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COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DE SANTA CATARINA - CESUSC FACULDADE CESUSC CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO ELEANDRO BOTELEIRO CAMPODONIO O JULGAMENTO DO MI 4733/DF DE 2012 E DA ADO 26/DF DE 2013 E A (IN)OCORRENCIA DE ATIVISMO JUDICIAL Florianópolis/SC Junho 2020 ELEANDRO BOTELEIRO CAMPODONIO O JULGAMENTO DO MI 4733/DF DE 2012 E DA ADO 26/DF DE 2013 E A (IN)OCORRENCIA DE ATIVISMO JUDICIAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Faculdade CESUSC como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Msc. Samuel Martins dos Santos Florianópolis/SC Junho 2020 Eleandro Boteleiro Campodonio O JULGAMENTO DO MI 4733/DF DE 2012 E DA ADO 26/DF DE 2013 E A (IN)OCORRENCIA DE ATIVISMO JUDICIAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Faculdade CESUSC como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito, sendo submetido à Banca Examinadora e considerado aprovado em __/__/____. ___________________________________________ Prof. Msc. Samuel Martins dos Santos Professor Orientador ___________________________________________ [Nome do membro da Banca com sua titulação] Membro da Banca Examinadora ___________________________________________ [Nome do membro da Banca com sua titulação] Membro da Banca Examinadora Dedico este trabalho aos meus pais, pela educação e por proporcionarem meios para que chegasse até aqui, a minha esposa, pelo carinho, compreensão, incentivo e apoio incondicionais, a mim concedidos, AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, fonte inesgotável de força, saúde e paz, pelo privilégio da vida e a dádiva do pensar. Agradeço a minha mãe Alex Sandra, ao meu pai, Volmir, e ao meu irmão, Rafael. Devo a vocês o que sou hoje. Agradeço a minha companheira, Kesllen Maiara Boteleiro, por todo incentivo, compreensão e companheirismo. Agradeço ao meu orientador, Samuel Martins, pela ajuda com a pesquisa e pelos valiosos ensinamentos, e na sua pessoa, agradeço a todos os professores e colaboradores da instituição. Agradeço, por último, a todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho, professores, parentes e amigos. Não vês que somos viajantes? E tu Me perguntas: Que é viajar? Eu respondo com uma palavra: é avançar! Experimentais isto em ti. Que nunca te satisfaças com aquilo que és. Para que sejas um dia aquilo que ainda não és. Avança sempre! Não fiques parado no caminho. (Santo Agostinho) RESUMO Atualmente é notório o protagonismo evidenciado pelo Poder Judiciário, especialmente pelo Supremo Tribunal Federal, no cenário jurídico/político/social nacional e o julgamento do Mandado de Injunção nº 4733/DF e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26/DF, ocorrido recentemente, torna-se essencial para a compreensão deste protagonismo. Neste sentido, o presente trabalho busca realizar uma análise das razões elencadas pelo STF no julgamento do MI nº 4733/DF e na ADO nº 26/DF. Por meio de pesquisas bibliográficas, jurisprudenciais e doutrinárias buscar-se-á compreender qual o limite aceitável de interferência do Poder Judiciários nos Poderes Legislativos e Executivo, pois a problemática maior não reside no protagonismo em si, face às questões políticas serem judicializadas, mas sim, como as questões judidicializadas, ou não, são decididas. A presente pesquisa visa colaborar e trazer luz para a seguinte problemática: É saudável para a democracia a criminalização de condutas pelo Supremo Tribunal Federal? Agiu O Supremo Tribunal Federal de forma ativista no caso em debate? Diante do problema apresentado, tem-se a hipótese de que, muito embora a importância do mérito discutido em ambas demandas e o objetivo final alcançado, a saber, a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, acredita-se não ser o decreto judicial a medida adequada para a criminalização de condutas e inovação legislativa. Por fim, após análise bibliográfica do teor dos votos dos Ministros e das obras da comunidade jurídica sobre o tema, depreendeu-se que o Supremo Tribunal Federal ao criminalizar condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém por traduzirem expressões de racismo, interferiu no âmbito de competência do poder legislativo e consequentemente, agiu de forma ativista. Palavras-chave: Ativismo judicial. Supremo Tribunal Federal. Judicialização. LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ADO – Ação Direta de Inconstitucionalidade AGU – Advocacia Geral da União MI – Mandado de Injunção PGR – Procuradoria Geral da República STF – Supremo Tribunal Federal SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10 2 APRESENTANDO OS CONCEITOS ................................................................. 12 2.1 ATIVISMO JUDICIAL ...................................................................................... 12 2.1. JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA. .................................................................. 15 3. O MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 4733/DF E A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO Nº 26/DF ..................................... 20 3.1 MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 4733/DF ......................................................... 20 3.2 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO Nº 26/DF . 23 3.3 O JULGAMENTO – OS ARGUMENTOS UTILIZADOS PELOS MINISTROS . 25 4 ATIVISMO JUDICIAL E O JULGAMENTO DO MI 4733/DF E DA ADO 26/DF 54 4.1 A UTILIZAÇÃO DO XLI DO ART. 5º DA CF 1988 ........................................... 56 4.2 A UTILIZAÇÃO DO INCISO XLII DO ART. 5º DA CF 1988 ............................ 58 5 CONCLUSÃO .................................................................................................... 64 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 67 10 1 INTRODUÇÃO O espírito renascentista do ser humano e sua procura ávida por novidades, resultou em uma sociedade moderna que vive em constante mudança. E neste processo cognitivo, entre os avanços e retrocessos, pode-se extrair uma verdade, que a curiosidade humana não nos permitirá cair em um comodismo. Estas atividades inovadoras capazes de criar novas formas de se viver serão fonte geradoras de mudanças estruturais na sociedade, e isto inclui, os impactos perceptíveis na relação entre o cidadão e o Poder Público, in casu, entre o jurisdicionado e os órgãos judicantes. O Poder Judiciário que inicialmente, diante da simplicidade social, reservava-se a resolução de conflitos individuais por intermédio da a aplicação de uma regra preexistente, universal e clara, depara-se agora, com uma complexidade social que resultará em conflitos inimagináveis e sem uma lei pré-fabricada e aplicável ao conflito. O Juiz de Direito Rafael Linardi, sobre a mutação da sociedade, o desenvolvimento humano e sua estreita relação com o Direito, assim contribui: Desde os instrumentos mais precários de caça, produzidos através de pedras lapidadas, até os mais modernos equipamentos de informática, tudo é produto de cultura, cujos reflexos se espraiam para as ciências,linguagem, religiões, filosofia, história, ética, e obviamente, o direito. (GOUVEIA LINARDI, 2017, p. 117). Miguel Reale, ao discorrer sobre o tema, assim alude: [...] já foi dito muito bem que a natureza se repete e que só o homem inova e se transcende. É a essa atividade inovadora, capaz de instaurar formas novas de ser e de viver, que chamamos de espírito. O ponto de partida não é, como se vê, uma hipótese artificial, mas a verificação irrecusável de que o homem adicionou e continua adicionando algo ao meramente dado. A natureza de hoje não é a mesma de um, dois, ou três mil anos atrás, porque o mundo circundante foi adaptado à feição do homem. O homem, servindo- se das leis naturais, que são instrumentos ideais, erigiu um segundo mundo sobre o mundo dado: é o mundo histórico, o mundo cultural, só possível por ser o homem um ser espiritual, isto é, um ente livre dotado de poder de síntese, que lhe permite compor formas novas e estruturas inéditas, reunindo em unidades de sentido, sempre renovadas e nunca exauríveis, os elementos particulares e dispersos da experiência. (REALE p. 201) É cediço que a atuação jurisdicional do Estado precisa acompanhar este avanço social e adaptar-se às constantes mudanças, alterando, se necessário, sua 11 forma de abordagem e atuação, sob pena de tornar-se obsoleta e destoada da realidade no qual é desenvolvida. Diante disso, admite-se a busca pela justiça como um valor mutável de acordo com os contextos sociais e históricos. As mudanças no modus operandi dos Tribunais, na busca pela entrega de uma tutela jurisdicional realmente efetiva, ensejarão adjetivações que embora muita discutidas, mal compreendidas, como é o caso do Ativismo Judicial e da Judicialização da Política, termos empregados constantemente como sinônimos, mas que possuem diferenças lacônicas. Pensando nisso, a partir de uma pesquisa bibliográfica, o primeiro capítulo limitar-se-á a realização de uma análise conceitual dos termos segundo o entendimento de diversos estudiosos dos fenômenos. Neste capítulo também, tentaremos, mesmo que de forma sintética, diferenciar o ativismo judicial da judicialização. Já no segundo capítulo, reservaremos espaço para uma análise descritiva da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26/DF, em especial do julgamento realizado pelo plenário, que incluiu o Mandado de Injunção nº 4733/DF, eis que versavam sobre o mesmo tema. Apresentaremos, um breve contexto que culminou com o ingresso das referidas ações, os fundamentos e pedidos elencados nas peças exordiais, os fundamentos constantes na manifestação da Procuradoria Geral da República e as razões de voto e conclusão dos Ministros do STF. No terceiro capítulo apresentaremos, por meio de pesquisa bibliográfica, a reação dos juristas brasileiros com relação ao julgamento e sua suposta relação com aquilo que denominamos de ativismo judicial. Por fim, discorreremos acerca do apanhado de conclusões resultante da presente pesquisa. 12 2 APRESENTANDO OS CONCEITOS 2.1 ATIVISMO JUDICIAL Segundo Andrei Koerner (2013, p. 70), a expressão ativismo judicial foi importada dos Estados Unidos após ter sido utilizada pelo professor Arthur Schlesinger Jr. em um artigo intitulado The Supreme Court: 1947, publicado na Revista Fortune, vol. XXXV, nº 1, no mês de Janeiro de 1947, no qual ele traçou o perfil dos nove juízes da Suprema Corte, separando-os entre os juízes “ativistas” e os juízes adeptos à “autocontenção”. Ainda, segundo Andrei Koerner (2013, p. 70), o artigo escrito por Arthur Schlesinger traz pela primeira vez a expressão “ativismo jurídico”, se referindo à atuação progressista de alguns magistrados da Suprema Corte dos Estados Unidos, frente a implementação de políticas do Líder do Executivo à época, Franklin Delano Roosevelt. A professora e Juíza de Direito Márcia Helena Bosch, elucida que muito embora o termo ativismo judicial seja empregado apenas em 1947 por Arthur Schlesinger Jr., a Suprema Corte Norte Americana pavimentou tal atuação muitos anos antes, veja-se Porém, a história aponta que na verdade as bases do ativismo judicial foram construídas muitos anos antes e por um longo período em que a Corte foi presidida por John Marshall (Corte Marshall, de 1801 a 1835), com destaque para o famoso caso "Marbury contra Madison" que foi decidido no ano de 1803 pela Suprema Corte, sendo a principal referência do controle de constitucionalidade difuso exercido pelo Poder Judiciário. Este caso abriu a discussão para a possibilidade do Poder Judiciário rever os atos do Congresso praticados em ofensa à constituição. (BOSCH, 2015, p.6). Se por um lado, no século XIX uma atuação considerada ativista começava a surgir, por outro, segundo o Professor Luiz Roberto Barrosa, esta atividade será perceptível com mais veemência no Poder Judiciário Americano, berço da presente terminologia, alguns anos mais tarde: Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificara atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais (...) Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na 13 concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. (Barroso, 2012). No brasil, sob perspectiva cientifica, o tema é bastante recente. Além disso, há uma infinidade de definições, que variam de acordo com o prisma ideológico, interpretativo e metodológico utilizado para enfrentar o tema, neste sentido, a Professora Vanice Regina Lírio do Valle elucida que: O problema na identificação do ativismo judicial, reside nas dificuldades inerentes ao processo de interpretação constitucional. Afinal, o parâmetro utilizado para caracterizar uma decisão como ativismo ou não reside numa controvertida posição sobre qual é a correta leitura de um determinado dispositivo constitucional. Mais do que isso: não é a mera atividade de controle de constitucionalidade – consequentemente, o repúdio ao ato do poder legislativo – que permite a identificação do ativismo como traço marcante de um órgão jurisdicional, mas a reiteração dessa mesma conduta de desafio aos atos de outro poder, perante casos difíceis. O problema está no caráter sempre controverso de se delimitar o que são casos difíceis. (VALLE, 2009, p. 21). Segundo o professor Andrei Koerner: Este modelo de atuação enérgica foi incorporado ao debate brasileiro após 1988, inicialmente como parte da problemática da judicialização da política e mais recentemente nas discussões jurídicas sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). (KOERNER, 2013, p. 70). Ladeando este pensamento, a Professora e Pesquisadora Maria Aparecida Alkimin assevera que: No Brasil, a temática relativa ao ativismo judicial só ganhou expressão com a entrada em vigor da Constituição de 1988, pois esta atribuiu uma série de prerrogativas ao magistrado, impulsionando-o, inevitavelmente, a uma atuação mais presente a sociedade e, em consequência, com mais repercussão midiática; veja-se, por exemplo, todos os milhares de casos em que se faz necessário assegurar direitos fundamentais que não encontram previsão legal em condições de lhes dar regulamentação. (ALCKMIN, 2016, p. 303). Neste sentido, o ativismo judicial possui uma estreita relação com a promulgação da Constituição cidadã de 1988, pois esta inaugura a passagem de um momento de extremo de autoritarismo e desrespeito àsgarantias fundamentais para um período onde o Estado, outrora autoritário, é responsável pela promoção da dignidade da pessoa humana e da consagração de garantias e direitos fundamentais. E isto extrai-se do pensamento do Professor e Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, que defende o ativismo judicial como algo relacionado à atuação enérgica do Poder Judiciário na concretização de valores consagrados ou implícitos na Constituição, pois, segundo ele, “a ideia de ativismo 14 judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”. (BARROSO, 2012. p. 25). E prossegue ressaltando que, de forma empírica é possível caracterizar uma atuação ativista quando presentes três elementos essenciais, a saber: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público. (BARROSO, 2012. p. 25,26). Para Barroso (2012. p. 26), o ativismo judicial não é algo inconsciente, mas [...] “é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”. Nesta toada, Koerner (2013, p. 70), acredita que no Brasil, o ativismo Judicial é caracterizado por uma atuação não convencional por parte do Poder Judiciário - daí o termo ativismo – numa concretização expansiva dos valores Carta Cidadã, noutras palavras, utiliza-se o termo para referir-se as atuações do Poder Judiciário que extrapolam seus limites de competência originária, e que expandiram o alcance e impacto da Constituição. Ocorre que o autor prossegue, e salienta ainda, que o termo não restringe-se a caracterizar uma atitude pró ativa do Poder Judiciário, mas também, uma atuação onde este extrapola seus limites de competência originária. De uma forma simplista, pode-se dizer que a expressão ativismo judicial, nesse contexto, tem servido tanto para enaltecer uma postura ativa do juiz quanto para criticar essa mesma atuação. Para o Pesquisador Luiz Werneck Vianna, a duplicidade que acompanha o termo ativismo judicial é uma questão de compreensão do instrumento, e neste sentido aduz que: O ativismo judicial, quando bem compreendido, estimula a emergência de institucionalidades vigorosas e democráticas e reforça a estabilização da nossa criativa arquitetura constitucional. Quando mal compreendido, entretanto, este ativismo é sempre propício à denúncia de um governo de juízes, de uma justiça de salvação, referida casuisticamente aos aspectos materiais em cada questão a ser julgada. Mal compreendido leva a concepções de uma justiça que abdica da defesa da integridade do Direito, tal como a conceituam, na esteira de Dworkin, Nonet e Selznick, e se torna, mesmo que em nome das melhores intenções, um instrumento do seu derruimento. (VIANNA, 2008, p. 03). 15 De outro norte, faz-se necessário trazer à baila os ensinamentos do eminente Professor Elival da Silva Santos, que, diferentemente de Luiz Werneck Vianna, acredita que os desvios encontrados em uma postura ativista por Parte do Poder Judiciário, não são resultantes de uma má compreensão, mas intrínseco ao próprio exercício do fenômeno: [...] por ativismo judicial deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Há, como visto, uma sinalização claramente negativa no tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes. Não se pode deixar de registrar mais uma vez, contudo, que o fenômeno golpeia mais fortemente o Poder Legislativo, o qual tanto pode ter o produto da legiferação irregularmente invalidado por decisão ativista (em sede de controle de Constitucionalidade), quanto o seu espaço de conformação normativa invadida por decisões excessivamente criativa. (RAMOS, 2010, p. 129). Em que pese a pluralidade de definições acerca do ativismo judicial, é uníssono que o fenômeno possui a predisposição do julgador como fator essencial para sua caracterização, e além disso, é parâmetro essencial para diferenciá-lo de outro fenômeno decorrente da atividade judicante, a judicialização da política. 2.1. JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA. Da mesma forma que o ativismo judicial, a judicialização da política é um fenômeno polêmico e que apresenta uma pluralidade conceitual bem peculiar. Logo, a diferenciação destes fenômenos faz-se extremamente necessária, haja vista que nas palavras do eminente Ministro Luís Roberto Barroso (BARROSO, 2012. p. 25), “a judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares”, muito embora sejam fenômenos diferentes. Alguns resquícios de uma possível judicialização foram descritos pelo Cientista Político Francês Alexis de Tocqueville em seu livro intitulado “Democracia na América”, fruto de sua viagem aos Estados Unidos em 1831, com objetivo de observar o funcionamento das instituições americanas. Após analisar o papel do Poder Judiciário, Tocqueville chega à conclusão de que: 16 O mais difícil para um estrangeiro compreender nos Estados Unidos é a organização judiciária. Não há, por assim dizer, acontecimento político em que não ouça invocar a autoridade do juiz; e daí conclui naturalmente que nos Estados Unidos o juiz é uma das primeiras forças políticas, Quando examina em seguida a constituição dos tribunais, descobre que, à primeira vista, tem apenas atribuições e hábitos judiciários. O magistrado só lhe parece imiscuir-se nos assuntos públicos por acaso; mas esse acaso acontece todos os dias. [...] O juiz americano se parece pois perfeitamente com os magistrados das outras nações. No entanto é dotado, de um imenso poder político. (TOCQUEVILLE, 2005, p. 111-113). Contudo, segundo o Professor Amandino Teixeira Nunes Junior (NUNES JUNIOR, 2016, p 13), será por meio da obra “A expansão Global do poder Judicial”, produzida coletivamente por C. Neil Tate e Torbjörn Vallinder, fruto de uma análise empírica da atuação do judiciário em vários países, que estes contornos tornam-se menos abstratos, e por isso a obra se tornou uma referência para o estudo do aumento das estruturas judicantes e sua legitimidade democrática quando da atuação na política e a este fenômeno convencionou-se chamar judicialização. Torbjörn Vallinder, ao conceituar judicialização, a define da seguinte maneira: Assim, a judicialização da política deve normalmente significar: (1) a expansão da jurisdição dos tribunais ou dos juízes a expensas dos políticos e/ou dos administradores, isto é, a transferência de direitos de tomada de decisão da legislatura, do gabinete ou da administração pública para os tribunais, ou, pelo menos, (2) a propagação dos métodos de decisão judiciais fora da jurisdição propriamente dita. Em resumo, podemos dizer que a judicialização envolve essencialmente transformar algo em processo judicial (VALLINDER; TATE apud NUNES JUNIOR, 2016, p 13) O fenômeno encontrado por C. Neil Tate e Torbjörn Vallinder, no trabalho intitulado “a judicialização da política e das relações sociais no Brasil”, de Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Resende de Carvalho, Manuel Palácios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos, será subdivido em dois, a saber, “na judicializaçãodas relações sociais e a judicialização da política” (VIANNA (et. al.), 1999, p. 22) Segundo Vianna e outros (1999, p. 22), a judicialização da política pode ser compreendida como um processo de transferência decisória dos Poderes Executivo e Legislativo para os magistrados e tribunais, que passam, dentre outros temas controversos, a revisar e implementar políticas públicas e rever as regras do jogo democrático Os autores asseveram (1999, p.22), que a judicialização das relações sociais, por sua vez, ressalta o surgimento do Judiciário como uma alternativa para 17 a resolução de conflitos coletivos, para a agregação do tecido social e mesmo para a adjudicação da cidadania. Ainda segundo Vianna e outros (1999, p.22), trata-se do mesmo fenômeno, a subdivisão contudo, demonstra de forma pedagógica os impactos da judicialização em diferentes áreas da sociedade. Ladeando o autor supracitado, ao definir judicialização, a Dra. Maria Aparecida Alkimin elucida que: [...] na judicialização há transferência de decisão dos poderes Executivo e Legislativo para o Poder Judiciário o qual passa, normalmente, dentre temas polêmicos e controversos, a estabelecer normas de condutas a serem seguidas pelos demais poderes. Significa que, algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário. (ALCKMIN, 2016, p. 304). O fenômeno, ainda, é tratado de forma similar, pelo Professor e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso: Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais [...]. (BARROSO, 2012. p. 24). Com a clareza que lhe é peculiar, o ilustre Professor Lênio Streck (STRECK, 2004, p. 19), define judicialização como “um fenômeno que exsurge a partir da relação entre os poderes do Estado. Pensemos, aqui, no deslocamento do polo de tensão dos Poderes Executivo e Legislativo em direção da justiça constitucional”. Como bem pontuda Streck, na judicialização há um deslocamento da arena onde, em tese, algumas questões deveriam ser decididas pelos poderes Legislativo e Executivo, e agora, passam a ser objeto de análise e decisão do Poder Judiciário. Neste sentido, corrobora os ensinamentos do Professor Marcos Faro de Castro, que leciona: A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo mostra-se falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre certa aproximação entre Direito e Política e, em vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um ‘direito’ e um ‘interesse político’, sendo possível se caracterizar o desenvolvimento de uma ‘política de direitos. (CASTRO, 1997, p. 27). No Brasil, segundo o Professor Luís Roberto Barroso (2012, p. 24), este será um fenômeno característico do período pós promulgação da Constituição em 18 1988, deixando claro que o modelo constitucional adotado no país foi um fator determinante para a judicialização de questões sociais e institucionais. Tanto é verdade que, segundo o autor, é da promulgação da Carta Política de 1988 que emanam os motivadores deste fenômeno, observa-se: A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. [...] A segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária. [...] A terceira e última causa da judicialização, a ser examinada aqui, é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo. (BARROSO, 2012, p. 24) Ao tratar sobre o tema, a Professora Gisele Cittadino, igualmente ressalta a influência da Constituição de 1988 e sua contribuição para o crescimento da judicialização, e assegura que: No Brasil, do mesmo modo, também se observa uma ampliação do controle normativo do Poder Judiciário, favorecido pela Constituição de 1988, que, ao incorporar direitos e princípios fundamentais, configurar um Estado Democrático de Direito e estabelecer princípios e fundamentos do Estado, viabiliza uma ação judicial que recorre a procedimentos interpretativos de legitimação de aspirações sociais. (CITTADINO, 2002, p. 135) Isto por que, como bem ressalta o Professor Rodrigo Albuquerque De Victor (2011, p.142), o atual modelo constitucional brasileiro foi construído sob a base de um Estado de bem estar social, ou seja, tem-se o Estado como o principal responsável por promover a igualdade de condições e amparar os menos favorecidos, garantindo uma série de direitos básicos à população e aumentando a sua participação na economia. Entretanto, o advento do neoliberalismo e sua constante busca por um Estado mínimo no final do século passado, resultou em um poder representativo que priorize políticas privatistas e detrimento de políticas públicas que efetivem garantias sociais constitucionalmente previstas. É neste momento que o Poder Judiciário surge como a via segura de efetivação de direitos, e com isso, políticas públicas são constantemente judicializadas. E mais, segundo Luís Roberto Barroso (2011, p.24), ao incorporar um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público à Constituição, ele se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, logo, a Constituição 19 Federal confere ao Judiciário o poder de dirimir conflitos de competência originária dos demais poderes. Como anota Barroso: Constitucionalizar é tirar uma matéria da política e trazê-la para dentro do Direito. E, portanto, existem prestações que o Judiciário não pode se negar a apreciar -e é muito bom que seja assim. Porém, a judicialização tem uma óbvia faceta negativa. É que, na medida em que uma matéria precise ser resolvida mediante uma demanda judicial, é sinal que ela não pôde ser atendida administrativamente; é sinal que ela não pôde ser atendida pelo modo natural de atendimento das demandas, que é, por via de soluções legislativas, soluções administrativas e soluções negociadas. A faceta positiva é que, quando alguém tem um direito fundamental e esse direito não foi observado, é muito bom poder ir ao Poder Judiciário e merecer esta tutela (BARROSO,2011, p. 24) Conclui-se, portanto, que apesar de muito próximos, os fenômenos da judicialização e do ativismo judicial não se confundem. O ativismo judicial pode ser descrito como uma atitude, decisão ou comportamento dos magistrados no sentido de revisar temas e questões – prima facie – de competência de outras instituições. Por sua vez, a judicialização da política, mais ampla e estrutural, cuidaria de macro- condições jurídicas, políticas e institucionais que favorecem a transferência decisória do eixo Poder Legislativo – Poder Executivo para o Poder Judiciário. 20 3. O MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 4733/DF E A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO Nº 26/DF 3.1 MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 4733/DF A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros – ABGLT, interpôs o MI nº 47/33/DF no dia 10 de maio de 2012, requerendo, essencialmente: i) o reconhecimento de que “a homofobia e a transfobia se enquadram no conceito ontológico-constitucional de racismo” ou, subsidiariamente, que sejam entendidas como “discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais”; ii) a declaração, com fundamentonos incisos XLI e XLII do artigo 5º da Constituição Federal, de mora inconstitucional do Congresso Nacional no alegado dever de editar legislação criminal que puna, de forma específica, a homofobia e a transfobia, “especialmente (mas não exclusivamente) a violência física, os discursos de ódio, os homicídios, a conduta de 'praticar, induzir e/ou incitar o preconceito e/ou a discriminação' por conta da orientação sexual ou da identidade de gênero, real ou suposta, da pessoa”. (STF, MI 4733/DF, 24/10/2013, Relator Ministro Ricardo Lewandoviski) Após intimado, o Senado Federal apresentou manifestação por meio da Advocacia-Geral do Senado, aduzindo em síntese que “ante a falta de interesse de agir pela inadequação da via eleita, seja pela ausência do dever constitucional de legislar, seja pela ausência de mora legislativa (art. 267, VI, do CPC) ” pugnou pela “improcedência dos pedidos, por atentarem contra o princípio da reserva legal penal e por fim pela denegação da ordem injuncional”. (STF, MI 4733/DF, 24/10/2013, Relator Ministro Ricardo Lewandoviski) Neste mesmo sentido, manifestou-se o Presidente da Câmara dos Deputados, alegando, em síntese: [...] a inexistência de omissão inconstitucional ou óbice incontornável ao exercício dos direitos de liberdade e igualdade dos cidadãos LGBT em razão da ausência de tutela penal para condutas discriminatórias em desfavor desse grupo social. (STF, MI 4733/DF, 24/10/2013, Relator Ministro Ricardo Lewandoviski) Em, 23 de agosto de 2013, a União realizou o peticionamento nos autos, por meio da sua Advocacia- Geral, postulando ao final pela extinção do feito sem resolução do mérito, pedido este fundamento no fato de que: [...] o pedido de tipificação, por meio de legislação específica, das condutas relacionadas à homofobia e à transfobia, não pretende assegurar o exercício de um direito concretamente consagrado na Constituição Federal, mas objetiva um regramento específico, uma tipicidade especial para condutas de homofobia e transfobia. [...] 21 Conclui, assim, que não há qualquer comando constitucional que exija tipificação específica para a homofobia e transfobia. (STF, MI 4733/DF, 24/10/2013, Relator Ministro Ricardo Lewandoviski) Aduz ainda sobre “a impossibilidade de se suprir judicialmente suposta omissão legislativa na seara do direito penal, tendo em vista o princípio da reserva legal penal (art. 5º, XXXIX, da CF) ”. (STF, MI 4733/DF, 24/10/2013, Relator Ministro Ricardo Lewandoviski) Instada a manifestar-se, a Procuradoria Geral da República, opinou pela extinção do feito sem resolução do mérito, em parecer subscrito pelo então Procurador-Geral Roberto Monteiro Gurgel Santos, de onde colhe-se a conclusão: Dessa forma, verifica-se que o ordenamento jurídico pátrio protege homossexuais, bissexuais e transgêneros de agressões fundadas pelo preconceito contra suas orientações sexuais. Por mais que a associação impetrante julgue tal proteção deficiente, a insatisfação com o conteúdo normativo em vigor não é motivo suficiente para o cabimento do presente mandado de injunção. (STF, MI 4733/DF, 24/10/2013, Relator Ministro Ricardo Lewandoviski) O parecer restou ementado nos seguintes termos: Mandado de Injunção. Suposta mora legislativa do Congresso Nacional na tipificação de delitos praticados em razão de homofobia e transfobia. Inexistência de mora legislativa quando já há projeto de lei em apreciação no Congresso Nacional. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Existência de legislação aplicável aos delitos praticados em razão de preconceito contra orientação sexual. Parecer pelo não cabimento do writ. (STF, MI 4733/DF, 24/10/2013, Relator Ministro Ricardo Lewandoviski) Após os trâmites processuais de estilo, os autos foram conclusos ao relator, Ministro Ricardo Lewandoviski, onde 24 de outubro de 2013, por meio de decisão monocrática acolheu as razões expostas na manifestação da Advocacia- Geral da União e no parecer da Procuradoria Geral da República quanto ao não cabimento do mandado de injunção 4733/DF, argumentando que: [...] é firme a jurisprudência desta Corte com relação à necessidade de se detectar, para o cabimento do writ injuncional, a existência inequívoca de um direito subjetivo, concreta e especificamente consagrado na Constituição Federal, que não esteja sendo usufruído por seus destinatários pela ausência de norma regulamentadora exigida por essa mesma Carta. E concluiu: [...] não há em jogo direito subjetivo especificamente consagrado na Carta Magna cuja fruição esteja sendo obstada pela ausência de regulamentação legal, mas sim um legítimo e bem articulado movimento em prol de uma legislação criminal ainda mais rigorosa no tocante à punição de condutas homofóbicas. [...] Isso posto, acolhendo o parecer da Procuradoria Geral da República pela manifesta inviabilidade da via injuncional no caso ora em exame, não 22 conheço deste mandado de injunção. (STF, MI 4733/DF, 24/10/2013, Relator Ministro Ricardo Lewandoviski) Irresignada com a decisão supracitada, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros – ABGLT, em 1º de novembro de 2013, impetrou Agravo Regimental, visando a reforma da decisão monocrática anteriormente proferida. Ato contínuo, intimou-se a Procuradoria Geral da República a respeito das razões deduzidas no agravo regimental interposto pela impetrante. Após devidamente intimada, a PGR, agora, na pessoa de seu Procurador-Geral, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, apresentou parecer aduzindo, em síntese, que: O mandado de injunção, na linha da evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, presta-se a estabelecer profícuo e permanente diálogo institucional nos casos de omissão normativa. Extrai-se do texto constitucional dever de proteção penal adequada aos direitos fundamentais (Constituição da República, art. 5o , XLI e XLII). Em que pese à existência de projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, sua tramitação por mais de uma década sem deliberação frustra a força normativa da Constituição. A ausência de tutela judicial concernente à criminalização da homofobia e da transfobia mantém o estado atual de proteção insuficiente ao bem jurídico tutelado e de desrespeito ao sistema constitucional. [...] (STF, MI 4733/DF, 25/07/2014, Relator Ministro Ricardo Lewandoviski) E por fim opinou a PGR: [...] pelo provimento do agravo, para que se conheça do mandado de injunção e se defira em parte o pedido, para o efeito de considerar a homofobia e a transfobia como crime de racismo e determinar a aplicação do art. 20 da Lei 7.716/1989 ou, subsidiariamente, determinar aplicação dos dispositivos do Projeto de Lei 122/2006 ou do Projeto de Código Penal do Senado, até que o Congresso Nacional edite legislação específica. (STF, MI 4733/DF, 25/07/2014, Relator Ministro Ricardo Lewandoviski) Houve substituição nos termos art. 38 do RISTF, e o agora Relator, Ministro Edson Fachin proferiu decisão nos seguintes termos: Isto posto, julgo, nos termos do inc. IX do art. 21 do RISTF, prejudicado o Agravo Regimental interposto, assento o cabimento na hipótese de Mandado de Injunção, com alegado fundamento no art. 5º, LXXI da Constituição da República, para o efeito de examinar a denegação ou a concessão do provimento requerido caso demonstrada a possibilidade de suprimento judicial da lacuna apontada [...] (STF, MI 4733/DF, 14/06/2016, Relator Ministro Edson Fachin) (Grifamos) Após os andamentos processuais de praxe, os autos foram inclusos em pauta de julgamento pelo Tribunal Pleno do dia 14 de novembro de 2018 e na sequência a impetrante manifestou-se requerendo o adiamento para julgamento conjunto com ADO 26, da relatoria do Ministro Celso de Mello. 23 O requerimento restou deferido pelo Relator que “Realçando a relevância do tema, certo de que a Impetrante não almejaria procrastinação com o pedidodeduzido, defiro, no limite das atribuições desde relator, o pedido para fins de retirada do calendário”. (STF, MI 4733/DF, 14/06/2016, Relator Ministro Edson Fachin) 3.2 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO Nº 26/DF Trata-se de Ação direta de Inconstitucionalidade por Omissão ajuizada pelo Partido Popular Socialista – PPS, representado pelo Advogado Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, em 19 de dezembro de 2013, requerendo, entre outras, as seguintes providências: a) seja reconhecido que a homofobia e a transfobia se enquadram no conceito ontológico-constitucional de racismo (STF, HC n.º 82.424/RS), de sorte a enquadrá-las na ordem constitucional de criminalizar o racismo constante do art. 5º, inc. XLII, da CF/88 [...], ou, subsidiariamente, reconhecê-las como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais, de sorte a enquadra-las na ordem constitucional de criminalizar constante do art. 5º, inc. XLI, da CF/88; b) seja declarada a mora inconstitucional do Congresso Nacional na criminalização específica da homofobia e da transfobia [...]; c)cumulativamente, seja fixado prazo razoável para o Congresso Nacional aprovar legislação criminalizadora de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões, ameaças e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima [...]; d) d) caso transcorra o prazo fixado por esta Suprema Corte sem que o Congresso Nacional efetive a criminalização/punição criminal específica citada ou caso esta Corte entenda desnecessária a fixação deste prazo, [requer-se] sejam efetivamente tipificadas a homofobia e a transfobia como crime(s) específico(s) por decisão desta Suprema Corte, por troca de sujeito e atividade legislativa atípica da Corte, ante a inércia inconstitucional do Parlamento em fazê-lo, de sorte a dar cumprimento da ordem constitucional de punir criminalmente a homofobia e a transfobia (inclusive em sua teleologia-sistêmica e sua lógica) [...] (VECCHIATTI, 2013, 94) Os requerimentos, segundo Dr. Paulo Roberto Lotti Vecchiatti (2013, 1/94), baseavam-se, essencialmente, no argumento de que há ordem constitucional de legislar, que obriga o legislador a criminalizar a homofobia e a transfobia, isto por que, a homofobia e a transfobia constituem espécies do gênero racismo, na medida em que racismo é toda ideologia que pregue a superioridade/inferioridade de um grupo relativamente a outro e a homofobia e a transfobia implicam necessariamente na inferiorização da população LGBT, em ofensa aos arts. 5º XLI e XLII, da CF de 1988. 24 Intimado, o Senado Federal por meio da Advocacia Geral do órgão, apresentou manifestação pugnando: [...] diante da demonstrada ausência de mora legislativa, pela improcedência da presente Ação direta de Inconstitucionalidade por Omissão, resguardando-se a legalidade penal, a separação dos poderes e a independência do Poder Legilsativo, resguardando-se sua competência jurídico-política. (STF, ADO 26/DF, 05/11/2014, Relator Ministro Celso de Mello) A Câmara dos Deputados, por sua vez, por meio de seu Presidente, informou quanto a aprovação do Projeto de Lei nº 5.003, de 2001, que “determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas”, e sua remessa para análise do Senado Federal. Intimada, a Procuradoria Geral de República, por meio de seu Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, apresentou manifestação sustentando, em suma que: 1. A ação direta de inconstitucionalidade por omissão possui natureza eminentemente objetiva, sendo inadmissível pedido de condenação do Estado em indenizar vítimas de homofobia e transfobia, em virtude de descumprimento do dever de legislar. 2. Deve conferir-se interpretação conforme a Constituição ao conceito de raça previsto na Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, a fim de que se reconheçam como crimes tipificados nessa lei comportamentos discriminatórios e preconceituosos contra a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros). Não se trata de analogia in malam partem. 3. O mandado de criminalização contido no art. 5o , XLII, da Constituição da República, abrange a criminalização de condutas homofóbicas e transfóbicas. 4. Caso não se entenda que a Lei 7.716/1989 tipifica práticas homofóbicas, está em mora inconstitucional o Congresso Nacional, por inobservância do art. 5o , XLI e XLII, da CR. Fixação de prazo para o Legislativo sanar a omissão legislativa. 5. Existência de projetos de lei em curso no Congresso Nacional não afasta configuração de mora legislativa, ante período excessivamente longo de tramitação, a frustrar a força normativa da Constituição e a consubstanciar inertia deliberandi. 6. A ausência de tutela judicial concernente à criminalização da homofobia e da transfobia mantém o estado atual de proteção insuficiente ao bem jurídico tutelado e de desrespeito ao sistema constitucional. (STF, ADO 26/DF, 15/06/2015, Relator Ministro Celso de Mello) E por fim, a PGR opinou pelo conhecimento parcial da ação direta e, no mérito, pela procedência do pedido. Em 16 de novembro de 2018, a União por meio de sua Advocacia Geral, manifestou-se pela improcedência dos pedidos formulados pelo requerente sustentando preliminarmente que: 25 Descabe ao Poder Judiciário, em sede de ação direta por omissão, impor prazo de cumprimento obrigatório ao Poderes competentes para edição de diploma legal reclamado, ou mesmo suprir, por ato próprio, a suposta omissão do legislador. (STF, ADO 26/DF, 16/11/2018, Relator Ministro Celso de Mello) No mérito, a Advocacia Geral da União aduz que: Inexiste mora legislativa. Não existe comando constitucional expresso que exija a tipificação criminal especifica para a homofobia e transfobia. Manifestação pelo conhecimento parcial da ação, e no mérito, pela improcedência dos pedidos formulados. (STF, ADO 26/DF, 16/11/2018, Relator Ministro Celso de Mello) A Presidência da Corte, após os andamentos processuais de estilo, designou o dia 13 de fevereiro de 2019 como a data de julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. 3.3 O JULGAMENTO – OS ARGUMENTOS UTILIZADOS PELOS MINISTROS Rememora-se que o julgamento iniciado em 13 de fevereiro de 2019 e as sessões aprazadas posteriormente debruçavam-se sobre o Mandado de Injunção 4733/DF e também sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 026/DF, eis que os pedidos formulados tinham a mesma pretensão e versavam sobre o mesmo tema. Na quarta-feira, dia 13 de fevereiro de 2019, o STF iniciou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4733, que discutiam a suposta omissão do Congresso Nacional em editar lei que efetive a criminalização para atos de homofobia e transfobia. Em sustentação oral (STF,2019), o requerente da ADO nº 26/DF, Partido Popular Socialista – PPS e a impetrante do MI nº 4733/DF, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), ambos representados pelo advogado Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, defenderam que a Constituição Federal exige a criminalização da homofobia para proteger a população LGBTI em seus direitos fundamentais. Segundo o advogado, a homotransfobia configura crime de racismo na medida em que inferioriza as pessoas LGBTI, e afirmou: Ideologias que pregam a heterossexualidade obrigatória são racistas porque visam classificar o outro como desigual, inferior, e naturalizar o grupo hegemônico como o único natural. [...] Discursos de ódio, ofensas e discriminação que prejudicam terceiros não estão no âmbito de proteção do direito à liberdade. (STF, 2019) 26 Em sua fala, a Advocacia Geral da União por meio do Advogado-Geral da União,André Luiz de Almeida Mendonça, defendeu em síntese “que não há omissão ou inconstitucionalidade do Congresso, eis que inexiste qualquer comando constitucional expresso que exija uma proteção específica contra a homofobia e transfobia”. (STF, 2019). Defendeu ainda (STF, 2019) ser inapropriado falar em mora legislativa, pois há no Congresso Nacional diversos projetos de lei sobre o tema em processo natural e democrático de maturação. Por fim, destacou que se deve respeitar a independência e a harmonia entre os Poderes, pois, segundo ele, com base nesse princípio, “cabe exclusivamente ao Congresso decidir o tempo e a oportunidade sobre legislar a respeito de uma determinada matéria”. (STF, 2019) O Advogado-Geral do Senado, Fernando César Cunha, por sua vez, afirmou (STF, 2019) que o Legislativo é o poder competente para editar e aperfeiçoar leis que tratam de Direito Penal. O vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, manifestou- se, em nome da Procuradoria-Geral da República (STF, 2019), pela procedência das ações lembrando que a Constituição da República tem como fundamento a construção de uma sociedade justa, fraterna e sem preconceitos e estabelece o pluralismo político, religioso e de visões culturais e ainda, defendeu a existência de omissão do legislativo em relação a matéria. Por fim, o Vice-procurador-geral da República asseverou que: O Ministério Público entende que a Corte está diante de um caso em que é possível afirmar a Constituição numa linha que exija da sociedade a superação do preconceito e a solução pacífica das controvérsias. (STF, 2019) Realizada a oitiva das partes, passou-se então ao voto do e. Ministro Celso de Mello, relator da ADO nº 26/DF, onde após o relatório, o relator julgou relevante, diante do contexto delineado, tecer algumas observações prévias essenciais à formulação de seu voto. O relator iniciou de forma a definir as complexas questões terminológicas atinentes ao caso, e esclarece: [...] que a sigla LGBT, no contexto dos debates nacionais e internacionais sobre a questão da diversidade sexual e de gênero, tem sido utilizada para designar a comunidade global das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros, intersexuais, além de outras definidas por sua orientação sexual ou identidade de gênero. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) 27 Sobre a ideia de sexo da pessoa, aquele definido biologicamente, elucida: A designação do sexo da pessoa, sob perspectiva estritamente biológica, diz respeito à sua conformação física e anatômica, restringindo-se à mera verificação de fatores genéticos (cromossomos femininos ou masculinos), gonadais (ovários ou testículos), genitais (pênis ou vagina) ou morfológicos (aspectos físicos externos gerais). Esse critério dá ensejo à ordenação das pessoas, segundo sua designação sexual, em homens, mulheres e intersexuais (pessoas que apresentam características sexuais ambíguas). (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Já com relação a ideia de gênero, explica que: [...] refere-se à forma como é culturalmente identificada, no âmbito social, a expressão da masculinidade e da feminilidade, adotando-se como parâmetro, para tanto, o modo de ser do homem e da mulher em suas relações sociais. A identidade de gênero, nesse contexto, traduz o sentimento individual e profundo de pertencimento ou de vinculação ao universo masculino ou feminino, podendo essa conexão íntima e pessoal coincidir, ou não, com a designação sexual atribuída à pessoa em razão sua conformação biológica. É possível verificarem-se, desse modo, hipóteses de coincidência entre o sexo designado no nascimento e o gênero pelo qual a pessoa é reconhecida (cisgênero) ou situações de dissonância entre o sexo biológico e a identidade de gênero (transgênero). (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) E sobre orientação sexual dos indivíduos, esclarece o conceito adotado: [...] vem a ser exercida por meio de relacionamentos de caráter heterossexual (atração pelo sexo oposto), homossexual (atração pelo mesmo sexo), bissexual (atração por ambos os sexos) ou assexual (indiferença a ambos os sexos) (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Ante o exposto o relator encerra as considerações sobre tema, asseverando que: É preciso enfatizar, neste ponto, que o gênero e a orientação sexual constituem elementos essenciais e estruturantes da própria identidade da pessoa humana, integrando uma das mais íntimas e profundas dimensões de sua personalidade. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Por outro lado, asseverou que o Supremo Tribunal Federal, possui precedentes judiciais no sentido de que o direito à autodeterminação do próprio gênero ou à definição de sua orientação sexual, são expressões do princípio do livre desenvolvimento da própria personalidade, e assim pontuou: A importância do tema que ora se examina acha-se bem realçada pela existência, nesta Suprema Corte, de inúmeros processos de controle normativo abstrato (ADPF 457/TO, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES – ADPF 462/SC, Rel. Min. EDSON FACHIN – ADPF 465/TO, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – ADPF 522/PE, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – ADPF 536/PR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA) que têm por objeto diplomas legislativos e outros atos estatais que buscam, no âmbito do sistema 28 educacional dos Estados e dos Municípios brasileiros, impedir a implementação de medidas fundadas na “ideologia de gênero”, proibindo, em decorrência de inaceitável atitude preconceituosa, a adoção dos estudos de gênero e de orientação sexual. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) E ainda: [...] qualifica-se como poder fundamental de qualquer pessoa, inclusive daquela que compõe o grupo LGBT, poder jurídico esse impregnado de natureza constitucional, e que traduz, iniludivelmente, em sua expressão concreta, um essencial direito humano cuja realidade deve ser reconhecida pelos Poderes Públicos, tal como esta Corte já o fez quando do julgamento da união civil homoafetiva (ADI 4.277/DF e ADPF 132/RJ, das quais foi Relator o Ministro AYRES BRITTO) e, também, no exame da controvérsia referente à alteração do prenome da pessoa transgênero, com redesignação do gênero por ela própria autopercebido, independentemente de cirurgia de transgenitalização (ADI 4.275/DF, Red. p/ o acórdão Min. EDSON FACHIN). (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) No que tange ao de pedido formulado de índole condenatória, fundado em alegada responsabilidade civil do Estado, diante da sua suposta omissão em legislar sobre o tema, o relator entendeu pela sua inviabilidade, haja vista que em ações constitucionais de perfil objetivo, não se discutem situações individuais ou interesses subjetivos, e argumenta: É preciso ter presente que o processo de controle das omissões inconstitucionais, em face do seu perfil objetivo, encerra um juízo em torno do reconhecimento da existência de imposição constitucional de legislar, de um lado, e da configuração de uma situação de inércia abusiva ou irrazoável, de outro. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Além disso, segundo o relator (STF, 2019) a deferência da pretensão indenizatória torna-se também inviável, pela impossibilidade de produzir-se provas neste processo de controle normativo abstrato: Vale registrar, por oportuno, que essa impossibilidade em torno da concreta produção probatória dos pressupostos legitimadores da incidência da cláusula inscrita no art. 37, § 6º, da Constituição, referentemente a situações individuais ou transindividuais, não afeta nem compromete o direito material eventualmente titularizado pelo ofendido, a quem fica assegurado, por isso mesmo, o acesso às vias processuais ordinárias, em cujo âmbito poderá, valendo-se de todos os meios deprova disponíveis, demonstrar o dano moral ou patrimonial que lhe foi infligido e comprovar o nexo de causalidade material entre o comportamento estatal omissivo e a consumação do resultado lesivo por ele sofrido. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) No que diz respeito a possibilidade jurídico-constitucional de o Supremo Tribunal Federal, mediante provimento jurisdicional, tipificar delitos e cominar sanções de direito penal, o relator entendeu que: 29 Cabe indagar, neste ponto, se se revela viável, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, colmatar, mediante decisão desta Corte Suprema, a omissão denunciada pelo autor da presente ação direta, procedendo-se à tipificação penal de condutas atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT, definindo- se, ainda, a respectiva cominação penal, superando-se, desse modo, tal como expressamente pretendido pelo PPS, o princípio segundo o qual “nullum crimen, nulla poena sine praevia lege”. Entendo que não. É que a pretensão em referência – por importar em inadmissível substituição do Congresso Nacional – veicula clara transgressão ao postulado constitucional da separação de poderes e, também, ofensa manifesta ao princípio da reserva absoluta de lei formal em matéria de índole penal. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) (Grifamos) Segundo Celso de Mello (STF, 2019), não cabe ao Poder Judiciário atuar na anômala condição de legislador positivo, e se assim fosse, o mesmo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes. Neste sentido, conclui: Isso significa, portanto, que somente lei interna pode qualificar-se, constitucionalmente, como a única fonte formal direta legitimadora da regulação normativa concernente à tipificação penal, com a consequente exclusão de qualquer outra fonte formal, como os provimentos de índole jurisdicional. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Realizadas tais considerações, o relator, passou a discorrer sobre registros históricos e das práticas sociais contemporâneas, que segundo o relator (STF, 2019) “revelam o tratamento preconceituoso, excludente e discriminatório que tem sido dispensado à vivência homoerótica em nosso País”. Para Celso de Mello (STF, 2019) tal preconceito desencadeia as mais diversas agressões motivadas, por sua vez, única e exclusivamente, pela orientação sexual e/ou identidade de gênero dos indivíduos. Agora, tratando a respeito da medida judicial adotada, destaca o relator que o desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental e explica: A situação de inconstitucionalidade, portanto, pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um “facere”, gera a inconstitucionalidade por ação. Pode ocorrer, no entanto, como sucede na espécie ora em exame, que o 30 Poder Público deixe de adotar as medidas legislativas, que sejam necessárias para tornar efetivos, operantes e exequíveis os próprios preceitos da Constituição. Em tal situação, o Estado abstém-se de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs. Desse “non facere” ou “non praestare”, resulta a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) A suposta omissão inconstitucional tem como objeto a imposição prevista no art. 5º da Constituição Federal, o qual passa-se a transcrever: XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; (Brasil, 1988) Entretanto, para a ação direta de inconstitucionalidade por omissão ser utilizada como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, por injustificável inércia do Poder Público, faz-se necessário “previsão do dever estatal de criar normas legais, como sucede na espécie, em que a Constituição claramente veicula, em bases impositivas, inquestionável mandado de incriminação”. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) E neste sentido, argumenta o relator: Assim, e para que possa atuar a norma pertinente ao instituto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e a constatação de inércia congressual, de outro, de tal forma que, inadimplida a obrigação jurídico-constitucional de produção de provimentos legislativos, tornar-se-á possível imputar comportamento moroso ao Estado (ao Poder Legislativo da União, no caso) e reconhecer admissível, para efeito de eventual colmatação da omissão denunciada, o acesso legítimo à presente ação de controle normativo abstrato. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Logo, leciona o relator (STF, 2019) que a medida judicial adotada pelo requerente, a ação direta por omissão, é uma reação jurisdicional autorizada pela Constituição, que a forjou como instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria Constituição frente às graves consequências que decorrem do desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por omissão e prolongada inércia do Poder Público. Ao relacionar o esposado acima com o caso concreto tratado nos presentes autos, Celso de Mello assevera: 31 O exame do quadro delineado nos presentes autos evidencia a existência, na espécie ora em análise, de nexo de causalidade entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e a configuração objetiva da ausência de provimento legislativo, de outro, cuja edição se revela necessária à punição de atos e comportamentos resultantes de discriminação ou de violência contra a pessoa em razão de sua orientação sexual ou em decorrência de sua identidade de gênero. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Quanto a alegação formulada pela Advocacia Geral do Senado e pela Advocacia Geral da União de que tramitam no Congresso Nacional inúmeras proposições legislativas sobre o tema e isso afastaria a configuração, na espécie, de inércia por parte do Poder Legislativo, o relator tem por inacolhível eis que: Decorridos mais de trinta (30) anos da promulgação da vigente Carta Política, ainda não se registrou – no que concerne à punição dos atos e comportamentos resultantes de discriminação contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou em decorrência de sua identidade de gênero – a necessária intervenção concretizadora do Congresso Nacional, que se absteve, até o presente momento, de editar o ato legislativo essencial ao desenvolvimento da plena eficácia jurídica dos preceitos constitucionais em questão. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Para tanto, o relator recorreu ao entendimento jurisprudencial daquela Corte de Justiça: Cabe rememorar, por oportuno, que esta Suprema Corte já teve o ensejo de assinalar que o estado de mora legislativa pode restar configurado tanto na fase inaugural do processo de elaboração das leis (“mora agendi”), quanto no estágio de deliberação sobre as proposições já veiculadas (“mora deliberandi”), desde que evidenciada, pela superação excessivade prazo razoável, inércia abusiva e inconstitucional do Poder Legislativo. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Tal inércia, segundo o relator, ao inviabilizar a efetivação dos comandos constitucionais que consagram o dever estatal de prestar tutela penal efetiva contra a prática da discriminação dirigida aos homossexuais e aos transgêneros, justifica, plenamente, a intervenção do Poder Judiciário, senão vejamos: A constatação objetiva de que se registra, na espécie, hipótese de mora inconstitucional, apta a instaurar situação de injusta omissão geradora de manifesta lesividade à posição jurídica das pessoas tuteladas pela cláusula constitucional inadimplida (CF, art. 5º, XLI e XLII), justifica, plenamente, a intervenção do Poder Judiciário, notadamente a do Supremo Tribunal Federal. Não tem sentido que a inércia dos órgãos estatais, evidenciadora de comportamento manifestamente inconstitucional, possa ser tolerada. Admitir-se tal situação equivaleria a legitimar a fraude à Constituição, pois, em última análise, estar-se-ia a sustentar a impossibilidade de o Supremo Tribunal Federal, não obstante agindo em sede de controle concentrado (CF, art. 102, I, “a”), proceder à colmatação de uma omissão normativa flagrantemente inconstitucional. Isso significa que não se pode identificar na própria inércia estatal a existência de fator exculpatório (e pretensamente legitimador) do inadimplemento de uma 32 grave obrigação constitucional. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) (Grifamos) E diante do caso concreto, incisivamente declara: O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Segundo o relator, todas as premissas elencadas até aqui o permitem concluir de forma preliminar que: Essa clara omissão normativa, que se acha objetivamente constatada na presente causa, revela-se lesiva ao texto da Carta Política, porque transgressora, por injustificável inação congressual, das cláusulas constitucionais de proteção penal previstas nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Lei Fundamental, o que torna plenamente justificável a utilização, na espécie, do instrumento processual de que se valeu o Partido Popular Socialista, autor da presente ação direta. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Por outro lado, tal conclusão faz com que o relator nos apresente no lugar de soluções, indagações. Diante da constatada omissão normativa e inércia por parte do Poder Legislativo, o relator passa a apresentar possíveis soluções para a colmatação do estado de mora inconstitucional, a saber: (a) cientificação do Congresso Nacional, para que adote, em prazo razoável, as medidas necessárias à efetivação da norma constitucional (CF, art. 103, § 2º, c/c Lei nº 9.868/99, art. 12-H ,”caput”); ou, então, (b) reconhecimento imediato, por esta Corte, de que a homofobia e a transfobia, quaisquer que sejam as formas pelas quais se manifestem, enquadram-se, mediante interpretação conforme à Constituição, na noção conceitual de racismo prevista na Lei nº 7.716/89, em ordem a que se tenham como tipificados, na condição de delitos previstos nesse diploma legislativo, comportamentos discriminatórios e atentatórios aos direitos e liberdades fundamentais do grupo vulnerável LGBT. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Quanto à possibilidade de cientificação do Congresso Nacional, para que adote, em prazo razoável, as medidas necessárias à efetivação da norma constitucional, é medida prevista no §2º do art. 103 da Carta Política: Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: [...] § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias. (BRASIL, 1988) 33 Entretanto, segundo o relator, tal medida não apesenta o grau de efetividade certamente pretendido pelo constituinte, neste sentido assevera que: O mero apelo ao legislador, no entanto, nem sempre se tem demonstrado solução eficaz, quando não inócua, em razão da indiferença revelada pelo Poder Legislativo, que persiste, não obstante a decisão emanada desta Corte, em permanecer em estado de crônico e reiterado inadimplemento da prestação legislativa que lhe incumbe promover. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Diante da ineficiência da medida supracitada: O Supremo Tribunal Federal, ao longo dos últimos trinta anos, evoluiu, significativamente, a propósito desse tema, no plano jurisprudencial, buscando construir soluções que pudessem fazer cessar esse estado de inconstitucional omissão normativa. Esta Corte Suprema passou, então, a valer-se da definição de prazo razoável como simples parâmetro de ordem temporal, para que o Congresso Nacional adote as medidas legislativas indispensáveis à implementação de sua obrigação constitucional de dispor sobre determinada matéria. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Além disso, asseverou que a fixação de lapso temporal para atuação legislativa, segundo entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal “não configura imposição de prazo para a atuação legislativa do Parlamento, mas apenas fixação de um parâmetro temporal razoável” (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Assim, após ser cientificado acerca da sua omissão e o Poder Legislativo deixar adotar as medidas cabíveis no prazo e estipulado, segundo o relator: [...] legitimar-se-á, segundo jurisprudência firmada por esta Corte, a possibilidade do Supremo Tribunal Federal formular solução jurisdicional que viabilize, enquanto não sobrevier a legislação reclamada, a aplicação da norma constitucional impregnada de eficácia limitada. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Neste sentido, anotou como fundamento o importante precedente firmado no julgamento do MI 670/ES de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, eis que, segundo Celso de Mello: No caso que ora refiro, esta Corte, reconhecendo a ausência da legislação indispensável à prática do direito de greve autorizada aos servidores civis pelo art. 37, VII, da Constituição, determinou a aplicação do diploma legislativo que regula o exercício desse mesmo direito no âmbito do setor privado, em ordem a viabilizar, “como alternativa legítima”, a proteção judicial efetiva requerida ao Supremo Tribunal Federal. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) À vista disso, concluiu que a primeira medida mencionada, a saber, cientificação do Congresso Nacional, para que adote, em prazo razoável, as medidas necessárias à efetivação da norma constitucional: 34 [...] nos termos hoje prevalecentes na jurisprudência desta Corte Suprema, tornar-se-ia acolhível, em ordem a reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e declarar a omissão que lhe foi atribuída, definindo-se o prazo de 12 (doze) meses para o Senado Federal, desanexando do PLS 236/2012 (que institui o novo Código Penal brasileiro) o Projeto de Lei nº 122/2006, dar-lhe tramitação autônoma e apreciá-lo em seguida, sem indevidas dilações, eis que já aprovado pela Câmara dos Deputados. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) (Grifamos) Contudo, rememora o relator que tal medida nem sempre traz resultados eficazes “o que justifica, no caso, a adoção imediata, por esta Corte,da medida indicada no item n. 12.2” (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) A referida medida, numerada no voto do relator sob o nº 12.2 refere-se ao enquadramento imediato das práticas de homofobia e de transfobia, mediante interpretação conforme, no conceito de racismo previsto na Lei nº 7.716/89. Conforme mencionado pelo relator, a douta Procuradoria-Geral da República, em seu fundamentado parecer, opinou no sentido de “conferir-se interpretação conforme à Constituição ao conceito de raça previsto na Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, a fim de que se reconheçam como crimes tipificados nessa lei comportamentos discriminatórios e preconceituosos contra a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) ”. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Ademais, assevera o Ministro que sua proposta não traduz aplicação de analogia in malam partem, para tanto faz uso do parecer do Ministério Público Federal que destacou: Conforme destacou o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, no julgamento do ‘habeas corpus’ 82.424/RS, ‘limitar o racismo a simples discriminação de raças, considerado apenas o sentido léxico ou comum do termo, implica a própria negação do princípio da igualdade, abrindo-se a possibilidade de discussão sobre a limitação de direitos a determinada parcela da sociedade, o que põe em xeque a própria natureza e prevalência dos direitos humanos’. Nesse contexto, em observância ao princípio da igualdade, os crimes previstos pela Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, abarcam as condutas homofóbicas, isto é, os atos de discriminação em virtude de orientação sexual, motivo por que o reconhecimento de sua inclusão naqueles tipos não ofende o princípio da legalidade em matéria penal. O conceito de raça sob o viés biológico é obsoleto, e deve sua interpretação ser conferida de acordo com o princípio da dignidade do ser humano e o Estado Democrático de Direito. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) E desta forma, entende o relator, ser: [...] constitucionalmente lícito proceder-se, mediante interpretação conforme, ao enquadramento dos atos homofóbicos e transfóbicos no 35 conceito de racismo, em ordem a prevenir e a reprimir comportamentos que objetivam excluir e marginalizar, no contexto das práticas sociais e do sistema jurídico, um determinado grupo identificado não por sua configuração física ou étnica, mas, sim, por um conjunto de ideais, valores e condutas que se revelam comuns aos integrantes daquele mesma comunidade. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Nesta toada, o Ministro Celso de Mello fez menção ao HC 82.424/RS, popularmente conhecido como “caso Ellwanger” onde o voto vencedor proferido pelo Ministro Maurício Corrêa, deixa claro que a divisão dos seres humanos em raças decorre de um processo político-social originado da intolerância dos homens e diante disso, solicita: [...] que o Supremo Tribunal Federal reafirme a orientação consagrada em referido precedente histórico no sentido de que a noção de racismo – para efeito de configuração típica dos delitos previstos na Lei nº 7.716/89 – não se resume a um conceito de ordem estritamente antropológica ou biológica, projetando-se, ao contrário, numa dimensão abertamente cultural e sociológica, abrangendo, inclusive, as situações de agressão injusta resultantes de discriminação ou de preconceito contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou em decorrência de sua identidade de gênero. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) E sustenta: A prática do racismo – eliminada a construção artificial e equivocada do conceito de “raça” – traduz a expressão do dogma da desigualdade entre os seres humanos, resultante da exploração do preconceito e da ignorância, significando, em sua concreta expressão, a injusta denegação da essencial dignidade e do respeito mútuo que orienta as relações humanas. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Caminhar em sentido diverso, segundo o relator: [...] significaria tornar perigosamente menos intensa e socialmente mais frágil a proteção que o ordenamento jurídico dispensa, no plano nacional e internacional, aos grupos que se expõem a uma situação de maior vulnerabilidade, como sucede com os integrantes da comunidade LGBT. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) De outro norte, adverte o Ministro que a interpretação do ordenamento jurídico, notadamente quando efetivada pelo Poder Judiciário, não se confunde com o processo de produção normativa, e explica citando os precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal: Com efeito, esta Suprema Corte, por mais de uma vez, já acentuou que o procedimento hermenêutico realizado por órgãos do Poder Judiciário objetiva extrair a interpretação dos diversos diplomas legais vigentes que compõem o quadro normativo positivado pelo Estado, para, em razão da inteligência e do sentido exegético que lhes der, obter os elementos necessários à exata aplicação do direito, não se confundindo, por isso mesmo, com o processo de elaboração legislativa. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) 36 E por isso, sustenta o relator que “ao contrário do que sustentam, nos presentes autos, os Senhores Presidentes da República e do Congresso Nacional e a Senhora Advogada-Geral da União, não importa em usurpação das atribuições normativas dos demais Poderes da República”. STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello). Pois, segundo o relator não se trata: [...] de formulação de tipos criminais, nem de cominação de sanções penais, eis que, como precedentemente por mim enfatizado, mostra-se juridicamente inviável, sob perspectiva constitucional, proceder-se à tipificação de delitos e à cominação de penas mediante provimentos jurisdicionais, ainda que emanados do Supremo Tribunal Federal. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Mas que tal interpretação é baseada no quadro expressivo de doutrinadores que, reconhecem possível a configuração do crime de racismo quando o delito resultar de discriminação ou de preconceito dirigido à vítima em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero e isso: [...] justifica a utilização, na espécie, do método da interpretação conforme, no que se refere ao conceito de “raça”, para os fins a que se refere a Lei nº 7.716/89, considerada, para tanto, a constelação axiológica que qualifica a própria declaração de direitos proclamada pela Lei Fundamental da República. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Ou seja: O que estou a propor, como anteriormente acentuei, limita-se à mera subsunção de condutas homotransfóbicas aos diversos preceitos primários de incriminação definidos em legislação penal já existente (a Lei nº 7.716/89, no caso), na medida em que atos de homofobia e de transfobia constituem concretas manifestações de racismo, compreendido este em sua dimensão social: o denominado racismo social. (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) (Grifamos) E portanto: Inacolhível, portanto, a alegação de que a decisão do Supremo Tribunal Federal a ser proferida no caso presente qualificar-se-ia como sentença aditiva, conforme sustenta o Senado Federal, pois, na realidade, está-se a utilizar o modelo de decisão de caráter estritamente interpretativo, sem que se busque reconstruir, no plano exegético, a própria noção de racismo, cujo sentido amplo e geral já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em relevantíssimo precedente (“caso Ellwanger”) [...] (STF, ADO 26/DF, 20/02/2019, Relator Ministro Celso de Mello) Já com a suposta incongruência existente na criminalização à homotransfobia e o exercício da liberdade religiosa, o relator esclarece: Não vislumbro a ocorrência
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