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SOCIOLOGIA PARA NÃO SOCIÓLOGOSSOCIOLOGIA PARA NÃO SOCIÓLOGOS Os clássicos da Sociologia: Durkheim, Weber e Marx Glauco Ludwig Araujo Ivan Penteado Dourado Vinicius Rauber e Souza EDITORA editora@upf.br www.upf.br/editora texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO José Carlos Carles de Souza Reitor Rosani Sgari Vice-Reitora de Graduação Leonardo José Gil Barcellos Vice-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Bernadete Maria Dalmolin Vice-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários Agenor Dias de Meira Junior Vice-Reitor Administrativo UPF Editora Karen Beltrame Becker Fritz Editora CONSELHO EDITORIAL Altair Alberto Fávero (UPF) Andrea Oltramari (UFRGS) Alvaro Sanchez Bravo (UNIVERSIDAD DE SEVILLA) Carlos Alberto Forcelini (UPF) Carlos Ricardo Rossetto (UNIVALI) Cesar Augusto Pires (UPF) Cleci Teresinha Werner da Rosa (UPF) Fernando Rosado Spilki (FEEVALE) Gionara Tauchen (FURG) Giovani Corralo (UPF) Héctor Ruiz (UADEC) Helen Treichel (UFFS) Jaime Morelles Vázquez (UCOL) José Otero G. (UAH) Jurema Schons (UPF) Karen Beltrame Becker Fritz (UPF) Kenny Basso (IMED) Leonardo José Gil Barcellos (UPF) Luciane Maria Colla (UPF) Paula Benetti (UPF) Sandra Hartz (UFRGS) Telmo Marcon (UPF) Verner Luis Antoni (UPF) Walter Nique (UFRGS) CORPO FUNCIONAL Daniela Cardoso Coordenadora de revisão Cristina Azevedo da Silva Revisora de textos Mara Rúbia Alves Revisora de textos Sirlete Regina da Silva Coordenadora de design Rubia Bedin Rizzi Designer gráfico Carlos Gabriel Scheleder Auxiliar administrativo d i d á t i c a s é r i e 2016 SOCIOLOGIA PARA NÃO SOCIÓLOGOSSOCIOLOGIA PARA NÃO SOCIÓLOGOS Os clássicos da Sociologia: Durkheim, Weber e Marx Glauco Ludwig Araujo Ivan Penteado Dourado Vinicius Rauber e Souza EDITORA editora@upf.br www.upf.br/editora texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx SOCIOLOGIA PARA NÃO SOCIÓLOGOSSOCIOLOGIA PARA NÃO SOCIÓLOGOS Os clássicos da Sociologia: Durkheim, Weber e Marx Glauco Ludwig Araujo Ivan Penteado Dourado Vinicius Rauber e Souza EDITORA editora@upf.br www.upf.br/editora texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa texto contracapa Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx UPF Editora afiliada à Associação Brasileira das Editoras Universitárias Copyright@ dos autores Daniela Cardoso Cristina Azevedo da Silva Mara Rúbia Alves Revisão de textos e revisão de emendas Sirlete Regina da Silva Rubia Bedin Rizzi Projeto gráfico, diagramação e produção da capa Patrick Silva João Pedro Mocellin Weschenfelder Ilustrações Este livro, no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa e por escrito do(s) autor(es). A exatidão das informações e dos conceitos e opiniões emitidas, as imagens, as tabelas, os quadros e as figuras são de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es). UPF EDITORA Campus I, BR 285 - Km 292,7 - Bairro São José Fone/Fax: (54) 3316-8374 CEP 99052-900 - Passo Fundo - RS - Brasil Home-page: www.upf.br/editora E-mail: editora@upf.br CÓDIGO ISBN 316 CIP – Dados Internacionais de Catalogação na Publicação _______________________________________________________________ A663s Araujo, Glauco Ludwig Sociologia para não sociólogos [recurso eletrônico] : os clássicos da sociologia : Durkheim, Weber e Marx / Glauco Ludwig, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza. – Passo Fundo : Ed. Universidade de Passo Fundo, 2016. 3.200 Kb ; PDF. – (Didática). Modo de acesso gratuito: <www.upf.br/editora>. ISBN 978-85-7515-958-3 (E-book). 1. Sociologia – História. 2. Sociologia – Estudo e ensino. I. Dourado, Ivan Penteado. II. Souza, Vinicius Rauber e. III. Título. CDU: 316 _______________________________________________________________ Bibliotecária responsável Schirlei T. da Silva Vaz - CRB 10/1364 Sobre os autores Glauco Ludwig Araujo Mestre em Sociologia e bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Fe- deral do Rio Grande do Sul. Professor Assistente da área de Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo. Par- ticipa do Núcleo de Estudos sobre Movimentos e Identidades Sociais, da Univer- sidade de Passo Fundo, e do grupo de pesquisa Trabalho e Desigualdades: teorias e conceitos (CNPq – Universidade Federal do Rio Grande do Sul). É pesquisador colaborador no Núcleo de Estudos Críticos sobre Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, da Universidade Federal de Minas Gerais. Desenvolve investigações sobre trabalho docente universitário, movimentos sociais, feminismo e consciên- cia de classe, desigualdades sociais. Ivan Penteado Dourado Doutorando em Educação na Faculdade de Educação da Universidade de Passo Fundo, na linha Políticas Educacionais em Sociedades Complexas. Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federaldo Rio Grande do Sul. Professor de Sociologia na Universidade de Passo Fundo, pesquisador do Núcleo de Estudos de Movimentos e Identidades Sociais e do Núcleo de pesquisa Recla- me às Ruas: Direito, Política e Sociedade, vinculados à Universidade de Passo Fundo. Coordenador do Grupo de Extensão em Economia Solidária e do Projeto Aulas de Apoio, ambos da Universidade de Passo Fundo. Vinicius Rauber e Souza Professor da área de Ciências Sociais e da especialização em Ciências So- ciais da Universidade de Passo Fundo (UPF). Doutorando do Programa de Pós- -Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Ciências Sociais pela PUCRS e especia- lista em Saúde do Trabalhador pela Ufrgs. Foi coordenador da área de Ciências Sociais da UPF entre 2014 e 2016. Na mesma instituição, integra a Comissão de Extensão e Assuntos Comunitários e a Comissão Integrada de Área de Saúde. Coordena o projeto de extensão Cenários em Saúde da Família e participa do projeto de extensão Ponto de Cinema. Sumário Introdução ao conhecimento sociológico clássico .................................... 8 A universidade e seus desafios ........................................................................... 8 Os clássicos e a ruptura com o senso comum ...........................................................12 Referências ........................................................................................................15 Capítulo 1 Émile Durkheim – a emergência de um objeto científico chamado social .....16 Introdução ........................................................................................................... 17 Émile Durkheim, um homem de seu tempo ........................................................18 As obras sociológicas e sua concepção de sociedade .....................................19 Conceitos principais, o nascimento do método sociológico ............................ 22 Organismo social, divisão do trabalho e solidariedade ..................................... 28 O suicídio – um fato social anômico ................................................................... 30 Referências ........................................................................................................ 33 Capítulo 2 Max Weber e a sociologia compreensiva ..............................................................34 Introdução .......................................................................................................... 35 Weber e a sociedade ...................................................................................................35 Sociologia compreensiva/interpretativa ............................................................ 37 Tipo ideal ......................................................................................................................38 Ação social ..................................................................................................................39 Tipos de ação social ....................................................................................................40 Relação social ...............................................................................................................41 Análise weberiana da sociedade ........................................................................41 Racionalização ............................................................................................................42 Desencantamento do mundo .....................................................................................42 Estratificação social ....................................................................................................42 As organizações modernas e a burocracia ................................................................43 Tipos puros de dominação legítima .............................................................................43 Dominação tradicional .................................................................................................44 Dominação carismática ..............................................................................................44 Dominação racional-legal ...........................................................................................45 A jaula de ferro da burocracia .....................................................................................46 A ética protestante e o espírito do capitalismo ..................................................47 Espírito do capitalismo ............................................................................................... 47 A ética protestante ......................................................................................................49 Vocação .......................................................................................................................49 Capitalismo em Weber .................................................................................................50 Weber, Marx e o capitalismo ........................................................................................51 Referências ........................................................................................................ 52 Capítulo 3 Karl Marx e a origem da sociologia crítica ......................................................... 54 Introdução .......................................................................................................... 55 Concepção de sociedade .................................................................................. 56 O método marxiano .....................................................................................................58 Conceitos fundamentais ................................................................................... 59 Trabalho .......................................................................................................................59 Modo de produção ......................................................................................................62 Alienação .....................................................................................................................63 Mais-valia .....................................................................................................................65 Ideologia .......................................................................................................................66 Classes sociais ............................................................................................................ 67 Estado ..........................................................................................................................68 Referências ........................................................................................................ 69 Introdução ao conhecimento sociológico clássico Fo nt e: S IL VA , P at ric k , 2 01 6. Ilustração dos desafios para a construção do conhecimento na universidade brasileira A universidade e seus desafios O ingresso do aluno em uma universidade constitui uma profunda transformação na experiência de co- nhecer e explicar a realidade que o cerca. Oriundos de diferentes realidades, os alunos têm contextos fa- miliares, escolares e sociais diversos, mas, em comum, todos passaram por uma formação escolar mínima. Com acesso a um conjunto de conteúdos de diferentes disciplinas, a vida escolar ofereceu a possibilidade de o aluno tomar conhecimento de con- teúdos das áreas com as quais mais se identifica. A experiência escolar aponta para a possibilidade de de- senvolver a capacidade de decisão com autonomia em relação à profissão que o sujeito gostaria de seguir. A universidade cons- titui uma das possíveis escolhas, porém, o aluno ingressante poderá se deparar com algumas dificuldadeslogo nas primei- 9 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza ras aulas. Dependendo do curso escolhido, o universitário vai, obrigatoriamente, deparar-se com diferentes conhecimentos acumulados historicamente e que não foram apresentados da mesma forma pela escola. A grande distância do que é ensinado na educação básica em comparação com o que é exigido na educação superior do Brasil justificaria por si só uma publicação didática voltada para alunos ingressantes na universidade. A série di- dática apresenta, nesta primeira obra intitulada Sociologia para não sociólogos. Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx, uma proposta voltada para alunos de todos os cursos universitários, que tenham, em sua grade curricular, disciplinas isoladas de sociologia (Sociologia da Ciência e Tecnologia, Sociologia dos Processos Socioeducativos, Sociologia e Antropologia do Direito e Sociologia da Saúde). Diferente do ensino de sociologia voltado para a formação de sociólogos, esses alunos, em especial, não serão sociólogos e, em grande medida, não irão produzir pesquisas sociais com solidez científica. Na realidade, os alunos ingres- santes que compõem as disciplinas isoladas que constituem as disciplinas do núcleo comum da Universidade de Passo Fundo necessitam de um contato com a sociologia por meio de uma escrita mais acessível e moderna em relação aos clás- sicos. Nesse sentido, o presente volume não visa substituir a leitura dos clássicos da sociologia, mas aproximar o leitor iniciante do pensamento desses teóricos, preparando-o para uma posterior leitura autônoma. Professor e alunos poderão apropriar-se do texto de diferentes formas, sem necessariamente precisar ler os capítulos em sequência. A inventividade e a criatividade das discussões decorrentes dessa leitura abrem muitas possibili- dades interpretativas e imagéticas. Segundo nos informam os sociólogos Bour- dieu, Chamboredon e Passeron, na tentativa de ensinar ciência, acabamos por conduzir: A obediência incondicional de um organon de regras lógicas, que tende a produzir um efeito de “fechamento prematuro”, fazendo desaparecer, para falar como Freud, “a elasticidade nas definições”, ou como diz Carl Hempel “a disponibilidade semântica dos conceitos” que, pelo menos em certas fases da história de uma ciência, ou do desenrolar de uma pesquisa, constituem uma das condições da invenção (1999, p. 14). Afirmamos que esse quadro representa uma barreira, muitas vezes, in- transponível no entendimento sobre o que realmente constitui a área na qual o aluno está se inserindo ou passará a conhecer por um ou dois semestres. Quando os objetivos do pensamento científico são misturados, combinados e selecionados pelo professor, esse processo, em muitos casos, não leva em conta o perfil dos alunos. Esses alunos, algumas vezes, não conseguem diferenciar nem mesmo 10 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx conhecimentos sociológicos de filosóficos ou históricos e acabam distanciando-se da complexidade contida nos conhecimentos humanísticos. O resultado vivido na educação brasileira é a não identificação com a dis- ciplina, em grande medida por não conseguirem compreender a importância dos conhecimentos sociológicos para seu futuro intelectual e profissional, resultando na construção de enormes barreiras ao conhecimento sociológico. Como autores do presente livro, acreditamos no potencial desta proposta como um caminho possível capaz de aproximar os alunos de diferentes cursos da riqueza das obras clássicas da sociologia, quando apresentada sob o compromisso da simplicidade de termos e com um grande número de exemplos didáticos, sem, com isso, com- prometer o rigor teórico e acadêmico. É importante reforçar que os elementos fundamentais para a construção de um pensamento científico, ou seja, a construção de um pensamento abstrato, conceitual, complexo e objetivo, não estão presentes na maior parte da formação escolar do estudante brasileiro. Assim, o ingresso do aluno em uma universidade é algo digno de uma maior problematização, já que esse momento é fundamental para o estudante. Identificamos que esse período merece uma maior atenção, principalmente, no que diz respeito aos processos de maturação do pensamento abstrato-conceitual. Nesse sentido, defendemos a valorização da construção de publicações e tecnologias didáticas capazes de inserir gradualmente os educandos no mundo acadêmico, e é por esse somatório de elementos apresentados que esta obra di- dática se justifica. Como foi dito, ela não objetiva suprimir a necessidade de lei- tura dos clássicos da sociologia, mas, apenas, encorajar uma aproximação mais prazerosa e menos traumática a alunos iniciantes na leitura sociológica. Propo- mos, aqui, discutir alternativas que superem a estratégia didática da formação acadêmica tradicional, dialogando com autores de diversas escolas e correntes de pensamento, buscando refletir com os alunos o processo acadêmico, que convida todos em sala de aula a vivenciar a passagem gradual do senso comum para o pensamento científico. Esse processo permitirá a abertura de novas possibilidades para pensar- mos a composição de uma espécie de “etapas do pensamento no nível superior”. Nossa proposta se resume a pensar como seria essa primeira etapa, uma etapa que objetiva encorajar, dar sentido, mobilizar. Objetivamos, com a presente obra, aproximar os alunos do que Wright Mills chamou de imaginação sociológica, que, segundo ele: 11 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza Capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais amplo, em termos de seu significado para a vida intima e para a carreira exterior de numerosos indivíduos. Permite-lhe levar em conta como os indivíduos, na agitação de sua experiência diária, adquirem freqüentemente uma consciência falsa de suas posições sociais. [...] A imaginação sociológica nos permite compreender a história e a biografia e as relações entre ambas, dentro da sociedade. Essa é sua tarefa e sua promessa. A marca do analista social clássico é o reconhecimento delas [...] (1975, p. 11-12). Diferenciar o que Mills chama de consciência falsa dos conteúdos científi- cos constitui uma das principais dificuldades do aluno iniciante. Como é possível ao aluno diferenciar as falas dos políticos, das opiniões vigentes, dos textos cien- tíficos e das falas de um jornalista? Muitas vezes, todas essas questões são deba- tidas em sala de aula, cabendo ao professor conduzir os debates para aproximar os alunos de uma visão científica. Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1999) nos chamam a atenção para a necessidade de revisitar os clássicos sempre que for possível, pois somente assim assumiremos o compromisso de uma eterna vigi- lância epistemológica, necessária para a produção e o ensino de conhecimentos sociológicos. Ítalo Calvino, em sua obra Por que ler os clássicos (1993), afirma: “Um clás- sico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia” (1993, p. 14). Ou seja, clássicos são aqueles livros que servem de referência obrigatória para falar sobre algo no campo do conhecimento. Assim, a aproximação dos alunos dos clássicos da sociologia permite-lhes conhecer teóricos que são e serão referência do tema ou assunto, faz com que esses alunos encontrem o seu clássico: “O ‘seu’ clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele” (CALVINO, 1993, p. 13). Por mais contraditório que seja, se já é difícil para o aluno compreender as diferenças das lógicas discursivas existentes, esse processo fica ainda mais complicado quando são os próprios professores de outras áreas, os produtores do que chamou de obstáculo epistemológico por excelência porque “produz(em) con- tinuamente concepçõesou sistematizações fictícias ao mesmo tempo em que as condições de sua credibilidade” (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 1999, p. 23). Essa confusão acaba por afastar o aluno do pensamento crítico e complexo que constitui a base de uma formação superior. Distante do entendimento do que se passa nas aulas, o aluno passa a assumir uma postura utilitarista de estudar apenas “para passar”, e seu objetivo é receber o diploma. O ensino superior, para esses alunos, passa a ser entendido como um obstáculo, e não mais como uma oportunidade de acesso ao conhecimento acadêmico. 12 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx O aluno começa a negar a complexidade do processo de aquisição de novos conhecimentos e seu objetivo reduz-se a “passar” nas disciplinas com nota míni- ma, desejando terminar logo sua formação superior. Max Weber, em uma confe- rência publicada em 1918, já apontava para a característica utilitária nos jovens alemães em relação ao pensamento científico, ao afirmar que: Em nossos dias, quem continuaria a adotar essa mesma postura diante da ciência? Particularmente, a juventude está possuída de um sentimento inverso. Para os jovens, as construções intelectuais da ciência constituem um reino irreal de abstrações artificiais e ela se esforça, em vão, por colher, em suas insensíveis mãos, o sangue e a seiva da vida real (WEBER, 2006, p. 39-40). Os clássicos e a ruptura com o senso comum Diferente do uso político do senso comum defendido por Thomas Paine em Senso comum: os direitos do homem (2009), reservamos aqui um entendimento mais restrito a esse conceito. Senso comum constitui uma forma de conhecimen- to compartilhado socialmente. Permite que o cidadão comum possa entender e, assim, explicar o mundo que o cerca de forma suficiente para que seja possível viver em sociedade. As opiniões compartilhadas no cotidiano sobre diversos temas, sejam po- líticos, sociais ou econômicos, não constituem “opiniões pessoais”. Em grande medida, vemos o senso comum como resultado de opiniões compartilhadas, que são aprendidas e reproduzidas de formas diferentes, oferecendo a sensação de o sujeito possuir uma visão única, particular e original e, por isso, acreditar ser a “sua opinião”. Em parte, podemos identificar que o senso comum constitui uma forma de conhecimento que carrega algum tipo de lógica. Essa lógica dificilmente permite um entendimento profundo sobre as causas e os efeitos das questões que se dis- cute. O princípio do pensamento compartilhado carrega sempre uma lógica ex- plicativa simples, que, quando professada a outrem, seja facilmente entendida, memorizada e, assim, compartilhada novamente. Essa característica discursiva está muito presente também na comunicação midiática, na venda de produtos e na imposição de ideias pré-concebidas. O senso comum já foi identificado também como uma tentativa empirista de dar conta da realidade. O sujeito é levado a considerar apenas os exemplos que ocorrem no seu cotidiano, e, com o tempo, tende a identificar alguns padrões. Ele passa, então, a acreditar que é possível generalizar esses padrões localiza- dos como verdades universais de forma especulativa. Segundo afirma Vygotsky, “Poder-se-ia dizer que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos da criança é ascendente, (indutivo)” (1991, p. 93). Esse processo subjetivo é comum ao ser 13 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza humano. Hannah Arendt identifica o senso comum como processo especulativo presente inicialmente nos políticos gregos, e afirma que: Os gregos davam a essa faculdade o nome de phrónesis, ou discernimento, e consideravam-na a principal virtude ou excelência do político, em distinção da sabedoria do filósofo. A diferença entre esse discernimento que julga e o pensamento especulativo está em que o primeiro se arraiga naquilo que costumávamos chamar de senso comum, o qual o último constantemente transcende. [...] A isso devemos o fato de nossos cinco sentidos e seus dados sensoriais, estritamente pessoais e “subjetivos”, se poderem ajustar a um mundo não-subjetivo e “objetivo” que possuímos em comum e compartilhamos com os outros. O julgamento é uma se não a mais importante atividade em que ocorre esse compartilhar-o-mundo (ARENDT, 2007, p. 275-276, grifo nosso). É possível identificar também, nas falas de senso comum, a existência de resquícios de verdades ou explicações científicas do passado. Dessa forma, mui- tos conhecimentos aprendidos na escola pelas gerações passadas são repassados para seus filhos como verdades fixas. Assim, o aprendizado de senso comum tem sua origem no espaço doméstico, o que, em parte, não deixa de construir uma espécie de manutenção das verdades do passado, que a geração anterior utiliza como forma de explicação do mundo. O problema das chamadas “verdades do passado” é que elas possuem grandes chances de já terem sido problematizadas e superadas por novas pesquisas e estudos, mas teimam em permanecer no ima- ginário popular. É importante não confundir senso comum com cultura popular, saber popu- lar e tradições culturais. Nesses casos, independente de serem científicos ou não, tratam-se de saberes que carregam tradições e enriquecem a diversidade cultu- ral. Dessa forma, o senso comum não engloba a situação espontânea de apren- dizagem, mas constitui um conhecimento que acontece espontaneamente, sem uma instrução prévia, mas de forma extremamente rica e extensa, e não existe conhecimento acadêmico ou escolar correspondente a ser proposto. Reconhece- mos os saberes locais e populares como possuidores de um alto nível de validade para pensar os problemas locais (NACIONES UNIDAS, 2013). A discussão que propomos não pode ser simplificada como a defesa de que o único saber válido é o saber científico e que qualquer outro conhecimento não seja dotado de validade, acusando-nos de portar uma concepção positivista1 de educação. Constatamos, apenas, que o saber científico constitui um tipo dife- rente de conhecimento, com características particulares que o tornam um todo complexo mais coerente, que é chamado de pensamento científico por ter método e formas objetivas de explicação da realidade. 1 Como ocorreu com Émile Durkheim, conforme veremos no Capítulo 1. 14 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx Isso posto, voltamos a discutir a realidade cotidiana dos alunos que travam uma batalha de entendimento do mundo em seu cotidiano. Sabe-se que, no Bra- sil, falar sobre política, cultura, sociedade, futebol ou qualquer assunto da ordem do dia é corriqueiro, pois se considera que sejam assuntos de livre discussão e interpretação. Mesmo nos espaços de ensino, os alunos aprendem a falar livre- mente, a criticar e a defender soluções para questões que cercam sua realidade. Esses jovens encontram-se, em grande medida, imersos em atitudes e opiniões do senso comum. De alguma forma, o senso comum constitui um forte empecilho para a cons- trução de conhecimentos e entendimentos mais complexos sobre o real. Explicar a realidade constitui uma forma de poder e o desejo de possuir esse poder pelo caminho mais fácil é algo altamente desejável para qualquer ser humano. O que nos ajuda a problematizar a questão do ensino de sociologia é que ela constitui uma ciência que carrega a tentativa de superação das visões ingênuas e busca identificar suas próprias limitações, oferecendo um arcabouço conceitual para análise do real. Nas palavras de Émile Durkheim: “[...] a própria ciência se assenta na opinião, a sociologia é uma ciência da opinião. Porém, ela não faz opinião, ela esclarece e a torna mais consciente de sí. [...] E é da opinião que ela tira força para agir sobre a opinião” (1989, p. 178). A batalha mais dura a ser travada dar-se-á no momento do ingresso dos alunos no espaço universitário. Nesse ambiente, talvez pela primeira vez, eles serão confrontadoscom autores, métodos e níveis de complexidade relativamen- te novos. Acostumados a falar e a reproduzir o que aprenderam de forma simples e sem levar em conta a origem das ideias que defendem, percebem a grande difi- culdade de se adaptar ao mundo da leitura, do questionamento, e ter de reconhe- cer, cotidianamente, as limitações das opiniões que carregam sobre a realidade. Existiria uma demanda de uma nova postura, uma espécie de ideal de humilda- de, em relação ao conhecimento, quase inexistente no espaço de ensino escolar, a qual Sócrates definia como um princípio necessário para o ato de conhecer, ou seja, “Só sei, que nada sei”. Nesse sentido, as ciências sociais têm como grande desafio a construção da consciência crítica necessária ao próprio aluno e seu poder de refletir sobre os valores e as condutas oriundas da educação e socialização que recebeu. O contato com os clássicos da sociologia permitirá que o estudante, mesmo que não sonhe em ser um analista da sociedade, seja capaz de tornar-se consciente da limitação e do potencial da sua formação, buscando perceber a realidade social de forma mais complexa e autônoma, com uma percepção geradora de autonomia. A ori- ginalidade da obra consiste justamente em adequar a linguagem acadêmica de nível superior às características de um público que terá apenas um breve contato 15 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza com a sociologia e que possui uma necessidade diferenciada na instrumentaliza- ção desses autores. É com esse conjunto de elementos que convidados o leitor a mergulhar nos clássicos da sociologia. Seja muito bem-vindo à viagem rumo à origem da so- ciologia, e para fazer companhia nessa empreitada, convidamos os clássicos da sociologia: Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Boa leitura. Referências ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean Claude; PASSERON, Jean Claude. A profissão de sociólogo: preliminares epistemológicas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos?. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. DURKHEIM, Emile. As formas elementares da vida religiosa. Traduzido por Joaquim Pereira Neto. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1989. MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. 4. ed. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Ja- neiro: Zahar, 1975. 246 p. NACIONES UNIDAS. Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura. Asamblea General de Naciones Unidas. Resolución 66/288. El futuro que quere- mos. 11 de septiembre de 2012. New York: United Nations, 2013. Disponível em: <http://www. un.org/es/comun/docs/?symbol=A/RES/66/288>. Acesso em: mar. 2016. PAINE, Thomas. Senso comum: os direitos do homem. São Paulo: L&PM, 2009. Originalmen- te publicado em 1776. WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2006. VYGOTSKY, L. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. http://www.un.org/es/comun/docs/?symbol=A/RES/66/288 http://www.un.org/es/comun/docs/?symbol=A/RES/66/288 Capítulo 1 Émile Durkheim – a emergência de um objeto científico chamado social Reprodução de fotografia de Émile Durkheim1 1 Disponível em: <www.revistaenie.clarin.br>. Acesso em: 9 abr. 2016. 17 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza Introdução Para iniciar um texto explicativo sobre um pensador considerado filósofo social, antropólogo e “pai” fundador da sociologia, será preciso começar com a problematização de algumas questões básicas. Se pensarmos ciência como um tipo específico de conhecimento, podemos problematizar algo central: como se origina um novo campo de conhecimento científico? Para responder a essa e a outras questões, será necessário provocar o leitor a se perguntar sobre a origem do seu próprio campo de conhecimento. Para estudantes de engenharias, ciências da saúde, ciências matemáticas, comunicação, licenciaturas e tantos outros cursos que integram uma universidade, caberiam as seguintes perguntas: quais foram os pensadores que iniciaram a pro- blematização de cada uma dessas áreas? Como a área que você escolheu estudar de- limitou e fortaleceu historicamente seu próprio objeto de conhecimento científico? Estudantes universitários conseguem, em grande medida, traçar minima- mente a diferença entre uma formação universitária e uma formação técnica. Talvez não exista nada mais irritante que um familiar ou amigo que confunda cotidianamente essas áreas de atuação e pergunte com ar de provocação: “Para que serve um engenheiro mecânico, se ele não consegue arrumar um carro ava- riado?”; ou como aceitar que um analista de sistemas não consiga formatar o computador pessoal da própria mãe?; ou ainda que arquiteto é esse que não é capaz de “levantar” uma parede de tijolos. É compreensível, porém, que quem não tem formação universitária, ou não convive com pessoas com tal formação, confunda cotidianamente essas questões. Para os não iniciados na formação científica, a ideia é de que a teorização e a execução técnica de atividades seja “tudo a mesma coisa”, ou seja, o pensamento comum tende a acreditar que as áreas técnicas e acadêmicas não se diferenciam, e que todas deveriam servir para resolver as necessidades do dia a dia. Para quem está ingressando na universidade e deseja integrar o espaço da produção de conhecimento, seja como bolsista ou voluntário em algum grupo de pesquisa,2 será necessário construir uma melhor compreensão sobre os elemen- tos constituintes do fazer científico. Um dos objetivos fundamentais na trajetória de formação de um aluno de graduação é fazer com que ele compreenda os mé- 2 A melhor forma de um aluno conhecer os projetos de pesquisa ou extensão da sua universidade está em atitudes muito simples: procurar os setores de pesquisa e extensão, seja na página da universidade, seja visitando os setores, ou ainda perguntando pessoalmente para os professores com os quais mais se identifica com sua postura e metodologia, caso eles façam parte ou coordenem projetos de pesquisa e extensão. Em linhas gerais, todo professor extensionista ou pesquisador procura alunos proativos, que desejem conhecer seus projetos. Ingressar como voluntário é sempre a melhor forma de conhecer o que a universidade tem a oferecer. 18 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx todos de produção e validação do saber em sua relação com leituras, professores e orientadores. É nesse sentido que emergem duas questões importantes: como surge um campo de conhecimento científico específico? Quais são as bases de fundação de um novo estatuto científico? O presente capítulo pretende percorrer a formação de um campo de co- nhecimento científico, sua emergência e sua consolidação como uma ciência que estuda o social, acompanhando o esforço teórico de seu precursor. Pretendemos identificar na proposta de Émile Durkheim o contexto histórico, político e social em que houve a emergência de sua teoria, para, somente depois, apresentar os principais elementos conceituais e metodológicos que constituem o fazer socioló- gico proposto por esse pensador. Émile Durkheim, um homem de seu tempo Filho de rabino, nascido em 1858, na cidade de Épinal, noroeste da França, David Émile Durkheim acompanhou um período intelectual altamente influen- ciado pelo chamado “espírito moderno”. A educação francesa acompanhava de forma vívida o avanço da ciência e da democracia, com uma economia que des- pontava como um “neocapitalismo”, que influenciou quase um século mais tarde o surgimento do Welfare State (Estado de bem-estar social). Com formação acadêmica chamada normale (1879-1882), Durkheim con- quista seu título de Agregé de Philosophie. Começa como professor de filosofia em escolas da região, até conquistar seu espaço como professor de pedagogia e de ciência social na Faculté de Lettres de Bordeaux (1887-1902).Do meio para o final do século XIX, período intelectual mais produtivo de Durkheim, surgiram também pensadores importantes em outros campos do co- nhecimento. No campo das ciências naturais, com Charles Darwin (1809-1882), na psicanálise proposta por Sigmund Freud (1856-1939), na física, com Albert Eins- tein (1879-1955), na química e medicina, com Louis Pasteur (1822-1895), e na pró- pria sociologia e economia, com as obras do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883). No contexto europeu como um todo, o período de vida de Durkheim ensejou mudanças políticas e sociais muito profundas. Em países próximos ocorreram prévias de importantes revoluções, tais como a alemã (1918) e a Revolução Russa (1917), que ilustram o contexto de influência das mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas no entorno do território francês. Foram tão intensas essas mudanças sociais na vida de Durkheim, pois que até a própria França vivenciara a Revolução Francesa (1789-1799), que representou uma dos movimentos mais radicais no que diz respeito ao modelo político e social, calcado nos ideais de 19 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza igualdade, liberdade e fraternidade. É possível, inclusive, localizar no seu pró- prio local de nascimento, região que ficava entre a Alsácia e a Lorena, o conflito que iniciou com a tomada pela Alemanha, em 1871, resultando na guerra entre esses dois países. Se partirmos dessa conjuntura, em que as ideias de Émile Durkheim emer- gem, é possível entender as premissas filosóficas e teóricas que culminaram na sua proposta científica. José Alberto Rodrigues, que escreve a introdução e orga- niza a coleção Sociologia, dedicada a Émile Durkheim, afirma: “Na adolescência, o jovem David Émile presenciou uma série de acontecimentos que marcaram de- cisivamente todos os franceses em geral e a ele próprio em particular” (2000, p. 7). As obras sociológicas e sua concepção de sociedade Estudando a fundo as principais teorias filosóficas publicadas até então, em seu período, Durkheim materializa esse resgate em sua tese complementar, intitulada Montesquieu e Rousseau, precursores da sociologia (Montesquieu et Rousseau, précurseurs de la sociologie), publicada em 1892. Posteriormente, o autor publica sua principal tese, intitulada Da divisão do trabalho social (De la division du travail social), em 1893, que alcançou grande repercussão em sua época, influenciado fortemente por teóricos como Auguste Comte (1798-1857) e Herbert Spencer (1820-1903). Logo após, publica sua obra célebre As regras do método sociológico (Les règles de la méthode sociologique), em 1895, e O suicídio (Le suicide), em 1897. Conforme afirma Rodrigues: “Num período de somente seis anos, foram editados praticamente três quartos da obra sociológica de Durkheim, que de- monstra uma extraordinária fecundidade teórica” (2000, p. 13). No Quadro 1, enumeram-se as obras publicadas e a respectiva data de publicação. 20 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx Quadro 1 – Principais obras de Émile Durkheim em ordem cronológica Entre uma das principais preocupações teóricas desse pensador estava a consolidação da sociologia como área de produção específica de conhecimento científico. Foi Durkheim que conduziu o positivismo comteano a uma relevante elevação de suas premissas filosóficas, a um patamar científico. Foi responsável, também, por trazer o método hipotético-dedutivo para o interior de uma ciência social, propondo uma metodologia de pesquisa extremamente relevante para o período. Nessa perspectiva, ele demonstra que a produção de pesquisa quanti- tativa com bases estatísticas teria a capacidade de conduzir a sustentação de teorias e hipóteses explicativas sobre os fenômenos sociais. Dito isso, caberia, então, a identificação mais geral da sua concepção de sociedade, para, depois, percorrermos os conceitos centrais presentes em sua ampla produção teórica. É sabido que toda teoria existente, de qualquer campo do conhecimento, está alicerçada em premissas filosóficas e é necessário compreender minima- Fo nt e: W E S C H E N FE LD E R , J oã o P ed ro M oc el lin , 2 01 6. 21 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza mente essas bases para então identificar seus limites e possibilidades. Dentro de uma ciência como a sociologia, que nasce em um período conturbado, não é pos- sível negar as influências que os contextos político, social, econômico e cultural tiveram na formulação de uma teoria explicativa sobre o social. Inserido dentro de um ideal positivista de pensamento, Durkheim iden- tifica que uma das principais funções de sua concepção de sociologia seria a de objetivar a conservação das sociedades. O risco de os conflitos sociais colocarem fim ao equilíbrio social e, talvez, como consequência mais radical, colocar fim à existência humana acende um sinal de alerta em Durkheim. Essa preocupação, legítima em seu tempo, insere na concepção de sociedade pensada por Émile a consolidação de uma ciência capaz de garantir o equilíbrio social. Sobre a consolidação de um novo campo de conhecimento, o diálogo com as demais ciências transforma-se em uma questão estratégica. Segundo Durkheim (2005a), diferentemente dos animais e dos minerais, por exemplo, a humanidade viveria no que ele chamou de reino social. Esse diálogo com as ciências naturais cobrará um preço alto devido às críticas que receberá posteriormente, principal- mente no que diz respeito à crença de neutralidade científica contida no seu ideal de método sociológico proposto. Sua preocupação acerca do conceito de solidariedade social revela sua concepção funcionalista de sociedade em boa parte de suas obras. Seus estudos apontavam para uma busca incessante em relação à função de cada indivíduo, instituição e grupos sociais na manutenção da própria sociedade. Essa solidarie- dade não tem o sentido cristão, ou seja, não significa “ajudar o próximo”. A ideia de solidariedade de Durkheim aponta mais para um dever moral de cooperação com a sociedade, um mecanismo central na engrenagem, que necessita de equilí- brio para manutenção do todo social harmônico. Segundo Durkheim (2005a), a moralidade é um dos aspectos sociais que teria uma função central para o fortalecimento da coletividade. A educação deve- ria, segundo ele, apontar principalmente para a manutenção e o fortalecimento de crenças, valores e comportamentos definidos como corretos pela coletividade. Uma proposta de educação com perfil positivo, tal como consta na bandeira bra- sileira, “Ordem e Progresso”, seriam elementos balizadores do ideal de sociedade para Durkheim. Cada sociedade contaria com seus próprios valores, regras e condutas, e caberia à educação ensinar esses conteúdos considerados “corretos”, com a finali- dade de garantir que seus membros carreguem os valores e as condutas que a so- ciedade necessita. Se cada sociedade tem seus próprios valores e comportamen- tos socialmente desejados, caberia à educação a ratificação dos seus conteúdos, garantindo, assim, a manutenção e o equilíbrio da sociedade. 22 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx Como exemplo, na Roma Antiga, o conteúdo da educação era diferente do conteúdo da educação espartana, porém, em ambas as sociedades, a função da educação seria a mesma, ou seja, formar indivíduos sociais capazes de atender às demandas sociais. Cada sociedade tem o poder de definir as características que a definem, ou seja, garantir que a educação forme a próxima geração, garantindo uma consciência coletiva uniforme e avessa a contradições. A educação na con- cepção de Durkheim não constitui um ato natural e seu conteúdo não é uma in- venção individual (como afirma o senso comum: uma escolha livre do indivíduo), mas um exemplo de comportamento social, em que conteúdo, formas e meios são socialmente compartilhadose legitimados pela própria sociedade. Essa crença no potencial da ciência e da razão como elementos principais na educação e na evolução da sociedade apontava para uma proposta de edu- cação científica, laica e voltada à formação de sujeitos segundo as necessidades da sociedade. Essa postura levou Durkheim a defender um tipo de sociologia holística, ou seja, dos entendimentos gerais e amplos, presentes na sua proposta conservadora e funcional de educação e sociedade. Como veremos na sequência, a educação será uma peça fundamental na inserção dos indivíduos na sociedade. Conceitos principais, o nascimento do método sociológico Logo nas primeiras páginas de seu livro As regras do método sociológico, o primeiro na história escrito por um sociólogo, Durkheim (2005a) discute exclu- sivamente uma metodologia de pesquisa científica, assim identificamos a prova cabal da paternidade e o desejo consciente de nascimento de uma nova ciência. Durkheim apresenta uma definição central capaz de responder à grande parte das questões apontadas inicialmente no presente texto. A definição conceitual de fato social proposta por Durkheim teria a exa- ta função de definir de forma geral o objeto de estudos da sociologia, ou seja, “designar mais ou menos todos os fenômenos que se dão no interior da socieda- de, por menos que apresentem, com certa generalidade, algum interesse social” (DURKHEIM, 2005a, p. 1). O que poderia parecer uma imprecisão conceitual na citação anterior, ao afirmar “mais ou menos todos os fenômenos”, serviria para propor uma proble- matização didática ao leitor. Quando perguntamos: O que estuda a sociologia? Normalmente, o tipo de resposta que obtemos é: “a sociologia estuda a socieda- de”. Na realidade, essa resposta é altamente imprecisa e superficial, mas extre- mamente comum no Brasil, onde grande parte dos alunos que tiveram experi- 23 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza ência educativa na disciplina de sociologia em sua trajetória escolar encontrou ministrando essa disciplina profissionais sem formação específica na área. A sociologia não estuda a sociedade, a sociologia tem como objeto de estudo, segundo Durkheim, tudo aquilo que for resultado do social. Assim, o verdadeiro objeto de estudo da sociologia é o “social”, nas palavras do autor: [...] eis, portanto, uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõe a ele. Por conseguinte, eles não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em ações; nem com fenômenos psíquicos, os quais só têm existência na consciência individual e através dela. Esses fatos constituem portanto uma espécie nova, e é a eles que deve ser dada a qualificação de sociais (DURKHEIM, 2005a, p. 2). Se o social constitui um objeto de estudo específico, então é passível de ser identificado facilmente na nossa realidade cotidiana. Porém, afirmar que tudo que acontece na sociedade é resultado do social é altamente impreciso e simplifi- cador. Podemos pensar em comportamentos comuns que se realizam no interior da sociedade, mas que, a princípio, não resultam de uma influência social. O ato de tropeçar, o ato de criar um alfabeto próprio para que se possa escrever em um diário secreto ou, mesmo, o ato de espirrar por causa de uma alergia seriam exemplos de fatos individuais. A grande complexidade do objetivo da sociologia está, primeiramente, em diferenciar comportamentos individuais de comporta- mentos sociais, já que apenas os últimos podem ser explicados e problematizados pela sociologia. A real diferença entre o individual e o social poderá ser revelada por meio do seu conceito de fato social. O fato social constituiria uma possibilidade inter- pretativa capaz de identificar na realidade apenas aqueles comportamentos que são resultado de um aprendizado social, que poderiam conter explicações sociais. A criação desse conceito tornou possível: [...] representar, de maneira precisa, o domínio da sociologia. Ela compreende apenas um grupo determinado de fenômenos. Um fato social se reconhece pelo poder de coerção externa que exerce ou é capaz de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder se reconhece, por sua vez, seja pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a toda a tentativa individual de fazer-lhe violência (DURKHEIM, 2005a, p. 10). Em linhas gerais, para que um fato seja definido como social, terá sempre de satisfazer três características básicas, ou seja, esse comportamento deve ser obrigatoriamente exterior ao indivíduo, coercitivo e generalizado. Assim, sempre que quisermos explicar e compreender um comportamento pela sociologia, será necessário perguntar: esse comportamento é uma criação individual ou é social- 24 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx mente aprendido? Para responder a essa pergunta, será sempre necessário, pri- meiramente, descobrir se esse comportamento constitui um legítimo fato social. Para Durkheim (2005a, 2008a), quando nascemos, somos seres formados apenas por necessidades naturais: emoções e necessidade fisiológicas, tais como fome, frio, calor, sono, sede, raiva, alegria e tristeza, ou mesmo as necessidades de defecar e urinar, que seriam exemplos de atributos inatos e inscritos na crian- ça desde o seu nascimento. Quando nascemos, somos formados apenas por um conjunto de necessidades naturais, e, ao longo da vida, vamos recebendo compor- tamentos e necessidades de ordem social. O ser humano, só pode ser considerado um ser social, pois, diferentemente dos demais mamíferos, somos os únicos que apresentam comportamentos sociais, ou seja, só nos tornamos humanos se for- mos educados para tal. Prova da nossa necessidade de socialização, da nossa eterna necessidade do conviver com outros seres humanos, está na própria justificativa da definição de o humano ser precedido por um verbo. Ser humano significa que nunca nos tornamos humanos totais, pois a nossa humanização é um processo sem fim, é ação pura. Conforme define Paracelso: “A aprendizagem é a nossa vida, desde a juventude até a velhice, de facto quase até a morte; ninguém vive durante dez horas sem aprender” (1951 apud BRITO, 2004, p. 12). A socialização é tão central que todos os casos de crianças que foram abandonadas, isoladas ou excluídas do convívio em sociedade nos primeiros me- ses de vida resultaram em seres que nem de longe apresentam comportamentos considerados humanos. O cinema nos oferece exemplos, como os personagens Tarzan ou Mogli, conhecidos, respectivamente, como menino macaco e menino lobo. Houve, também, exemplos reais, como o caso indiano das irmãs Amala e Kamala, adotadas e “criadas” por uma matilha de lobos. Esses casos são ilustra- tivos de crianças que foram abandonadas em florestas e, devido ao convívio com animais, adquiriram seus hábitos e comportamentos, sem apresentar nenhuma característica humana socialmente reconhecível. Sem falar nos inúmeros casos de crianças isoladas em quartos e porões escuros, que, ao serem descobertas, apresentavam aspectos e comportamentos impossíveis de serem categorizados como humanos. Aquilo que apresentamos como comportamento social é resultado dire- to da nossa educação e do convívio com outros seres em sociedade. O objeto da sociologia definida por Durkheim consiste exatamente em estudar esse tipo de conteúdo, que pode ser ensinado, aprendido e reproduzido, ou seja, é exterior ao indivíduo. Não sendo natural ou automático, mas socialmente construído na vida do indivíduo. É esse conjunto de comportamentos que são definidos pela coletividade como corretos e são reproduzidos de forma generalizada. E, ainda, 25 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souzasão comportamentos definidos como corretos e salutares, por isso, os sujeitos são coagidos, ou mesmo obrigados, a segui-los, sob a pena de serem punidos ou até excluídos do convívio pelos demais. Desse modo, podemos definir que a educação é algo eminentemente social, pois prepara o indivíduo para a vida em uma sociedade específica. Essa sociedade, no momento do nascimento do indivíduo, já está criada, construída com regras e comportamentos definidos. Apesar de não ter sido pensada ou criada por um indi- víduo, ou seja, não existe um líder ou um dono da sociedade, todo novo indivíduo que nasce terá apenas que aprender e se adaptar para poder viver no coletivo. Em resumo, todas as sociedades têm fatos sociais, o que varia em cada uma é o seu conteúdo e as formas adotadas para repassá-lo aos seus novos membros. A proposta conceitual de Durkheim é sobre a importância da capacidade do estudioso e observador da sociedade de diferenciar um fato individual de um fato social. Assim, todo o fato social será, a princípio, o objeto legítimo de estudo da sociologia. Essa definição clara retira o poder anterior que as outras ciências detinham, que tentavam explicar os comportamentos sociais com interpretações como a do inatismo (comportamentos naturais, dados na genética ou na natu- reza humana) ou de que os comportamentos seriam, basicamente, resultado de escolhas individuais e racionais (a ideia que vigora na opinião comum, em que se acredita que todos têm as mesmas chances, e que seria a escolha errada que conduziria sujeitos a cometer crimes, por exemplo). Para Durkheim, ao contrário dessas explicações insuficientes, o indivíduo não teria espaço para ter uma ação livre, suas ações seriam resultado de fatores sociais e suas opções de conduta seriam resultado do tipo de aprendizado que re- cebeu ao longo de sua vida. “Não podemos escolher a forma de nossas casas, nem a de nossas roupas; pois uma é tão obrigatória quanto a outra” (DURKHEIM, 2000, p. 51). Se, por exemplo, tivermos o desafio de refletir sobre o ato de tropeçar no momento em que andamos distraídos na rua, inicialmente, a cena pode ser ime- diatamente vista como um fato individual. Podemos categorizar essa ação como algo individual, pois não apenas não aprendemos uma forma correta de tropeçar como esse comportamento não é estimulado socialmente, ninguém estimula ou obriga outra pessoa a tropeçar, tampouco esse comportamento seria algo correto, que seria estimulado a ser praticado em alguma situação especial. Apesar do ato de tropeçar ser algo comum e generalizado, não basta satisfazer apenas uma ou duas características do fato social proposto por Durkheim. Para que um fato seja considerado social, as três características deverão sempre ser satisfeitas, do contrário, a sociologia não pode pretender explicar essa ação de forma suficiente. 26 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx Outro exemplo ilustrativo poderia ser o fenômeno da fome. Sentir fome é uma necessidade humana natural e é algo interno ao indivíduo, por isso, pode- ríamos definir a fome como um fato biológico ou uma necessidade individual. Porém, se pensarmos que vivemos em sociedade e que o acesso ao alimento está sempre relacionado ao tipo de sociedade, cultura e economia em que se vive, será possível problematizar a fome como um objeto social (sentir fome e logo dirigir-se à geladeira ou a um restaurante é uma questão, mas passar fome por motivos de desigualdade social, nascer e viver em locais onde a fome é algo comum e viver em um país onde parcelas da população passam fome transformam uma questão biológica e individual em uma problemática social). Começamos, assim, a iden- tificar que, dependendo do problema que formulamos, um fato pode ou não ser um objeto de estudo social. Se a fome passa a ser um problema coletivo e o nosso objetivo passa a ser o entendimento da fome como um processo social, ela passa a ser entendida como um fato social. Se o problema que se quer descobrir são os fatores que causam a fome em um determinado país, começamos a cercar um objeto sociológico, ou seja, nesse contexto, a fome é algo generalizado, que precisa ser discutido considerando algumas questões: ocorre em algumas regiões ou classes sociais espe- cíficas? Essas pessoas não comem por falta de acesso ao ali- mento? Será necessário identificar se existem garan- tias de acesso a um trabalho digno para todos e, nas palavras de Durkheim, é necessário identificar se essas pessoas são coagidas ou não têm nenhu- ma possibilidade de escolha de fazer parte ou não do de- semprego formal. Nesse sen- tido, se for possível identifi- car que a fome constitui um problema social e econômico, podemos identificar esse fato como algo exterior ao indiví- duo, a fome constitui, então, um fato social legítimo nesse contexto social. Para tornar mais com- plexa essa análise proposta por Émile Durkheim, a ação resultante no ato de tropeçar Fo nt e: S IL VA , P at ric k , 2 01 6. 27 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza (fato individual) poderá resultar em uma consequente queda. Poderíamos conti- nuar definindo essa ação como outro exemplo de fato individual, já que ninguém gosta ou é coagido socialmente a cair. Porém, precisaríamos descobrir se em uma dada sociedade, que se deseja observar, existe algum tipo de educação capaz de ensinar as formas corretas de cair sem se machucar. Esse seria o caso, por exemplo, do Japão, que tem como um dos esportes nacionais a prática do judô. Entre os principais elementos ensinados nessa ati- vidade, está a arte de aprender a cair. Se identificarmos que na sociedade japo- nesa existe o ensino de como se deve cair, o que poderia ser um fato individual em dada sociedade pode ser um fato social em outra, pois passa a satisfazer as três características constitutivas de fato social. O momento em que o ato de cair transforma-se em uma ação social aprendida é o exato momento em que um ato individual transforma-se em um fenômeno social. Durkheim afirma: Quando as consciências individuais, em vez de ficarem separadas, entram em relação íntima, agindo ativamente umas sobre as outras, origina-se de sua síntese uma vida psíquica de um novo gênero [...] Ele sente-se como que transportado para um mundo diferente daquele onde frui a existência privada. A vida não é apenas intensa; ela é qualitativamente diferente. Arrastado pela coletividade, o indivíduo desinteressa-se de si mesmo, esquece-se de si, dá-se por inteiro aos objetivos comuns (2000, p. 58). Essa afirmação remete ao exemplo da língua falada em cada país. Não temos a possibilidade de escolher a língua que iremos falar nem, muito menos, existe a possibilidade de que cada indivíduo possa falar uma língua própria, cria- da individualmente. Contudo, o indivíduo não é obrigado a limitar-se ao uso de apenas uma língua. É possível ao indivíduo morar em qualquer país ou mesmo a aprender outras línguas, assim, com o tempo, ele poderá chegar a sonhar na língua recém-aprendida. De tal modo, a língua seria um exemplo claro de fato social, pois aprendemos línguas que são exteriores a nós e são gradativamente in- trojetadas em nossa mente. Existe então um movimento de assimilação de infor- mações socialmente compartilhadas, ou seja, informações generalizadas. E, no momento da fala, o indivíduo é coagido a falar a língua definida como correta e é corrigido se tentar falar de forma distinta ao que é convencionado, identificamos o mesmo fato com os sotaques, as formas de se vestir e de se comportar. Porém, surge um problema de ordem metodológica: como o sociólogo pode estudar os fatos sociais se ele próprio está inserido em uma sociedade e também recebeu uma educação social? Como o sociólogo seria capaz de se distanciar dos seus valores e preconceitos resultantes de sua educação familiar e de sua traje- tória social? Durkheim propõe, metodologicamente, ao sociólogoque ele trate os fatos sociais como coisas sociais, ou seja, o pesquisador precisa ser treinado com méto- 28 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx dos para que seja capaz de suspender seus próprios valores, preconceitos e pré- -noções, na busca por uma pesquisa social construída por um olhar neutro e obje- tivo. A crença da neutralidade científica seria uma das principais características da herança positivista desse pensador em outra parte significativa de suas obras. Organismo social, divisão do trabalho e solidariedade Em sua tese de doutora- mento, intitulada Da divisão do trabalho social, de 1893, Émile Durkheim (2008b) es- tabeleceu as bases de uma so- ciologia macrossocial, ou seja, uma teoria social com capaci- dade de comparar sociedades diferentes, utilizando catego- rias que sejam comuns a elas, buscando construir categorias capazes de identificar o nível de evolução das sociedades com base no critério de complexida- de. Os critérios de divisão do trabalho social e o tamanho da população seriam definidores do tipo de solidariedade e, con- sequentemente, do seu nível de complexidade. Durkheim propõe dois níveis diferentes de sociedades, categorizadas entre tipos sociais, definidas como sociedades simples e sociedades complexas, detento- ras de solidariedades mecânicas e orgânicas, respectivamente. Nas palavras de Durkheim: Começa-se por classificar as sociedades segundo o grau de composição que estas apresentam, tomando por base a sociedade perfeitamente simples ou de segmento único; no interior dessas classes se distinguirão as diferentes variedades, conforme se produza ou não uma coalescência completa dos segmentos sociais (2005a, p. 86). Fonte: WESCHENFELDER, João Pedro Mocellin, 2016. 29 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza De modo geral, podemos citar como exemplo característico da sociedade simples ou “primitiva”, pensada por Durkheim, uma “tribo primitiva” isolada do contato com outras sociedades, formada por uma aldeia com um número reduzi- do de famílias. Sociedades assim teriam em seus membros uma enorme consci- ência coletiva e, por esse motivo, a solidariedade seria do tipo cooperativo. Como característica resultante, “a solidariedade que deriva de semelhanças atinge seu maximum quando a consciência coletiva abrange exatamente nossa consciência total e coincide em todos os pontos com ela; mas, nesse momento, nossa individua- lidade é nula” (DURKHEIM, 2000, p. 82). O pensamento de cada membro desse coletivo seria de uma ordem coletiva, o apelido ou nome social e seu papel nessa tribo seriam definidos em função da sua contribuição para o grupo. Esse conjunto de elementos formaria o que Durkheim tipificou como solidariedade mecânica. Como exemplo das sociedades complexas, têm-se as grandes cidades, cons- tituídas por um imenso contato com outras cidades em seu entorno, com uma quantidade significativa de pessoas vivendo suas rotinas diárias altamente di- versas. Para Émile Durkheim, essas sociedades teriam um crescente nível de especialização das atividades produtivas, uma divisão do trabalho social que leva em conta critérios altamente diversificados e especializados. Segundo afirma o autor, “A solidariedade produzida pela divisão social do trabalho é totalmente diferente. [...] Só é possível se cada um tiver uma esfera própria de ação e, conse- quentemente, uma personalidade” (DURKHEIM, 2000, p. 83). Esse conjunto de características teria como resultado um ambiente social altamente propício para a emergência de indivíduos, o que teria como resultado uma sociedade caracteri- zada por um tipo de solidariedade orgânica. Dentro desses dois tipos de solidariedade existentes, os valores morais se- riam elementos cuja função principal seria a de manter sólidos os laços sociais de pertencimento. Porém, o que ocorreria se algum indivíduo não respeitasse a determinação de leis, normas e comportamentos? Se esse sujeito não obedeces- se e não reproduzisse exatamente o que lhe foi ensinado? Em outras palavras, como Durkheim explicaria comportamentos conflitivos, tais como greves, crimes e guerras? Para esse pensador que buscou intelectualmente constituir uma nova ci- ência social, com capacidade para explicar, e, assim, auxiliar a sociedade a se manter em equilíbrio, todos os comportamentos que tivessem a pretensão de de- sequilibrar ou causar mudanças sociais, que seriam identificados como anomias. O conceito de anomia pode ser entendido como um tipo de doença social, algo que deveria ser erradicado e minimizado, pois destoaria da ordem social vigente. Sociedades que vivem momentos de guerra e conflito social são considera- das por Durkheim como sociedades anômicas, ou seja, sociedades que estão vi- 30 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx vendo um desequilíbrio no organismo social e colocando em risco sua existência. Caberia à sociologia explicar as causas dessa anomia e, logicamente, apontar so- luções. Seguindo essa linha, podemos problematizar o crime e o comportamento criminoso com base na perspectiva teórica de Durkheim. O crime constituiria um exemplo de comportamento anômico, pois nenhu- ma sociedade manter-se-ia equilibrada e organizada se seus indivíduos fossem educados para agir transgredindo as leis e os costumes vigentes. Cometer um crime constitui uma atitude que confronta as leis, estatuto principal utilizado para definir de forma positiva e pública a diferença entre o certo e o errado nas sociedades. O criminoso, porém, não pode ser responsabilizado pelo seu ato sem que se leve em conta a crítica ao próprio organismo social que apresenta falhas em sua organização e manutenção. Se o comportamento criminoso surge no indi- víduo, esse recebeu o estímulo social e apenas reproduziu aquilo que aprendeu. O indivíduo será punido, mas apenas a punição não seria capaz de restabelecer o equilíbrio social, se a própria sociedade continuar a produzir criminosos. Por- tanto, caberia à própria sociedade e às instituições que a constituem impedir que novos criminosos surjam, já que o comportamento do indivíduo, segundo Durkheim, é um mero produto do social. O suicídio – um fato social anômico Em uma pesquisa social capaz de demonstrar a importância da sociologia na explicação dos fenômenos sociais, Émile Durkheim propõe uma pesquisa so- ciológica sobre um fenômeno que realmente poderia ser considerado como um dos atos mais individuais existentes, o suicídio, que precisa ser um ato individu- al, já que ninguém pode suicidar o outro. Se o sujeito for obrigado a se matar, o ato passa a ser considerado homicídio. Assim, como é possível que o suicídio seja um fato social? Como é possível que uma ação individual possa ser entendida ao mesmo tempo como um fato social? Até a publicação da pesquisa por Durkheim, em 1897, na Europa, o sui- cídio era considerado uma enfermidade mental, e apenas os médicos tinham a legitimidade de dar explicações para o fenômeno. A obra O suicídio, de Durkheim (2005b), foi considerada um dos melhores exemplos de pesquisa dentro do que chamamos, hoje, de “teoria de médio alcance”, segundo identificou Robert Mer- ton (1910-2003), seguidor das ideias de Durkheim. A pesquisa sobre o suicídio partiu da coleta de dados em hospitais, procurando relacionar o número de sui- cídios praticados por doentes mentais e os praticados por pessoas sem esse diag- nóstico. O resultado foi revelador, segundo identificou o pesquisador, dos quatro 31 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza principais motivos que levaram o sujeito a praticar esse ato, os três primeiros foram motivos sociais. E, ao contrário do que afirmavam os médicos, “Chegamos então a esta conclusão: o suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o indivíduo faz parte” (DURKHEIM, 2005b, p. 108). Assim, Durkheim define o suicídiocomo um caso emblemático de fato so- cial. O ato do suicídio não seria um fato social em si, mas, sim, os motivos que levam o indivíduo a praticar tal ato. O resultado da pesquisa, que de forma pro- funda e complexa conseguiu explicar essa ação, provou o potencial explicativo dessa nova ciência. Segundo Durkheim (2005b), poderíamos definir o suicídio como um fato social contendo três tipos sociais: o suicídio egoísta, o suicídio al- truísta e o suicídio anômico. O suicídio do tipo egoísta diz respeito à pessoa que se percebe socialmente desvinculada, uma viúva sem filhos, por exemplo, um idoso sem amigos e paren- tes ou mesmo uma criança abandonada seriam exemplos de pessoas com maior chance de cometerem suicídio (atente-se que estamos falando em probabilidade, ou seja, um potencial explicativo baseado no que mais ocorre na sociedade pes- quisada, jamais uma verdade ou um certeza fixa). Em grande medida, essa falta de vínculo levaria o sujeito a tirar sua vida por falta de pertencimento social. A falta de integração social, que pode provocar um profundo isolamento, e o ato de tirar a vida seriam formadores de um motivo social “egoísta” para a prática de tal ato. O tipo de suicídio chamado por Durkheim de altruísta ocorre quando en- contramos sujeitos fortemente vinculados a um grupo social específico. Nesse contexto, não existiria espaço para a existência de individualidade, ou seja, os valores presentes no sujeito são quase que integralmente os já definidos pelo seu grupo. Esse indivíduo suicida-se facilmente por motivos de honra, fé, promessas e radicalismos. Esse conjunto de características formaria outro tipo de suicídio para Durkheim. Muito comum em seitas religiosas e movimentos políticos radi- cais, também chamados de “terroristas”, seriam exemplos concretos de poten- ciais suicidas do tipo altruísta. E, por fim, o tipo de suicídio anômico seria o momento em que a pessoa ex- perimenta uma quase inexistência de regras ou mesmo de limites sociais claros do que se pode ou não fazer. Normalmente, esse tipo de suicídio ocorre duran- te grandes conflitos ou “perturbações de ordem coletiva”, que poderíamos citar como exemplos as guerras, as catástrofes naturais, os períodos de escassez e a fome. Segundo a definição de Durkheim, nesse contexto de anomia social, o indi- víduo praticaria o suicídio de tipo anômico. Uma conclusão relevante sobre a emergência de comportamentos anômicos pode ser identificada com um conjunto de características, ou seja, com o advento 32 Sociologia para não sociólogos Os clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx das sociedades industriais, com um nível de organização e divisão do trabalho social de crescente complexidade, a incidência de casos de comportamentos dis- crepantes e inusitados é cada vez maior. A possibilidade de uma maior emergên- cia de indivíduos e comportamentos individualistas seria um tipo de diagnóstico cada vez mais comum nas sociedades complexas definidas por Durkheim. As rápidas transformações sociais dariam margem para que os interesses se tornas- sem conflituosos e a própria sociedade não permitiria que todos fossem capazes de acompanhar as mudanças em curso, o que impediria que o desejado equilíbrio social fosse mantido. Essa conjuntura daria origem a uma maior incidência de casos e situações anômicas. Segundo Durkheim (2005a), o funcionamento da sociedade poderia ser com- parado a um organismo vivo. Cada parte da sociedade funciona como um órgão biológico, agindo de forma independente, mas conectada ao todo do organismo social. Assim, em uma sociedade “doente”, ou nas palavras dele, uma sociedade anômica e em desequilíbrio, um conjunto de soluções deveria ser aquele que me- lhor e mais rápido pudesse restabelecer o funcionamento normal da sociedade, reforçando mecanismos capazes de reconstituir os laços de solidariedade enfra- quecidos, conduzindo-a ao equilíbrio social. É exatamente nessa questão que as instituições e os grupos sociais têm uma das suas mais importantes funções, ou seja, a construção de uma coesão social. O individualismo seria, para Durkheim, o resultado de uma espécie de “frouxidão” das normas sociais, que deveria ser extirpado. O complexo teórico que aqui apresentamos, de forma geral, não faz jus ao complexo teórico proposto por Durkheim, pois apontamos apenas uma parte de sua proposta teórica e conceitual, conduzindo o leitor a uma primeira aproxima- ção, encorajando-o a percorrer, posteriormente, seus escritos e a construir novos entendimentos. Durkheim morreu em 15 de novembro de 1917, e seu túmulo pode ser visitado no cemitério de Montparnasse, em Paris. Encerramos o presen- te capítulo com a afirmação de Rodrigues em relação ao legado desse pensador: Em síntese, a obra sociológica de Durkheim é um exemplo de obra imperecível, aberta não a reformulações, mas a continuidades – e que marca a etapa mais decisiva na consolidação acadêmica da sociologia. Sua maior qualidade talvez seja a prioridade do social na explicação da realidade natural, física e mental que vive o homem. Essas qualidades que se exigem de um clássico estão presentes por toda a sua obra, e da qual se procura dar uma ideia – por mais fragmentária que seja – nos textos diante selecionados (2000, p. 33). 33 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza Referências DURKHEIM, Émile. A educação moral. Tradução de Raquel Weiss. Rio de Janeiro: Vozes, 2008a. _______. As regras do método sociológico. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005a. _______. Da divisão do trabalho social. Tradução de Eduardo Brandão. 3. ed. São Paulo: Mar- tins Fontes, 2008b. _______. Educación y sociologia. 2. ed. Barcelona: Península, 2000. _______. O suicídio. Tradução de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2005b. RODRIGUES, José Alberto. Introdução. In: DURKHEIM, Émile. Sociologia. 9. ed. São Paulo: Ática, 2000. Sugestão de leitura complementar BEZERRA, Maria Helena Viana. Introdução à sociologia. Curitiba: IFPR, 2010. BRITO, T. Intervenção na abertura no Fórum Mundial de Educação. Porto Alegre, 28 jul. 2004. DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Tradução de Joaquim Pereira Neto. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1989. _______. Ética e sociologia moral. Traduzido por Paulo Castanheira. São Paulo: Landy, 2003. _______. Lições de sociologia. Traduzido por Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes. 2002b. _______. O individualismo e os intelectuais. In: DURKHEIM, Emile. A ciência social e a ação. Tradução de Inês Duarte Ferreira. São Paulo: Difel, 1975. p. 235-250. _______. Sociologia. 9. ed. São Paulo: Ática, 2010. _______. Sociologia e filosofia. Tradução de Fernando Dias Andrade. São Paulo: Ícone, 2004. GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005. LEME, André Alessandro. A sociologia de Max Weber e Emile Durkheim: questões prelimi- nares acerca dos métodos. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 18, n. 9-10, p. 737-758, 2008. QUINTANEIRO, Tania et al. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. Sugestão de filmes e documentários CLÁSSICOS da sociologia Emile Durkheim. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=m8KJ4rlALcQ>. ENIGMA de Kaspar Hauser. Direção: Werner Herzog. Alemanha, 1974. ÔNIBUS 174. Direção: Felipe Lacerda; José Padilha. Brasil, 2002. O SHOW de Truman. Direção: Peter Weir. Estados Unidos, 1998. PARADISE now. Direção: Hany Abu-Assad. Palestina, 2005. https://www.youtube.com/watch?v=m8KJ4rlALcQ https://www.youtube.com/watch?v=m8KJ4rlALcQ Capítulo 2 Max Weber e a sociologia compreensiva Reprodução de fotografia de Max Weber1 1 Disponível em: <http://sociofoco.blogspot.com.br/2010/04/frases-sociologi- cas-de-max-weber.html>. Acesso em: 9 abr. 2016. 35 Glauco Ludwig Araujo, Ivan Penteado Dourado, Vinicius Rauber e Souza Introdução O alemão Karl Emil Maximilian Weber, conhecido como Max Weber, é considerado um dos pais fundadores da sociologia,