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WWW.VISAO.PT A NEWSMAGAZINE MAIS LIDA DO PAÍS DEPRESSÃO O RISCO ESCONDIDO DOS HOMENS QUE NÃO CHORAM INÉDITO O 25 DE ABRIL DESCONHECIDO DE AMÁLIA N º 14 25 . 25 /6 A 1 /7 /2 0 20 . C O N T. E IL H A S: € 3, 70 . SE M A N A L 16 ESCAPADAS ISOLADAS NA NATUREZA O TELETRABALHO AM ENIZOU OU FEZ AUME NTAR OS ABUSOS? O Q UE DISTINGUE OS BON S DOS MAUS LÍDERES A VANTAGEM DAS M ULHERES NAS CHEF IAS • O QUE FAZER PARA SE DEFENDER COMO LIDAR COM CHEFES TOXICOS WWW.VISAO.PT A NEWSMAGAZINE MAIS LIDA DO PAÍS DEPRESSÃO O RISCO ESCONDIDO DOS HOMENS QUE NÃO CHORAM INÉDITO O 25 DE ABRIL DESCONHECIDO DE AMÁLIA N º 14 25 .2 5/ 6 A 1/ 7/ 20 20 . C O N T. E IL H A S: € 3, 70 . SE M A N A L 16 ESCAPADAS ISOLADAS NA NATUREZA O TELETRABALHO AM ENIZOU OU FEZ AUME NTAR OS ABUSOS? O Q UE DISTINGUE OS BON S DOS MAUS LÍDERES A VANTAGEM DAS M ULHERES NAS CHEF IAS • O QUE FAZER PARA SE DEFENDER TRAN SFER IR BIBL IOTE CA 1356 Ler VISÃO ONLINE AJUDA Envie-nos os seus comentários Fechar FAQ SOBRE Termos e condições Política de Privacidade ÁREA PESSOAL O MEU CONTEÚDO Definições Suplementos Edições Tansferidas As suas marcações Pesquisa DA AS NOTÍCIAS DO DIA Aceda à VISÃO online através do menú inicial e explore as últimas histórias e opiniões BIBLIOTECA DE REVISTAS Ao ser assinante da VISÃO pode aceder a todo o arquivo de edições digitais da revista. Em cima, a edição mais recente, disponível em primeira-mão a partir das 18h de quarta-feira TUTORIAL APRENDA A TIRAR TODO O PARTIDO DA APP A EVOLUÇÃO FORÇADA Uma investigadora portuguesa está a estudar a resposta dos animais para se adaptarem às mudanças provocadas pelo aquecimento global LUÍS RIBEIRO Diana Madeira quer saber se as alterações climáticas podem acabar com uma espécie de minhocas marinhas do género científico Ophryotrocha. Olhando para elas, uns vermes minúsculos que mais parecem centopeias viscosas, é fácil pensar que a sua extinção, seja por que razão for, não t d l d O bl 33 / 102< ANTERIOR SEGUINTE > 35 / 132 24 horas seguidas, subindo ao topo três vezes, perfazendo mais de 2 700 metros de altura escalados na vertical. Em 2012, também no Yosemite, fez subidas consecutivas do “El Cap”, da Half Dome e do Monte Watkins, as três mais altas elevações do parque, perfazendo 2 133 metros verticais em menos de 19 horas. E dois anos depois, com David Allfrey, subiu sete rotas diferentes do “El Cap”, em sete dias. No México, em 2015, escalou o Sendero Luminoso – 500 metros de rocha no Parque de Potrero Chico, em apenas três horas, quando muitas duplas de alpinistas demoram dois dias, com proteção. EMPREENDIMENTO ARRISCADO Na origem de Free Solo está uma amizade e a determinação em superar o que parece impossível. Alex Honnold e o realizador Jimmy Chin também 33 / 102< ANTERIOR SEGUINTE > p ni ção. DIMENMPRE do em “E kin rqu em oi do ados n Yosemite, p me com ren s. N er n endero Lu ha no P pen 50 / 132 DUAS OPÇÕES DE LEITURA DA REVISTA Pode escolher como prefere ler a edição semanal: em formato pdf, com primazia para o grafismo, ou em formato de texto, para uma leitura mais confortável do texto CLIQUE PARA ABRIR FORMATO DE TEXTO Para leitura mais confortável dos artigos ou caixas completos, basta carregar. 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Procure por palavra chave na última edição ou na biblioteca de revistas anteriores NAVEGAÇÃO INTUITIVA ► Deslize para navegar entre páginas ► Aproxime e afaste para ver detalhes Open minds for a better world www.iseg.ulisboa.pt Saiba mais em · www.iseg.ulisboa.pt · (+351) 213 925 900 · you@iseg.ulisboa.pt Economia Gestão Finance* Matemática Aplicada à Economia e à Gestão Economics* Management* Licenciaturas Accounting* Actuarial Science* Applied Econometrics and Forecasting* Ciências Empresariais Contabilidade, Fiscalidade e Finanças Empresariais Data Analytics for Business* Desenvolvimento e Cooperação Internacional Economics* Economia e Gestão de Ciência, Tecnologia e Inovação Economia e Políticas Públicas Economia Internacional e Estudos Europeus Finance* Gestão de Recursos Humanos Gestão de Sistemas de Informação Gestão e Estratégia Industrial Law & Management* (Joint with Faculdade de Direito ULisboa) Monetary and Financial Economics* Masters in Management (MiM)* Mathematical Finance* Marketing Métodos Quantitativos para a Decisão Económica e Empresarial Mestrados PARCERIAS E ACREDITAÇÕES INTERNACIONAIS: O ISEG faz parte de um grupo restrito de escolas de negócios que possuem as acreditações AACSB e AMBA Com um corpo docente experiente e bem preparado, estudantes de mais de 70 países contribuem para um ambiente académico internacional e aproveitam a excelência da escola, reconhecida pela eduniversal e pelo Financial Times com mestrados no ranking global. *cursos lecionados em Inglês 2 5 J U N H O 2 0 2 0 V I S Ã O 3 VISÃO Online W W W.V I S A O . P T Últimos artigos no site da VISÃO 25 JUNHO 2020 / Nº 1425 D. R. Interdita a reprodução, mesmo parcial, de textos, fotografias ou ilustrações sob quaisquer meios, e para quaisquer fins, inclusive comerciais. 46 Amália, os primeiros dias de Abril Amália assistiu aos primeiros dias de liberdade, sem saber que seria perseguida por uma ligação à PIDE que nunca teve. Excerto do novo livro do jornalista da VISÃO Miguel Carvalho: Amália, Ditadura e Revolução 28 Chefes altamente tóxicos Quando as chefias se tornam um pesadelo para os subordinados. O stresse, a pressão, as injustiças. Sinais de alerta e dicas para lidar com o problema 40 O senhor que se segue no caso EDP Manuel Sebastião, ex-presidente da Autoridade da Concorrência, deverá ser ouvido em breve no processo da EDP 54 O silêncio triste dos homens que não choram A morte do ator Pedro Lima traz à superfície a depressão no masculino. Admiti-la e pedir ajuda é um estigma social que persiste 60 A segunda vida de Foz Côa Com a recente descoberta da maior gravura do mundo ao ar livre, datada do Paleolítico Superior, reaviva-se o interesse por um projeto cultural que fez História 66 Ricky Gervais, a morte e o humor A segunda temporada de After Life foi um sucesso em época de pandemia. Entrevista com Ricky Gervais sobre estes tempos estranhos 10 Entrevista: Cristina Roldão RADAR 14 Raios X 16 A semana em 7 pontos 18 Holofote 19 Inbox 20 Almanaque 21 Transições 22 Próximos capítulos 24 Imagens FOCAR 72 O estranho caso do concurso dos drones 76 Tiago Craveiro, o “pai” da Champions em Portugal 80 Covid-19: São jovens, não pensam? VAGAR 82 Alba Baptista: tão forte, tão frágil... 86 Tendências: 11 apps para aumentar os conhecimentos VISÃO SETE 89 Escapadinhas: Refúgios isolados com a Natureza por perto OPINIÃO 6 José Eduardo Agualusa 8 Rui Tavares Guedes 23 Isabel Moreira 79 José Carlos de Vasconcelos 88 Capicua 130 Ricardo Araújo Pereira Luís Delgado LINHAS DIREITAS O passo certo do primeiro-ministro Mafalda Anjos COVIDIÁRIO A nova vaga dos contaminados desconfinados e despreocupados Henrique Costa Santos CRÓNICAS D.C. Deseducação para a cidadania 4 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 Já nas bancas Morreu o nosso bravo soldado Luís Quando uma equipa de repórteres da VISÃO saía em reportagem, era o Luís que tratava do aluguer do carro. Burocracia resolvida, o Luís dirigia- -se ao jornalista e, não raras vezes, à chegada da dita viatura, acrescentava um comentário cheio de humor: “O teu Porsche amarelo à Futre está cá amanhã de manhã.” Era assim o Luís Pinto, que integrava a nossa equipa desde a fundação da revista. Sentido de humor nunca lhe faltava,tinha simpatia e cordialidade em doses suficientes para espalhar por toda a Redação. Se há talento que o Luís tinha era o da tirada repentina. Certeiro, sem nunca precisar de recorrer ao vernáculo para que a graça surtisse efeito (inesquecível, a sua gargalhada). Nascido há 52 anos em São Pedro do Sul, começou a trabalhar aos 16 anos, no grupo da Projornal, a sociedade de jornalistas que criou o semanário O Jornal cuja equipa viria, mais tarde, em 1993, a fundar a VISÃO. José Carlos de Vasconcelos, um dos fundadores de O Jornal e atual diretor do Jornal de Letras, Artes e Ideias, recorda o “miúdo” que então chegou às instalações do grupo, na Avenida da Liberdade, em Lisboa: “Fazia serviço do que ao tempo se chamava ‘paquete’. Depois, foi progredindo, com tarefas de maior dificuldade e responsabilidade. Manteve-se simpático e disponível, mas sempre de uma dedicação exemplar.” Na Redação da VISÃO, os amigos mais próximos recordam infinitas histórias que exemplificam o seu fino humor. Dos tempos em que trabalhou no semanário Se7e, ainda na Projornal, ficou- lhe também a alcunha de “soldado Luís”, posta pelos jornalistas Viriato Teles e António Macedo, numa referência ao golpe de 11 de março de 1975, no RALIS, e que originou uma única vítima que ficou para a História com esse nome. E agora, Luís, que já cá não estás, temos de nos rir sem ti? S.B.L. Luís Pinto – que integrava a equipa da VISÃO desde a fundação da revista – morreu, no passado dia 19, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, após complicações causadas por um AVC ocorrido há cerca de um mês. Dele, recordamos o seu bom humor e a sua infinita dedicação à VISÃO MICROPLÁSTICOS O miúdo que pode salvar os oceanos EMAGRECER A ciência da alimentação JOÃO DE MELO Novo romance do autor de Gente Feliz com Lágrimas As teorias da conspiração tornaram-se uma verdadeira arma de propaganda Teresa Fonseca, Porto RACISMO “Portugal é o País da Europa com maior racismo biológico”, escrevia Mafalda Anjos no editorial [Racistas, Nós?!, V1424]. Portugal é também, provavelmente, o País da Europa com mais ignorantes, semianalfabetos, iletrados funcionais, etc. O racismo tem muito de maldade, ignorância ou estupidez. Haverá sempre pessoas más, ignorantes e estúpidas. A democracia concede-lhes o direito à existência e à manifestação. Paulo Dias, Lisboa Sempre se disse que o ser humano tem horror ao vazio. Pois se apagássemos toda a nossa História, logo nascia uma outra visão da mesma. Não seria tal visão um horror ainda maior? Não há sociedade sem símbolos nem seres humanos sem mácula na sua vida. Ângelo Santos, Peniche Quero felicitar José Manuel Pureza pelo excelente artigo [O Joelho de Derek Cauvin, V1423] sobre o caso do crime sem nome cometido pela polícia norte- -americana contra o cidadão George Floyd. Uma análise fina da situação atual. Danielle Foucaut CORREÇÃO Na primeira pergunta do Quiz da edição passada (V1424), sobre a idade de Fernando Pessoa ao morrer, a resposta correta é 47 anos (opção B) e não 36 (opção A), como, por lapso, indicámos nas soluções. Aos leitores, as nossas desculpas. CORREIO: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte, Edifício Fernão Magalhães, 8, 2770-190 Paço de Arcos NOVA MORADA visao@visao.pt As cartas devem ter um máximo de 60 palavras e conter nome, morada e telefone. A revista reserva-se o direito de selecionar os trechos que considerar mais importantes. Contactos LINHA DIRETA Correio do leitor GO NÇ AL O RO SA D A SI LV A É PRECISO TER VISÃO ASSINE A VISÃO E RECEBA O NOSSO SACO Apoie o jornalismo credível e de qualidade (e mantenha o bom humor) Campanha válida em Portugal até 31/07/20, salvo erro de digitação. Condições exclusivas para novas assinaturas da revista VISÃO, nas versões papel ou digital, durante 3 meses (12 edições). Pagamento na totalidade ou em prestações sem juros, TAEG 0%, de acordo com as condições da campanha em vigor. A oferta é limitada ao stock existente e enviada após boa cobrança da assinatura. Valor da assinatura não reembolsável. DIAS ÚTEIS DAS 9H ÀS 19H. INDIQUE O CÓDIGO PROMOCIONAL AO OPERADOR: COC5G VERSÃO PAPEL 1 2 E D I Ç Õ E S P O R € 2 / E D I Ç Ã O + O F E R T A D O S A C O V E R S Ã O D I G I TA L 1 2 E D I Ç Õ E S P O R € 1 , 6 0 / E D I Ç Ã O + O F E R T A D O S A C O ACEDA A LOJA.TRUSTINNEWS.PT OU LIGUE 21 870 50 50 + O F E R T A D O S A C O + O F E R T A D O S A C O Frase de Ricardo Araújo Pereira, publicada em novembro de 2019, na sua crónica semanal “Boca do Inferno” N E M T U D O É F I C Ç Ã O 6 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 IL US TR AÇ ÃO : S US A M ON TE IR O Todos os domingos P O R J O S É E D U A R D O A G U A L U S A C om quanto esquecimento se ergue uma estátua?” Isto foi o que pensou Hipólito Azagu- ri enquanto o seu melhor amigo, Isaías Pinto, se exaltava com o derrube das estátuas: – Estão a destruir a memória da nação — queixou-se Isaías. Hipólito pensou em retorquir: cada uma daquelas estátuas pretendia perpe- tuar a memória e a grandeza do projeto escravocra- ta. Ao mesmo tempo, assinalavam um vazio, pois erguiam-se por entre o triste silêncio dos humi- lhados e esquecidos. Não disse nada. Ficaram os dois calados, assistindo ao espetáculo da turba que, depois de atirar baldes de tinta vermelha contra o rosto da estátua, se afadigava agora a amarrar gros- sas cordas nas pernitas marmóreas da mesma. – Vê como sofre! – disse Isaías. – Não resistirá ao primeiro puxão. 2 5 J U N H O 2 0 2 0 V I S Ã O 7 Há 20 anos que se encontravam naquele parque, todos os domingos, ao meio-dia, depois da missa – contando que fizesse sol. Sentavam-se a uma mesa, à sombra húmida de uma pujante figueira-da-índia. Hipólito ia montando o tabuleiro de xadrez enquanto cantarolava: “Cuando tengas que partir / Quiero que sepas / Que estaré pensando en tí / Todos mis días.” Perdiam e ganhavam tendo a estátua como testemu- nha. Até lhe tinham posto uma alcunha: o Petulante. Incluíam-na nas suas conversas: – Ali o Petulante jogava pior do que tu – costumava dizer Isaías, apontando com o quei- xo para a estátua. – Dizem que um dia jogou a própria esposa e a perdeu. O Petulante era como se fosse um companheiro mudo, porém atento, que partilhava os risos e as memórias dos dois homens. Isaías e Hipólito haviam combatido em Angola. Um ganhara, outro perdera. O que ganhara, perdera um pé. O que perdera, ganhara uma entra- nhada paixão pela culinária ango- lana. Conheceram-se alguns anos depois da independência de Angola, porque Hipólito precisava de uma nova prótese e alguém lhe indica- ra o nome de Isaías. O antigo sol- dado português fabricava próteses estéticas hiper-realistas em silicone. Ficaram amigos. Mais tarde, Hipóli- to reformara-se, trocara Luanda por Lisboa, e desde então os dois homens passaram a encontrar-se todos os domingos. Depois do jogo, Hipólito convidava Isaías para almoçar em sua casa. A esposa, dona Fina, cozi- nhava às vezes um funje de peito alto, às vezes um feijão de óleo de palma. Isaías comia e chorava por mais. – Não há melhor cozinha do que a sua, dona Fina. Não se quer casar comigo? Agora ali estavam os dois, o angolano e o português, num fres- co domingo de primavera. Enquanto viam ruir o Petulante, voltavam a posicionar-se em lados diferentes da barricada. Isaías sentia a queda da estátua como se fosse a dele, que se batera pelo Império, com todas as suas glórias e todos os seus inumeráveis crimes, in- cluindo o da escravatura. Hipólito experimentava uma espécie de pequeno renascimento, como se lhe esti- vessem a recolocar na perna o pé legítimo, perdido na guerra de libertação. Avançou a rainha no tabuleiro: – Acho que perdeste – disse para o português. – Cai o Petulante e cai o teu rei. Isaías deu um soco na mesa, derrubando as peças todas: – Não se pode apagar a História! Dessa vez, Hipólitoenfrentou-o: – A História tanto se escreve erguendo uma estátua como deitando-a abaixo. Está sempre lá. O que muda é a forma como olhas para ela. – Não me venhas tu ensinar História. Vocês nem História tinham quando os portugueses chegaram a África. O que sabes tu de História? – Perdi um pé para ajudar a escrever uma outra História. – E eu dei-te um pé! – Deste não, paguei-o! Mas que- res o meu pé?! Então fica lá com o pé!... Dizendo isto, Hipólito desa- tarraxou o pé e atirou-o contra a cabeça do amigo. O outro esqui- vou-se a tempo. A prótese girou no ar, afundando-se, alguns metros adiante, num canteiro de hortên- sias. Foi então que entrou em cena uma nova personagem — Kabiri, um fox terrier que tinha também o hábito de passear no parque. O ca- chorro agarrou no falso pé e correu com ele nos dentes até junto dos jovens iconoclastas, os quais, con- centrados a desmembrar o Petu- lante à machadada, não deram logo por ele. Finalmente, uma rapariga viu-o e gritou: – Um pé! O cão tem um pé na boca! Foi a confusão geral. No meio da gritaria, Isaías conseguiu en- curralar Kabiri, arrancando-lhe a prótese dos dentes. Regressou para junto do angolano. Sentou-se, sem conseguir conter o riso. Riram-se os dois. Hipólito voltou a colocar a prótese: – Tens fome? – perguntou ao outro. O português assentiu com a ca- beça. Uma hora mais tarde, suando muito, enquanto se batia brava- mente com um magnífico calulu de carne seca, voltou a lembrar-se do Petulante. – À machadada, Hipólito?! Ninguém merece... Dona Fina assustou-se: – Mataram alguém? – Não! – sossegou-a o marido. – Mataram uma ideia. À machadada. Isaías ia retorquir – “ideias não se matam assim” –, mas desistiu. O calulu estava excelente. Fazia calor. Bebeu um gole de cerveja e sorriu. As estátuas que caíssem todas. O mundo que tremesse e se exaltasse. Não havia causa ou revolução que valesse o caloroso tempero de dona Fina. visao@visao.pt Cada uma daquelas estátuas pretendia perpetuar a memória e a grandeza do projeto escravocrata. Ao mesmo tempo, assinalavam um vazio, pois erguiam-se por entre o triste silêncio dos humilhados e esquecidos. Não disse nada. Ficaram os dois calados, assistindo ao espetáculo da turba que, depois de atirar baldes de tinta vermelha contra o rosto da estátua, se afadigava agora a amarrar grossas cordas nas pernitas marmóreas da mesma 8 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 HISTÓRIAS DA CAPA O P I N I Ã O 1 3 2 Fiem-se em milagres e não corram… A s maratonas olímpicas costu- mam iniciar-se com duas voltas ao estádio. Nesse momento, é habitual um concorrente acelerar só para poder ser visto na frente, a comandar o pelotão, e a ganhar alguns minutinhos de fama na transmissão da TV e a receber os aplausos dos espectadores. Depois, aca- ba por “desaparecer” porque não consegue manter aquele ritmo durante os mais de 42 km da corrida. Este “clássico” das maratonas merece ser recordado agora, na maratona pandémica em que estamos envolvidos. Com uma certeza, desde já: ninguém ganha uma maratona por decreto nem por milagre e, muito menos, a tentar ganhar uns minutos de fama nos primeiros quilómetros. Só porque, no primeiro embate, não vivemos o caos e a mortandade de italianos, espanhóis, americanos ou brasileiros, não há nem haverá qualquer “milagre português” em relação à Covid-19. Tivemos, isso sim, a vantagem de assistir ao vírus a chegar pri- meiro a outros países e, contra as expectati- vas dos habituais pessimistas, o nosso Servi- ço Nacional de Saúde ter demonstrado a sua resiliência, graças à competência e dedicação dos seus profissionais. De resto, o que nos “salvou” foi o medo, aquele impulso irra- cional que fez as pessoas refugiarem-se em casa, fecharem escolas e comércios, ainda antes de o Governo decretar o estado de emergência. Ao fim de três meses, o medo de ficar sem sustento tornou-se, no entanto, superior ao medo de se ser infetado. Era preciso reabrir a economia já quase moribunda e tentar que os níveis de consumo subissem para salvar negócios e empregos. Tudo correto. Só que era desnecessário anunciar essa nova etapa como se o pior já tivesse passado, graças ao tão proclamado e elogiado “milagre por- tuguês” – ainda para mais quando este é alicerçado em números que, como se vê, mudam depressa e podem ser sempre lidos de maneira diferente, conforme as compara- ções e os pontos de vista. Não faz qualquer sentido, perante uma crise mundial como esta, falar em milagres. Seria até um contrassenso, em 2020, quan- do todo um planeta está expectante sobre a resposta da comunidade científica para conseguir encontrar um tratamento eficaz ou uma vacina. Não há milagre – há boas ou más decisões. E, para haver decisões melho- res, é preciso que exista informação o mais completa possível sobre o problema que precisamos de solucionar. Para enfrentarmos a ameaça da pandemia já não chega indicar, burocraticamente, quais os concelhos com maior número de novos casos confirma- dos ou continuar a dividir o País em regiões administrativas que, no caso do vírus, não significam nada – o contágio estabelece-se através de correntes de ligação, não impor- ta as fronteiras que se desenhem no mapa. Para quê continuar a insistir, por exemplo, no debitar do aumento de casos em Lisboa e Vale do Tejo, uma região administrativa de que 99% dos portugueses desconhece os li- mites e que alberga uma população superior a 3,5 milhões de pessoas (mais do que sete países da União Europeia)?. É preciso, isso sim, saber a localização exata de cada cluster de infeção, em cada bairro ou aglomerado, e atuar depressa. Nesses locais, com as pessoas informadas, o medo será útil para ajudar a combater o contágio. Nos outros, onde não existe qualquer ligação real, mas apenas ad- ministrativa, não adianta continuar a insistir nele, até porque o resultado será o contrário e conduz às aglomerações de pessoas. Mais: é preciso ter consciência de que muitas das atuais correntes de contágio têm origem em pessoas de classes mais desfavorecidas que sempre tiveram de continuar a trabalhar no exterior, em profissões nas quais não era possível o teletrabalho. É preciso criar con- dições específicas para elas, de forma a que possam continuar a garantir o sustento, em período de confinamento. Temos de ter a consciência de que es- tamos a correr uma maratona. Portanto, quanto mais abrirmos, mais novos casos irão surgir. As últimas semanas têm sido elo- quentes nessa tendência: quase todos os dias, batem-se os recordes de novas infeções em todo o mundo. Esta semana, ultrapassou- -se a marca dos nove milhões de infetados e estamos prestes a chegar, a nível global, ao meio milhão de mortes. Numa região da Ale- manha foi necessário adotar novas medidas de confinamento, na Coreia do Sul cresce o receio de uma segunda vaga, em África os sinais são cada vez mais alarmantes. As ma- ratonas só se ganham no fim. E se já vi mui- tos campeões olímpicos elevados à condição de heróis, nunca vi nenhum adorado como santo milagreiro. rguedes@visao.pt P O R R U I T A V A R E S G U E D E S / Diretor-executivo Não é fácil “ilustrar” a ideia de um chefe tóxico. Associá-lo a uma espécie de diabo era uma hipótese... Ou, então, ir mais longe, e caricaturá-lo de uma forma ainda mais violenta e desprezível. O melhor, no entanto, é olhá-lo diretamente nos olhos. E, dessa forma, transmitir a mensagem exata. 10 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 Foram estruturas políticas, religiosas e culturais que instituíram a noção de que existem povos superiores a outros. É muito difícil apagar esta ideia, porque ela opera ao nível do inconsciente A L E X A N D R A C O R R E I A L U Í S B A R R A Cristina Roldão Socióloga e ativista 2 5 J U N H O 2 0 2 0 V I S Ã O 11 C Cristina Roldão, 40 anos, é professora na Escola Superior de Educação de Setúbal.Doutorada em Sociologia pelo ISCTE, é investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) e dedica-se ao estudo das ques- tões relacionadas com os afrodescen- dentes e as desigualdades na Educação, a juventude e os bairros de realoja- mento. Fomos ouvi-la a propósito do debate sobre o racismo em Portugal. Portugal é um país racista? Como é que se pode dizer que Portugal não é racista quando tudo na História nos mostra uma dificuldade enorme de lidar com o outro que é negro? Podemos dizer isso de todo um País? Não estamos a generalizar, sendo justamente a generalização uma arma do racismo? Estamos a falar de políticas de Estado, de padrões dominantes e de rela- ções económicas. Quando se diz que Portugal é racista, não se está a dizer que cada um dos portugueses o é, mas que há uma matriz dominante que faz com que isso aconteça. Vou dar um exemplo: como é que nos manuais de História não há uma única referência à população cigana que está há 500 anos em Portugal? Os portugueses têm muitas costelas ciganas e até o fado tem origem cigana, mas isto nunca é con- tado. E estes silêncios não são acasos; são decisões políticas de como narrar a nação. Mas há dados estatísticos que o comprovem? Sim, há dados como os estudos do European Social Survey. Os portugueses estão entre os povos europeus que mais acreditam que existem raças natural- mente superiores a outras, ou que exis- tem grupos culturalmente superiores – isto na ordem dos 50, 60 por cento. Vemos como a extrema-direta está a avançar, e as pessoas não se tornaram racistas agora porque houve manifesta- ções antirracistas, como diz Rui Rio. Quais são as causas deste racismo? Ignorância? Ódio? É um passado colonial que está na nossa memória e que perdura, porque não temos medidas ativas para o desconstruir. Há um imaginário de que determinados grupos são subalternos. Não se trata de ignorância, porque somos mais racistas exatamente com os grupos com quem temos proximidade histórica, como os brasileiros, as pessoas de origem africana ou a população cigana. Porque não há racismo com os finlandeses, com quem temos muito menos História comum? Porque não é uma questão de não conhecer o outro, tem que ver com hierarquias raciais que se estabeleceram historicamente e que durante séculos foram legitimadas por grandes instituições da Ciência, da Igreja e da Política. O racismo não é maior entre pessoas com baixa escolaridade? Talvez essas pessoas tenham me- nos ferramentas de sofisticação para ocultar o seu racismo, enquanto outros dominam mais a linguagem e a auto- censura. Mas há momentos em que a coisa vem ao de cima, escapa. O que pensa quando vê líderes políticos como Rui Rio ou Jerónimo de Sousa a negar ou a minimizar a existência de racismo em Portugal? É a tese do negacionismo com maçãs podres. Existe o negacionismo total, que é a versão do Chega: Portugal não tem racismo. E há a tese de que, gene- ricamente, não há racismo, não há nada para resolver, mas existe um caso ou outro. O PSD, que até tem uma matriz católica, faz uma guinada à direita para não perder votos para o CDS e para o Chega. Já a Iniciativa Liberal tem outra posição, que é: capitalist lives matter, ou seja, diz que há discriminação com os empresários. [risos] E o PCP? É muito dececionante. Os comunis- tas acham que esta agenda é do tipo identitária e típica do Bloco de Esquer- da e do Livre, e sempre fizeram esta distinção de que a classe é o elemento fundamental – que isto são divisões da classe operária e que a classe operária tem de estar unida. O PCP tem uma base de apoio conservadora e também não fez um trabalho de consciencia- lização do seu eleitorado. Há muito racismo na cintura industrial. Se o PCP não o vê, pode ao menos olhar para os estudos que mostram desigualdades enormes na Educação, no Emprego, na Justiça e na Habitação. Faz sentido criar um partido de afrodescendentes? Não sei responder a isso. A designação de “política identitária” serve, neste momento, para retirar valor. É óbvio que o racismo em Portugal não é só uma questão cultural, de identidade. Quando dizemos que os bairros de realojamento da periferia de Lisboa sofrem violência policial, não é uma questão identitária, é uma questão de justiça. Quando dizemos que a maior parte das pessoas negras trabalha no setor das limpezas e da construção civil, não é uma questão de identidade, mas de justiça redistributiva. O sufixo identitário tem sido usado para desviar o nosso olhar. Foi o que aconteceu com a manifestação de 6 de junho. Era uma manifestação sobre violência policial e racismo, mas o debate transformou-se numa questão culturalista do Padre António Vieira e da identidade nacio- nal. É um grande debate que temos de fazer, mas ele não pode estar dissocia- do das nossas vidas. Porque é que as pessoas aderem ao tipo de discurso do Chega? O Chega, de alguma forma, segue uma política e uma estratégia muito pare- cidas como o que temos com Donald Trump ou Bolsonaro: a sua base são os destituídos da globalização, aqueles que chegaram a ter uma vida melhor e a perderam; não são os que nunca a tiveram, como os negros ou os ciganos. Falamos de população retornada, do pequeno comerciante que foi engolido pelas grandes corporações económicas, e de segmentos de funcionários públicos que viram a sua profissão desvalorizada a partir de 2008. Sentem-se impotentes face à complexidade da política atual e querem “voltar à ordem”. Mas é uma ficção. O Chega quer acabar com o Estado-providência, que permitiu que os filhos dessa gente chegassem ao Ensino Superior, por exemplo. Como foi a sua experiência na escola quando chegou a altura de aprender sobre os Descobrimentos? Na altura, claro que me apercebia quando se começava a falar das questões da escravatura en passant; era ouro, borracha, café e escravos… E a maneira como se representava África deixava-me desconfortável, porque o pressuposto era que aquela aula estava a ser dada para portugueses brancos, aquilo era a história deles, não era a minha; eu estava do outro lado. Julgo que isso é algo que muitos jovens negros sentem e espero que cada vez mais jovens brancos 12 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 também, ao perceberem que não podem continuar a glorificar o passado colonial. Não se trata de deixar de se falar; trata- -se de falar sobre o que realmente acon- teceu e as consequências na atualidade. Muitos professores de História dizem que precisamos de conhecer o passado para compreender o presente – é isso mesmo. Se olharmos para as desigual- dades do mundo atual, para uma glo- balização que é muito mais de mercado do que de circulação livre de pessoas, as crises dos refugiados, as migrações das pessoas dos países do Sul para o Norte, tudo isso são as ramificações diretas da história colonial. E isto nunca é explica- do desta forma articulada. Os livros de História falam do Apartheid na África do Sul como exemplo de um racismo brutal, e está certo; falam do nazismo e do Holocausto, certo; falam do movi- mento dos diretos civis, certíssimo; mas o colonialismo português não é associa- do ao racismo. E esses recortes dizem muito sobre o que está por contar na História de Portugal. Falta descolonizar as mentes? O 25 de Abril tinha isso como um dos objetivos, mas ficou por fazer. Toda a História atlântica com África e com o Brasil, com o tráfico de escravos, desa- parece, tudo se apaga. Mas, em termos históricos, o colonialismo foi hoje de manhã. No estatuto do indigenato, em vigor até aos anos 60, definem-se três grandes grupos: os civilizados (a população branca); a população indígena (a maior parte da população negra); e depois os assimilados (famílias mestiças ou da pequena e alta burguesia negras, para quem era preciso criar uma distin- ção, mas nunca igualdade). Este estatuto ajuda-nos a perceber como o racismo à portuguesa funciona: a ideia de que, se te portares bem,se não fizeres críti- cas e aderires por completo à cultura dominante, nós deixamos-te estar aqui ao lado, não acima. Está tudo bem, se abandonares toda a tua cultura. Quem não cabe dentro da categoria de assi- milado é considerado um vândalo, um arrogante, um ingrato, um incivilizado. Esta matriz continua muito presente. O que responde quando lhe dizem que o colonialismo português foi mais suave? É preciso não esquecer que dos 12 milhões de pessoas que estão contabi- lizadas como tendo sido escravizadas e traficadas no espaço atlântico, mais de 40% foram-no pelos portugueses. Isto não é para culpabilizar; é para reco- nhecer a História de forma a podermos Está muito presente a ideia de que, se te portares bem, se não fizeres críticas e abandonares a tua cultura para aderir à cultura dominante, nós deixamos-te estar aqui ao lado, não acima andar para a frente. Portugal foi dos países que mais tardaram a sair das colónias. E foi dos que tiveram a guerra colonial mais longa: bateu-se durante 13 anos, bateu-se até à última por man- ter o domínio colonial sobre outros! Também se argumenta que os por- tugueses eram dados a misturas… Em territórios com poucos colonatos brancos, em que as famílias brancas ficavam na metrópole, quem ia para lá eram os funcionários da administração colonial, do exército, pequenos comer- ciantes… Essas pessoas misturavam-se com as populações locais. Mas é preciso dizer que essa mistura não era feita em pé de igualdade; parte dela fez-se à custa da violação e exploração sexual de mulheres negras. Sei que, ao dizer isto, muitas pessoas desligam o seu botão da atenção. É não desligar o botão… É reconhecer e andar para a frente. Porque é que Portugal vai ter orgulho do seu passado colonial e não do projeto futuro de uma sociedade que tem uma política ativa de reparação do seu passado co- lonial? Levar o debate para as estátuas pode prejudicar a luta antirracista? O debate da memória é importan- tíssimo. Temos estátuas e nomes de ruas a glorificar pessoas que tiveram um profundo envolvimento no tráfi- co de escravos e na colonização (Paiva Couceiro, Mouzinho de Albuquerque e por aí adiante...) e temos tentativas de criar um museu dos Descobrimentos em Lisboa. Agora, acho que temos todos a responsabilidade de não desarticular estas questões. A toponímia, as estátuas e os museus não podem ser discuti- dos de forma desgarrada da vida das pessoas. Porque é que é importante desconstruir esta narrativa nacional? Porque ela nos ajuda a perceber porque é que algumas pessoas que nascem em Portugal não são consideradas portu- guesas pela lei. Ou ajuda-nos a perceber porque temos zonas de exceção, onde os direitos humanos estão suspensos e as pessoas não são consideradas cidadãs de pleno direito, como em certos bairros de realojamento, chamados zonas urbanas sensíveis, onde a polícia pode ter uma intervenção distinta do que faz no resto do território. Pode cercá-los, proibir as pessoas de entrar e sair, revistar todas as pessoas que passem e não só as suspeitas… Há quase um salto para uma certa militarização, como se fosse um território de guerra. Porque não gosta da palavra integração? É muito parecida com assimilação. Ou seja, há um molde, um padrão dominante, e quem não se adapta é um incivilizado. Outra coisa é a inclusão, o que implica uma mudança da própria sociedade para incluir as referências dos outros como suas. Não teme que o politicamente corre- to possa alienar algumaspessoas? Não podemos deixar que o debate mais culturalista tome a dianteira ao ponto de ficar desfasado. No entanto, as palavras são uma expressão do que pensamos e daquilo que se pretende, ao nível indi- vidual, mas também de projeto político. No nosso currículo escolar, não se fala sobre antirracismo, mas sobre inter- culturalidade – e é tão parecido com lusotropicalismo, porque é esta ideia de que os povos se misturam e não há lutas de poder. A vida real não é assim. Há culturas e povos e grupos que têm mais poder de impor as suas referências do que outros. Porque é que não ouvimos os nomes das pessoas que, em Portugal, sofreram violência policial? Como ouvimos na América… Quando o problema era lá longe, tudo bem; quando chegou aqui, ai a Covid, ai os cartazes, ai a estátua. E não se fala do que tínhamos de falar: como é que se pensa uma política de segurança e de território que não esteja assente na violência sistemática sobre determina- do tipo de corpos? O que é o privilégio branco? É uma noção de que há uma hierarquia entre pessoas de diferentes origens étnico-raciais. Isso foi construído his- toricamente e, durante muito tempo, tivemos a Ciência a dizer que há povos que são subumanos. E tivemos a Igreja ligada ao tráfico de escravos. Foram es- truturas políticas, religiosas e culturais que instituíram a noção de que existem povos superiores a outros. É muito difícil apagar esta ideia, até porque ela opera ao nível do inconsciente. O privilégio branco tem desdobramentos muito objetivos: numa entrevista de emprego, no ato de alugar uma casa ou a pedir crédito num banco… Também há brancos pouco ou nada privilegiados, que toda a vida estiveram nas classes mais baixas. Claro. Mas o privilégio branco não é sinónimo de que se é “rico”. Ele quer dizer que, na dimensão racial, aquela pessoa não teve de lidar com certos pro- blemas. Mas teve de lidar com todos os outros. Imagine uma mulher branca da classe operária: lidou com o machismo, a exploração, mas não teve de lidar com a discriminação racial, como a sua cole- ga negra. Isto não devia provocar tanta celeuma. Há um lado de sobrerreação que tem que ver com a negação do racismo. Então não sabemos que existe machismo em Portugal e que os homens ganham mais e são mais privilegiados do que as mulheres no acesso aos cargos de chefia, por exemplo? As pessoas não percebem como o machismo é insidio- so, não precisa de ser declarado? Está tudo bem no jantar de Natal, mas as mulheres estão na cozinha a trabalhar e os homens, na sala a conviver. Porque seria útil, nos censos, a caracterização da população com base na etnia? Primeiro, porque isso confrontaria a sociedade portuguesa com a sua diver- sidade. Teríamos um instrumento do Estado a dizer que nós somos isso, so- mos brancos, negros, ciganos, de origem asiática... Outra questão seria a possibi- lidade de termos dados fidedignos sobre a desigualdade no Emprego, na Educa- ção, na Saúde – dados que obrigariam a que se fizessem políticas para reduzir essas desigualdades estruturais. Existe racismo contra os brancos, como alguns brancos se queixam? Existem formas de discriminação que têm raízes históricas. Isto quer dizer que houve várias instituições ao longo da História que se conjugaram no sen- tido de legitimar um conjunto de ideias. Pode ter-me escapado, mas não tive- mos séculos em que a Igreja Católica, Estados-nação e Ciência se juntaram para dizer que os brancos eram um grupo inferior. acorreia@visao.pt É preciso dizer que a mistura dos portugueses não era feita em pé de igualdade; e parte dela fez-se à custa da violação e da exploração sexual de mulheres negras Coeso é uma APP que reúne os Oftalmologistas em rede, colocando-os mais perto de onde o utilizador se encontra, fazendo a marcação gratuita da consulta. 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No final de 2019, existiam mais nove milhões de pessoas deslocadas do que no ano anterior e perto do dobro dos 41 milhões registados em 2010. “Este número de quase 80 milhões é obviamente motivo de grande preocupação”, diz Filippo Grandi, o alto-comissário da ONU para os Refugiados INFOGRAFIA MT/VISÃOFONTE ACNUR – Forced Displacement in 2019 16 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 *Diretora manjos@visao.pt APRENDER A DANÇAR ESTA DANÇA Há toda uma arte na condução de uma dança a par. Os passos sucedem-se ao sabor da música, e o espaço ocupado na pista tem de ser gerido com andamentos adiante, para o lado e à retaguarda. Conduzir a saúde pública em tempos de pandemia é mais ou menos como dançar um tango com um companheiro invisível, para variar das metáforas bélicas da guerra contra a Covid-19, mas em vez de sedução há uma atração fatal. Temos de conviver e de nos adaptar a este par que não foi convidado para a festa, e tentar conduzir a coreografia à nossa maneira tendo em conta os sinais que nos vai passando. O ritmo é o nosso companheiro invisível que dita, temos é de saber dançá-lo bem. Saber dar dois passos para a frente e um passo para trás. Em maio, quando começou a reabertura, escrevi que quem pensava que o pior já tinha passado, estava enganado. O maior desafio para todos nós começou nessa altura. Porque desconfinar é muito mais difícil do que confinar, tal como proibir é muito mais fácil do que educar e sensibilizar. Entrar nas rotinas do dia a dia e viver num novo normal é a maior prova, quando tudo naturalmente nos puxa para os velhos hábitos e as velhas rotinas. Mais liberdade implica mais responsabilidade. O grande aumento entre os jovens – número de novos casos quase duplicou desde o desconfinamento – começou a preocupar os infecciologistas, que alertam agora para o aumento de situações graves entre pessoas mais novas, muito graças aos comportamentos de risco que recomeçaram em força. 34% dos doentes internados no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, têm menos de 35 anos. Isto não é só uma doença que “mata velhinhos”, como se ouve dizer. Foram agora necessárias medidas de contenção mais apertadas para a Área Metropolitana de Lisboa: prolongamento do estado de calamidade em 15 freguesias da Amadora, Loures, Odivelas, Lisboa e Sintra, com novas regras e coimas para os ajuntamentos, que agora são restritos a dez pessoas, e fecho antecipado de estabelecimentos. Além de Portugal, outros países já deram ou estudam passos atrás: Espanha, País de Gales, Alemanha, Nova Zelândia, além da China, Japão e Coreia do Sul, que tiveram de reequacionar as medidas. Dar um passo atrás não é assumir uma derrota, mas assumir uma responsabilidade: quando abrimos já sabíamos que a situação teria de ser permanentemente reavaliada. Vamos ter de nos habituar a viver assim: ao sabor do ritmo imposto pela evolução da Covid. E não é descabido pensar numa estratégia de desconfinamento que é diferente entre regiões, tendo em conta o risco de contágio e o valor de R0, que indica a taxa de reprodução da infeção, tal como acontece já, por exemplo, no país vizinho. Há um ponto que nos deve alegrar nesta questão: o ritmo é ditado pela Covid-19, mas nós, coletivamente, podemos influenciar-lhe a cadência, o volume e os instrumentos incluídos na banda. Isso faz-se com regras, mas sobretudo com sensibilização, educação e informação. Temos de aprender a dançar esta dança. Está nas nossas mãos – e na forma como nos comportamos todos – fazer da Covid-19 um partner de dança manobrável e dócil. Não lhe podemos é pisar os calos que ela não gosta... GE TT YI M AG ES7 PONTOS DA SEMANA POR MAFALDA ANJOS* 2 5 J U N H O 2 0 2 0 V I S Ã O 17 N Ú M E R O 590 348 estrangeiros a viver em Portugal O valor vale pelo simbolismo: no final de 2019, mais de meio milhão de estrangeiros vivia em Portugal, segundo os últimos dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. É o número mais alto registado desde 1976, quando foi criado este organismo. Os brasileiros ocupam a maior fatia, com quase 26%, seguidos dos cabo-verdianos e dos ingleses, que subiram duas posições no ranking. D E P R E S S Ã O Sofrer em silêncio e com um sorriso O suicídio de Pedro Lima, um pai de família exemplar e um ator unanimemente admirado, impressionou o País. E deve servir como alerta geral para a depressão, uma doença que ainda é tabu e que, nos homens, é particularmente invisível e traiçoeira. É fundamental desmistificar as doenças mentais, para que pedir ajuda não seja visto como uma fraqueza e ir a um psicólogo ou psiquiatra se torne tão banal como ir ao dentista ou ao ginecologista. F R A S E “A Europa tem de se reindustrializar. E é agora, não é mais tarde. E não é uma questão apenas de conjuntura e sobrevivência, é uma questão de opção estrutural, a médio e longo prazo” Marcelo Rebelo de Sousa, numa declaração na conferência da Cotec sobre o renascimento da indústria e os próximos passos para a era pós-Covid. A N T I R R A C I S M O A ignorância de spray na mão O movimento antiestátuas, como já lhe chamam, está cada vez mais absurdo. De Voltaire a De Gaulle, passando por George Washington ou Ulysses S. Grant, foram mais estas as estátuas de grandes figuras da História vandalizadas nos últimos dias. Era bom que os neoiconoclatas, eufemismo para vândalos, tivessem uma pitada de cultura geral. Voltaire foi uma figura do Iluminismo, acérrimo defensor da liberdade e das reformas sociais; De Gaulle, um símbolo da luta contra o nazismo; George Washington, um dos fundadores mais respeitados da nação americana e defensor de princípios que viriam a ser essenciais para erradicar a escravatura, e Ulisses S. Grant derrotou a Confederação na Guerra da Secessão e quis reformar os estados do Sul, perseguindo o Ku Klux Klan e impondo direitos civis. R E G R E S S O O desafio das escolas Tiago Brandão Rodrigues disse, esta semana, que o Governo vai propor que o próximo ano letivo se inicie entre os dias 14 e 17 de setembro, considerando que esse calendário dará tempo de preparação à comuni- dade educativa. Este é dos assuntos mais prementes que temos para resolver nos próximos tempos. Parece evidente que não conse- guiremos ter tudo como dantes na reabertura do ano escolar: horários normais e salas lotadas de crian- ças será o caminho para o desastre, numa altura em que as infeções respiratórias se agravam. É fundamental começar a pensar o quanto antes em medidas criativas para fazer face às novas necessidades. Rotatividade de alunos nas aulas presen- ciais, como acontece nas empresas? Aulas presen- ciais apenas para algumas disciplinas fundamentais? Alargamento de horários? A telescola é uma ideia bem-intencionada, mas cada vez mais se percebe que foi um penso rápido e não serve como solução de continuidade. E M P R E S A S Um Calimero chamado TAP O apelo surge dias depois de ser conhecido o processo interposto pela Associação Comercial do Porto para impedir o apoio financeiro do Estado, que pode ir até aos 1 200 milhões de euros. “É muito importante o País unir- se à volta de um plano futuro para a TAP”, disse Antonoaldo Neves, presidente executivo da companhia, lastimando ser “a única empresa da Europa,com exceção da Lufthansa, que não teve apoio” e criticando a severidade de Bruxelas. Talvez a compreensão geral em relação à empresa fosse mais fácil se os sucessivos casos, como os prémios incompreensíveis e os abonos suplementares para os pilotos em layoff, não tivessem vindo a público. ora, nas tão ” 18 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 HO LO FOT E Olhos no novo mandato São quase 600 páginas a ajustar contas. No livro A Sala Onde Aconteceu, lançado esta terça-feira, 23, John Bolton tão depressa acusa Donald Trump de ter incentivado a China a manter campos de concentração para a etnia uigur como diz que ele considerou “porreira” a ideia de invadir a Venezuela. O ex-conselheiro para a Segurança Nacional multiplica-se em exemplos para desqualificar o antigo chefe: que ele pensava que a Finlândia fazia parte da Rússia, que desconhecia o facto de o Reino Unido ser uma potência nuclear, que Kim Jong-un “deve rir-se muito” dele... Não há uma estratégia para a política externa, escreve Bolton, apenas decisões “a pensar na reeleição” em novembro. Sexta guerra mundial John Bolton foi o terceiro homem a exercer o cargo no mandato de Donald Trump. Entrou na Casa Branca em abril de 2018 e saiu em setembro de 2019, demitido, segundo a versão do Presidente dos EUA, ou pelo seu pé, a acreditar no próprio. Certo é que as divergências eram mais do que muitas – sobre o Irão, a Coreia do Norte, a Rússia, a Venezuela, os talibãs. “Ele foi despedido porque, francamente, se eu o tivesse ouvido, já estaríamos na sexta guerra mundial”, comentou o líder norte-americano, meses mais tarde, após saber que o livro estava em marcha. Falcão de Bush Filho de um bombeiro de Baltimore, John Bolton é um assumido republicano conservador, advogado de profissão, que já tinha passado pela Casa Branca nas administrações de Richard Nixon, Ronald Reagan e George W. Bush. Foi um dos chamados falcões, a par de Dick Cheney ou Donald Rumsfeld, que apoiaram a invasão do Iraque, em 2003, sob o pretexto nunca confirmado da existência de armas de destruição maciça no regime de Saddam Hussein. Em 2015, defendeu um ataque ao Irão e, em 2018, à Coreia do Norte. A aberração e o cachorro doente Até ao último momento, a admi- nistração Trump tentou impedir na Justiça a publica- ção do livro, mas a decisão acabou por ser favorável ao ex-conselheiro. Nas entrevistas para promover a obra, Bolton sustentou que os Estados Unidos da América podem “superar um man- dato” de Trump. “Já dois, tenho mais dúvidas”, contrapôs sobre o Presidente que espera vir a ser descrito na História como “uma aberração”. A troca de insultos na praça pública tem sido de ida e volta nos últimos dias. No Twitter, Trump chamou-lhe “maluco”, “tolo chato” e “estúpido”. Sobre o livro, ca- racterizou-o como “uma compilação de mentiras e his- tórias inventadas” para o deixar mal- visto: “Está apenas a tentar ajustar contas por tê-lo despedido como o cachorro doente que é.” R U I A N T U N E S LIVRO DO EX-CONSELHEIRO PARA A SEGURANÇA NACIONAL RETRATA O PRESIDENTE DOS EUA COMO UM IGNORANTE EM POLÍTICA EXTERNA QUE AGE SÓ A PENSAR NA REELEIÇÃO John Bolton Um falcão à caça de Trump eram mais do que muitas – sobre o Irão, a Coreia do Norte, a Rússia, a Venezuela, os talibãs. “Ele foi despedido porque, francamente, se eu o tivesse ouvido, já estaríamos na sexta guerra mundial”, comentou o líder norte-americano, meses mais tarde, após saber que o livro estava em marcha. Dick Che y Donald Rumsfeld, que apoiaram a invasão do Iraque, em 2003, sob o pretexto nunca confirmado da existência de armas de destruição maciça no regime de Saddam Hussein. Em 2015, defendeu um ataque ao Irão e, em 2018, à Coreia do Norte. 2 5 J U N H O 2 0 2 0 V I S Ã O 19 I N B O X C H O Q U E F R O N T A L F R A S E D A S E M A N A A pandemia e o ressurgi- mento do movimento Black Lives Matter são uma oportunidade incrível para mudarmos a forma como vivemos GWYNETH PALTROW A atriz acaba de estrear a segunda temporada da série The Politician, na Netflix Não tenho dúvidas de que um dia seremos um grande partido JOÃO COTRIM FIGUEIREDO Líder da Iniciativa Liberal explica que “proibir e obrigar são duas palavras que fazem muita confusão” ao seu partido Não veria mal a possibilidade de termos padres casados dentro da nossa Igreja D. JOSÉ ORNELAS O bispo de Setúbal é o novo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa O CDS não diz que um jogador de futebol não pode comentar assuntos políticos, mas um político já pode passar os seus dias a fazer comentários de futebol FRANCISCO RODRIGUES DOS SANTOS O líder do CDS diz que “o partido tem linhas vermelhas” e que “não pode fazer discurso baseado em conversas de café” Acabar com o racismo é também acabar com os problemas do mundo ANGELA DAVIS A filosofa e ativista norte- americana dos direitos dos negros e das mulheres é pela primeira vez editada em Portugal, 50 anos depois de um julgamento que fez dela um mito Recebi ameaças de morte CORINNA LARSEN A ex-amante de Juan Carlos, ex-rei de Espanha, acusa a Casa Real espanhola A [Final 8 da Champions] é um prémio aos profissionais de saúde (...) que fizeram com que Portugal se afirmasse como um destino seguro ANTÓNIO COSTA Primeiro-ministro Os profissionais de saúde não andam a pedir prémios escondidos dentro das quatro linhas, o que querem é condições para realizar o seu trabalho MOISÉS FERREIRA Deputado do Bloco de Esquerda M O D É S T I A À P A R T E Fontes: NBC, Jornal I, Público, Record, Rádio Renascença, Lux C H O Q U E F R O N T A L 20 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 A L M A N A Q U E Tal como os irredutíveis gauleses da aldeia de Astérix tinham medo – e era a única coisa que os atemorizava – de que o céu lhes caísse sobre as cabeças, há neste nosso planeta muito boa gente com o mesmo medo. Pelo menos, com receio de que algum dos incontáveis asteroides que gravitam pelo Espaço possa, um dia, cair-nos em cima da cabeça. É, por isso, normal que se estudem formas de evitar um desastre desse género. Foi o que fez uma equipa de especialistas, liderados por Flaviane Vendetti, da Universidade da Flórida Central, nos Estados Unidos. Segundo o novo estudo, agora divulgado no European Physical Journal, a maneira ideal de defender a Terra do impacto de um asteroide seria amarrar o corpo rochoso a outro idêntico, o que obrigaria o primeiro a mudar o seu centro de gravidade e, por arrasto, a sua trajetória. Como? Com cabos. “As simulações mostraram que o método é dinamicamente viável para mitigação do impacto de asteroides”, lê-se no artigo, que defende a mais-valia deste método, porque dele “não resulta a fragmentação dos objetos”. A técnica de detonar explosivos na superfície dos asteroides habitualmente resulta nos filmes, mas “pode causar danos generalizados”, avisa o estudo. Vamos caçar asteroides? Um estudo conclui que a melhor forma de evitar que corpos rochosos atinjam a Terra é amarrá-los uns aos outros. Se Astérix soubesse... 4 644 As salas portuguesas de cinema, que reabriram a 1 de junho, tiveram, em duas semanas, pouco mais de 4 600 espectadores, algumas sessões vazias e outras com lotação completa, segundo dados do Instituto do Cinema e do Audiovisual. Ao todo, os resultados de bilheteira rondaram os 22 mil euros. 60% A campanha da cereja deverá cair 60% e a do pêssego 20% este ano, devido às “condições meteorológicas muito adversas da primavera”, enquanto os cereais de inverno deverão registar um aumento generalizado da produção, segundo dados divulgados pelo INE. 4 364 Um total de 4 364 casos de discurso de ódio na internet, a grande maioria no Facebook, foram detetados em seis semanas na União Europeia, com 475 a chegaremà polícia, anunciou hoje a Comissão Europeia. 48% Desde o recomeço do campeonato espanhol, há uma semana, que os números das audiências televisivas dispararam. De acordo com La Liga, o aumento registado nestas primeiras jornadas de retoma atingiu os 48 por cento. Principal motor do crescimento foi o mercado africano. Na Europa, a Bélgica registou uma subida de 130 por cento. N O V A D E S C O B E R T A Stonehenge continua a revelar segredos Um círculo de poços profundos, com cerca de 4 500 anos, foi localizado por um grupo de arqueólogos perto do Património Mundial de Stonehenge, no Reino Unido – um dos sítios arqueológicos mais conhecidos da Terra. Trabalhos de campo e análises recentes descobriram, pelo menos, 20 poços pré-históricos maciços, de mais de dez metros de diâmetro e cinco metros de profundidade, revela um artigo publicado, esta semana, por investigadores da Universidade de St. Andrews no Internet Archaeology. Segundo um comunicado da universidade, estes poços formam um círculo com mais de dois quilómetros de diâmetro, que envolve uma área superior a três quilómetros quadrados. Os arqueólogos acreditam que os poços serviram de limite a uma área sagrada ou recinto associado àquele monumento do Neolítico. N Ú M E R O S D A S E M A N A 2 5 J U N H O 2 0 2 0 V I S Ã O 21 T R A N S I Ç Õ E S Nem crise financeira, nem familiar. Anna Westerlund, companheira de Pedro Lima há quase 20 anos e mãe de quatro dos seus cinco filhos, descarta aquelas duas hipóteses como possíveis causas de suicídio do “amigo, profissional, marido e pai excecional”. “O Pedro foi certamente surpreendido pela própria dor que naquele momento lhe terá sido insuportável”, escreveu a ceramista, esta segunda-feira, 22, na sua conta de Instagram, sobre “o amor” da sua vida. “Um homem responsável, terno, presente e dedicado.” Com uma moradia em construção em Cascais, os dois tinham planos para se casarem no próximo ano, de modo a assinalar não só as duas décadas de relacionamento mas também os 50 anos do ator, presença regular nas telenovelas da TVI e conhecido pelo sorriso fácil. Há cerca de um mês, passado o confinamento por causa da pandemia, tinha voltado às gravações de Amar Demais, ao lado de Fernanda Serrano. Refutando a ideia de que a incerteza quanto ao futuro profissional pudesse estar na origem das inquietações de Pedro Lima, Nuno Santos, diretor de programas da estação de Queluz, revelou que o contrato entre as partes tinha sido recentemente renovado até junho de 2021. Antes de se tornar ator, teve sucesso como modelo e nadador olímpico (Seul-1988 e Barcelona-1992). Representou a seleção de Angola, país onde nasceu e que abandonou ainda em bebé, quando os pais o enviaram para Portugal para ser criado pela avó Bernardette, a “vovocas”, como lhe chamava. Em 2019, admitiu que recorreu a terapia para ultrapassar este “abandono”, tendo assumido anteriormente, numa entrevista à TV Guia em 2018, a superação de “alguns momentos de angústia muito grande”, relacionados com a falta de autoestima. Aos 49 anos, foi encontrado sem vida na Praia do Abano, em Cascais, na manhã de sábado, 20. Terá deixado uma carta de despedida à família e enviado mensagens a amigos a pedir- -lhes para cuidarem dos filhos. R.A. P E D R O L I M A 1 9 7 1 - 2 0 2 0 O ator olímpico de sorriso fácil Há dois anos, Pedro Lima admitiu ter problemas de autoestima e enfrentado “alguns momentos de angústia muito grande” M O R T E S O escritor catalão Carlos Ruiz Zafón tinha 55 anos e lutava contra um cancro desde 2018. Morreu na última sexta-feira, 19, em Los Angeles, cidade onde vivia desde a década de 90. Nascido em Barcelona a 25 de setembro de 1964, Zafón, que se iniciou em 1992 no “estranho ofício de romancista”, como costumava dizer, conquistou o público e a crítica com A Sombra do Vento, vencedor do prémio Correntes de Escritas/Casino da Póvoa de Varzim em 2006, finalista do Prémio de Romance Fernando Lara 2001 e do Prémio Llibreter 2002, eleito o Melhor Livro de 2002 pelos leitores do jornal La Vanguardia, traduzido para mais de 40 línguas e com mais de 6,5 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo desde o lançamento, em 2001. O historiador israelita Zeev Sternhell, sobrevivente do Holocausto, militante comprometido com a paz com os palestinianos e uma das principais figuras intelectuais e políticas da esquerda em Israel, morreu, no domingo, 21, aos 85 anos. P R É M I O O escritor Mário de Carvalho venceu o Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários, da Associação Portuguesa de Escritores (APE), com o livro O Que Eu Ouvi na Barrica das Maçãs. T Í T U L O O treinador português Luís Castro sagrou-se, no último sábado, 20, campeão nacional de futebol da Ucrânia, ao serviço do Shakhtar Donetsk. 22 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 P R Ó X I M O S C A P Í T U L O S P E R I S C Ó P I O GE TT Y Depois de limpar a secretária no Terreiro do Paço, Mário Centeno prepara-se também para arrumar os papéis na Europa. Ao fim de dois anos e meio de Ronaldo das Finanças, outros avançados se perfilam para agitar a sineta do Eurogrupo, aquilo a que a The Eco- nomist chamou “clube de jantares” tornado órgão decisor de políti- cas financeiras da zona euro – e que corre o risco de irrelevância. O prazo para o envio das cartas de motivação dos interessados, que têm de estar obrigatoriamente à frente da pasta das Finanças, ter- mina esta quinta-feira (à hora de fecho desta edição, não havia ainda nenhuma formalização). A protocandidata mais bem posicionada pa- rece ser a ministra da Economia espanhola, Nadia Calviño, que já teve o apoio do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, e concorreu a direto- ra-geral do FMI. O nome do ministro das Finanças do Luxemburgo, Pierre Gramegna, também é falado para o cargo (já tinha estado na corrida em 2018), tal como o homólogo irlandês, Paschal Donohoe. A eleição decorre em plena negociação do pacote financeiro de 750 mil milhões de euros – para enfrentar as consequências econó- micas da pandemia –, que tem conheci- do obstáculos por parte dos chamados “quatro frugais” da União: Áustria, Suécia, Dinamarca e Países Baixos. Nos trabalhos do fórum, está ainda o fecho da união ban- cária com a criação do sistema europeu de garantia de depósitos, que não tem reunido consensos no seio do grupo. A eleição do sucessor de Centeno decorrerá durante a reunião do Eurogrupo, no início de julho (dia 9 é o mais falado), e o novo presidente toma posse no dia 13 desse mês. A partir daí, Centeno volta à condição de economista. E fica com caminho livre para, por exemplo, liderar o Banco de Portugal – um cargo de que, como disse, “qualquer economista pode gostar”. P.Z.G. E U R O G R U P O A sineta muda de mãos A espanhola Nadia Calviño parece bem posicionada para suceder a Centeno na liderança do grupo de ministros das Finanças do euro “TUDO O QUE É BOM TEM UM FIM. MAS AINDA ME VERÃO AQUI NA REUNIÃO DE JULHO” MÁRIO CENTENO, Comunicado da reunião em que anunciou não ser recandidato ao Eurogrupo Livre. Com a saída do Eurogrupo, Centeno fecha um ciclo governativo O I N C E N D I Á R I O O fogo de Ventura Meados de junho. Jantar na sala de condomínio do prédio do ideólogo do Chega, Diogo Pacheco de Amorim. André Ventura entre os convidados. A noite avança, a conversa flui, fumam-se uns cigarros, as beatas voam pela janela e o monte de papelão amontoado no pátio (despojos de umas obras em curso) pega fogo. Vieram os vizinhos de extintor em riste. E vieram, também, Ventura e Amorim dar uma ajuda. Incendiário das redes sociais e das sessões parlamentares, desta vez, o deputado levou a expressão à letra. L E I S ECA JSD sem gins Está finalmente reagendado o XXVI Congresso Nacional da JSD. Devido à Covid-19, só a 24, 25 e 26 de julho os “jotas” vão eleger o(a) sucessor(a) de Margarida BalseiroLopes, num conclave que será realizado à distância. Pode parecer inexequível, mas será mesmo assim. O problema maior, dizem as más-línguas, vai colocar-se quando, no final de cada dia de trabalho, os jovens não puderem ir tratar da mercearia dos votos, enquanto despacham umas cervejas, uns gins ou uns uísques. Alexandre Poço e Sofia Matos, os candidatos, estão inconsoláveis. Serão saudades antecipadas dos congressos em que por um copo se ganhava e por um copo se perdia? A H , L E ÃO ! Aparição nas redes João Leão assumiu funções como ministro de Estado e das Finanças na segunda-feira, 15, e entrou logo no ritmo que se exige a uma das mais altas figuras do Governo: não só começou por reunir as equipas com que vai trabalhar, nos próximos anos, como também aderiu ao... Instagram. Naquela rede social, logo no dia seguinte a ser empossado por Marcelo Rebelo de Sousa, João Carvalho Leão (nome adotado para a conta oficial) partilhou uma fotografia da cerimónia no Palácio de Belém. Na quarta-feira, 17, o sucessor de Mário Centeno voltou à carga e publicou outra imagem, desta vez no Parlamento, na qual intervinha no debate sobre o Orçamento Suplementar. Para quem tinha dúvidas, foi mesmo uma entrada de Leão – pelo menos online. LU ÍS B AR RA 2 5 J U N H O 2 0 2 0 V I S Ã O 23 O P I N I Ã O P O R I S A B E L M O R E I R A / Deputada do Partido Socialista Os populistas já não andam sós A pedagogia permanente daquilo que significa uma Assembleia da República representativa de todos os portugueses estava a enfrentar, nos últimos tempos, os populistas. Os populistas em várias vestes fazem do Parlamento um lugar distante, fechado, casa de “políticos” devi- damente caracterizados como “eles”, fora da cidade, cheios de vícios e de privilé- gios, gente que não sabe o que é o País e fechada sobre si mesma. A pedagogia permanente sobre o significado do sufrágio universal, direto e secreto, uma conquista da democracia, que faz da Assembleia da República a casa de todas e de todos, estava a enfrentar, nos últi- mos tempos, os populistas. A eficácia do ataque ao Parlamento parece ter con- tagiado gente inesperada. Somos surpreendidos por quem tem poderes delegados do Estado, como uma ordem profissional, a fazer um discurso contra a legi- timidade democrática da casa da democracia. Vários projetos de lei sobre a morte medicamen- te assistida foram aprovados, na generalidade, por ampla maioria. Em plena discussão na especialidade, no âmbito da qual o Parlamento ouvirá quem quer ser ouvido, a Ordem dos Médicos (OM) não se limita a dar a sua legítima opinião. Anuncia, dramaticamente, que não cumprirá uma lei da República. Ora, com esta posição, a OM quer afirmar que se a lei em causa for aprovada carece de legitimidade. Acontece que este ruído faz esquecer que a Assem- bleia da República representa os cidadãos e as cidadãs verdadeiramente, isto é, todos eles, na pluralidade das correntes políticas e sensibilidades existentes e tem competência reservada na matéria em causa. O lugar da legitimidade, quando falamos de morte assistida, chama-se Parlamento e mal estaríamos se uma ordem profissional, que recebe poderes delegados do Estado, o questionasse. Mas questionou. Há qualquer coisa de profundamente perturbador quando a democracia representativa está a funcionar normalmente, no caso em projetos de lei que assegu- ram, naturalmente, o direito à objeção de consciência, e a OM presume representar todos os médicos e mé- dicas do País lançando um “veto” a uma futura lei. As leis da República são para se cumprir, sabem os democratas. Os populistas já não andam sós. visao@visao.pt A Ordem dos Médicos quer afirmar que se a lei em causa for aprovada carece de legitimidade. Acontece que este ruído faz esquecer que a Assembleia da República representa os cidadãos e as cidadãs verdadeiramente, isto é, todos eles, na pluralidade das correntes políticas e sensibilidades existentes e tem competência reservada na matéria em causa. O lugar da legitimidade, quando falamos de morte assistida, chama-se Parlamento e mal estaríamos se uma ordem profissional, que recebe poderes delegados do Estado, o questionasse P O R I S A B E L M O R E I R A / Deputada do Partido Socialista 24 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 R E G R E S S O D A S M U L T I D Õ E S O número de casos identificados com Covid-19 continua a subir à escala global, mas também crescem as aglomerações cada vez maiores de pessoas em locais públicos – em sinal de protesto ou por pura diversão NÁPOLES, ITÁLIA Os adeptos do Nápoles celebram a vitória da sua equipa na final da Taça de Itália, frente à Juventus, na Praça do Plebiscito... como nos velhos tempos NANTES, FRANÇA Marcha contra a violência policial e em memória do lusodescendente Steve Maia Caniço, encontrado morto, há um ano, após uma carga das forças de segurança num concerto ao ar livre NOVA IORQUE, EUA Grande manifestação de ciclistas contra o racismo, em Times Square, à semelhança do que tem ocorrido, desde há três semanas, nas grandes cidades americanas F O T O : M IC H E L E C A T T A N I / G E T T Y I M A G E S F O T O : M A R C O C A N T IL E / G E T T Y I M A G E S F O T O : S C O T T H E IN S / G E T T Y I M A G E S F O T O : S E B A S T IE N S A L O M -G O M IS / G E T T Y I M A G E S IMAGENS 2 5 J U N H O 2 0 2 0 V I S Ã O 25 BAMAKO, MALI Vista aérea da manifestação compacta, na Praça da Independência, convocada pelo líder oposicionista Imam Mahmoud Dicko contra o Presidente, Ibrahim Boubacar Keita, e o seu Governo BUDAPESTE, HUNGRIA Os membros da claque do Ferencváros (conhecidos como Monstros Verdes) no jogo frente ao Újpest FC, que assinalou o início dos desafios no futebol húngaro sem limitações para espectadores F O T O : L A S Z L O S Z IR T E S I / G E T T Y I M A G E S 26 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 BERLIM, ALEMANHA Visitantes observam a instalação It Wasn't Us, da artista alemã Katharina Grosse, no museu de arte contemporânea Hamburger Bahnhof, agora reaberto RIMINI, ITÁLIA Alegria, sem máscara nem distância de segurança, na reabertura do Villa delle Rose, um dos mais famosos clubes noturnos da Costa Adriática MOSCOVO, RÚSSIA Visitantes tentam tirar fotos a um panda gigante no jardim zoológico da capital russa, depois de este ter reaberto ao fim de meses de confinamento F O T O : J O R D I V ID A L / G E T T Y I M A G E S F O T O : J O H N M A C D O U G A L L / G E T T Y I M A G E S F O T O : M A X C A V A L L A R I / G E T T Y I M A G E S F O T O : Y U R I K A D O B N O V / G E T T Y I M A G E S IMAGENS 27 BARCELONA, ESPANHA O quarteto de cordas UceLi interpreta Crisantemi, de Puccini, para uma audiência de 2 292 plantas na reabertura do Teatro Liceu, após ser levantado o estado de emergência no país. As plantas foram depois entregues a 2 292 profissionais de saúde do Hospital Clínic, da cidade PARIS, FRANÇA Festa brasileira, no bairro de Marais, no primeiro dia da Festa da Música, uma iniciativa criada em França, em 1982, e que agora se realiza em mais de 120 países. Este ano, os grandes concertos foram cancelados devido à pandemia, mas há muita música nas ruas F O T O : K IR A N R ID L E Y / G E T T Y I M A G E S 28 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 CHEFES ALTAMENTE TÓXICOS Líderes que humilham, que não deixam as pessoas brilhar. Chefias autoritárias ou inseguras, que massacram as suas equipas... O teletrabalho ameniza ou potencia os abusos? Fomos à procura das histórias de quem sofreu sob o seu domínio e mostramos como se pode dar a volta por cima R O S A R U E L A E V Â N I A M A I A 2 5 J U N H O 2 0 2 0 VI S Ã O 29 30 V I S Ã O 2 5 J U N H O 2 0 2 0 G “Gritos, gritos, gritos.” É desta forma que Pedro Pereira, 36 anos, resume os seus dias de trabalho nos últimos 18 anos. O assistente operacional de um hospital de Lisboa foi obrigado a habituar-se a ouvir a enfermeira- -chefe a chamar a si e aos seus colegas “criados”. “Às tantas, já a conhecia pelo andar e estava sempre atento para, quando ouvisse os seus passos, fugir para outro sítio. Se me cruzasse com ela, era certo de que ia pôr defeitos no meu trabalho”, conta. Era habitual ser-lhe pedido para desempenhar tarefas que não lhe competiam ou mesmo para fazer recados pessoais. “Uma vez, cheguei ao hospital às oito da manhã, ela veio ter comigo toda simpática e pediu-me para lhe levar os sapatos ao sapateiro, porque tinha partido os saltos. Andei à procura de um sapateiro pela cida- de inteira e, quando voltei, ela ainda me acusou de ter demorado muito”, recorda. As ameaças de despedimento ou de processos disciplinares eram constantes. E o desgaste foi-se acu- mulando. “Ela chamava-me ‘burro’, mas as outras pessoas elogiavam o meu trabalho. Tinha uma boa autoes- tima fora do hospital, mas lá dentro sentia-me espezinhado”, confessa. Já tinha apresentado várias queixas à administração, mas a gota de água aconteceu em plena pandemia, quan- do Pedro Pereira pediu autorização para faltar no sentido de acompanhar um familiar que ia ser operado. Apesar de ter autorização da hierarquia supe- rior, a enfermeira-chefe quis instau- rar-lhe um processo disciplinar por abandono do posto de trabalho. “O documentos e escrevendo um diá- rio factual sobre os acontecimentos. Também é fundamental ter provas escritas do que se passa: “Tive uma cliente que passou mais de um ano a enviar diariamente emails à chefia a pedir trabalho. O objetivo não era ter uma resposta, mas ter o registo da situação.” EM VIAS DE EXTINÇÃO? A verdade é que os chefes estão sempre num pedestal, porque têm um papel de destaque. “Eles dão o exemplo e tomam decisões, e nós vemos constantemente o que fazem bem e mal”, lembra a psicóloga or- ganizacional Inês Lourenço. O pro- blema é quando estes chefes têm os tais comportamentos tóxicos e são protegidos, sublinha a coach que olha as estruturas hierárquicas como or- ganizações desatualizadas. “Vivemos num VUCA world, um acrónimo saído das palavras volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, em inglês. Já não podemos esperar que as pessoas aceitem o princípio de que ‘Você é pago para não pensar’. Claro que as equipas têm de pensar e de forma complexa.” No mundo em que vivemos, Inês Lourenço acredita que os chefes tóxi- cos estão em vias de extinção. “Hoje, queremos equipas superflexíveis e multidisciplinares, em que as pessoas têm um papel e não uma função”, jus- tifica. “São estruturas mais dinâmicas, que respondem bem às mudanças de que a empresa vai precisando. Um espaço em que o feedback é constante e onde não cabem líderes tóxicos.” Sandrine Veríssimo, diretora re- gional de Lisboa do grupo de recru- tamento Hays, sente sobretudo que as novas gerações são menos permeáveis a terem de lidar com este tipo de che- fias. “São pessoas que, se não estão bem, ou saem da organização ou ex- põem frontalmente o seu desagrado.” Fazemos figas para que a sua extin- ção esteja para breve quando ouvimos Fernando Neves de Almeida dizer que existem “verdadeiros psicopatas” na gestão. “Até podem parecer bons líde- res, porque tendem a ser pessoas en- cantadoras e ambiciosas, e, no limite, fica-se com a ideia de que têm vocação para aquilo”, observa o diretor-geral em Portugal da Boyden, empresa es- pecializada em headhunting. Mas não têm. E, a começar, porque não pensam nos outros nem olham a que me valeu foi eu ter a autorização por escrito”, diz, aliviado. Transferiram-no para outro ser- viço e Pedro não podia estar mais satisfeito: “Sempre gostei do meu emprego, adoro o contacto com os doentes, mas era como se carregasse 300 quilos em cada perna. Agora, saio de casa com vontade de trabalhar. É muito bom ter, finalmente, um chefe que me ouve e que confia na minha experiência.” A advogada Rita Garcia Pereira, especialista em Direito do Trabalho, distingue dois tipos de chefes tóxicos. Os primeiros são os obcecados com os resultados, mesmo à custa dos direitos dos trabalhadores. Os segundos têm “um perfil mais sociopata” e fazem da vida dos trabalhadores um inferno. “A insegurança pode tornar os chefes autocráticos, assim como a inveja”, afirma. Pelas mãos passam-lhe casos de pessoas a quem é dado excesso de trabalho ou a quem são retiradas funções, a quem são atribuídos ho- rários inconvenientes ou são elimi- nados benefícios salariais ou mesmo proibidas de serem cumprimentadas pelos colegas... Rita Garcia Pereira aconselha os trabalhadores vítimas destas situa- ções a manterem um registo escrito de tudo o que acontece, imprimindo QUEIXAS POR ASSÉDIO LABORAL recebidas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), no ano passado, vindas do setor privado. Já os funcionários públicos entregaram 57 reclamações à Inspeção-Geral de Finanças, durante o mesmo período 1 200 2 5 J U N H O 2 0 2 0 V I S Ã O 31 NÃO SABE OUVIR Só ouve aquilo que lhe interessa ou revela grande dificuldade em fazê-lo. Ignora, interrompe, não deixa responder, fazendo com que o interlocutor se sinta completamente desprezado. NÃO DÁ O EXEMPLO Tem uma noção muito própria de moralidade – o que vale para ele não vale para os outros. Marca reuniões para as 8h da manhã, mas só chega às 9h30, como se não fosse nada. NÃO DÁ AUTONOMIA Vê a iniciativa como uma ameaça ou mesmo como um desafio à sua autoridade. Não respeita as capacidades das pessoas, partindo do princípio de que elas não são capazes de evoluir. NÃO HESITA EM HUMILHAR Dá apenas feedback negativo e – pior – à frente de outras pessoas. Há quem argumente que “é para aprenderem”, um tipo de justificação que eterniza esse comportamento. NÃO CUMPRE A PALAVRA Dá o dito por não dito. Pode, inclusive, mentir para levar avante os seus propósitos. Não é por acaso que muitas das suas ordens são dadas oralmente – para não existirem provas. NÃO DEIXA BRILHAR Estereotipa as pessoas, como se as colocasse em caixinhas. Não sabe ensiná-las nem as motiva a serem melhores. E não atribui os louros de algo que foi feito por um elemento da sua equipa. USA O CHICOTE Institui um ambiente de terror, minando as interações da equipa. Como se trata de uma relação desigual, as pessoas não têm muitas ferramentas para se libertar desse medo. DESCARTA CULPAS Não assume responsabilidades. “Um por todos e todos por um”, neste caso, tem uma leitura dicotómica – se algo correu bem, o mérito é todo seu; se algo correu mal, a culpa é só dos outros. NÃO REVELA EMPATIA Os sentimentos, as emoções e as necessidades dos outros não lhe interessam. Vê as dificuldades pessoais dos seus subordinados como uma mera desculpa para justificar um fracasso. Não é capaz de se pôr no lugar do outro porque pura e simplesmente não quer saber da sua existência. É CONTROLADOR Desconfia do subordinado e acredita que tem como função vigiá-lo e puni-lo. Não respeita o seu tempo de lazer, muitas vezes porque ele próprio não sabe planear as atividades. TEM PREFERIDOS Não tem nenhuma equidade interna. Revela grande ambivalência na forma como trata as várias pessoas da sua equipa, fazendo com que algumas não se apercebam da sua toxicidade. NÃO TENTA MUDAR Mesmo que tenha capacidade para o fazer, não tenta mudar os seus comportamentos – nem sequer pensa nessa hipótese. É orientado para objetivos individuais e não olha a meios para atingir os seus fins. 12 SINAIS DE UM CHEFE POUCO SAUDÁVEL Todas as pessoas erram, mas a frequência, a duração e a intensidade de alguns comportamentos tóxicos indicam que algo vai mal numa liderança. Porque
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