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Prova História da Justiça

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
 
 
 
 
 
Tópicos Especiais em História LXII: História e Justiça no mundo ibérico (séc. XV a XVIII)
 
 
 
 
Casuísmo e Sistema: Considerações a par do processo
de codificação no mundo ibérico.
 
 
 
 
Aluno: Muriel Cristina Vieira.
R.A.: 113.155.
Período: Noturno.
 
Docente: Prof.º Dr.º Rafael Ruiz.
 
GUARULHOS
2018
Introdução
Compreender os processos históricos que levaram à alteração do pensamento jurídico, de moldes casuístas, tradicionais, equitativos e subjetivos, para o legalismo, alicerçado na ideia de um sistema universal, igualitário e objetivo, é um caminho para alcançarmos a compreensão de toda uma transformação na mentalidade social ibérica ao longo dos séculos e que, como veremos, não se fez presente de forma homogênea e total.
Também nos cabe destacar que, para a compreensão do processo de sistematização, que ocorreu em diversas partes da Europa e por isso foi executado de maneiras diferentes, como melhor o veremos, foi necessário estabelecer um recorte que voltasse nossa atenção para o mundo ibérico, justamente por conta das peculiaridades que abrangem sua mentalidade coletiva e que por tal se correlacionavam tão bem à concepção casuísta (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 144-145), como por exemplo o papel da moralidade religiosa no cotidiano social, os enlaces entre os âmbitos público e privado na vida prática dos indivíduos, os conceitos religiosos e sociais que os uniam, etc. 
De fato, por muitos anos, a historiografia se ateve mais aos estudos relacionados a França, Inglaterra e Alemanha, conhecidas como sociedades altamente civilizadas, e aquilo que dizia respeito à Portugal e Espanha pouco se falava (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 144-145). São recentes, e por iniciativa de novas correntes historiográficas, os aprofundamentos que nos tem mostrado aspectos culturais, sociais e políticos, principalmente na História do Direito, de extremo valor histórico e que se mostram presentes precisamente nas peculiaridades acima citadas.
Em decorrência dessas características, o sistema se estabelece de maneira mais lenta e gradual no mundo ibérico, algo muito comum para a realidade das cortes ilustradas, cujas propostas tinham caráter mais reformador. Monarquias tais como as da Austria, Prussia, Portugal e Espanha, inseridas portanto nesse caráter reformador mencionado, tendiam a deliberações mais realistas e maleáveis, uma vez que, de certa forma, ainda se inseriam em sociedades mais tradicionais e conservadoras, enquanto que cenários revolucionários, como a França da Revolução Francesa, se propunham a um rompimento total com a cultura do Antigo Regime, levando a transformações mais duras (LIRA, 1999, p. 129).
Posto o recorte histórico pretendido, nos cabe, enfim, mencionar a proposta de debate historiográfico aqui presente. Após estabelecer uma explanação breve sobre as características dos moldes casuístas – em especial na práxis judiciária – que nos permitam compreender a fonte das críticas que lhe foram feitas e o seu papel na sociedade em questão, partiremos para a análise dessas críticas, abordando desde as que se possam considerar mais leves até aquelas que desferem golpes realmente preocupantes ao casuísmo, levando por fim à compreensão da instauração do sistema através da codificação e toda a discussão posta a seu respeito.
Nossa intenção é que se permita, através da construção do debate aqui colocado, melhor compreender as correlações entre o casuísmo e o sistema - tomando por base, principalmente, a obra de Victor Tau Anzoátegui, Casuismo e Sistema: Indagación histórica sobre el espíritu del Derecho Indiano -, bem como suas influências e motivações sociais e políticas. 
Breve retomada dos moldes Casuístas
	Nos é interessante compreender os aspectos gerais que permearam os moldes casuísta, em especial no século XVII, onde este encontra seu auge, para que se aponte, posteriormente, as mudanças e críticas propostas durante o processo que levou à codificação nos séculos seguintes, bem como as semelhanças e heranças do direito anterior. 
De meados do século XV até o princípio de seu declínio, no século XVIII, o modelo casuísta se fez presente na práxis judiciária de grande parte da Europa, em especial nos países ibéricos, e representou uma abordagem jurídica permeada pela Igreja e, já no século XVI e XVII, compromissada com o Estado monárquico, o que lhe rendeu o apelido de direito do “Antigo Regime” (MARAVALL, 1986). A busca pela justiça se fazia com base na análise do caso concreto, na maioria das vezes hipotético, na qual o juiz, a quem cabia arbitrar pela sentença mais justa, pautava-se nos princípios, tradições e costumes regionais para julgar, não necessariamente aplicando as mesmas penalidades para situações iguais, tão pouco escolhendo a decisão mais provável, mas sim, exercendo sua função com equidade e temência a Deus (RUIZ, 2016) e, por isso, a concepção casuísta era conhecida como a “ arte de lo bueno y equitativo” (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 42).
	Uma concepção de corpo de leis nos moldes ilustrados, imbuído de teoria metódica, tal como o temos hoje, não era presente naquele momento, e para se executar a justiça podia-se recorrer aos diversos tratados produzidos no período, além do direitos Canônico, Natural e Comum. Este último, em especial, bem como o Direito Castellano, possuía alicerces nos textos filosófico clássicos, tais como Cícero e Aristóteles, na Teologia Moral, e nos direitos medieval e romano Justiniano (VALLEJO, 1998, p.18), sendo o Digesto de Justiniano aquele que viria a ser um dos principais focos de discussão dentro das críticas ao direito casuísta (CARPINTERO, 1975, p. 109). Segundo Victor Tau Anzoátegui (1992, p. 39-41), o direito romano, em si, estava imerso na concepção casuísta desde seu surgimento, o que levou a uma aceitação e continuidade silenciosas no decorrer dos séculos, posto que os costumes e realidade pública também eram casuístas. 
	Tomando por base o cenário descrito, como anteriormente apontado, a figura do juiz configura um papel muito importante para o cumprimento da justiça. Isso se dá pelo fato de que nele é posta a execução da lei divina – uma vez que as leis são oriundas de Deus e seu descumprimento desagradaria a Ele, bem como os princípios morais e mandamentos determinados pela Igreja possuíam a função de lei (CARDIM, 1999, P. 21-50) – assim como o arbítrio, conforme sua consciência, para a finalização mais justa de cada caso. Se trata de um poder decisório que exigia virtude e prudência no seu cumprimento, além de representar também um grande poder político e social por si só, e que pertencia aos juízes (LIRA, 1999, p.115). 
	É importante destacar a dimensão da atuação desse poder decisório, muitas vezes acusado de despótico e absoluto – por se inserir no Estado moderno absolutista – para compreendermos o papel desempenhado pela ilustração durante a crítica ao casuísmo. Este “direito de juristas” era a mais segura forma de se manter a liberdade dos juízes justamente por se colocar inacessível ao legislador, diferentemente do modelo sistemático, que se dobrou ao positivismo legalista (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 24). Se as mentalidades, inclusive no que tange o direito, já vinham se transformando há algum tempo, como sugere Anzoátegui (1992, p.83-34), não é atoa que o desfecho se deu no século XVIII, polvilhado pelos ares racionalistas do iluminismo, como veremos adiante.
	
As críticas ao Casuísmo e o princípio do Sistema
	Para José António Maravall (1986, p. 57) o Renascimento representou, para toda a Europa e, principalmente, para o mundo ibérico, um período de transformações profundas “(...) de la técnica, la ciencia, el pensamiento filosófico, la moral, la religión(...)” e que, em muitos aspectos, inspiraram novas ideias e formas de abordagens para àqueles de sua época. Ao passo que é esse novo cenário, impulsionado pelas diversas ansiedades causadas pelas novidades - nos mais abastados, levando ao temor pela transformação do status quo, e nos demais, pelo desejo demudança - que levaram o casuísmo ao seu auge, será ele também o motor de arranque para o surgimento de uma série de questionamentos sobre o modelo casuísta e o arbítrio dos juízes (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 142).
	Foram os humanistas os primeiros a apontarem, em meados do século XVI, algumas das críticas que minariam, à longo prazo, a jurisprudência do período, e que se voltavam principalmente às interpretações e formas de utilização do direito romano Justiniano. Dentre os diversos apontamentos, muito se falava sobre as traduções das línguas clássicas serem ruins e insuficientes, e portanto não levarem a um conhecimento apropriado dos textos de Justiniano, bem como sua utilização fora do contexto original – o que era sugerido de maneira negativa - e, em última instância, recriminavam seu caráter ultrapassado e, por vezes, sombrio (CARPINTERO, 1975, p. 121-123). 
	Além disso, vozes críticas eram presentes entre juristas e corregedores, tais como J. Castillo de Bobadilla e Lope de Deza, que embora tenham suas obras imersas no pensamento casuísta – e não deixam de sê-las por ocasião de suas críticas – tecem comentários favoráveis à uma organização fixa ou sistemática em decorrência das utilizações, algumas vezes, maliciosas ou desonestas, do direito (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 146). É evidente que, por si só, tais julgamentos não possuíam a vontade de atingir o casuísmo de forma fatal, porém, tampouco passavam sem efeito na opinião pública. Anzoátegui aponta:
Estas “Voces críticas” - de las cuales Castillo de Bobadilla y Deza son muestras representativas - se manifestaron en una época en la cual el casuismo era una arraigada creencia. Ni las expresiones de Deza, ni mucho menos las de Castillo de Bobadilla constituían una crítica total, ni un desconocimiento de la realidad casuista del Derecho. Se trataba de actitudes críticas dentro de la propia estructura dominante, destinadas a atacar algunos de sus componentes y no todo el conjunto. Pero, es preciso subrayarlo, en las mismas ya despuntaban elementos que, desplegados más tarde, constituirían principales arietes empleados contra el casuismo y en favor de la idea de sistema. (1992, p. 147-148)
	Portanto, com base no trecho acima citado, é cabível deduzirmos que as críticas iniciadas em meados do séculos XVI possuíram um papel, ainda que não de forma acentuada, nas transformações que viriam a ocorrer na prática judiciária. A discussão sobre a sistematização do Direito já se fazia ver em autores como García - Galo, que em “La sistematización del Derecho” apresentava a temática de forma superficial. 
la aparición de algunas exposiciones de conjunto con esa propensión; la constante inclinación al orden de materias en los textos legales; la preocupación por diferenciar el Derecho público del privado; y el modo de formular las normas. Aspectos todos estos que ayudan a configurar históricamente la idea de sistema. (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 145-146)
Ainda assim, referimo-nos a um momento profundamente imerso na teoria casuísta e tudo aquilo que lhe era característico, o que nos leva a reafirmar suas profundas raízes na sociedade em questão, que não seriam facilmente superadas.
É durante os anos subsequentes ao iluminismo que algumas mudanças significativas passam a surgir. Sob a influência – e o discurso – dos ideais racionalistas e universais das monarquias ilustradas, iniciou-se uma busca por afastar drasticamente toda a herança do Antigo Regime (BRUNKE, 2007), incluindo o antigo e consolidado “casamento” entre Estado e Igreja, cuja consequência foi um grande esforço para retirar dos limites políticos a intervenção da religião (HESPANHA, 2001, p. 1183-1208).
Ao passo que o juiz, no Estado monárquico, era a figura na qual se materializava a união anteriormente citada entre o rei e a fé, não nos espanta que as novas concepções iluministas também exercessem mudanças no Direito. Estas acabaram por levar ao surgimento de propostas reformistas que sugeriram um desenvolvimento teórico do mesmo, apontando principalmente para os tratados jurídicos, entre outros fatores, como uma questão a ser resolvida (ANZOÁTEGUI, 1992, p.148). Em decorrência da dificuldade de leitura e interpretação, os tratados jurídicos - que possuíam valor dentro do molde casuísta - eram considerados específicos demais, além de exigirem um conhecimento prévio robusto e estarem imbuídos de teologia moral (VALLEJO, 1998, p. 20). Em resumo, não se enquadravam no conceito generalista e universal buscado pelos ilustrados, e acabaram por adquirir opositores irredutíveis, tais como Francisco de Castro, na Espanha. Politicamente falando, o arbítrio concedido ao juiz também era objeto de incômodo, uma vez que representava um poder que era julgado despótico e poderia ser utilizado de forma corrupta (LIRA, 1999, p. 122).
Embora a efervescência de ideias recém adquiridas pelas cortes esclarecidas tivesse profundo interesse em transpor a influência casuísta e transformar o pensamento jurídico, era claro que não seria fácil executar tal intenção e somente um bom combinado entre as várias críticas levantadas e uma popularização da ideia de sistema poderiam levar às mudanças ambicionadas (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 146). Ainda assim, com as codificações já em avanço, 
persistia na Espanha o debate aberto entre aqueles que defendiam a necessidade de se reduzir a um único Código todas as leis do Reino e aqueles que continuavam a considerar que o direito não podia ser reduzido a uma lei geral e única. (RUIZ, 2015, p.76). 
O modelo casuísta, na prática, permanecia: 
Pese a la enorme fuerza intelectual que arrastaba la nueva idea, el sólido tejido social sobre el cual se apoyaba la concepción casuista no se deshilvanaba fácilmente. En la praxis - y aun en el terreno de las ideas - mantenía su poder. (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 142)
O Sistema através da codificação
É necessário apontar que o processo de codificação das leis abrangia muito mais do que apenas os limites do Direito, já que este, por si só, se estendia aos mais variados âmbitos políticos e sociais. Desde o renascimento era desejado se obter uma formalização escrita das leis, que por sua vez deveria emanar do rei (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 180), e portanto representavam também a transferência do poder de arbítrio, até então destinado aos juízes, para a figura do governante (LIRA, 1999, p. 112). 
Trata-se também de um traço herdado pelo iluminismo. As cortes ilustradas, que tanto beneficiaram-se do direito casuísta – quando ainda buscavam sua consolidação – como concretude de sua união com a Igreja, agora poderiam centralizar o poder, anteriormente posto em forma de arbítrio, em torno do soberano. A busca por suprimir os moldes casuístas, principalmente o Direito Comum – através da exaltação do Direito Nacional, em especial (LIRA, 1999, p. 121) – faz parte da construção de um novo pensamento jurídico, mais racional e que se pretende universal. Bernardino Bravo Lira diz:
	Pero, no obstante, pueden proponerse principios ciertos y metódicas reglas de las que puedan inferir precisas consecuencias aplicables a los casos, cortando en cuanto sea dable toda ocasión al juez de arbitrar, encomendándole sólo el obedecer; esto es, sujetando el juez a la ley, no la ley al juez.
	Esta es una de las ideas matrices de la codificación. Castro fue uno de los primeros en comprender que la lucha por hacer prevalecer los derechos nacionales sobre el común debía librarse en dos frentes. Por una parte, según ya vimos, mediante la formación de cuerpos legales de derecho nacional. Por otra, mediante esta sujeción del juez al derecho codificado. (1999, p. 122)
	A consequência do processo proposto pela codificação são a retirada do arbítrio dos juízes, através das leis escritas, enquanto que sua sujeição ao Direito lhes toma o poder de decisão e os relega ao mero papel interpretativo dos códigos. Assim, em teoria, se cumpre o compromisso de universalizar, igualar e racionalizar a práxis judiciária, e até mesmo o Direito Natural, até então referente a tudo que diz respeito ao homem como criação de Deus, passaa ser compreendido como ratio critica, fruto da racionalidade humana. (LIRA, 1999, p. 120).
	No entanto, embora em teoria a codificação se mostrasse eficaz, logo em princípio se fez evidente que as leis escritas, presentes em uma realidade, em si, casuísta, não seriam capazes de abranger o todo proposto. Segundo Anzoátegui:
	Sin embargo, los esfuerzos en tal dirección durante esa primera época encontraran un límite infranqueable en la creencia, cotidianamente verificada, de que siendo la realidad variable, quebrada, imposible de regular de antemano, el Derecho no podía establecer reglas rígidas que previniecen todos los casos. (1992, p. 155)
	Ainda que se quisesse reduzir ao máximo possível a atuação dos juízes através da aequitas constituta, ou seja, a equidade presente nas leis escritas, os espaços nos quais estas não poderiam se fazer presentes eram destinados ao arbítrio do juiz, que através da aequitas nondum constituta, ou equidade não determinada, decidiam sob o peso de sua consciência (LIRA, 1999, p.128). Corroborando a ideia proposta por Anzoátegui, a necessidade – e também obrigatoriedade, já que era previsto ser função do juiz opinar naquilo em que a lei não bastasse - de se manter uma pequena brecha de atuação para que os juízes tivessem poder decisório, nos propõe, afinal, que os objetivos colocados pela ilustração – e muitas vezes não totalmente evidentes no discurso - não puderam se fazer tão eficazes.
	Sin embargo, la praxis se mostraba renuente a admitir unas elaboraciones intelectuales con las cuales no era posible sustituir efectivamente el orden antiguo - eran sólo el impulso para nuevas formas legales -; y unos criterios que se apartaban, a veces de modo pronunciado, de esa realidad varía y esquiva que continuaba siendo el Derecho, pese al deseo de los más fervientes reformadores. La penetración, pues, en la praxis de estas nuevas ideas debía ser, necesariamente, lenta y sólo posible en determinada medida. El casuismo, marginado - cuando no despreciado - por los teóricos y hasta convertido en una palabra malsonante en el renovado vocabulário de los juristas, seguía anidando en la trama jurídica… (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 155)
No que tange a formulação dos corpos legais, também podemos encontrar a herança casuísta na constituição das leis escritas. Bravo Lira destaca que “Es cierto que materialmente consistió en la formación de nuevos cuerpos legales de derecho nacional. Pero no es menos cierto que su contenido se tomó fundamentalmente del derecho anterior.” (1999, p. 113) e faz referência ao ALR prussiano, ABGB austríaco e ao cinq codes franceses como exemplos de codificações que se mantiveram, em certo grau, fiéis ao direito anteriormente vigente (1999, p. 113-114).
De fato, para além da compreensão de que regras rígidas não poderiam dar conta de um cotidiano flexível – pois, humano! – há também certa preocupação para que tais códigos, ainda que se propusessem universais, não extrapolassem os limites das tradições e costumes referentes a cada região. Ainda em meados dos séculos XVIII e XIX, principalmente nos países ibéricos, o poder de influência das crenças e moral regionais eram vastos, e configuravam as peculiaridades de cada povo, a exemplo das índias, que necessitavam ser respeitadas. Pensando nisso, os moldes casuístas também bem serviram como inspiração para se promulgar leis referentes a essa temática, visto que o casuísmo constituía-se na análise particular de cada caso (LIRA, 1999, p. 116).
Considerações Finais
Partindo da discussão estabelecida até aqui, cabe a nós constatar que, apesar dos esforços incansáveis daqueles que defendiam o sistema – e, em alguns casos, de fato, acreditavam ser ele uma opção que levaria a um Direito mais justo – o casuísmo não foi suplantado e, como apontado por diversos historiadores aqui citados, permaneceu presente na práxis judiciária de forma indireta, e na mentalidade coletiva, como ferramenta subjetiva.
Compreendemos dessa forma por ser o casuísmo uma concepção que em muito ia de encontro com as crenças do mundo ibérico, e tendo-se em conta que a história das mentalidades não acompanha de maneira sistêmica as mudanças políticas que ocorrem, transformar as noções de mundo de um determinado povo não é uma tarefa fácil, tampouco rápida. Enquanto que a proposta ilustrada do século XVIII, agregada da positivista no século seguinte, visavam uma organização racional e universal das sociedades – que ia para além do do campo do Direito –, perdia-se de vista, e o é até os dias atuais, que a completude humana também se faz nos aspectos subjetivos, irracionais e, ousamos dizer, sentimentais, da vida prática (HESPANHA, 2013). Portanto, a transformação total de uma sociedade culturalmente inserida em uma realidade que era casuísta não poderia corresponder ao esperado.
Ressaltar isso é importante para que possamos olhar especificamente para o casuísmo no Direito, cuja atuação equitativa, probabilista e moralmente teológica estava posta na cultura e no cotidiano daquelas pessoas, e por isso ocorria de forma tão natural e amplamente aceita. 
Além disso, reiteramos e concordamos com os apontamentos de Bernardino Bravo e Lira, bem como Victor Tau Anzoátegui, no que tange as discussões políticas, postas de forma implícita no discurso da codificação. Ao constatarmos que, na prática, não houve transformações radicais na transição do direito casuísta para as leis escritas, logo notamos uma falha existente entre as ditas motivações da sistematização e seu real efeito.
Como discorremos no debate, os códigos se baseavam no direito anteriormente vigente em sua feitura e as concepções sociais que envolviam o âmbito jurisdicional também não sofreram drásticas alterações. O único aspecto cuja mudança foi realmente grande é o campo de atuação dos juízes, que ao serem subjugados aos corpos legais tiveram seu poder decisório reduzido a quase nulo, e sua função transformada em meramente interpretativa. Isso nos sugere que, ao fim e ao cabo, a intenção partia principalmente para a retirada do poder decisório dos juízes e sua transferência aos governantes, levando uma centralização de poder.
Não nos esqueçamos, por fim, que a valorização de uma sociedade civilizada, racional e igualitária, bem aos moldes positivistas, não se fez presente apenas na atualidade, mas sim, é herança do período discutido, e sobre isso Anzoátegui (1992, p. 41) se posiciona destacando a imensa perda cultural que essa ruptura causou, uma vez que a negação da concepção casuísta representou em uma total ignorância do legado cultural ibérico, presente, inclusive, na historiografia, que muitas vezes não se dá ao trabalho de ater-se ao significado que essa visão de mundo, tão distinta da que estamos habituados, representou (HESPANHA, 2013). 
	
	
BIBLIOGRAFIA
ANZOÁTEGUI, Victor Tau. Casuismo y Sistema: Indagación histórica sobre el espíritu del Derecho Indiano. Instituto de Investigaciones de História del Derecho. Buenos Aires. 1992
BRUNKE, José de la Puente. Juez y Justicia en el mundo moderno: el juez ante la codificación. Colóquio Interdisciplinario de Humanidades, Pontificia Universidad Católica del Perú. Agosto de 2007.
 
CARDIM, Pedro. Amor e amizade na cultura política dos séculos XVI e XVII. Lusitania
Sacra. Lisboa. ISSN 0076-1508. 2ª S. 11, 1999.
CARPINTERO, Francisco. <<Mos italicus>>, <<mos gallicus>> y el Humanismo racionalista. Uma contribuición a la história de la metodologia jurídica. Veröffentlichungem des Max-Planck-Instituts für Europäische Rchtsgeschichte. N.VI. Frankfurt. 1975.
HESPANHA, Antônio Manuel. A senda amorosa do direito: amor e justitia no discurso
jurídico moderno. Disponível em:
<https://ensaiosjuridicos.wordpress.com/2013/10/20/a-senda-amorosa-do-direitoamore-
iustitia-no-discurso-juridico-moderno-antonio-manuel-hespanha/>. Acesso em: 11 de
Outubro de 2017.
 
LIRA, Bernardino Bravo. Judex, Minister, Aequitatis: La integración del derecho antes
y después de la codificación. Anuario de História del Derecho Español, Santiago
(Chile), 1999.
MARAVALL,José Antônio. La Cultura del Barroco: Análisis de una estructura histórica. Ariel. Barcelona, 4ª ed. 1986.
RUIZ, Rafael. Daniel Concina e Diego de Avendaño: dominicanos e jesuítas no debate
sobre o probabilismo jurídico na América do século XVII. Março de 2016.
RUIZ, Rafael. O Sal da Consciência: probabilismo e justiça no mundo ibérico. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”. 2015.
VALLEJO, Jesus. Acerca del fruto del Àrbor de los jueces. Escenarios de la justicia en
la cultura del ius commune. AFDUAM 2. Sevilla. 1998.

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