Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NÍCIA MARA ECKER A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO EM MATRICIAMENTO NAS UNIDADES DE SAÚDE SÃO PAULO 2021 2 NÍCIA MARA ECKER A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO EM MATRICIAMENTO NAS UNIDADES DE SAÚDE SÃO PAULO 2021 Trabalho acadêmico apresentado como exigência para a conclusão do curso de Pós- graduação em saúde mental e atenção psicossocial da Universidade Estácio de Sá, para obtenção do título de especialista. Orientador(a): Profª Ms. Dalta Barreto Motta. 3 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 5 2. DESENVOLVIMENTO ............................................................................................ 7 2.1. A gênese da luta pela saúde mental ................................................................. 7 2.2. Representações da luta antimanicomial no Brasil ............................................. 8 2.3 Preconceito e estigma: como identificar e lidar com eles ................................. 10 2.4. Implantação do matriciamento ........................................................................ 13 3. ANÁLISE DOS RESULTADOS ............................................................................. 17 3.2. Rede de Atenção à Saúde Mental .................................................................. 17 3.2 Acompanhamentos .......................................................................................... 18 4. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 19 4 RESUMO: Este estudo teve como finalidade, destacar os campos epistemológicos voltados ao apoio matricial visando inferir à responsabilidade clínica e o cuidado aos usuários. Matriciamento é o encontro entre equipes de saúde que buscam melhor eficiência e aproveitamento dos conhecimentos em saúde mental como uma importante estratégia para a efetivação da integralidade do cuidado em saúde. O matriciamento consiste em um arranjo organizacional que visa conceder suporte técnico-pedagógico em áreas específicas às equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde para a população. Assim, o matriciamento se determina como recurso de construção de novas práticas em saúde mental, também junto às comunidades no território onde as pessoas vivem e circulam, pela sua proposta de encontros produtivos, sistemáticos e interativos entre equipes da Atenção Básica e equipes de saúde mental. Isto significa que a concretização do matriciamento em saúde mental em toda sua potencialidade depende do empenho, disponibilidade e mudanças por parte de todos os envolvidos. Palavras-chave: Saúde Mental; Psiquiatria; Equipe Interdisciplinar; Matriciamento. 5 1. INTRODUÇÃO De acordo com o Ministério de Saúde (2011, p. 13) “matriciamento ou apoio matricial é um novo modo de produzir saúde em que duas ou mais equipes, num processo de construção compartilhada, criam uma proposta de intervenção pedagógico-terapêutica”. Com o objetivo de estruturar o cuidado colaborativo entre saúde mental e atenção primária, tendo o foco no encaminhamento para atenção especializada, e juntamente com o apoio matricial com equipe de estratégia de saúde da família, para juntos encontrar o melhor terapeuta exercendo esta troca de informações, para fazer uma melhor terapêutica deste paciente. Nesta pesquisa abordarei sobre o percurso histórico do matriciamento nas vertentes do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil na perspectiva do tempo, mostrando que o entendimento de sua realidade, implica na compreensão do passado, que estrutura o presente e se projeta para o futuro. A compreensão histórica da psiquiatria e saúde mental no Brasil como construção social tem como foco a análise das contradições que estiveram presentes nos diversos períodos, como condição para a compreensão das possibilidades de superação que permitiram saltos de qualidade no desenvolvimento deste campo de atuação, quer como conhecimento, quer como prática. Será apresentada, para cada período da história, uma breve descrição de suas características e a análise de algumas produções, sejam elas teóricas ou práticas, que revelam suas contradições. A criação das equipes de saúde voltadas à saúde mental ocorreu através da educação como parte integrante de disciplinas voltadas ao curso de Medicina num processo lento e gradual conforme as exigências sociais e as confluências de novos e velhos saberes, descobertas, oportunidades. Objetivando desenvolver conhecimentos que o possibilitasse estudar os indivíduos e os processos mentais. Constitui-se numa ciência que, reconhecidamente, tem exercido uma função social de grande relevância, quer como área de conhecimento que tem contribuído para ampliar a compreensão dos problemas humanos, quer como campo de atuação cada vez maior e efetivo na intervenção sobre estes. 6 Buscou-se compreender como a junção de diversas áreas no âmbito da psiquiatria e saúde mental conquistou seu próprio espaço como área de conhecimento e campo de práticas no Brasil, atingindo sua autossuficiência e reconhecimento como ciência específica, em consequência da produção de ideias e práticas no interior de outras áreas do saber. 7 2. DESENVOLVIMENTO 2.1. A gênese da luta pela saúde mental Nos dias atuais faz parte das Políticas Públicas ao que compete à saúde mental, compreender os princípios da retaguarda assistencial e a necessidade de implantação de suporte técnico junto às equipes de referência. Serapioni (2019, p. 1174) discorre que tudo começou quando Franco Basaglia, nascido no ano de 1924 em Veneza na Itália, proveniente de família rica iniciou seus estudos em 1943 na Faculdade de Medicina da Universidade de Pádua, tendo participado do grupo de militantes antifascistas denominado “Resistência” e mais tarde, tendo sido preso por seis meses após a delação de um de seus companheiros. Devido à hostilidade com que foi tratado, passou a unificar o pensamento de que as prisões e aos manicômios eram depósitos de vidas excluídas, pois ambas as instituições são trancadas e destinadas a controlar as pessoas nelas reprimidas. Durante anos, criminosos e doentes mentais permaneceram juntos no mesmo espaço. Conforme Goffman (2008) é comum que os indivíduos cheguem às instituições “aculturados”, vindos de seu ambiente familiar. Entretanto essa cultura sofre modificações à partir do momento em que são inseridos na instituição. Ainda conforme Goffman (2008), o novo membro da instituição chega desprovido no que se refere à interação social. Este obstáculo geria nos internos a perca de sua identidade gradualmente. Apesar da prisão, Basaglia formou-se em medicina no ano de 1949 focando sua trajetória ao estudo da psiquiatria e filosofia estudando a fenomenologia e o existencialismo e especializando-se em doenças mentais e a partir dos anos 1960, passou a dirigir o hospital psiquiátrico de Gorizia, onde iniciou um processo de desativação e a implantação de centros de atendimento comunitários. O papel da instituição não é fazer do local, um depósito humano. Como define Goffman (2008, p. 69) “usualmente se apresentam ao público como 8 organizações racionais, conscientemente planejadas como máquinas eficientes para atingir determinadas finalidades oficialmente confessadas e aprovadas”. Ao longo dos anos, Basaglia dedicou-se a "denúncia do tratamento dos doentes mentais, que os privavade todo direito humano e os fechava em lugares de exclusão social. Tal tratamento não só não curava, mas reforçava o estado de marginalização dos internados" (Vigano, 2006 apud Junqueira e Carniel, 2012). Serapioni (2019, p. 1174) comenta que a direção de Basaglia no Serviço Hospitalar de Triaste, foi reconhecida em 1973 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como referência mundial da assistência em saúde mental no mundo. Ainda segundo o autor (2019, p. 1174) acrescenta que em 1978 foi implantada na Itália a lei nº 180 (Lei Basaglia), com o propósito de extinguir os hospitais psiquiátricos e no ano de 1979, Basaglia visitou o Hospital Colônia de Barbacena – MG se deparando com a desumanização de internos que em sua maioria, não apresentava qualquer tipo de transtorno mental. Franco Basaglia faleceu em 1980, deixando grande legado à luta pela saúde mental por todo mundo. 2.2. Representações da luta antimanicomial no Brasil A desativação do Hospital Colônia de Barbacena (1903, Barbacena - MG) ocorrido na década de 1980, representa hoje uma grande vitória à causa, motivada pela vinda do psiquiatra italiano Franco Basaglia, líder mundial da Luta Antimanicomial há 40 anos, em 1979. Basaglia rotulou a Colônia de “campo de concentração”, o fez em nome de um projeto de transformação, o qual denunciava a forma de tratamento desumano realizada na tal instituição hospitalar, que contava com procedimentos semelhantes aos ocorridos com as vítimas da Grande Guerra. “Eles dormiam juntos em salas grandes sem cama. Todos tinham que se deitar sobre o chão do cômodo, que era coberto apenas por capim. Acordavam por volta das 5h da manhã e eram enviados para os pátios, onde ficavam até 19h, todos os dias. 9 […] Barbacena é uma cidade muita fria. Até hoje tem temperatura muito baixa para os padrões brasileiros. Pessoas eram mantidas nuas nos pátios em total ociosidade. ” — Daniela Arbex, em seu livro “Holocausto Brasileiro”. Assim, estabeleceu-se uma reestruturação da Reforma Psiquiátrica brasileira, que definiu novas diretrizes para a saúde mental, superando o modelo manicomial que perdurava desde a era Vargas, pelo decreto 24.559 de 1934. O Projeto de Lei 3657 em 1989, proposto pelo Deputado Federal de Minas Gerais, Paulo Delgado (PT), inspirou as diretrizes fortemente libertárias e igualitárias do SUS; e é componente importante do esforço para a redemocratização no país. Luchmann e Rodrigues (2007, p. 402) comentam que o Movimento da Luta Antimanicomial no Brasil teve início em dezembro de 1987, durante o II Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, realizado na cidade de Bauru - SP, com o lema “por uma sociedade sem manicômios”. Denunciavam-se abusos e violação de direitos humanos sofridos pelos usuários da saúde mental dentro dos manicômios. Lutava-se pelo fim desse tipo de tratamento e pela instalação de serviços alternativos. Os mesmos autores (2007, p.401) ainda discorrem que “diferente de um sujeito dotado de interesses e de racionalidade própria, a ação coletiva é um sistema de ação multipolar que combina orientações diversas, envolvendo atores múltiplos e implica um sistema de oportunidades e de vínculos que dá forma às suas relações”. Através de campanhas realizadas por profissionais da saúde, da promoção e da participação em eventos e encontros nacionais e internacionais, tem sido um aliado ao Movimento da Luta Antimanicomial. Discutido entre Berlink et al (2008, p. 22) os resultados apresentados pelo Movimento da Luta Antimanicomial, destaca-se a instituição do dia 18 de maio como Dia Nacional da Luta Antimanicomial e a aprovação da Lei 10.216/2001, que determina o fechamento progressivo dos hospitais psiquiátricos e a instalação de serviços substitutivos, garantindo aos portadores de sofrimento psíquico, direitos e proteção. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-24559-3-julho-1934-515889-publicacaooriginal-1-pe.html https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=23497 10 Desde então, o Brasil tem fechado leitos psiquiátricos e aberto serviços substitutivos: os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), as Residências Terapêuticas, Programas de Redução de Danos, Centros de Convivências e as Oficinas de Geração de Renda. Berlink et al (2008, p. 25) ainda menciona que o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial se caracteriza pelo seu caráter democrático, contando com a participação ativa e efetiva dos usuários de serviços de saúde mental, seus familiares, profissionais, estudantes e quaisquer interessados em defender uma postura de respeito aos diferentes modos de ser e a transformação da relação cultural da sociedade com as pessoas que sofrem por transtornos mentais. Ao que diz respeito à política de saúde mental, Almeida (2019, p. 2) comenta que assim como em todos os processos de mudanças, houve resistências significativas. Porém, mais tarde, com a intervenção dos direitos humanos, observou- se que a política de proteção às pessoas com transtornos mentais adotadas no Brasil, serviu de princípios a serem utilizados universalmente. Nos dias atuais, frequentemente são realizados encontros nacionais que procuram reunir todos os militantes para deliberar, de forma democrática, seus princípios e ações, assim reivindicando novos avanços nas políticas da saúde mental no país. Almeida (2019, p. 2), ainda complementa que foi a partir do desenvolvimento da política de saúde mental, que houve a concepção do SUS, mobilizando profissionais de diversos seguimentos da saúde e acarretou mudanças sociais e culturais da sociedade brasileira. 2.3 Preconceito e estigma: como identificar e lidar com eles Após a reforma da Saúde Mental e com as estratégias para sua inclusão social, ficou mais evidente uma questão que ainda deve ser enfrentada na nossa sociedade: o estigma que essas pessoas sofrem por terem um problema mental. O termo estigma surgiu na Grécia, e era utilizado para nomear marcas ou sinais corporais que evidenciassem algo extraordinário ou ruim sobre a moral das 11 pessoas que os apresentassem, denunciando que os possuidores de tais sinais eram criminosos, escravos ou traidores e, por isso, deviam ser publicamente evitados (GOFFMAN, 1988). Atualmente, o estigma é considerado um fenômeno complexo e, ainda que permaneça vinculado à concepção original, ele se amplia, incluindo em sua definição, além de marcas corporais, características e atributos subjetivos. Goffman (1988) afirma que o estigma é uma relação entre atributo e estereótipo, sendo o atributo profundamente depreciativo e fundamentado em um conceito prévio que as pessoas possuem de determinados fenômenos. Quanto aos transtornos mentais, pesquisas de percepção pública apontam que são frequentes as reações negativas – como, por exemplo, de medo e antipatia –, dirigidas a esse grupo, especialmente em relação à esquizofrenia. Verifica-se ainda uma tendência da população geral em considerá-los “imprevisíveis” e “perigosos”, incitando o desejo por distanciamento social, tornando-os alvo de estigma e consequente discriminação social (LINK, 1987; LAI et al., 2000; LINK; PHELAN, 2001; RIBEIRO, 2005). Além disso, portadores de transtornos mentais sofrem também com o auto estigma (preconceito internalizado) e discriminação antecipatória (medo de sofrerem a discriminação). Isso traz aos portadores uma desvalorização e percepção negativa de si e de sua doença, podendo aumentar o isolamento e diminuir a autoestima, assim como a busca ao tratamento. Tanto o estigma quanto o auto estigma afetam portadores de transtornos mentais em diversos domínios da sua vida (social, ocupacional, relacional), tendo um impacto negativo em suas oportunidades de participação social (SARTORIUS, 1998; THORNICROFT et al., 2009), em sua recuperação e, consequentemente, em suaqualidade de vida. Compreende-se que é comum as reações de medo e raiva em relação às pessoas com doenças mentais, que acabam resultando em comportamentos de distanciamento e diminuem as iniciativas de ajuda. As pessoas com transtornos 12 mentais também podem ter preconceitos contra si mesmas e ser alvo do próprio estigma, o que contribui para esses pacientes, muitas vezes, não buscarem atendimento e tratamento para seu problema de saúde. Os profissionais de saúde também podem ter preconceitos a respeito dos transtornos mentais e além disso, algumas vezes médicos e outros profissionais da área negligenciam e não dão valor as queixas de pacientes “psiquiátricos”, e acabam enxergando todas suas queixas como tendo um “fundo emocional” ou acreditam que o paciente esteja “fingindo”, o que prejudica o seu atendimento médico. O estigma pode ser perceptivo por meio de palavras ou expressões depreciativas sobre o problema de saúde mental da pessoa. Uma atitude que indique pena também pode gerar sentimentos de baixa autoestima e insegurança nas pessoas com transtornos mentais graves. A falta de clareza no diagnóstico pode ser outro problema que causa confusão e insegurança. O preconceito e a discriminação vão dos familiares, amigos até profissionais de saúde mental, atingindo tudo o que se relaciona com os transtornos mentais. A luta contra o estigma e o preconceito tem sido priorizada em busca de melhorias no tratamento dos pacientes com transtorno mental. Em 2001 a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a campanha “Cuidar, sim. Discriminar, não”, com o objetivo de provocar um impacto na opinião pública e estimular o debate sobre como melhorar as condições atuais de saúde mental no mundo todo e diminuir a discriminação em relação ao portador de transtorno mental. Ações e intervenções para combater o estigma e lidar com suas consequências se fazem necessárias. A inclusão da visão do portador do transtorno mental no planejamento de tais intervenções pode torná-las mais efetivas (THORNICROFT et al., 2007; THORNICROFT et al., 2009). Educação e orientação, esclarecendo mitos relacionados a esse tema, contato com portadores das doenças a fim de esclarecer crenças errôneas e ações voltadas para a autoestima são medidas que têm sido utilizadas a fim de reduzir a descriminalização. 13 2.4. Implantação do matriciamento O apoio matricial, defendido por Gastão Wagner em 1999, tem possibilitado, no Brasil, um cuidado colaborativo entre a saúde mental e a atenção primária (Ministério da Saúde, 2011 p. 13), e essa relação amplia a possibilidade de realizar a clínica ampliada e a integração e diálogo entre diferentes especialidades e profissões (CAMPOS e DOMITTI apud Ministério da Saúde, 2011). Gastão Wagner ainda contextualiza essas questões através da conceituação de Apoio Paidéia. Segundo o autor, no Apoio Paidéia as execuções das funções de gestão devem ser realizadas entre os sujeitos, pois o não reconhecimento da gestão como produto da interação entre as pessoas acarretará na reprodução das formas burocratizadas de trabalho, o que gera um empobrecimento da subjetividade e dos fatores sociais dos trabalhadores e usuários (CAMPOS, 2001). São as más condições de trabalho, salários e equipes com imensa rotatividade, as dificuldades mais citadas. Porém é importante compreender que algumas estratégias criadas em prol do sistema de saúde funcionam inclusive como apoio diante dessas questões, pois o matriciamento e o acolhimento são ferramentas que se bem trabalhadas poderão inclusive ajudar a população a perceber a importância desses recursos, talvez, instruí-los criticamente para lutar por seus direitos. Mesmo assim, é inegável o reconhecimento o qual o matriciamento e tantas outras ações realizadas coletivamente, apesar da dificuldade de serem exercidas, contribuem imensamente ao profissional que se sente reconhecido diante dessas ações e à sociedade que só tem a ganhar com as intervenções realizadas. Mediante a necessidade da atenção integral à saúde após a desinstitucionalização de pessoas com longo histórico de internação e com a carência de profissionais do campo da saúde mental, foram implantadas estratégias visando contribuir com o aumento do acesso da população aos cuidados desta área. Por meio de estudo realizado por Hirdes e Silva (2014, p. 586), foram publicadas em 2003 as diretrizes para a inclusão da saúde mental na Atenção Primária à Saúde (APS), por meio do apoio matricial. Entretanto, o aporte do Apoio Matricial só 14 viria a ocorrer em 2008, conforme a instituição dos Núcleos de Saúde da Família (NASF). De acordo com Chiaverini (2011, p. 13) “o matriciamento ou apoio matricial é um novo modo de produzir saúde em que duas ou mais equipes, num processo de construção compartilhada, criam uma proposta de intervenção pedagógico- terapêutica”. Ou seja, com a evolução da reforma psiquiátrica, o apoio matricial, que é a junção de vários profissionais de saúde formando uma equipe denominada interdisciplinar, se tornou uma forma de proporcionar a atenção básica em saúde, integrando famílias ou comunidades através do suporte realizado por profissionais de diversos seguimentos. Este serviço foi criado com o propósito de substituir os serviços praticados em hospitais que, conforme o Ministério da Saúde (2004, p. 6), “São arranjos organizacionais que apresentam essas características de transversalidade. A equipe de referência contribui para tentar resolver ou minimizar a falta de definição de responsabilidades, de vínculo terapêutico e de integralidade na atenção à saúde, oferecendo um tratamento digno, respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo”. Sendo assim, as equipes de atenção primária adotaram um sistema de aproximação de profissionais que formam a sua composição mediante as necessidades dos usuários da atenção básica. Chiaverini (2011, p. 12) também aponta que “esta proposta integradora visa transformar a lógica tradicional dos sistemas de saúde: encaminhamentos, referências e contrarreferências, protocolos e centros de regulação”. Desta forma, poderá emergir um efeito burocrático quanto aos níveis diferentes assistenciais, porém fundamentais no processo de acolhimento das demandas. É importante destacar que a função do matriciamento não é a de fazer encaminhamento para um profissional específico, mas propor a discussão de cada caso de forma integral. 15 Os conceitos Verticalidade e Horizontalidade exemplificam exatamente o quão necessário é o estabelecimento de uma nova forma de atendimento, que busque a eficiência e qualidade no serviço em questão. Verticalidade é a proposta anterior na qual estamos tentando superar, onde acabou trazendo diversos problemas, por exemplo: Transferir todas as responsabilidades para o especialista, e assim acabar ficando sem o apoio da equipe de referência, junto a falha de comunicação que muitas vezes, tanto na referência quando à equipe básica, encaminha não obtendo os dados suficientes e até mesmo os sintomas necessários para avaliar como está o contexto da doença. Isso acaba atrapalhando a chegada da informação no especialista, com dados faltantes e muitas vezes sem nenhuma informação, no qual a equipe básica não conseguiria dar uma continuidade no acompanhamento daquele indivíduo. Outro problema a ser destacado são as longas filas de espera do atendimento especializado, que muitas vezes é encaminhado e demora de seis meses a um ano aguardando, não havendo nenhuma assistência. Consequentemente, ocorre a perda do vínculo com a UBS, pois como já foi encaminhado para um nível mais especializado, o indivíduo entende que a UBS não continuará com o atendimento e então para superar essas limitações, o matriciamento apresenta a ideia de Horizontalidade. O processo de matriciamento torna o sistema de saúde horizontal,reestruturando dois tipos de equipes: a equipe de referência e a equipe de apoio matricial. A relação entre essas duas equipes constitui um novo arranjo do sistema de saúde, com uma metodologia para gestão do trabalho em saúde que objetiva ampliar as possibilidades de realizar o atendimento clínico, integrando e estabelecendo diálogos entre diferentes especialidades e profissões. Também tem como função ensinar e capacitar esses profissionais da saúde básica, para trabalhar melhor com saúde mental e vem fortalecer o vínculo interpessoal e apoio institucional no processo de construção coletiva, integrando saúde mental e atenção primária. No momento em que se matricia um caso, não se encaminha para equipe de saúde mental, a equipe de atenção básica estará trabalhando junto com este 16 indivíduo. Será coletivamente realizado. Para conhecimento, os profissionais matriciadores em saúde mental são: Psiquiatras; Psicólogos; Terapeutas ocupacionais; Fonoaudiólogos; Assistentes sociais; Enfermeiros de saúde mental. 17 3. ANÁLISE DOS RESULTADOS 3.2. Rede de Atenção à Saúde Mental A Política Nacional de Saúde Mental busca consolidar um modelo de atenção aberto e de base comunitária. A proposta é garantir a livre circulação das pessoas com problemas mentais pelos serviços, pela comunidade e pela cidade. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) estabelece os pontos de atenção para o atendimento de pessoas com problemas mentais, incluindo os efeitos nocivos do uso de crack, álcool e outras drogas. A Rede integra o Sistema Único de Saúde (SUS). A Rede é composta por serviços e equipamentos variados, tais como: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III). Faz parte dessa política o programa de Volta para Casa, que oferece bolsas para pacientes egressos de longas internações em hospitais psiquiátricos. As informações completas para adesão à Rede estão na Portaria do GM Nº 3.088. É no município que ela acontece, estando Presente: Unidade Básica de Saúde; Núcleo de Apoio a Saúde da Família; Consultório de Rua; Apoio aos Serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório; Centros de Convivência e Cultura. Atenção de Urgência e Emergência: SAMU 192; Sala de Estabilização; UPA 24 horas e portas hospitalares de atenção à urgência /pronto socorro, Unidades Básicas de Saúde. Atenção Hospitalar: Enfermaria especializada em hospital geral; Serviço Hospitalar de Referência (SHR) para Atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. 18 3.2 Acompanhamentos Além da introdução ao tratamento pelo método do matriciamento, efetivando todos os caminhos a serem seguidos, é imprescindível que haja o acompanhamento a esses envolvidos de forma continua e regulada, para que o tratamento ocorra de forma eficiente. Contudo, a consulta com o médico da equipe deve ser individual e com base na gravidade do quadro do paciente, visando fortalecer um vínculo, as primeiras consultas são mais frequentes. Mas posteriormente, acompanhando a evolução do paciente e constatando que o mesmo se encontra estável, as visitas tornam-se novas avaliações em intervalos maiores. O matriciamento como organizador e potencializador da rede assistencial que contribui para a necessidade do paciente e, uma vez identificados, devem ser tomadas medidas em conjunto com outros profissionais da equipe (assistente social, equipe de enfermagem, agentes comunitários de saúde etc.) com o objetivo de diminuir o impacto negativo dessas situações. As visitas domiciliares devem ser realizadas pelo agente comunitário de saúde em intervalos regulares não superiores a 30. Ele deve reforçar a necessidade do uso correto da medicação, orientar quanto ao transtorno, identificar problemas na família e na comunidade que contribuirão para uma possível piora clínica do paciente. É importante, também, que haja uma comunicação constante entre o ACS e o restante da equipe e que seja agendada uma visita multidisciplinar, sempre que necessário. Outra questão crucial relativa ao acompanhamento diz respeito à medicação disponível na rede básica de saúde. De uma forma geral e sempre que possível, deve ser prescrita medicação da rede básica, salvo em situações em que o paciente não a tolere devido à ocorrência de efeitos adversos ou se ela não for eficaz na estabilização do quadro. É fundamental a inserção do indivíduo no trabalho realizado pela equipe de terapia ocupacional, por meio de oficinas de artesanato e de outras atividades que visam descobrir e desenvolver habilidades que promovam a valorização e melhora da autoestima do usuário e possam servir como fonte de renda. 19 4. CONCLUSÃO Ao passar pelos diferentes períodos da história da criação do matriciamento no SUS em tempos atuais, este texto pretendeu-se mostrar que a partir de algumas situações ou produções, o movimento histórico produzido pela coexistência e pelo embate de elementos antagônicos produziu as transformações, gerando o novo e superando as condições precedentes. É possível perceber que ideias e práticas foram hegemônicas em determinados momentos, mas nunca constituíram blocos monolíticos, estáticos e homogêneos. Posições e concepções diferentes, divergentes e opostas coexistiram e foram elas que, na contraposição, provocaram mudanças e saltos de qualidade. Por esse motivo, insiste-se na busca de estudos históricos que sejam capazes de identificar e de entender essas contradições como forma de aproximação com uma realidade que já não mais está disponível empiricamente em sua integralidade e cujo conhecimento é necessário para que se possa compreender a gênese e o movimento como processos constitutivos de nosso objeto de estudo e pesquisas são necessários para que essa compreensão se aprofunde e se amplie. Entende-se que a modalidade de trabalho por meio de grupos tem como objetivos principais: educar quanto ao transtorno, mostrar a importância do tratamento e promover a discussão de problemas trazidos pelos integrantes do grupo. Essa modalidade é ainda uma forma de identificação e reinserção do doente na comunidade. Entretanto, a maioria destes profissionais exerce sua função na atenção primária com intensa dedicação e, mediante quadros para os quais não foram treinados a cuidar, acabam por fazê-lo por intuição e boa-fé. No entanto, tal conduta muitas vezes não é suficiente para o manejo dessas situações, o que gera uma contínua sensação de impotência, além da constante cobrança da população à qual são vinculados, bem como das instâncias gestoras de quem são funcionários. Tendem orientar erroneamente as pessoas aos centros de saúde mental, não respeitando os critérios dos CAPS ou mesmo das emergências psiquiátricas. 20 Frequentemente, os cuidadores adoecem com tal responsabilidade e o paciente, já com algum sofrimento psíquico e/ou físico, fica transitando entre equipamentos de saúde ou aguardando em longas filas de espera, com possível agravamento de seu quadro e daqueles em seu entorno. Por não ter conhecimento e não ser da área em saúde mental, é comum que os profissionais da atenção primária manifestem um certo estigma em relação ao portador de transtorno mental e uma inicial dificuldade à responsabilidade de também atuar no cuidado ao adoecimento psíquico. Não percebem, muitas vezes, que este é o caminho para um cuidado clínico mais efetivo e, consequentemente, para melhores índices de resolutividade e satisfação profissional e pessoal. Sendo assim, já está mais do que na hora de implantar e organizar esse sistema. A lógicamatricial vem como proposta eficiente e transformadora. O desafio, então, é de compartilhar os cuidados psicossociais com os profissionais da atenção básica, como também de atuar em sua formação e suporte. Essa meta, além de possível, é extremamente gratificante, seja pela ampliação dos cuidados àqueles que necessitam, seja pelo trabalho realizado sobre uma lógica interdisciplinar ou, finalmente, pela organização da rede de saúde. 21 REFERÊNCIAS ALMEIDA, José Miguel Caldas de. Política de saúde mental no Brasil: o que está em jogo nas mudanças em curso. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 35, n. 11, e00129519, 2019. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/csp/v35n11/1678-4464- csp-35-11-e00129519.pdf>. Acesso em fevereiro 2021. BERLINCK, Manoel Tosta; MAGTAZ, Ana Cecília; TEIXEIRA, Mônica. A Reforma Psiquiátrica Brasileira: perspectivas e problemas. Rev. latinoam. psicopatol. fundam., São Paulo, v. 11, n. 1, pág. 21-28, março de 2008. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v11n1/a03v11n1.pdf>. Acesso em fevereiro 2021. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: equipe de referência e apoio matricial/ Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004. CHIAVERINI, Dulce Helena. Guia prático de matriciamento em saúde mental. [Brasília, DF]: Ministério da Saúde: Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva, 2011. Disponível em <https://www.scielo.br/pdf/physis/v25n4/0103-7331-physis-25- 04-01165.pdf>. Acesso em fevereiro 2021. DINIZ, Giovanna. O holocausto brasileiro: Memórias da Colônia de Barbacena. Fev. 2019. Disponível em <https://medium.com/neworder/o-holocausto-brasileiro- mem%C3%B3rias-da-col%C3%B4nia-de-barbacena-613d78839f2> Acesso em: Fevereiro 2021. GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. 8ª ed. - São Paulo: Editora Perspectiva, 2008. HIRDES, Alice; SILVA, Maira Kelly da Rosa. Apoio matricial: um caminho para a integração saúde mental e atenção primária. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 102, p. 582-592, Set. 2014. Disponível em <https://www.scielo.br/pdf/sdeb/ v38n102/0103-1104-sdeb-38-102-0582.pdf>. Acesso em Fevereiro 2021. 22 LUCHMANN, Lígia Helena Hahn; RODRIGUES, Jefferson. O movimento antimanicomial no Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, pág. 399- 407, abril de 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n2/ a16v12n2.pdf>. Acesso em fevereiro 2021. MEDEIROS, Roberto Henrique Amorim de. Uma noção de matriciamento que merece ser resgatada para o encontro colaborativo entre equipes de saúde e serviços no SUS. Physis, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, p. 1165-1184, Dez. 2015. Disponível em <https://www.scielo.br/pdf/physis/v25n4/0103-7331-physis-25-04-01165.pdf>. Acesso em fevereiro 2021. NAVES, José Augusto Penna – Secretário-Chefe da Casa Civil de Barbacena. Artigo publicado no Jornal Praça Pública, Nov. 2016. Disponivel em < http://barbacena.mg.gov.br/2/noticias/?id=5503> . Acesso em Fevereiro 2021. ONOCKO-CAMPOS, Rosana Teresa; CAMPOS, Gastão Wagner de Souza; FERRER, Ana Luiza; CORRÊA, Carlos Roberto Silveira ; MADUREIRA, Paulo Roberto de; GAMA, Carlos Alberto Pegolo da; DANTAS, Deivisson Vianna; NASCIMENTO, Roberta. Avaliação de estratégias inovadoras na organização da Atenção Primária à Saúde. Ano: 2011. Disponível em <www.scielo.br>. Acesso em: Fevereiro de 2021. SERAPIONI, Mauro. Franco Basaglia: biografia de um revolucionário. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p. 1169-1187, Dez. 2019. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v26n4/0104-5970-hcsm-26-04-1169.pdf>. Acesso em Janeiro 2021. SILVA, Adriana da; LIMA, Ana Paula de; ROBERTO, Clarice; BARFKNECHT, Kátia S.; VARGAS, Lisiane Falleiro; KRANEN, Mônica e NOVELLI, Sandro. Matriciamento na Atenção Básica: Apontamentos para a III Conferência Municipal de Saúde Mental. Ago. 2010. Disponível em <http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/matriciamento.pdf>. Acesso em Fevereiro 2021. http://barbacena.mg.gov.br/2/noticias/?id=5503
Compartilhar