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32 Panorama da AQÜICULTURA, setembro, outubro 2012 SISTEMA DE BIOFLOCOS Processos de assimilação e remoção do nitrogênio Por: Gabriele Lara - gabilara@gmail.com Dariano Krummenauer Luís Henrique Poersch Wilson Wasielesky Jr. Laboratório de Carcinicultura, Instituto de Oceanografia, Universidade Federal do Rio Grande omo o sistema de bioflocos é caracterizado por mínima ou nenhuma renovação de água, a preocupação com os compostos nitrogenados acumulados no sistema tem sido um tema bas- tante discutido por pesquisadores e produtores. A mudança na relação carbono-nitrogênio (15-20:1) estimula o crescimento de bactérias heterotróficas e, posteriormente autotóficas nitrificantes, que fazem a assimilação em biomassa bacteriana ou a oxidação da amônia. As elevadas concentrações de nitrito, que podem ser resultado dos processos de transformação da amônia, ainda são um grande problema nesse tipo de cultivo. Pesquisas têm sido desenvolvidas com o objetivo de aprimorar técnicas que contribuam para a manutenção das concentrações de amônia e nitrito abaixo dos níveis tóxicos aos animais cultivados, já que o nitrato não é um composto muito tóxico para a maioria deles. A tomada de decisão pelo produtor em definir qual das técnicas de manejo utilizar pode ser crucial para um bom desempenho dos animais nesse tipo de sistema, evitando mortalidades e custos eleva- dos na produção. O artigo a seguir é o primeiro de uma série de análises de pontos relevantes sobre o manejo no sistema de bioflocos, bem como dos principais fatores que podem afetar o cultivo, e que vêm sendo estudados por pesquisadores da Univer- sidade Federal do Rio Grande (FURG). 33Panorama da AQÜICULTURA, setembro, outubro 2012 Espécies m arinhas na Galícia Sistem a de biofl ocos O problema do nitrogênio no sistema BFT O cultivo em sistema de bioflocos (Biofloc Technology System - BFT) tem surgido como alternativa para aumentar a produtividade, reduzindo os custos com captação e renovação de água, bem como a eliminação constante de efluentes para os ambientes adjacentes. O sistema oferece a possibilidade de utili- zar elevadas densidades de estocagem na produção de diferentes espécies de organismos aquáticos, principalmente porque a assi- milação dos compostos nitrogenados (amônia, nitrito e nitrato) é realizada com o auxílio da biomassa microbiana formada no próprio ambiente de cultivo. Esses microorganismos também servem como fonte suplementar de alimento, possibilitando a redução do uso de ração e melhorando a conversão alimentar. Contudo, com o aumento das densidades de estocagem, pode ocorrer um acúmulo de nitrogenados proveniente da excreção dos animais e também da decomposição da matéria orgânica. Em com- paração ao cultivo convencional, em que apenas 12% do nitrogênio permanecem dentro do sistema sob a forma de camarões, cerca de 40% do nitrogênio que entram no sistema BFT ficam retidos na produção dos camarões. Como o princípio básico do sistema BFT é a mínima ou nenhuma renovação de água, a tendência é que, dependendo do equilíbrio entre os processos de assimilação de ni- trogênio, estes compostos alcancem concentrações tóxicas ou letais para os organismos cultivados, o que pode inviabilizar a produção. Para que isso não ocorra, técnicas de manejo e acompanhamento da dinâmica dos cultivos têm sido estudadas e adotadas para o melhor funcionamento do sistema, como por exemplo, a relação C:N ideal para o desenvolvimento das comunidades microbianas, utilização de diferentes fontes de carbono, atividade fotossintética e respiração dos microorganismos no sistema, caracterização das comunidades microbianas presentes na água e controle de sólidos suspensos totais. Ciclagem do nitrogênio e comunidades microbianas no sistema BFT A ciclagem dos principais compostos nitrogenados den- tro do sistema de bioflocos acontece seguindo um padrão bem conhecido pelos que trabalham com essa técnica (Figura 1). Nas primeiras semanas após a estocagem, observa-se um aumento das concentrações de amônia total dissolvida na água. Esse aumento é progressivo ao longo das duas primeiras semanas do cultivo, e deve- -se principalmente ao fato de que a comunidade microbiana que está sendo formada na água ainda não é capaz de fazer a assimilação total desse composto. Devido ao grande número de animais estocados e também aos ajustes nas quantidades de ração, que podem sobrar e ser lixiviadas na água, as concentrações de amônia podem alcançar níveis elevados. Assim, a fertilização com fontes ricas em carbono orgânico (melaço de cana de açúcar, dextrose, farelos de trigo, arroz, farinha de mandioca, entre outras), obedecendo a uma relação C:N de 15-20:1, para estimular o rápido crescimento bacteriano é um dos fatores mais importantes nessa fase do cultivo. Na realidade, o que parece ocorrer é uma mistura das vias de remoção baseadas em organismos fotoautotróficos, bactérias autotróficas e bactérias heterotróficas. No entanto, as bactérias heterotróficas e autotróficas parecem ter um papel mais significativo na manutenção da qualidade da água no sistema BFT. *Legenda: NAT (nitrogênio na forma de amônia total); NO2 (nitrito); NO3 (nitrato); N2 (nitrogênio gasoso) Figura 1 – Gráfico hipotético da ciclagem do nitrogênio ao longo de um ciclo de cultivo de 120 dias no sistema de bioflocos Figura 2 – Diagrama esquemático do ciclo dos principais compostos nitrogenados no sistema de cultivo convencional (Adaptado de Crab et al. 2007) Bactérias na água e no sedimento Ração Luz Fitoplâncton Ração não consumida Fezes NAT NO2 NO3 N2 *Legenda: NAT (nitrogênio na forma de amônia total); NO2 (nitrito); NO3 (nitrato); N2 (nitrogênio gasoso) Ração Ração não consumida Fezes NAT NO2 NO3 N2 Fonte de carbonoLuz Bioflocos Figura 3 – Diagrama esquemático do ciclo dos principais compostos nitrogenados no sistema BFT (Adaptado de Crab et al. 2007) 34 Panorama da AQÜICULTURA, setembro, outubro 2012 O processo heterotrófico baseia-se na remoção do nitro- gênio amoniacal pela incorporação em biomassa bacteriana, que é estimulada com a adição de carboidrato na água. No processo autotrófico, devido à lenta taxa de crescimento das bactérias nitrificantes, pequenas quantidades de biomassa bacteriana são produzidas inicialmente, essas bactérias realizam a oxidação da amônia a nitrito, e posteriormente a nitrato. O processo fotoautotrófico, realizado pelas microalgas também possui importância, porém, com a diminuição da transparência da água ao longo do cultivo, parece ter menos influência no processo de ciclagem no nitrogênio no sistema. Mesmo assim, é difícil ter um total controle sobre as comunidades microbianas que irão se formar ao longo do cultivo, devido à complexidade das interações que ocorrem dentro dos tanques ou viveiros, levando a um distúrbio nas vias de remoção da amônia. No sistema BFT, em teoria, o objetivo é fazer a assimi- lação direta do nitrogênio em biomassa bacteriana (processo heterotrófico), sem que o processo de nitrificação feito pelas bactérias autotróficas ocorra. As bactérias heterotróficas pos- suem uma taxa de crescimento mais rápido do que as bactérias nitrificantes, sendo as principais responsáveis pela remoção da amônia nas primeiras semanas do cultivo. Contudo, isso nem sempre ocorre naturalmente apenas com a alteração da relação C:N. De fato, observa-se que a mescla entre as duas vias de remoção da amônia se sobrepõem, em algum momento do cul- tivo. Isso pode se dar devido à competição por substrato entre os grupos de bactérias, variação nas concentrações de oxigênio dissolvido na água e controle dos sólidos em suspensão. Estudos de balanço de massa de nutrientes e acompa- nhamento de comunidades bacterianas evidenciaram que em cultivos de Litopenaeus vannamei em sistema BFT, as bactérias nitrificantes possuem maior eficiência na remoção do nitro- gênio, porém levam maior tempo para metabolizar a amônia, devido à sua lentataxa de crescimento. Assim, se as bactérias heterotróficas não estiverem presentes nas fases iniciais do cul- tivo, pode ocorrer um aumento nas concentrações de amônia, já que as bactérias autotróficas possuem um crescimento mais lento. Além disso, se a via autotrófica chegar a dominar o sistema, a amô- nia pode ser oxidada a nitrito, pelas bactérias Amônia-Oxidantes (AOB), que em sua maioria pertencem aos gêneros Nitrosomonas, Nitrosococcus, Nitrospira, Nitrosolobus e Nitrosovibrio. Porém, as bactérias que fazem a oxidação do nitrito a nitrato (Nitrito- -Oxidantes ou NOB), que em sua maioria pertencem aos gêneros Nitrobacter, Nitrococcus, Nitrospira e Nitrospina, possuem um crescimento ainda mais lento do que as bactérias que oxidam a amônia, podendo ocasionar picos elevados nas concentrações de nitrito no sistema. Assim sendo, dependendo do balanço entre as taxas de formação e oxidação do nitrito dentro do sistema, pode ocorrer um acúmulo deste composto, causando prejuízos ao produtor. O nitrato, produto final da oxidação da amônia, é um composto que não causa muita preocupação aos produtores, visto que os animais cultivados resistem a elevadas concentrações desse composto. Figura 4 – Imagem por microscopia de epifluorescência indicando a estrutura de um biofloco presente na água de um cultivo de camarão Litopenaeus vannamei ( Fo to : Ga br ie le L ar a) Si st em a de b io fl oc os 35Panorama da AQÜICULTURA, setembro, outubro 2012 Alternativas para evitar problemas com acúmulo de nitrogenados Para evitar mortalidades relacionadas aos efeitos tóxicos dos compostos nitrogenados no sistema de bioflocos, algumas alternativas têm sido propostas a fim de manipular os ambientes de cultivo para o desenvolvimento de determinados grupos de bactérias que sejam ativas na absorção do nitrogênio, mantendo os preceitos de uma aquicultura ambientalmente amigável: 1) Reutilização de água: O reuso da água de ciclos anteriores é uma técnica que tem se mostrado viável na manu- tenção dos níveis de amônia e nitrito abaixo das concentrações que afetam os animais cultivados. Estudos realizados com- provam que o reuso de um inóculo mínimo de 2,5% de água de um cultivo anterior aceleram a formação dos agregados microbianos, contribuindo para a manutenção da qualidade da água no sistema. A reutilização da água surge como uma pos- sibilidade de reciclar os nutrientes que permanecem na água, evitando a emissão de grandes cargas de efluentes carregados em compostos nitrogenados e fosfatados para o ambiente. Espécies m arinhas na Galícia Sistem a de biofl ocos Figura 5 – Imagem por microscopia invertida mostrando a grande diversidade de microorganismos encontrada em amostras de cultivo em sistema de bioflocos (F ot o: G ab rie le L ar a) Figura 6 – Bacia de retorno de água e de despesca de camarões no Waddell Mariculture Center, EUA (Foto: Wilson Wasielesky) 37Panorama da AQÜICULTURA, setembro, outubro 2012 2) Uso de Substratos para Fixação de Biofilme: O biofilme pode ser definido como uma comunidade microbiana associada a uma matriz orgânica, aderida naturalmente em qual- quer superfície submersa. A adição de substratos artificiais para fixação do biofilme proporciona maior superfície para a adesão de bactérias e fitoplâncton, que podem contribuir com os processos de assimilação e remoção dos compostos nitrogenados presentes na água. Pesquisas têm demonstrado que o aumento na quantidade de substratos artificiais para a fixação do biofilme (panagens) tem sido eficiente no processo de remoção e assimilação dos compos- tos nitrogenados, reduzindo principalmente os problemas com as elevadas concentrações de nitrito presentes na água. Além disso, o biofilme também é uma importante fonte suplementar de alimento para alguns animais cultivados. 3) Adição de Sais Nitrogenados: Recentemente, protocolos para a adição de cloreto de amônia e de nitrito de sódio têm sido testados a fim de acelerar o processo de formação dos bioflocos e também fornecer substrato para que as bactérias nitrificantes se desenvolvam na água, similar ao que é realizado na maturação de biofiltros nos sistemas de recirculação. A adição de cloreto de amônia parece ter resultado em uma maior produção de volume de bioflocos, e auxiliado na metabolização deste composto pelas bactérias. Já a introdução de nitrito de sódio, parece ter contribuído para um rápido crescimento e estabelecimento das bactérias nitrito- -oxidantes no sistema, e reduzido os problemas com as elevadas concentrações de nitrito dissolvido na água durante o ciclo de cultivo. Porém, pouco ainda se sabe sobre a influência da adição de sais no cultivo BFT e sua real eficácia na redução das concen- trações de nitrito, visto que não foi desenvolvido um protocolo claro que determinasse as concentrações e periodicidade de adição. Conclusões: Atualmente, um dos principais problemas en- contrados pelos produtores que já estão trabalhando com o sistema BFT são as elevadas concentrações de nitrogenados (principalmente nitrito). Uma solução definitiva ainda não foi encontrada para solucionar esse desafio, porém recomenda-se um controle que combine sistemas de aeração adequa- dos, fertilização, alimentação, controle de sólidos suspensos totais, adição de substratos verticais, além da possibilidade de reutilização de água, ou pelo menos de parte da água de outros ciclos, para que se evitem perdas na produção devido à toxici- dade dos compostos nitrogenados aos animais cul- tivados. Além disso, ainda são necessários maiores estudos na área de microbiologia e biologia mole- cular, a fim de se identificar as principais bactérias que desempenham papel importante na ciclagem do nitrogênio e a possibilidade de desenvolver probi- óticos que estimulem o crescimento de bactérias específicas para a remoção da amônia e nitrito na água dos cultivos em sistema BFT. Espécies m arinhas na Galícia Sistem a de biofl ocos Figura 7 – Utilização de substratos verticais para fixação de biofilme em tanques de cultivo de Litopenaeus vannamei em sistema de bioflocos na Estação Marinha de Aquicultura da FURG Referências Bibliográficas: Crab, R., Avnimelech, Y., Defoirdt, T., Bossier, P., & Verstraete, W. (2007). Nitrogen removal techniques in aquaculture for a sustainable production. Aquaculture, 270(1-4), 1–14. Ebeling, J. M., Timmons, M. B., & Bisogni, J. J. (2006). Engineering analysis of the stoichiometry of photoautotrophic, autotrophic, and heterotrophic removal of ammonia–nitrogen in aquaculture systems. Aquaculture, 257(1-4), 346–358. Gaona, C.A.P. (2011). Efeito da remoção de sólidos suspensos totais e desempenho zootécnico do camarão Litopenaeus vannamei em sistema superintensivo com bioflocos. (Dissertação de Mestrado disponível em www.aquicultura.furg.br) Krummenauer, D. (2012). Otimização do manejo para o cultivo do camarão-branco Litopenaeus vannamei em sistemas de estufas com bioflocos. (Tese de Doutorado disponível em www.aquicultura.furg.br) Lara, G.R. (2012). Técnicas de manejo aplicadas à redução das concentrações de nitrito na água de cultivo de Litopenaeus vannamei em sistema de bioflocos. (Dissertação de Mestrado disponível em www.aquicultura.furg.br) Silva, K. R. (2009) Dinâmica do Nitrogênio e do Fósforo no Cultivo Superintesivo dos Camarões Litopenaeus vannamei e Farfantepenaeus paulensis sem renovação de água. (Dissertação de Mestrado disponível em www. aquicultura.furg.br) ( Fo to : Ga br ie le L ar a)
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