto (2015, p. 79), ao analisar as alterações introduzidas no Código 
Penal afirmam que a “incidência da nova figura criminosa reclama situação de 
violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por relação de poder 
e submissão, praticada por homem ou mulher em situação de vulnerabilidade” 
Não há dúvidas que a prática do feminicídio pode ser realizada tanto por 
homem, quanto por mulher, sendo, inclusive, aceita a aplicação da qualificadora para 
mulher que vive em relação homoafetiva (FERNANDES, 2015). 
 
2.2.2 Sujeito passivo: mulher 
 
Controvérsias podem residir na discursão do sujeito passível desta nova 
qualificadora, visto que o Direito Penal não admite analogia em desfavor do réu. 
Entende-se a impossibilidade do “feminicídio quando a vítima é um homem (ainda que 
de orientação sexual distinta da sua qualidade masculina” (BIANCHINI; GOMES, 
2015). 
Fácil é quando a vítima é biologicamente fêmea, a violência extremada se dá 
em razão do gênero feminino, seja em relação heterossexual ou homossexual. 
Averiguado os demais requisitos do tipo penal, tem-se possível sua aplicação 
(BIANCHINI; GOMES, 2015). 
A problemática surge no tocante à vítima transexual. Aqui cabe a explicação 
que Cunha (2015) apresenta em sua obra, ao defender que o transexual “[...] não se 
confunde com o homossexual, bissexual, intersexual ou mesmo com o travesti. O 
transexual é aquele que sofre uma dicotomia físico-psíquica, possuindo um sexo 
físico, distinto de sua conformação sexual psicológica”. 
 
 
 
25 
 
 
O autor aponta duas correntes acerca do tema: 
Em eventual resposta à indagação inicial podem ser observadas duas 
posições: uma primeira, conservadora, entendendo que o transexual, 
geneticamente, não é mulher (apenas passa a ter órgão genital de 
conformidade feminina), e que, portanto, descarta, para a hipótese, a 
proteção especial; já para uma corrente mais moderna, desde que a pessoa 
portadora de transexualismo transmute suas características sexuais (por 
cirurgia e modo irreversível), deve ser encarada de acordo com sua nova 
realidade morfológica, eis que a jurisprudência admite, inclusive, retificação 
de registro civil (CUNHA, 2015). 
Demonstra-se mais coerente a segunda corrente em razão do Poder Judiciário 
brasileiro já ter se posicionado pela possibilidade de aplicação da Lei nº 11.340/2006 
– Lei Maria da Penha para transexual masculino, conforme decisão da 1ª Vara 
Criminal da Comarca de Anápolis, magistrada Ana Cláudia Veloso Magalhães, nos 
autos do processo nº 201103873908, do Tribunal de Justiça de Goiás. 
Outrossim, é averiguado, em análise à jurisprudência do Tribunal de Justiça do 
Estado de Minas Gerais, o reconhecimento e aplicação da Lei Maria da Pena para 
transexuais e travestis, como se extrai da ementa abaixo colacionada: 
[...] Para a configuração da violência doméstica não é necessário que as 
partes sejam marido e mulher, nem que estejam ou tenham sido casados, já 
que a união estável também se encontra sob o manto protetivo da lei. [...] 
Quanto ao sujeito passivo abarcado pela lei, exige-se uma qualidade 
especial: ser mulher, compreendidas como tal as lésbicas, os transgêneros, 
as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. 
Ademais, não só as esposas, companheiras, namoradas ou amantes estão 
no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica como sujeitos 
passivos. Também as filhas e netas do agressor como sua mãe, sogra, avó 
ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar com ele podem 
integrar o polo passivo da ação delituosa (MINAS GERAIS, 2010). 
Não menos relevante, acrescenta-se neste ponto a lição de Greco (2015), que 
afirma não existir dúvidas quanto à possibilidade jurídica de transformação sexual: “Se 
o Poder Judiciário, depois de cumprido o devido processo legal, determinar a 
modificação da condição sexual de alguém, tal fato deverá repercutirem todos os 
âmbitos de sua vida, inclusive o penal”. 
Como é sabido, a identidade de gênero refere-se à forma como as pessoas se 
expressam na sociedade, bem como a percepção que elas possuem de si mesmas e, 
ainda que esse assunto seja um tanto quanto novo para a maioria da sociedade, a 
nossa atualidade clama por soluções que estejam à altura do seu progresso. Ademais, 
conforme o princípio da dignidade da pessoa humana, estabelecido pelo art. 1°, III, da 
26 
 
 
Constituição Federal, todas as pessoas são dignas de respeito por toda a sociedade 
e também, pelo Estado. 
O feminicídio busca justamente proteger as vítimas de violência em razão do 
gênero feminino e, considerando que as transexuais, mesmo nascendo 
biologicamente como homens, acreditam psicologicamente serem do sexo feminino, 
conclui-se que a mulher transexual pode sim figurar como sujeito passivo da 
qualificadora, devendo ser incluída na proteção da Lei 13.104/15. 
Negar a aplicação da qualificadora do feminicídio às mulheres transexuais é o 
mesmo que contradizer o ordenamento jurídico, tendo em vista que seu objetivo é 
coibir a violência de gênero cometida contra todas as mulheres. 
Desta forma, prevalece a máxima da não admissão de analogia em desfavor 
do réu. Contudo, quando configurado os aspectos reais de que o crime fora praticado 
em razão de gênero, aplicar-se-á a tipificadora do feminicídio. 
 
 
 
2.2.3 Razão da condição de sexo feminino 
 
O Projeto de Lei nº 8.305/2014, que deu origem à Lei do Feminicídio, trazia em 
seu texto original o vocabulário “gênero”, ao dispor que “[...] contra a mulher por razões 
de gênero”. Durante seu trâmite, algumas alterações acabaram por retirar a termologia 
“gênero”, sendo a Lei do Feminicídio sancionada com o seguinte texto: “contra a 
mulher por razões da condição de sexo feminino”. 
A expressão adotada pelo legislador, contudo, é alvo de críticas, como se extrai 
da lição de Cavalcante (2015): 
A expressão escolhida é péssima. A redação é confusa, truncada e não 
explica nada. No projeto de lei, a locução prevista para o tipo era: se o 
homicídio é praticado “contra a mulher por razões de gênero”. Ocorre que, 
durante os debates, a bancada de parlamentares evangélicos pressionou 
para que a “gênero” da proposta inicial fosse substituída por “sexo feminino”, 
com objetivo de afastar a possibilidade de que transexuais fossem abarcados 
pela lei. A bancada feminina acabou aceitando a mudança para viabilizar a 
aprovação do projeto. Melhor seria se tivesse sido mantida a redação original, 
que, aliás, é utilizada na Lei Maria da Penha: “configura violência doméstica 
e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero” (art. 
5º) e nas legislações internacionais. 
27 
 
 
Tal modificação poderia sugerir que a qualificadora deveria ser entendida sob 
o viés da categoria biológica (o sexo fêmeo). Contudo, este entendimento não é 
majoritário. 
Bianchini e Gomes (2015), por exemplo, defendem que a alteração não trouxe 
nenhum impacto relevante, visto que, mesmo com a apresentação “por razões da 
condição de sexo feminino”, o dispositivo continua sendo lido sob o viés da violência 
de gênero – “atinente à sociologia, padrões sociais do papel que cada sexo 
desempenha”. 
Decerto, a incidência da qualificadora reclama situação de violência praticada 
contra a mulher, em contexto caracterizado por relação de poder e submissão, 
praticada por homem ou mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade 
(CUNHA, 2015). 
De acordo com Cunha (2015), o termo “em razão da condição do sexo feminino” 
deve ser lido com as concepções de gênero, podendo invocar os ensinamentos de 
Saffioti (2001, p. 115) acerca do conceito de violência de gênero: 
Violência de gênero é o conceito mais amplo, abrangendo vítimas como 
mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. No exercício da 
função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das 
categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, 
tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. 
Demonstra-se coerente o posicionamento adotado por Saffioti, a qual explica 
que a “violência de gênero” deve ser entendida de forma ampla, visto não se tratar de 
prática exclusiva contra a mulher, embora seja o vetor mais difundido nesta classe. 
É notório que a violência de gênero esta correlacionada ao sistema patriarcal, 
porquanto busca manter a construção social acerca do gênero, pautado na 
desigualdade e hierarquização entre homens e mulheres. “A definição de violência de 
gênero deve ser entendido como uma relação de poder, de dominação do homem e 
de submissão da mulher” (MELO; TELES, 2003, p. 18). 
Sobre a questão, Melo e Teles (2003, p. 18) ainda elucidam: 
[...] não é a natureza responsável pelos padrões [...]. Os costumes, a 
educação e os meios de comunicação tratam de criar e preservar 
estereótipos que reforçam ideia de que o sexo masculino tem o poder de 
controlar os desejos, as opiniões e a liberdade de ir e vir das mulheres. 
28 
 
 
Superada esta questão, cumpre averiguar o que o legislador pretendeu tutelar 
ao tratar das “razões de condição de sexo feminino”, como se passa a expor. 
 
2.2.4 As circunstâncias caracterizadoras das “razões de condição de sexo 
feminino” 
 
Para tipificação do feminicídio não basta que o sujeito passivo seja mulher, 
necessário averiguar se estão presentes as “razões da condição de sexo feminino”, 
as quais foram esclarecidas no § 2º-A do art. 121, do Código Penal, a saber: “I – 
violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de 
mulher”. 
Neste ponto, Cunha (2015) entende que o esclarecimento buscado pelo 
legislador é confuso, senão inútil, uma vez que o feminicídio já trata da violência contra 
a mulher em razão de gênero, comportando todos os estudos sobre este e de violência 
contra a mulher, não encontra necessidade para este acréscimo realizado pelo 
legislador. 
Acrescenta o autor que o feminicídio traz na espécie o pressuposto de que a 
conduta do agente deve ser movida pelo menosprezo ou discriminação à condição de 
mulher (CUNHA, 2015). Não obstante, apesar da redundância do legislador, cumpre 
averiguar o que vem a ser violência doméstica e familiar contra a mulher. 
Descrita no inciso I, §2º-A, a violência doméstica e familiar foi claramente 
definida quando da Lei Maria da Penha, a qual guarda em seu art. 5º o conceito 
legislativo: 
Art. 5º: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar 
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause 
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou 
patrimonial: 
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de 
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as 
esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a 
comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, 
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; 
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha 
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (BRASIL, 
2006). 
Bianchini e Gomes (2015) destacam que “a violência doméstica e familiar que 
configura uma das razões da condição do sexo feminino [...] não se confunde com a 
29 
 
 
violência ocorrida dentro da unidade doméstica ou no âmbito familiar”. Isso porque 
pode ocorrer o assassinato de mulheres por seus parceiros, mesmo que numa relação 
íntima, que não configure a razão elencada pelo legislador. Sendo necessária a 
averiguação da violência baseada no gênero para que se verifique a ocorrência do 
feminicídio. 
Importa anotar que a alínea “f”, do art. 61 do Código Penal, agravante em caso 
de crime cometido “com violência contra a mulher na forma da lei específica”, não 
incidirá nos crimes desta modalidade porquantoimportaria em bis in idem 
(FERNANDES, 2015). 
No que tange ao feminicídio em virtude de menosprezo à condição de mulher, 
esta é verificada “quando o agente pratica o crime por nutrir pouca ou nenhuma estima 
ou apreço pela vítima, configurando, dentro outros, desdém, desprezo, 
desapreciação, desvalorização” (BIANCHINI; GOMES, 2015). 
Na situação de descriminação à condição de mulher, cumpre salientar que a 
República Federativa do Brasil é signatária da Convenção sobre a Eliminação de 
todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, de 1979, que foi ratificada pelo 
Brasil em 1984. 
Nesta Convenção fora elaborado o conceito da expressão “discriminação 
contra a mulher”, conceituada em seu artigo primeiro como: 
[...] toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por 
objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício 
pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade 
do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos 
campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro 
campo (BRASIL, 1994). 
Destarte, é salientado que na questão da discriminação da mulher o Brasil 
possui compromisso internacional em razão do referido tratado (BIANCHINI; GOMES, 
2015). 
 
2.3 CAUSAS DE AUMENTO NA QUALIFICADORA FEMINICÍDIO 
 
A Lei do Feminicídio também incluiu o § 7º ao art. 121 do Código Penal, que 
trata das causas de aumento desta qualificadora, nos seguintes termos: 
30 
 
 
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o 
crime for praticado: 
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; 
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos 
ou com deficiência; 
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima (BRASIL, 2015). 
Em relação ao inciso I, durante a gestação ou nos três primeiros meses 
seguintes ao parto, reside controvérsia quanto ao início parto. Para sanar o 
desentendimento, Cunha (2015) se vincula ao posicionamento que entende como 
termo inicial do parto as contrações expulsivas; nos casos em que o parto não é de 
modo espontâneo, o nascimento é determinado pelo início da operação (cesárea). 
Bianchini e Gomes (2015) salientam que “o agente somente responde por ela 
se tinha conhecimento da situação de gestação da vítima, podendo ocorrer erro de 
tipo caso não tivesse tal ciência”. 
Quanto à causa de aumento trazida no inciso II, contra pessoa menor de 
quatorze anos e maior de sessenta, ou com deficiência. Tem-se aqui uma repetição 
da previsão já exposta no § 4º, do art. 121, do Código Penal. Contudo, observa-se 
que o quantum de aumento é menos severo nesta do que na causa de aumento do 
feminicídio. 
Contra mulher portadora de deficiência, o enquadramento nesta categoria está 
descrita no art. 4º do Decreto nº 3.298/1999. Também é necessário o conhecimento 
da deficiência da vítima, sob pena de incidir em erro de tipo (BIANCHINI; GOMES, 
2015). 
Por último, o inciso III possibilita o aumento da pena em virtude do crime ser 
cometido na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Aqui se aponta a 
não obrigatoriedade de presença física no local do crime, bastando que o familiar 
esteja ouvindo (p. ex. por telefone) ou vendo (p. ex. vídeo conferência) a ação 
criminosa. Igualmente é apontado que a caracterização só será constatada se o autor 
tiver conhecimento da qualidade de ascendente ou descendente do “espectador” 
(BIANCHINI; GOMES, 2015). 
 
2.4 INCLUSÃO NO ROL DE CRIMES HEDIONDOS 
 
A Lei nº 13.104/2015 não alterou somente disposições do Código Penal, 
também acrescentou a previsão do feminicídio no rol da Lei nº 8.072/1090 – Lei dos 
31 
 
 
Crimes Hediondos. Desta forma, em razão de se tratar de crime hediondo, 
vislumbram-se as seguintes consequências: “impossibilidade de anistia, graça e 
indulto; inafiançabilidade; progressão de regime de modo diferenciado; prisão 
temporária com prazo de 30 dias, prorrogável por igual período; livramento condicional 
mediante cumprimento de 2/3 da pena” (FERNANDES, 2015). 
 
 
 
3 DAS FORMAS DE PROTEÇÃO À VÍTIMA CONTRA O FEMINICÍDIO 
 
A taxa de homicídios no Brasil é a quinta maior do mundo, segundo dados da 
Organização Mundial da Saúde (OMS). No que compete o resultado de homicídios 
femininos, num ranking de oitenta e três países, o Brasil é o quinto onde mais se 
matam as mulheres, estando entre os mais violentos do mundo nesse aspecto e em 
pior posição que seus vizinhos na América do Sul (à exceção somente da Colômbia), 
que os países europeus (à exceção da Rússia), que todos os países africanos e 
inclusive todos os árabes (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015, p. 72). 
O número de vítimas do sexo feminino entre os anos de 2003 e 2013 passou 
de 3.937 para 4.762, um aumento de 21% em uma década, sendo que essas 4.762 
mortes em 2013 representam 13 homicídios femininos por dia (MAPA DA VIOLÊNCIA, 
2015, p. 13). 
Segundo a delegada titular da Primeira Delegacia da Mulher (Deam), Paula 
Meotti, em 2020 ocorreu o recrudescimento da violência contra a mulher, com crimes 
bárbaros, embora apenas no ano de 2019 tenham sido encaminhadas ao Judiciário 
2,6 mil medidas protetivas como forma de preservar a integridade física das vítimas 
(NA CONTRAMÃO, 2020). 
 Anote-se, ainda, que segundo a mesma fonte, em 2019 a cada 9 dias uma 
mulher foi vítima de feminicídio. E acrescenta: 
De acordo com Mapa da Violência, Goiás ocupava, em 2013, a terceira 
posição na taxa de homicídios cujas vítimas eram mulheres, com 8,6 mortes 
a cada 100 mil habitantes. Aproximadamente 15% desses casos podem ser 
enquadrados como feminicídio. 
No mesmo estudo, dez municípios goianos apareciam entre os 100 com 
maiores taxas de homicídio contra mulheres no Brasil: Alexânia, em segundo 
lugar (25,1); Cristalina, em 13º (16,5); Planaltina, em 29º (14); Luziânia, em 
48º (12,8); Valparaíso de Goiás, em 74º (11,5); Formosa, em 79º (11,4); Iporá, 
32 
 
 
em 81º (11,3); Jataí, em 82º (11,2); Goiatuba, em 87º (11); e Inhumas, em 
96º (10,5) (NA CONTRAMÃO, 2020). 
 Segundo o Atlas da Violência 2019, 
Considerando o período decenal, Rio Grande do Norte apresentou o maior 
crescimento, com variação de 214,4% entre 2007 e 2017, seguido por Ceará 
(176,9%) e Sergipe (107,0%). Já no ano de 2017, o estado de Roraima 
respondeu pela maior taxa, com 10,6 mulheres vítimas de homicídio por 
grupo de 100 mil mulheres, índice mais de duas vezes superior à média 
nacional (4,7). A lista das unidades federativas onde houve mais violência 
letal contra as mulheres é seguida por Acre, com taxa de 8,3 para cada 100 
mil mulheres, Rio Grande do Norte, também com taxa de 8,3, Ceará, com 
taxa de 8,1, Goiás, com taxa de 7,6, Pará e Espírito Santo com taxas de 7,5 
(CERQUEIRA et al., 2019, p. 35). 
Por derradeiro, o Atlas da Violência 2019 revelou que a taxa de homicídio de 
mulheres cresceu acima da média nacional em 2017. A taxa geral de assassinatos no 
país aumentou 4,2% na comparação de 2017 com 2016. Já a taxa de mortes só de 
mulheres cresceu 5,4% (CERQUEIRA et al., 2019, p. 35). 
Resta evidente, portanto, que embora inexistam dados que permitam comparar 
o número de feminicídio nos últimos anos, percebe-se um claro aumento nos índices 
de crimes praticados contra a mulher, mormente os homicídios. Infelizmente, os 
estudos não se preocupam em aferir se todo o homicídio praticado com violência 
contra a mulher é de fato enquadrado como feminicídio. 
 
3.2 A PUNIÇÃO DOS HOMICÍDIOS CONTRA AS MULHERES (EM RAZÃO DE 
GÊNERO) ANTES DO ADVENTO DA LEI 13.104/2015 – FEMINICÍDIO 
 
Originária da CPMI de Violência contra a Mulher no Brasil e do Projeto de Lei 
do Senado n.º 292 do ano de 2013, a Lei 13.104/2015, chamada Lei do Feminicídio, 
criou mais uma forma qualificada de homicídio no artigo 121 do Código Penal 
brasileiro, novas causas especiais de aumento da pena, como tambémalterou a 
redação da Lei 8.072/80, Lei dos Crimes Hediondos (CABETTE, 2015, p. 35). 
Conforme a Lei 13.104/2015, o simples fato do sujeito passivo de um crime de 
homicídio ser uma mulher, não é suficiente para caracterizar o feminicídio, que 
somente será configurado se essa forma extrema de violência que acarreta na morte 
de uma mulher, for perpetrada em decorrência de violência de gênero, portanto esses 
crimes ocorrem em situações em que o agressor mate uma mulher em uma relação 
33 
 
 
de domínio, menosprezo, posse sobre a vítima. Ou seja, não basta a vítima ser 
mulher, tal fato deve aliar-se ao dolo específico de que a morte seja motivada pela 
violência de gênero. 
Claramente a vítima do feminicídio será uma mulher, já o sujeito ativo do crime 
em geral será um homem, mas nada impede que uma mulher atue como coautora ou 
partícipe, já que a Lei não afastou totalmente a hipótese de que uma mulher possa 
ser o sujeito ativo, desde que esteja agindo em uma relação de violência de gênero 
contra a vítima. 
A Lei traz como um grande problema o enfoque de mais um triste exemplo de 
um Direito Penal meramente simbólico, inútil e demagógico, embasado no fato de que 
o homicídio de uma mulher nessas circunstâncias, desde 1940, com a edição do 
Código Penal brasileiro, já era uma espécie de homicídio qualificado pelo motivo torpe. 
Nessa linha, aparecem vários questionamentos como para que serve a Lei do 
feminicídio ou qual a necessidade de se criar um novo tipo penal que na verdade 
aparentemente só mudou o nome de uma conduta já prevista como crime da mesma 
forma e com a mesma pena, e o que mudará nas vidas das mulheres em risco de 
sofrerem violência ou serem assassinadas por seus agressores. 
Não pode ser considerada função da lei penal, como também de nenhuma das 
leis, a denúncia de uma situação fática. As leis desempenham papel de regular a 
conduta humana, para que o convívio social seja o mais pacífico possível, 
compreendendo que haverá um grau suportável de conflito. 
O Projeto de Lei do Senado, n. 292/2013, justifica a criação da lei do feminicídio 
nos seguintes termos: 
A importância de tipificar o feminicídio é reconhecer, na forma da lei, que 
mulheres estão sendo mortas pela razão de serem mulheres, expondo a 
fratura da desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade, e é 
social, por combater a impunidade, evitando que feminicidas sejam 
beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente 
inaceitáveis, como o de terem cometido “crime passional”. Envia, outrossim, 
mensagem positiva à sociedade de que o direito à vida é universal e de que 
não haverá impunidade. Protege ainda a dignidade da vítima, ao obstar de 
antemão as estratégias de se desqualificarem, midiaticamente, a condição de 
mulheres brutalmente assassinadas, atribuindo a elas a responsabilidade 
pelo crime de que foram vítimas (BRASIL, 2013). 
Antes do advento da Lei do Feminicídio, a forma do crime com as 
características de violência perpetrada em razão do gênero já qualificava o homicídio, 
porém pela torpeza, e igualmente rotulada como hedionda, ou seja, observa-se que a 
34 
 
 
mudança foi simplesmente mudar a conduta delituosa do artigo 121, § 2º, inciso I, 
para o mesmo parágrafo, inciso VI, de modo que tal alteração está voltada ao alerta 
em razão da existência da necessidade de se coibir com mais rigor a violência contra 
a mulher nos casos em que estiver presente a razão da condição do gênero (CUNHA, 
2015). 
A Lei continua qualificando um crime que já era qualificado anteriormente e a 
pena continua sendo a mesma. A criação de um tipo penal ou a mudança do nome de 
uma conduta, da mesma forma, e com a mesma pena, não é e nunca será a solução 
para qualquer problema social de um conflito que já está enraizado na cultura. 
Antes da Lei nº 13.104/2015 entrar em vigor e, consequentemente, alterar o 
Código Penal no tocante à previsão de mais uma qualificadora do crime de homicídio, 
não havia punição específica acerca dos assassinatos de mulheres em razão do sexo 
feminino – em razão do gênero (GOMES, 2016). 
Anota-se, de antemão, que em razão do princípio da irretroatividade da Lei 
Penal mais gravosa, assegurado expressamente pela Constituição da República 
Federativa do Brasil de 1988, na inteligência do seu artigo 5º, inciso XL, é inviável a 
aplicação da Lei do Feminicídio para os crimes cometidos em data anterior à data que 
passou a vigorar a qualificadora do feminicídio, 10 de março de 2015. Isso porque a 
qualificadora prevê sanção mais gravosa para esse tipo penal. Não sendo benéfica 
para o réu, passa a ser irretroativa. 
Também é importante salientar que a Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340/06) 
tratou de criar mecanismos com finalidade de coibir a violência doméstica e familiar 
contra a mulher, nos termos do que prevê o § 8º do art. 226 da Constituição Federal 
(GOMES, 2016, p. 6). 
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 
[...] 
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos 
que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas 
relações (BRASIL, 1988). 
A Lei Maria da Penha não cuidou de tipificar crimes. Não há nesse diploma 
legal a exposição de um rol de crimes. De modo contrário, da leitura desta Lei é 
possível verificar sua preocupação com regras processuais de proteção à mulher 
vítima de violência doméstica. Desta forma, Lei Maria da Penha não tipificou o 
feminicídio, tampouco faz referência a este tipo de crime (GOMES, 2016, p. 6). 
35 
 
 
Antes da Lei que incluiu o feminicídio no código penal, os crimes de homicídio 
praticados contra mulheres em razão de gênero, geralmente os que se enquadravam 
nas situações de violência doméstica e familiar, eram tipificados na forma qualificada 
do crime de homicídio, ante a averiguação da torpeza motivacional (I, §2º do art. 121 
do CP) ou motivo fútil (II, §2º do art. 121 do CP), logo eram enquadrados como 
hediondos (CAVALVANTE, 2015). 
No mesmo sentido é o posicionamento de Bianchini (2016, p. 216): 
A rigor, o feminicídio já poderia (e, em alguns casos, já era) classificado como 
crime hediondo. Afinal, não há como negar torpeza na ação de matar uma 
mulher por discriminação de gênero (matar uma mulher porque usa minissaia, 
ou porque não limpou corretamente a casa, ou porque deixou queimar o 
feijão, ou porque quer se separar, ou porque depois de separada iniciou outro 
relacionamento amoroso etc.). Mas esse entendimento não era uniforme. 
Quando se tratava por exemplo de crime motivado pelo ciúme, doutrina e 
jurisprudência oscilavam em torno de três distintas interpretações: O ciúme 
configura homicídio qualificado pelo motivo torpe; O ciúme configura 
homicídio qualificado pelo motivo fútil; O ciúme não qualifica o homicídio. 
Assim, fato é que mesmo antes de vigorar a Lei do Feminicídio o agente que 
praticava assassinato contra mulher em razão do gênero não ficava impune. Em regra 
esses crimes eram punidos de forma genérica, na modalidade simples (art. 121, caput, 
do Código Penal). A depender do caso, percebia-se a necessidade de enquadramento 
do fato em umas das qualificadoras já previstas para o homicídio, as quais são: motivo 
torpe ou motivo fútil (incisos I e II, respectivamente, do §2º, art. 121, do CP). 
Neste ponto foram tecidas críticas acerca na necessidade da previsão legal 
desta qualificadora, por mostrar uma virtude meramente simbólica: “A virtude dessa 
alteração está na simbologia, isto é, no alerta que se faz a necessidade de se coibir 
com mais rigor a violência contra a mulher em razão do sexo feminino” (CUNHA; 
PINTO apud BIANCHINI, 2016, p. 217). 
Doutro lado há posicionamento de que é necessária a tipificação para evitar 
que os assassinatos de mulheres caiam na “vala comum”, que continuem sendo 
aceitas as justificativas de crime passional, que muitas vezes deixam o criminoso livre, 
sem responsabilizaçãoà altura da infração (PASINATO, 2011, p. 235). 
A socióloga Wânia Pasinato (apud PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 16) ao 
afirmar a necessidade de compreender que “quem ama não mata”, formula 
entendimento de que os assassinatos de mulheres que decorrem de paixão ou conflito 
entre casais são tão unicamente em razão da estrutura social marcada pela 
36 
 
 
desigualdade de gênero, que acaba por perpetuar um sistema de relações íntimas 
nos moldes do patriarcado. 
Era comum se deparar com notícias relacionadas aos assassinatos de 
mulheres que traziam, de plano, termos que atribuíam forte motivação emocional, tais 
como: enciumado, inconformado com o término, descontrolado, apaixonado; todos os 
adjetivos utilizados na tentativa de justificar crimes bárbaros. Ainda, nestes casos 
havia entendimento de que o comportamento da vítima concorreu para a consumação 
do delito, passando a ser tida como responsável pela agressão sofrida (PRADO; 
SANEMATSU, 2017). 
Destarte, a tipificação do feminicídio justifica-se no sentido de dar visibilidade e 
“denunciar a violência sistêmica contra mulheres em relações conjugais, que muitas 
vezes, resulta em homicídios encarados como ‘crimes passionais’ pela sociedade, 
pela mídia e até mesmo pelo sistema de Justiça” (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 
16). 
De modo que é possível afirmar que a base do direito penal simbólico é 
justamente fingir que não se sabe das constatações há muito tempo disseminadas 
pelas doutrinas e ciência criminal, e mesmo assim, continuar produzindo leis que não 
serão efetivas, mas que no entanto, rendem para determinados setores e grupos 
políticos, e enquanto isso, mulheres continuarão sendo vítimas de violência e 
assassinadas no Brasil. 
Diante disso, resta o questionamento sobre a real efetividade e do que a 
recente criada Lei do Feminicídio representa, deixando dúvidas acerca de quais os 
benefícios em relação a prevenção da violência contra a mulher, irá trazer para a 
realidade das mulheres no Brasil. 
 
3.3 DIREITO PENAL SIMBÓLICO E A CRIMINALIZAÇÃO DO FEMINICÍDIO 
 
Um dos grandes debates acerca da tipificação do feminicídio é em razão da 
sua eficácia e necessidade de previsão legal, com argumentos de que o Direito Penal 
tipificava condutas que já embarcavam sanções contra esse tipo de assassinato. Isso 
em razão do questionamento acerca da utilização do Direito Penal como via para 
alcançar objetivos ou solucionar conflitos de cunho social, como é o caso da violência 
de gênero (BIANCHINI; MARINELA; MEDEIROS, 2015). 
37 
 
 
No debate da necessidade, ou não, da criminalização do feminicídio, de modo 
algum se deixa de considerar, ou banalizar, a gravidade que envolve a violência de 
gênero (BIANCHINI; MARINELA; MEDEIROS, 2015). 
Igualmente é importante salientar que se deixará de abordar os 
questionamentos acerca da constitucionalidade da criminalização do feminicídio, sob 
alegação de ofensa ao princípio da igualdade (argumentando que às mulheres está 
sento atribuído tratamento desigual – mais favorável), em razão do Supremo Tribunal 
Federal, em julgamento de insurgência parecida com esta, quando da Ação Direta de 
Constitucionalidade 19/DF, referente à Lei Maria da Penha, ter se posicionado pela 
constitucionalidade desta, afirmando não haver ofensa ao princípio da isonomia. 
Feito isto, uma grande discursão surge quanto à necessidade de tipificação, 
inclusão, do feminicídio na legislação brasileira. Um dos grandes debates é que, há 
quem defenda que o Código Penal já realizava a proteção necessária por meio dos 
tipos penais neutros; doutro lado, dos que simpatizam com a criminalização “gênero-
específica”, tem-se o argumento de que a penalização já tida de tipos penais neutros 
somente continuaria ocultando a violência contra a mulher, fazendo com que subsista 
a cultura patriarcal de gênero (BIANCHINI; MARINELA; MEDEIROS, 2015). 
Os autores, Bianchini, Marinela e Medeiros (2015), listam alguns argumentos 
prós e contra a criminalização. Sendo os favoráveis: (a) Instrumento de denúncia e 
visualização dos assassinatos de mulheres por razão de gênero; (b) Utilidade 
criminológica: dados e números concretos, fazendo aflorar a realidade e permitindo 
uma melhor prevenção; (c) Poder simbólico do direito penal para conscientizar a 
sociedade sobre a gravidade singular desses crimes; (d) Novas figuras penais podem 
contribuir a que o Estado responda mais adequadamente ante esses crimes; (e) 
Compromete as autoridades públicas na prevenção e sanção dos homicídios de 
mulheres; (f) Não se trata de dar um tratamento vantajoso para as mulheres à custa 
dos homens, senão de se conceder uma tutela reforçada a um grupo da população 
cuja vida, integridade física e moral, dignidade, bens e liberdade encontram-se 
expostas a uma ameaça específica e especialmente intensa. 
Quanto aos argumentos contrários: (a) Discriminação em prejuízo dos homens, 
dando maior valor a vida das mulheres; [...] (d) O poder político se vale dessa 
categoria, incluindo-a em sua legislação e, com isso, isenta-se de investir recursos 
humanos e econômicos suficientes para efetivamente conter a violência. (e) Em 
muitos países, a tipificação tem sido tão confusa que dificilmente se a pode aplicar; 
38 
 
 
[...] (g) A ênfase deve ser nas políticas preventivas e não nas penais; (h) O recurso ao 
direito penal transformou-se em um instrumento ao alcance de qualquer grupo político 
e possui baixo custo, comparado com a implementação de políticas públicas, e alta 
popularidade, especialmente em situações de alta violência e criminalidade; (i) O 
direito penal não é uma via adequada para fazer frente a esse fenômeno, sendo que 
a tipificação do feminicídio tem um impacto mais midiático que real, posto que a 
proteção das mulheres não se incrementa por esta via, criticando-se a ênfase 
unicamente penal da normativa e a falta de medidas que fortaleçam a prevenção, 
tratamento e proteção das mulheres. 
Bianchini, Marinela e Medeiros (2015) posicionam-se favoráveis à introdução 
da qualificadora do feminicídio no Código Penal. Contudo, não deixam de ressaltar a 
função simbólica que esta tipificação teria, reconhecendo o baixo caráter preventivo 
do direito penal em relação à sua função de tutela preventiva dos bens jurídicos. 
Mesmo assim, não deixam de salientar que, embora seja verificada uma insuficiência 
por meio da via penal, dado a relevância e gravidade acerca do bem jurídico que se 
pretende proteger, consideram a criminalização como uma resposta imperativa. 
De modo contrário, Eduardo Cabette (2015, P. 26) posiciona-se no sentido da 
ausência de necessidade desta qualificadora no ordenamento jurídico brasileiro. 
Demonstra que o feminicídio apresenta pena igual das demais qualificadoras já 
tipificadas no Código Penal (reclusão, doze a trinta anos). Defende que a utilização 
da seara criminal “não é e nunca será a solução para qualquer problema social ou 
conflito”. 
Essa é base do Direito Penal simbólico: fingir que não se sabe dessas 
constatações há tempos disseminadas pela melhor doutrina e pela ciência criminal. 
Fingir que não sabe o que na verdade sabe e seguir produzindo leis inúteis, mas que 
rendem para certas pessoas e perante determinados grupos dividendos políticos. 
Enquanto isso, mulheres e homens continuarão sendo mortos entre 50 mil e 70 mil 
homicídios/ano no Brasil (CABETTE, 2015, p. 36). 
A problemática de se utilizar do sistema penal para solucionar o problema da 
violência contra a mulher, por questão de gênero, já fora abordada por outros autores. 
A respeito do tema Andrade apontou que: 
[...] o sistema penal é ineficaz para proteger as mulheres contra a violência 
porque, entre outros argumentos, não previne novas violências, não escuta 
os distintos interesses das vítimas, não contribui para a compreensão da 
39 
 
 
própria violência sexual e gestão do conflito ou muito menos para a 
transformação das relações de

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