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[Leitura] Homens carrapatos e suas mulheres relato de experiência em Saúde Mental na Estratégia Saúde da Família

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Saúde em Debate
ISSN: 0103-1104
revista@saudeemdebate.org.br
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Brasil
Vieira Moura Rabelo, lonara; Carneiro Tavares, Rosana
Homens-carrapatos e suas mulheres: relato de experiência em Saúde Mental na
Estratégia Saúde da Família
Saúde em Debate, vol. 32, núm. 78-79-80, enero-diciembre, 2008, pp. 133-142
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Rio de Janeiro, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406341773013
 Como citar este artigo
 Número completo
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 Home da revista no Redalyc
Sistema de Informação Científica
Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
http://www.redalyc.org/revista.oa?id=4063
http://www.redalyc.org/revista.oa?id=4063
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406341773013
http://www.redalyc.org/comocitar.oa?id=406341773013
http://www.redalyc.org/fasciculo.oa?id=4063&numero=41773
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406341773013
http://www.redalyc.org/revista.oa?id=4063
http://www.redalyc.org
ARTIGO ORIGINAL I ORIGINALARTICLE
Homens-carrapatos e suas mulheres: relato de experiência
em Saúde Mental na Estratégia Saúde da Família
Tick-men and their women: a report about
Mental Health issue in Family Health Strategy
lonara Vieira Moura Rabelo 1
Rosana Carneiro Tavares 2
133
I Psicóloga do Cemro de Apoio
Psicossocial (CAPS) Beija Flor - SMS
Goiânia; doutoranda em Psicologia
pela Universidade Estadual Paulista
(UNF.sr).
ionaravmr@yahoo.com.br
2 Psicóloga do CAI'S Beija Flor - SMS
Goiânia; mestre em psicologia.
rosa na.ca rnei rotava res@gmail.com
RESUMO Este trabalho apresenta os resultados de uma intervençãopsicossocial
planejada para atender mulheres que estavam usando medicação ansiolítica. Esta
intervençãojói organiZtUia por uma equipe de profissionais do Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS II) em conjunto com equipes de saúde dajàmília (ESF). Ao todo
jóram realizados dez encontros com diftrentes dinâmicas de grupo, desenvolvidas
para o grupo de mulheres e ESF com o objetivo de problematizar o papel da
mulher em conjunto com osignificado do remédio na construção desta identidade.
Constatou-se que ogrupo ajudou estas mulheres a entenderem seu sofrimentopara
além do sintoma, uso racional, bem como a retirada da medicação.
PALAVRAS-CHAVE: Saúde Mental; Gênero; Programa Saúde da Família.
ABSTRACT Thispaperpresents the results ofa psychosocial intervention planned
to attend women who were taking anxiolytic medicines. This intervention was
carried out by a profissional team from the Mental Health Services (CAPS II)
along with profissional groups ofthe jàmily health strategy. ln total, ten weekly
meetings using diffirent group dynamic techniques were accomplished developed
jór women andprofissionaisfrom thejàmily health strategy. These meetings aimed
at discussing the women's role, together with the meaning ofthe medicine in the
construction ofa identity. [t was jóund that the group helped the participants
to understand their suffiring beyond the symptoms, the rational use and the
withdrawal ofthe medication.
KEYWORDs: Mental Health; Gender; Family Health Programo
Sll1,dum D~bau, Rio de Janeiro, v. 32. n. 78/79/80, p. 133-142. jan.ldt."Z. 2008
Anotacao
Título do Artigo: HOMENS-CARRAPATOS E SUAS MULHERES: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM SAÚDE MENTAL NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
Autor(es): Ionara Vieira Moura Rabelo, Rosana Carneiro Tavares
a_Ionara_Vieira_Moura_Rabelo a_Rosana_Carneiro_Tavares
134 RABELO, I.V.M, TAVARES. R.C. • Homens-carmpams c suas mulheres: relato de cxperiênci3 cm S3úde Memalll3 Esmtégia S3úde da F3mília.
INTRODUÇÃO
A Reforma Psiquiátrica coloca-se como um desa-
fio às ações de Saúde Mental na atenção básica, pois
confronta a lógica do encaminhamento, bem como
reafirma a comunidade como o locus para o atendimento
aos transtornos metais. É a partir deste princípio que
os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) se propõem
a trabalhar em conjunto com as equipes de atenção à
saúde da família, atualmente nomeadas como Estratégia
Saúde da Família (ESF), através de diferentes estratégias
de atuação em cada região do país.
Desde as primeiras oficinas propostas pelo Mi-
nistério da Saúde, realizadas no ano de 2001, para se
avaliar a inclusão de ações de Saúde Mental na atenção
básica, houve a discussão tanto dos principais proble-
mas e situações de risco em Saúde Mental, bem como,
O direcionamento para estratégias de intervenções
comunitárias conjuntas, estudos de caso, construção
de projeto terapêutico individualizado, evitando as-
sim a lógica do encaminhamento. Percebe-se que a
princípio o Governo Federal optou por uma lógica
nomeada como matriciamento (ou apoio matricial)
para a atuação de equipes de Saúde Mental em con-
junto com as ES F.
O apoio matricial é uma estratégia que busca co-
nhecer e interagir com as equipes de atenção básica em
seu território; procura estabelecer iniciativas conjuntas
de levantamento de dados relevantes sobre as demandas
em Saúde Mental no território; atender conjuntamente
situações complexas, realizar visitas domiciliares acom-
panhadas da equipe e atender casos complexos em
conjunto (BRASIL, 2007).
É importante ressaltar que tais estratégias confron-
tam o modelo manicomial, pois rompem com a lógica
Stltid~ ~m Debau, Rio de Janeiro, 1/. 32. ll. 78/79/80, p. 133-142, jan.ldcz. 2008
da especialização, e, portanto, ampliam para fora do
hospital psiquiátrico todas as estratégias de atenção em
Saúde Mental. A partir destas considerações coloca-se
a relevância deste trabalho, a qual propõe relatar uma
experiência realizada no município de Goiânia a partir
do ano de 2006, entre a equipe de um CAPS II que
atende a usuários com transtorno mental e duas equipes
de saúde da família.
Este trabalho iniciou-se a partir de um levanta-
mento realizado pela equipe de mulheres atendidas
nesta comunidade que faziam uso continuado de
ansiolíticos. A proposta de busca apenas por mulhe-
res ocorteu em função de estudos que indicam uma
prevalência de pessoas do sexo feminino como sendo
o público que mais faz uso abusivo de ansiolíticos.
Sendo assim, justificam-se a relevância e a contempo-
raneidade deste estudo por avaliar que a consolidação
de novos paradigmas de atenção em Saúde Mental
depende das possibilidades de reinvenção da atuação
em comunidades.
OS ENCONTROS POSSívEIS: SAÚDE MEN-
TAL E ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
O compromisso com a intervenção nos processos
de adoecimento, através de ações localizadas na comuni-
dade, tem sido um eixo norteador da política de atenção
básica em saúde que se fortaleceu com a implantação
da Estratégia Saúde da Família (ESF), anteriormente
nomeada como Programa de Saúde da Família (PSF).
Até o ano de 2007, estas equipes totalizaram aproxima-
damente 29 mil em todo o território nacional, atingindo
cerca de 90 milhões de brasileiros.
Porém, percebe-se que essas equipes apresentam
deficiências quanto às atuações em Saúde Mental visto
a hegemonia do modelo biomédico (FILHO; ROCHA;
RABELO. LV.M, TAVARES, R.C. • Homens-carrapalos e suas mulheres: relalO de experiência em Saúde Mental na Eslrarégia Saúde da Famflia. 135
FRANÇA, 2006). Dessa forma, nota-se a importância na
reflexão e pesquisa sobre estas novas práticas que se inse-
rem no processo da reforma sanitária brasileira, elegendo
neste instante o núcleo familiar como possibilidade de
intervenção e manejo do processo saúde e doença.
Simultaneamente à implantação e implementação
das equipes de saúde da família, o Ministério da Saúde
totalizou a implantação de aproximadamente 1.100
CAPS em todo Brasil.
Para detectar a necessidade de expansão da rede de
Saúde Mental, a proposta do Ministério da Saúde (BRA-
SIL, 2005) é de um CAPS para cada 100 mil habitantes,
porém O critério populacional não deve ser o único para
se planejar a rede de SaúdeMental, cabendo ao gestor
local junto a outras instâncias planejar os dispositivos
que melhor atendam à população local. Ao avaliar-se
apenas os CAPS direcionados para o atendimento aos
usuários com transtornos mentais, considera-se que os
CAPS I dá resposta efetiva a 50 mil habitantes, os CAPS
II dá cobertura a 100 mil habitantes, e os CAPS III a 150
mil habitantes, sendo assim, de acordo como Ministério
da Saúde, há déficit em todas as regiões brasileiras, pois
atualmente os CAPS estão assim distribuídos: região
Norte com 0,19 CAPS; região Nordeste com 0,28 CAPS;
região Centro-Oeste com 0,27 CAPS; região Sudeste
com 0,34 CAPS e região Sul com 0,41 CAPS por 100
mil habitantes.
Mesmo ao se considerar um mapa com tantas
deficiências, para um país de dimensões continentais,
é importante ampliar o debate sobre a Saúde Mental,
pois a lógica do território como espaço de relações e
trocas, que permeiam os princípios do CAPS e da Saúde
da Família, terminam por contribuir para a conver-
gência de ações apoiadas por um mesmo paradigma
em saúde.
A integração prevista entre os CAPS e a ESF passa
a ser discutida sob um novo enfoque quando, o Minis-
tério da Saúde (2008) publica a Portaria 154 em 24 de
janeito de 2008. Tal portaria cria os Núcleos de Apoio
à Saúde da Família (NASF), compostos por profissionais
de diferentes áreas de conhecimento com O objetivo
de apoiar, atuar em conjunto e compartilhar com a
ESF, práticas em saúde nos territórios sob responsabi-
lidade das mesmas. A portaria recomenda a presença
de pelo menos um profissional de Saúde Mental na
implementação das equipes dos NASF, porém, não há
exigência que este profissional esteja lotado nos CAPS
do território, mas apenas que esteja lotado em uma
das unidades de saúde do território. Tal fato deve ser
objeto de discussão dentro de cada município, pois
ficará a critério do gestor local a escolha da composição
e lotação das equipes dos NASF. Esta proposta fomenta
novos debates, e propõe que profissionais dos CAPS
fiquem atentos para que as NASF e os CAPS não passem
a desenvolver atividades paralelas, mas que possam
funcionar em rede para a atenção em Saúde Mental
. , .
no mesmo tern tono.
Ao mesmo tempo em que novos dispositivos são
criados, os trabalhadores de CAPS e equipes de saúde da
família já têm construído experiências muito ricas em
Saúde Mental, mesmo que nomeadas diferente, mas que
mantém entre si a lógica do matriciamento, onde são
priorizadas a supervisão, o atendimen to compartilhado
e a capacitação em serviço, com o objetivo de aumen-
tar a capacidade resolutiva das ações de Saúde Mental
naquele território.
A atuação de forma compartilhada permite a
integralidade das ações e favorece o trabalho de ques-
tões de forma transversal como o conceito de gênero,
o qual é capaz de interligar situações de exploração,
discriminação, violência, salientando determinantes
sociais e culturais que interferem na saúde de mulheres.
Para melhor especificar como o conceito de gênero se
inscreve de maneira importante no cotidiano de Saúde
Mental, são discutidos alguns estudos que abordam
, .
esta temanca.
Sll1,dum D~bau, Rio de Janeiro, v. 32. n. 78/79/80. p. 133-142. jan.ldt."Z. 2008
136 RABELO, I.V.M, TAVARES. R.C. • Homens-carmpams c suas mulheres: relato de cxperiênci3 cm S3úde Memalll3 Esmtégia S3úde da F3mília.
INTERFACES SAÚDE MENTAL E GÊNERO
Para confrontar o cotidiano excludente das re-
lações em sociedade é necessário pensar as relações
historicamente construídas de exploração da mulher,
pobre, negra, analfabeta, louca, desempregada que mora
longe e sofre violência física por parte do parceiro. Dar
nome, cor, sentido, data e hora para o sofrimento, pode
possibilitar aos trabalhadores e usuários dos serviços
construírem reflexões sobre o que estão vivenciando,
possibilitando a transformação desta identidade nome-
ada como vítima-doente, podendo ser reposicionada
e não só ceder à mera repetição de uma identidade
pressuposta pelo outro (CIAMPA, 2001).
Ao se procurar estudos que tentam compreender as
trajetórias e pontos de aproximação e afastamento das
categorias Saúde Mental e gênero, percebem-se duas
grandes bases teóricas: abordagens epidemiológicas com
base no modelo biomédico e abordagens sociológicas
que tentam compreender os determinantes sociais e as
representações compartilhadas que estão presentes no
fenômeno.
Os estudos de base epidemiológica (NUNES FILHO;
BUENO; NARDI, 2000) afirmam que a prevalência de
transtornos mentais leves é maior entre mulheres,
principalmente em áreas urbanas. Com relação ao
transtorno depressivo, ele ocorre três vezes mais em
mulheres que em homens, tais dados avaliam de forma
essencialista a Saúde Mental, transformando sofrimento
em adoecimento.
Por outro lado, as abordagens sociológicas irão
enfatizar os estudos sobre como as situações de vio-
lência, exploração e gênero interferem no processo
saúde-doença. Como exemplo pode-se citar o estudo de
Adeodato; Carvalho; Siqueira e Souza (2005), no qual
em uma amostra de 100 mulheres que foram agredidas
por seus parceiros e fizeram denúncia na Delegacia da
Mulher do Ceará, 72% apresentaram quadro sugestivo
Stltid~ ~m Debau, Rio de Janeiro, 1/. 32. ll. 78/79/80, p. 133-142, jan.ldcz. 2008
de depressão, 78% queixavam-se de sintomas de ansie-
dade e insônia, 39% confirmavam ideação suicida e 24%
iniciaram o uso de medicação ansiolítica após as situa-
ções de agressão. Mesmo que tal estudo seja norteado
pela semiologia psiquiátrica, ele é válido no sentido de
apontar como a rede de conflitos sociais que, em alguns
casos configuram-se também como violência intrafami-
liar, é constituinte do campo da Saúde Mental.
A situação de violência familiar constrói diferentes
processos e resistências, porém, pode-se avaliar o quanto
crianças, adolescentes e mulheres (mães de crianças,
vítimas de abuso sexual) também apresentam conflitos
e sofrimento diante da lei do silêncio imposta pelas
relações de poder (ARAúJo, 2002).
Pode-se também, encontrar discussões como as rea-
lizadas por Maragno; Goldbaum, Gianini e Novaes, em
que se detectaram diferenças significativas na prevalência
de transtornos mentais comuns em determinados grupos
populacionais, sendo maior entre mulheres, idosos e
pessoas com menor renda ou de menor escolaridade.
Este estudo foi realizado em regiões periféricas da ci-
dade de São Paulo e demonstra o quanto os processos
que envolvem o sofrimento psíquico conectam-se aos
indicadores de vulnerabilidade social.
Neste cenário de turbulência das relações de violên-
cia e exploração sociais, é necessário salientar o conceito
de gênero como categoria que se afasta dos princípios
essencialistas ao tentar explicar o ser humano, e tenta
investigar a realidade de maneira plural, histórica e
cultural (GUACIRA, 1997). Neste sentido, pode-se pensar
como as experiências vivenciadas por mulheres, que
não se igualam sob esta nomenclatura, podem produzir
'sofrimentos psíquicos' (reforça-se aqui o plural porque
também plural será o sofrer) diante da significação que
dão e recebem sobre seu cotidiano.
Como exemplo desta perspectiva, cita-se o estudo de
Alves (2002) no qual o sofrimento descrito por mulheres
idosas, ao narrarem suas histórias de vida, é nomeado
RABELO. LV.M, TAVARES, R.C. • Homens-carrapalos e suas mulheres; relalO de experiência em Saúde Mental na Eslrarégia Saúde da Famflia. 137
como 'nervoso', ou seja, relatam como uma vida vinculada
à pobreza e violência gerando experiências de fragilização,
e tais experiências são objetivadas num sofrimento cultu-
ralmente compartilhado, como relatos do nervoso.
A partir da concepção de que Saúde Mental e gêne-
ro tecem fios que podem ser tocados nas relações entre
profissionais de saúde e comunidade, pode-se pensar em
tais fios que ao mesmo tempo em que produzem sentidos
para as mulheres, também constroem barreiras entre
profissionais e pacientes, na medida em que existamtrabalhadores que não conseguem mais ouvir O sofrer e
o transformam em dor ou querelância, e a resposta para
este problema será a coisificação-medicalização.
Com base no que foi exposto acima, pode-se refletir
o grande investimento que o Brasil tem feito a fim de
criar novos dispositivos de atenção em Saúde Mental.
Dessa forma, torna-se essencial que os trabalhadores de
Saúde Mental estejam envolvidos nesse processo, trans-
versalizando o aparato biomédico com possibilidade de
intervenções que possam enriquecer não só o referencial
teórico, mas também as estratégias utilizadas.
Sendo assim, fundamenta-se a discussão de gênero
como um dos prismas que pode transversalizar este ema-
ranhado, pois esta temática é capaz de tocar diferentes
experiências, ao mesmo tempo em que desencadeia
reflexões pertinentes ao viver em comunidade.
A conectividade do sofrimento psíquico às questões
transversais da vida em sociedade, como por exemplo, as
questões de gênero, torna-se a principal referência para a
atuação em Saúde Mental. Nessa perspectiva, destaca-se
o trabalho desenvolvido por um CAPS de Goiânia, em
conjunto com duas equipes de saúde da família, cujo
principal objetivo foi retomar o sofrimento psíquico pelo
viés do sofrimento sócio-afetivo relacionado às questões
de gênero, e proporcionar aos profissionais de saúde
da família a ampliação das possibilidades de reflexão e
compreensão do adoecimento psíquico para além dos
aspectos biomédicos dos sintomas.
o CAPS E A ESF:
CO-AUTORIA EM SAÚDE MENTAL
O trabalho desenvolvido foi planejado em conjunto
com as enfermeiras de duas equipes de saúde da família
e com os agentes comunitários destas equipes. O pla-
nejamento em conjunto teve como principal objetivo
possibilitar a aproximação da equipe do CAPS com as
equipes de saúde da família e romper com O estigma de
que trabalhar a Saúde Mental é ação restrita de unidades
de Saúde Mental, cuja compreensão coloca a atuação do
ESF na lógica de encaminhamentos quando se detecta
problemas de ordem psíquica.
O planejamento deu-se por meio de reuniões com
as equipes de Saúde da Família, a fim de fazer levanta-
mento da demanda, de quais seriam os ptoblemas viven-
ciados pela população do bairro que pudessem indicar a
existência de sofrimento psíquico. Buscou-se nesta fase
priorizar a atenção à população feminina que estivesse
fazendo uso continuado de ansiolítico ou que estivesse
solicitando à equipe de saúde o uso da medicação. Para
este levantamento foram feitas buscas em todos os
prontuários das duas equipes, a fim de detectar aquelas
famílias que tivessem mulheres em uso de ansiolíticos
e/ou de antidepressivos. Com este levantamento foram
encontradas nas duas equipes, 53 mulheres com este
perfil (27 de uma equipe e 26 de outra).
Após este primeiro levantamento foram planejadas
visitas domiciliares a todas essas mulheres, a fim de
conhecer a história de vida e uso de ansiolíticos. Tais
visitas foram realizadas pelos agentes comunitários de
saúde (ACS) e tiveram importante papel para a capaci-
tação em serviço dos ACS, pois constituíram elementos
de re-significações do que é adoecimento psíquico e
de como os sintomas aparecem no curso de vida das
pessoas. Todos os casos visitados foram discutidos em
equipe e propiciaram aos ACS trabalhar com crenças,
tais como, 'usam remédio porque não conseguem dor-
Sll1,dum D~bau, Rio de Janeiro, v. 32. n. 78/79/80. p. 133-142. jan.ldt."Z. 2008
138 RABELO, I.V.M, TAVARES. R.C. • Homens-carmpams c suas mulheres: relato de cxperiênci3 cm S3úde Memalll3 Esmtégia S3úde da F3mília.
mir'; e reelaborar novos significados que permitissem
compreender os sintomas como não desconectados da
vida e da realidade dessas mulheres. Com os estudos de
casO a equipe de saúde da família pôde conectar, por
exemplo, a insônia com a realidade de vida das mulheres,
com relações de poder e com questões sociohistóricas
de gênero.
O passo seguinte foi planejar quais seriam as
intervenções a serem realizadas. Decidiu-se, assim, or-
ganizar reuniões semanais e convidar essas mulheres a
participarem. O planejamento das reuniões era realizado
semanalmente com as equipes de saúde da família. As
reuniões semanais com as mulheres ocorriam com a par-
ticipação de duas psicólogas do CAPS, de uma enfermeira
da equipe de saúde da família e de umaACS. Após cada
reunião com Ogrupo de mulheres foram realizadas reu-
niões com todo o restante dos ACS, a fim de apresentar
os conteúdos trabalhados, avaliar o desenvolvimento do
grupo de mulheres e planejar o que seria trabalhado na
•
semana seguInte.
Os encontros semanais com as mulheres tinham
como objetivo problematizar o papel da mulher na re-
alidade histórico-social, em conjunto com o significado
do remédio na construção da identidade feminina. Fo-
ram desenvolvidas dinâmicas e vivências que pudessem
transportar as mulheres ao núcleo de seus sentimentos
e sofrimento, como meio de fazer a junção entre os
sintomas (que exigiam o uso da medicação) e a realidade
vivenciada (opressora e impeditiva de rompimentos).
De todas as experiências realizadas destacam-se al-
gumas mais provocadoras de reflexões e importantes para
a compreensão da efetividade do trabalho ora apresenta-
do. São descritas a seguir algumas destas dinâmicas:
• apresentação com figuras: no primeiro encontro
foi realizada uma dinâmica de apresentação, cujo objeti-
vo foi conhecer as mulheres que estavam participando,
propiciar o conhecimento entre elas, esclarecer o objeti-
Stltid~ ~m Debau, Rio de Janeiro, 1/. 32. ll. 78/79/80, p. 133-142, jan.ldcz. 2008
vo do grupo e motivá-las para a participação nos encon-
tros. Foi desenvolvida uma dinâmica de apresentação,
com gravuras de conteúdos diversos e solicitou-se que
cada uma das mulheres escolhesse a gravura que melhor
representasse o seu jeito de ser e que permitisse a sua
apresentação por meio desta gravura. Essa dinâmica foi
suficiente para uma significativa mobilização de algumas
mulheres e permitiu a reflexão quanto à necessidade de
propor vivências e dinâmicas menos complexas e mais
lúdicas, a fim de evitar a auto-exposição desnecessária,
mas muitas vezes inevitável, dadas as poucas oportuni-
dades de fala e reflexões que essas mulheres têm no seu
cotidiano;
• complementação de um pensamento: foi solici-
tado que cada mulher do grupo completasse a seguinte
frase: 'Se eu pudesse, eu trocaria meu remédio por...'.
O objetivo era possibilitar a reflexão do sentido do uso
do remédio na vivência de cada mulher, ou seja, buscar,
minimamente, conectar o sintoma gerador do uso da
medicação à realidade vivenciada por cada mulher. Nesra
dinâmica foi possível emergir conteúdos relativos ao
desejo por estabilidade financeira, à vontade de sentir-se
feliz, ao desejo de ter novamente a alegria de antes e de
retomar vínculos com familiares, o qual foi colocado por
algumas como tendo sido perdido, em função do casa-
mento, das dificuldades financeiras (muitos familiares
moravam em outras cidades ou o marido as impedia de
vê-los, etc). Foram expressos conteúdos de identidade
de gênero e sua relação com o casamento, o sofrimento
de algumas mulheres pelo fato de serem obrigadas a
romper com o seu núcleo familiar primário e ter de se
adaptar à cultura imposta pelo esposo;
• recortes de nomes e características: tal dinâmica
foi planejada, em função dos conteúdos emergentes
na dinâmica anterior com relação ao afasramento do
núcleo familiar primário. Foi solicitado que cada mu-
RABELO. LV.M, TAVARES, R.C. • Homens-carrapalos e suas mulheres: relalO de experiência em Saúde Mental na Eslrarégia Saúde da Famflia. 139
lher escrevesse o seu nome e sobrenome em uma folha,
destacando cores diferentes para cada nome/sobrenome
e características que pudessem definir cada nome. O
objetivo foi trabalhar a construção da identidade destas
mulheres em cada eixo familiar (mãe, pai e esposo).
Foram emersos conteúdos relativos à formação da iden-
tidadeno seio familiar, como por exemplo, a família
materna e paterna produzindo preconceito de raça; e
a construção da identidade familiar se contrapondo à
identidade construída com O casamento. Ou seja, foram
conteúdos que marcaram as contradições viveneiadas
por essas mulheres, que ao se casarem renunciavam
a identidade construída em seu núcleo familiar e se
rendiam à exigência de uma aceitação incondicional da
idencidade da família construída com o esposo (esposa,
mãe, cuidadora). Para o desenvolvimento desta dinâmica
houve um problema: algumas mulheres não sabiam ler
e escrever. Na reunião de avaliação deste encontro com
rodos os ACS, estes avaliaram que o ambiente familiar
dessas mulheres é opressor e dificulta que os agentes
possam intervir. Os ACS reAetiram também sobre as
especificidades do bairro: distante, tem alto índice de
criminalidade que gera preconceito e dificulta o acesso
da população masculina a empregos, fazendo com
que as mulheres tornem-se arrimo de família. Foram
reAexões feitas pela equipe de saúde da família que,
concretamente, retiraram o sofrimento como sendo
apenas o sintoma ('não dorme e por isso toma remédio')
e possibilitou sua compreensão pelo viés do sofrimento
sócio-ps ico-afetivoo
• linha da vida: foi trabalhada a dinâmica da
linha da vida, iniciando-se aos 15 anos e utilizando
intervalos de cinco anos. Foi solicitado que cada
mulher representasse em um papel pardo (por meio
de escrita ou qualquer outra expressão gráfica, como
desenhos ou símbolos) cada período de sua vida,
iniciando-se aos 15 anos e passando pelos 20, 25, 30,
e assim sucessivamente. Com essa dinâmica surgiram
elementos que possibilitaram trabalhar questões de
gênero relativas ao papel da mulher no casamento, no
qual ficou marcado um modelo idealizado de casamen-
to perfeito e o sofrimento advindo da realidade, ou
seja, da impossibilidade de realização de uma relação
homem/mulher plena. Foram trabalhados ditados
como: 'Quem faz o casamento é a mulher'; 'por trás
de um grande homem há sempre uma grande mulher'.
Foi constatada a dificuldade das mulheres em abando-
narem as escolhas de forma ativa, de sair de relações
infelizes sem necessitar 'fugir', os rompimentos relata-
dos eram todos sem autonomia. Os conteúdos foram
trabalhados buscando reAetir a necessidade de que as
mulheres construam recursos pessoais e sociais que
permitam os rompimentos necessários ao bem-estar
e à Saúde Mental. Dificuldade de lidar com a própria
sexualidade foi outro elemento que emergiu com essa
dinâmica e permitiu que fossem, minimamente, dis-
cutidos aspectos relacionados a gênero e sexualidade.
Na avaliação com os ACS muitos se identificaram com
os relatos das mulheres, pois a maioria eram mulheres,
e neles elas puderam reAetir suas próprias vidas. Foi
evidente a coincidência do início do uso da medicação
com o confronto e a realidade do casamento infeliz.
A realização da dinâmica da linha da vida durou três
encontros e permitiu amplas reAexões, ressalta-se que o
conteúdo mais homogêneo que emergiu dos encontros
entre todas as mulheres que freqüentaram o grupo é a
condição histórico-social da identidade feminina cons-
truída para o casamento perfeito, no qual a mulher se
incumbe do papel de fazer tudo o que o homem solicita
ou deseja; nunca dizer não ao homem; e sempre permitir
que o marido sugue todas as energias. Uma condição
que coloca na mulher a posição de impossibilitada de
romper com uma relação infeliz e na qual muitas vezes
não há, inclusive, percepção dessa infelicidade, visto que
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culturalmente se o casamento não está bom é porque a
mulher está agindo errado.
Esta condição histórica da mulher de se colocar
como principal responsável pela felicidade do casamen-
to, aliada à condição do homem de não fazer concessões
na relação marital impõe à mulher, principalmente
àquela que se encontra em desvantagem socioeconâmica
e educacional uma postura de não conseguir romper
com uma relação infeliz e nem superar os estigmas socio-
culturais. Houve relatos de mulheres que se percebiam
infelizes na relação, mas não tinham recursos pessoais
para superar suas dificuldades e romper com essa relação,
assim, algumas vezes, sentiam-se obrigadas a conviver
'h 'com um ornem-carrapato.
A expressão 'homem-carrapato' foi utilizada por
uma dessas mulheres e é retomada no presente artigo
como sendo a forma mais fidedigna de expressar sua
condição de vida ao lado de um homem que a massacra
e que a impede de viver a própria vida, um homem cuja
ação se limita a sugar o sangue da uma mulher presa a
uma sicuação, cuja condição histórico-social a impede
de se libertar.
Assim, possibilitar a essas mulheres momentos de
reflexão e compartilhamento de todo o seu sofrimento,
advindo muitas vezes de sua própria condição sociohis-
tórica, cria possibilidades de re-significação do sofrimen-
to e de ampliação de recursos pessoais e afetivos para
lidar com o seu sofrimento. Fornece condições, mesmo
que minimamente, de reelaborar o papel da mulher na
formação do 'homem-carrapato', pois se ela procura de
todas as formas atender a todos os desejos ou exigências
do homem, obviamente ele se sentirá muito tranqüilo na
relação e utilizará de todos os seus potenciais masculinos
para manter-se nessa condição.
Após seis meses, foi realizada avaliação das atividades
no grupo, e encerramento do mesmo. Neste período
foram realizadas reuniões para escudo de caso de algumas
mulheres que participavam do grupo e estavam há vários
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anos utilizando a medicação em função de prescrições
anteriores, requisitavam a continuidade da medicação
apenas porque entendiam que este tratamento era o mais
adequado, até o momento que perceberam, no grupo
realizado, que sua relação necessitava de algo mais que
abafàr quimicamente seu sofrimento. Após estudo de caso
com equipe do CAPS, os médicos das ESF fizeram novas
avaliações para hipótese diagnóstica e, contando com
O apoio do grupo, foi possível a retirada do ansiolítico
em alguns casos, uso racional e troca de medicação em
outros. Algumas mulheres que foram ao grupo em busca
do medicamento encerraram o processo compreendendo
melhor os mecanismos geradores de sofrimento e as ha-
bilidades sociais para lidar com os mesmos, sem que para
isso precisassem silenciar-se com o medicamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
o trabalho desenvolvido entre o CAPS e as equipes
de saúde da família, como capacitação em serviço por
meio de escudos de caso e realização de grupos de gênero
possibilitou às ACS e às enfermeiras das equipes de saúde
da família a compreensão do sofrimento psíquico para
além do sintoma, pois inicialmente a associação feita
por esses profissionais era de que o uso de ansiolítico
era devido e justificado por um sintoma específico: a
insônia. Ao final, todos os profissionais da equipe de
saúde da família demonstraram novas compreensões
a respeiro da insônia como indicando a existência de
um sofrimento socioafetivo, mesmo que ainda não
rotai mente declarado.
O trabalho em conjunto com as equipes de saúde
da família permitiu não só a aproximação das equipes,
mas também, a garantia da capacitação em serviço,
haja vista que no decorrer desta atividade, não só as
mulheres acompanhadas no grupo foram re-avaliadas
RABELO. LV.M, TAVARES, R.C. • Homens-carrapalos e suas mulheres: relalO de experiência em Saúde Mental na Eslrarégia Saúde da Famflia. 141
com a possibilidade de se beneficiarem tanto das temá-
ticas trabalhadas no grupo, bem como, da utilização do
uso racional da medicação. Por outro lado, entende-se
que estes estudos de caso funcionam como capacitação
em serviço, pois o conhecimento compartilhadoentre
todos os profissionais ultrapassa os casos estudados e
serve de apoio para manejos em outras situações que se
configurem demandas em Saúde Mental.
Pode-se considerar que o trabalho em equipe, com
relação à estratégia saúde da família, propicia a re-signi-
ficação do sofrimento e a ampliação das ações do CAPS,
rompendo com a lógica do encaminhamento. Tal ação
traz para o profissional da unidade de atenção à família a
condição de ser capaz de intervir efetivamente na Saúde
Mental das pessoas da comunidade de sua abrangência,
sem necessitar encaminhar a um serviço especializado
uma possibilidade que se dá pela transversalidade das
temáticas trabalhadas em Saúde Mental, como a pro-
posta aqui relatada de inserção da categoria gênero para
a compreensão do sofrimento psíquico.
É importante ressaltar que houve uma mudança
significativa na percepção dos ACS, pois durante este pro-
cesso eles começaram a trazer casos novos de pessoas em
grave sofrimento psíquico, que se encontravam isoladas
em casa há vários anos. Este fato chama atenção, pois,
por mais que os ACS já soubessem e trabalhassem com o
CAPS nesta região, ainda assim não conseguiam enxergar
como situações de Saúde Mental os casos de isolamento
como o do exemplo acima. Até mesmo a descrição de
casos novos quando precisavam solicitar visitas domi-
ciliares com a equipe do CAPS, passou a ser detalhada,
contextualizada e já com as nuances de vulnerabilidade
social típicas das vivências em Saúde Mental.
A experiência de trabalho em apoio à ESF
também foi essencial para a criação de alguns pro-
tocolos para o funcionamento da atenção em rede.
Com relação à dispensação de alguns medicamentos
psicotrópicos, o CAPS passou a garantir a entrega
desta medicação para as usuárias do grupo em
acompanhamento na ESF, pois tais medicações não
existem nestas unidades. Também com relação ao
prontuário, foi estabelecido que haveria a evolução
do prontuário da família (ESF), como forma de pri-
vilegiar uma comunicação única, e mesmo que os/as
usuários(as) também estivessem em atendimento no
CAPS, a equipe de Saúde Mental teria um prontuário
na unidade, mas manteria atualizado O prontuário na
ESF. Tal conduta facilitou O monitoramento do uso
de medicamentos, pois O ACS passou, a saber, por
exemplo, o projeto terapêutico do usuário e apoiá-lo
na implementação do mesmo, seja no uso diário da
medicação, seja na busca por escolas e atividades de
geração de renda da região.
Como parte do protocolo, também com relação
às visitas domiciliares dos técnicos dos CAPS, passou-
se a agendá-las com antecedência para que fossem
sempre realizadas com ACS e enfermeiras da ESF.
Tal procedimento fez com que novas redes de suporte
social começassem a interagir com as famílias com
pessoas com sofrimento psíquico grave. Tal fato foi e
é crucial na diminuição das internações psiquiátricas
e manejo das situações de crise, pois a família passa
, . - .a contar com varIaS atares, e, portanto, nao mais
recorre à lógica crise-doença-internação. Também a
equipe de saúde da família passou a compreender o
sofrimento psíquico conectado com as experiências
vividas, e, sentindo-se mais próxima da equipe do
CAPS passou a evitar o uso da ambulância (tanto
no sentido literal como no figurado), acreditando e
reinventando estratégias para atender ao sofrer sem
necessariamente encaminhá-lo.
Novas estratégias para a compreensão do sofri-
mento psíquico também foram viabilizadas para a
equipe do CAPS, que na interlocução com a atenção
básica tem conseguido aliar não só novos atores para
confrontar a lógica asilar, mas também tem encon-
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trado suporte para a criação de projetos terapêuticos
individualizados de usuários de Saúde Mental, que
sem nunca colocar os pés no CAPS já começam a
estabelecer laços contratuais na comunidade, graças
ao empoderamento construído pelos trabalhadores e
trabalhadoras das ESF.
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