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Leandro José Kotz

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO 
SUL – UNIJUÍ 
 
 
 
 
 
LEANDRO JOSÉ KOTZ 
 
 
 
 
 
 
A EDUCAÇÃO ENTRE A METAFÍSICA E A INTERPRETAÇÃO: 
UM DIÁLOGO COM NIETZSCHE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ijuí, RS 
2017 
 
 
LEANDRO JOSÉ KOTZ 
 
 
 
 
 
 
A EDUCAÇÃO ENTRE A METAFÍSICA E A INTERPRETAÇÃO: 
UM DIÁLOGO COM NIETZSCHE 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada junto ao Programa de 
Pós-Graduação em Educação nas Ciências da 
Universidade Regional do Noroeste do Estado 
do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), como requisito 
para obtenção do título de Mestre em Educação. 
 
 
 
 
 
Orientadora: Dra. Vânia Lisa Fischer Cossetin 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ijuí. RS 
2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Catalogação na Publicação 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Gislaine Nunes dos Santos 
CRB10/1845 
 
 
 
 
 
K87e Kotz, Leandro José. 
 A educação entre a metafísica e a interpretação: um 
diálogo com Nietzsche / Leandro José Kotz. – Ijuí, 2017. 
 92 f. ; 30 cm. 
 
 Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do 
Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas 
Ciências. 
 
 “Orientadora: Vânia Lisa Fischer Cossetin”. 
 
 1. Educação. 2. Interpretação. 3. Nietzsche. 4. Metafísica funcional. 
I. Cossetin, Vânia Lisa Fischer. II. Título. III. Título: Um diálogo com 
Nietzsche. 
 
 CDU: 37:159.9 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho 
a minha fiel companheira Angélica K. Cardoso; 
a minha filha Paloma e ao meu filho Benjamin que está por vir. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
A minha esposa Angélica, pelo apoio e incentivo que sempre me transmitiu, mesmo 
quando o desanimo e a desesperança haviam se apoderado de mim e por vezes me ludibriado a 
desistir. 
A minha filha Paloma pelos momentos de minha ausência. 
À professora Dra. Vânia Lisa Fischer Cossetin, por aceitar a provocação de orientar-
me em minhas pesquisas, mostrando desafios, aporias e perspectivas de avanço; e, além disso, 
pela sua amizade. Em nome desta Professora, agradeço a todos os professores do Programa de 
Pós-Graduação em Ensino nas Ciências da UNIJUÍ. 
Ao Programa de Pós-Graduação em Ensino nas Ciências da UNIJUÍ, por me 
acolherem e acreditarem nesta pesquisa. 
À Capes por subsidiar financeiramente esta pesquisa. 
 
 
 
RESUMO 
A presente pesquisa tem por objeto de estudo a educação em diálogo com a filosofia 
nietzschiana madura. Esta é compreendida como filosofia interpretativa que se perfaz desse 
modo em função da metafísica fundacional que é denunciada por Nietzsche como pensamento 
violento. A metafísica, configura-se na seiva vital do modo de ser ocidental. Acoplado a ela, 
erigiram-se pressupostos pedagógicos, os quais, segundo o filósofo, podem estar 
compartilhando da natureza violenta da metafísica, por isso, deve-se retomar tais questões numa 
perspectiva crítico-reflexiva. Se o pensamento fundacional traz a violência intrínseca, então 
pode engendrar na educação: discursos dogmáticos inquestionáveis, autoritarismo, 
domesticação, espíritos absolutos que monopolizam o saber, métodos pedagógicos infalíveis 
que repousam sobre a ingênua crença de garantirem aprendizagem, entre outros. Em um 
conceito, a educação torna-se uma educação de rebanho que reproduz a barbárie. Diante disso, 
assume-se a tese de que a filosofia interpretativa escapa das malhas do pensamento identificador 
metafísico e, por conseguinte, pode proporcionar uma nova experiência educacional que 
valorize o indivíduo, a interpretação, a compreensão, o ato criador e o gênio. Além disso, 
compreende que a relevância do professor consiste na apresentação das perspectivas (da 
tradição) aos alunos, ajudando-os na interpretação e na compreensão, o que Nietzsche irá 
denominar de autolibertação. Para demonstrar isso, a pesquisa foi estruturada em três capítulos. 
O primeiro, tem por desígnio situar o filósofo na tradição a partir de um modo de abordagem 
da questão do ser, evidenciando suas críticas a ela, bem como suas rupturas. Da crítica e da 
ruptura, constata-se a fragilidade e crise do pensamento fundacional, por isso, o segundo 
capítulo trabalha a transição do ser para uma racionalidade interpretativa. Por fim, no último 
capítulo são abordadas as implicações da filosofia interpretativa nietzschiana na educação, nos 
valores e na cultura. 
 
Palavras-chave: Educação. Interpretação. Metafísica fundacional. Nietzsche. 
 
 
 
ABSTRACT 
The present research has as its study object the education in dialogue with the mature 
Nietzschian philosophy. This is understood as an interpretative philosophy which makes up this 
way according to the foundational metaphysics which is denounced by Nietzsche as violent 
thought. The metaphysics is set up in the vital sap of the western way of being. Linked to it 
have been erected pedagogical assumptions which, according to the philosopher, may be 
sharing the violent nature of metaphysics, and this is why these issues should be resumed from 
a critical-reflexive perspective. If the foundational thinking brings the intrinsic violence, then 
it may engender into education: unquestionable dogmatic discourses, authoritarianism, 
domestication, absolute spirits who monopolize the knowledge, infallible pedagogical methods 
which lie on the naïve belief of learning guarantee, among others. In a concept, education 
becomes a herd education which reproduces the barbarism. Thus, we assume the thesis that the 
interpretative philosophy escapes from the knots of the identifier metaphysical thought and, 
consequently, it can provide a new educational experience which valorizes the individual, the 
interpretation, the understanding, the creator act and the genius. Besides, it understands that the 
relevance of the teacher consists in the presentation of the perspectives (of the tradition) to the 
students, helping them in the interpretation and in the understanding, what Nietzsche calls self-
liberation. In order to demonstrate that, the research has been structured in three chapters. The 
first one aims at situating the philosopher in the tradition from a mode of approach of the 
question of being, evidencing the criticism towards it, as well as its ruptures. From the criticism 
and the rupture is verified the fragility and the crisis of the foundational thinking, and so the 
second chapter works the transition of the being to an interpretative rationality. Finally, the last 
chapter approaches the implications of the interpretative Nietzschian philosophy in the 
education, in the values and in the culture. 
 
Key-words: Education. Interpretation. Foundational metaphysics. Nietzsche. 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS 
GC - NIETZSCHE, A gaia ciência 
BM - NIETZSCHE, Além do bem e do mal 
AFZ - NIETZSCHE, Assim falava Zaratustra 
VP - NIETZSCHE, A vontade de poder 
CI - NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos 
GM - NIETZSCHE, Genealogia da moral: uma Polêmica 
SVM - NIETZSCHE, Sobre a verdade e mentira 
SFIF - NIETZSCHE, Sobre o futuro de nossas instituições de formação: seis conferências 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................. 9 
 
2 DA NECESSIDADE DE UMA CRÍTICA DOS ALTOS VALORES ................. 15 
2.1 O MODO DE ABORDAGEM DO SER NA TRADIÇÃO ....................................... 17 
2.2 CRÍTICA À RELIGIÃO ............................................................................................22 
2.3 CRÍTICA À MORAL ................................................................................................. 26 
2.4 CRÍTICA À METAFÍSICA ....................................................................................... 29 
 
3 DA DISSOLUÇÃO DO SER À INTERPRETAÇÃO ........................................... 35 
3.1 O NIILISMO E O PROBLEMA DA TEMPORALIDADE ...................................... 36 
3.2 ONTOLOGIA NEGATIVA COMO PROBLEMA EXTRAMETAFÍSICO ............. 46 
3.3 FILOSOFIA INTERPRETATIVA DE NIETZSCHE: UMA HERMENÊUTICA 
DA FILOSOFIA NIETZSCHIANA .......................................................................... 54 
 
4 DA INTERPRETAÇÃO À EDUCAÇÃO .............................................................. 60 
4.1 INTERFACES ENTRE INTERPRETAÇÃO E EDUCAÇÃO NO 
PENSAMENTO NIETZSCHIANO ........................................................................... 61 
4.2 CONSEQUÊNCIAS DA PROBLEMATIZAÇÃO DOS VALORES NA 
EDUCAÇÃO: DECLÍNIO OU ASCENSÃO? .......................................................... 75 
4.3 CULTURA E EDUCAÇÃO: UMA INTERPRETAÇÃO A PARTIR DE 
NIETZSCHE .............................................................................................................. 81 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 86 
 
 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 89 
 
 
9 
 
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
A educação é uma questão antiga, mas não antiquada, e que se põe como tarefa e 
desafio para cada época e geração. Nesse sentido, há uma interface entre a tradição e a educação. 
A educação é herdeira da tradição ao passo que a tradição é conservada na e pela educação. 
Dado o caráter histórico, percebe-se que há um mosaico de compreensões educacionais e que 
cada perspectiva educacional se perfaz num contexto. Sendo assim, a educação carrega as 
marcas de seu tempo, em contrapartida tem a potencialidade de inaugurar um novo tempo. Ou 
ainda, pensando com Adorno, reproduzir a barbárie que se mantém viva no conceito e na 
tradição, cerceando as expectativas que se tem em relação à própria educação e ao seu 
compromisso com a humanidade. Por se tratar de uma questão antiga, poder-se-ia concluir sua 
obsolescência, o que, por seu turno, exige uma narrativa que justifique sua atualidade e 
relevância. Pensa-se que a atualidade da educação é dada pelo seu caráter de humanização 
dentro de um determinado horizonte temporal e espacial, pois os problemas poderão ser outros 
e os desafios de outra ordem. Por exemplo, hoje se fala em educação ambiental, tema 
inimaginável para os modernos, embora a gênese desse desafio que se põe atualmente seja a 
modernidade. O tempo de agora exige um novo olhar para as questões educacionais e para as 
narrativas que visam justificá-la e legitimá-la. A questão que deve ser feita seria: por que o 
tempo de agora exige um novo olhar para a educação? De modo genérico, pode-se afirmar que 
tal exigência brota do próprio curso da história que carrega consigo o evento da morte de Deus, 
isto é, o fim da metafísica. Se a metafísica fundacional ruiu, também caem e/ou entram em crise 
as perspectivas educacionais que se fundamentam sobre ela. 
A partir dessas questões preliminares, cabe situar o objeto de estudo da presente 
pesquisa: a educação na filosofia nietzschiana madura. Compreende-se que Nietzsche 
desenvolve uma crítica corrosiva à metafísica1, reconstruindo uma racionalidade interpretativa 
 
1 Charles Taylor descreve sua compreensão de metafísica nos seguintes termos: “William James definiu alhures 
a Metafísica como ‘apenas um esforço extraordianariamente obstinado para pensar com clareza’” (1969, p. 
13). “Mas a Metafísica não se interessa, de modo algum, pelos ‘comos’ da vida e sim apenas pelos ‘porquês’, 
pelas questões que é perfeitamente fácil jamais formular durante uma vida inteira” (1969, p. 13). “Pensar 
metafisicamente é pensar, sem arbitrariedade nem dogmatismo, nos mais básicos problemas da existência. Os 
problemas são básicos no sentido de que são fundamentais, de que muita coisa depende deles” (1969, p. 13). 
“Isto sugere, contrariamente ao que em geral se supõe, que a Metafísica é um alicerce da Filosofia e não o seu 
coroamento” (1969, p. 14). “Um problema metafísico é indispensável dos seus dados, pois são estes que, em 
primeiro lugar, dão origem ao problema. Ora o datum, ou dado, significa literalmente algo que nos é oferecido, 
posto à nossa disposição. Assim, tomamos como dado de um problema certas convicções elementares do senso 
comum que todos ou a maioria dos homens estão aptos a sustentar com alguma persuasão íntima, antes da 
reflexão filosófica, e teriam relutância em abandonar” (1969, p. 15). “Um problema metafísico surge quando 
se verifica que tais dados não parecem concordar entre si, que têm, aparentemente, implicações que não se 
revestem de coerência entre si” (1969, p. 15). A ideia de metafísica, segundo Taylor é de que a Filosofia é 
10 
 
para além da metafísica. Com isso, o filósofo resgata o contexto vital para o horizonte filosófico 
e educacional. O abandono da metafísica delineia a perspectiva com a qual se pretende dialogar 
com a educação: a interpretação. O objetivo, portanto, é compreender as contribuições 
filosóficas de Nietzsche para pensar a educação contemporânea. 
Para Nietzsche, a racionalidade metafísica produziu “verdades” (radicalizando a 
própria concepção de verdade) entronizadas e/ou absolutas, a saber, o ser; por meio da religião, 
o absoluto/transcendente; e por meio da moral, o bem/mal. Estes são referenciais tradicionais 
de sentido, que se sustentam num fundamento imperecível e último, que é sua razão de existir, 
qual seja, tò ón2 (ser). Na contemporaneidade, contudo, evidencia-se a incongruência do 
pressuposto epistemológico subjacente na tradição metafísica, demonstrando-se a 
impossibilidade de apreender e/ou coadunar o ser à inteligibilidade. No dizer de Nietzsche, o 
mundo-verdade tornou-se uma fábula. E não apenas evidencia-se sua incongruência, como 
também se denuncia a metafísica como o gérmen da violência que tem seu ápice em Auschwitz. 
Portanto, o cenário filosófico niilista (em terminologia nietzschiana) e o chão da vida anunciam 
uma exigência ao pensamento filosófico num tempo singular em que a filosofia se vê ameaçada, 
a saber: uma racionalidade comprometida com os contextos que a envolvem. Destarte, se a 
pergunta central da tradição filosófica é pelo ser (ou melhor, a tradição se caracterizou como 
um modo de abordagem do ser), Nietzsche opera uma guinada radical ao colocar no cerne de 
suas interpretações a pergunta pelo ser humano. Se o modo da tradição consistia em reduzir o 
ser ao intelecto, Nietzsche enfrenta essa percepção com a ideia que o papel da filosofia é a 
interpretação que jamais promove reducionismos, mas abre para a pluralidade perspectivista. 
Decorre dessa problemática o problema central da pesquisa: se a metafísica, segundo Nietzsche, 
é incongruente, então é possível a filosofia? Supondo que a resposta seja positiva, então, qual 
é (são) a(s) possibilidade(s) razoável(eis) para o filosofar e consequentemente para a filosofia? 
 
Metafísica. Sua tarefa é, mediante o esforço do pensamento, pensar, refletir, perguntar, suspender, buscar 
responder, as perguntas postas pela vida, no fundo implica sempre um certo deslocamento ou distanciamento 
da automação cotidiana. Nietzsche não compactua com essa definição, nem com aquela que é derivada de sua 
raiz etimológica. De modo genérico, entende a metafísica como uma fabulação e traição à vida, cuja tarefa 
consiste criar ilusões para suportar a existência. Nesse sentido, ela é um modo de avaliar e interpretar a vida. 
De acordo como filósofo, ela procede por meio de dicotomias que ficcionam a existência de um além-mundo 
ideal em detrimento desse imperfeito. Para Nietzsche, a metafísica é fundacional e identificadora, por isso, 
configura-se num pensamento violento, pois condiciona o real a se enquadrar em categorias preestabelecidas, 
fora dessa idealização, não há nada. Sendo assim, tudo que não se enquadra em suas determinações não é ou 
pode ser desconsiderado e/ou descartado. Ao longo dessa pesquisa, aprofunda-se a compreensão de Nietzsche 
sobre a metafísica. Contudo, nem sempre e nem todos compactuam com compreensão nietzschiana. 
2 Tò ón pode ser entendido como substantivo que denota imutabilidade. Como também, pode ser compreendido 
como verbalização, nesse caso expressa o constante fluxo. A crítica de Nietzsche é endereçada ao primeiro 
significado. Por isso, situa-se na perspectiva de constante movimento. É nesse horizonte, por exemplo, que 
Vattimo (2010) e Fink (1983), interpretam a filosofia nietzschiana referida ao segundo sentido. 
11 
 
Considerando que algumas perspectivas educacionais partem da metafísica fundacional 
doravante desmascarada (segundo Nietzsche, Heidegger, Adorno e Vattimo, entre outros), que 
perspectiva educacional é razoável à luz das contribuições de Nietzsche? Em outras palavras, 
transluz uma possibilidade de pensar a educação e a filosofia a partir de Nietzsche, de sorte a 
reler ambas como interpretação? 
Para enfrentar a problemática, defende-se a tese de que Nietzsche abre uma nova 
perspectiva para a filosofia num tempo singular em que a razão filosófica sofre de seus próprios 
grilhões (a título de exemplo, ontologização do real, enclausuramento da razão em sistemas 
totais e fechados, noção de verdade por conformidade e risco de ser dissolvida em outras 
ciências), pensando a racionalidade filosófica como interpretação. Nietzsche não é hermeneuta 
(ao menos não se diz). Isso, porém, não significa que seu pensamento seja desprovido de 
elementos interpretativos. Certo é que sua filosofia é filosofia interpretativa. E uma das 
possibilidades para a filosofia, bem como para a educação é a interpretação. Identificam-se dois 
conceitos3 nietzschianos que corroboram essa hipótese, quais sejam, o niilismo e a morte de 
Deus. O niilismo, segundo Nietzsche, é gestado pela tradição metafísica, religiosa (sobretudo 
cristã) e moral. Apesar disso, revela-se como (única) chance para saltar/abandonar a metafísica, 
uma vez que enfraquece as estruturas fortes do ser, dissolvendo o centro fundacional. A morte 
de Deus une-se ao niilismo e significa o fim do projeto metafísico e/ou o fim dos altos valores 
promovidos pela metafísica, pela moral e pela religião. Questionam-se radicalmente as 
verdades absolutas, bem como, o in se. Direcionando esses achados (aqueles que seguem), o 
pressuposto filosófico nietzschiano de que só há interpretações, o niilismo e a morte de Deus 
ou, de forma resumida, a filosofia interpretativa niilista, para a educação, se faz mister 
reinterpretar a educação haja vista que, em grande medida, a educação foi e é desenvolvida 
sobre as bases da metafísica. Por isso, justifica-se o título da pesquisa “A educação entre a 
metafísica e a interpretação”, uma vez que o ideal metafísico fundacional ainda sobrevive em 
várias esferas, inclusive na educação. A filosofia nietzschiana, portanto, possui elementos que 
são valiosos para pensar a educação à luz da interpretação. 
Para o filósofo Adorno, o pensar filosófico não pode abdicar responsavelmente dos 
contextos que o evolvem. Ora, no contexto hodierno a interpretação possui um espaço 
privilegiado, não apenas na filosofia, mas em outras áreas do conhecimento. Sendo assim, 
pensa-se a filosofia interpretativa como perspectiva de reflexão sobre os pressupostos da 
educação. 
 
3 Emprega-se ao longo da pesquisa ‘conceitos nietzschianos’ com um fim didático, uma vez que, o uso dessa 
terminologia na filosofia de Nietzsche não é adequada. 
12 
 
Esse modo de proceder se justifica uma vez que filósofos contemporâneos constatam 
a crise na metafísica. Conceitos como, in se, verdade e sujeito são radicalmente questionados e 
reinterpretados. Contudo, é inegável que exerceram e exercem influências no modo de pensar 
a educação, bem como no próprio fazer pedagógico. Diante disso, convém repensar a educação 
a partir de uma racionalidade interpretativa, razão pela qual a primeira tarefa filosófica é a 
crítica radical e sem reservas às compreensões objetivas do conhecimento, da verdade e da 
realidade. Tarefa necessária, uma vez que, na perspectiva metafísica, esses conceitos abrem a 
possibilidade para discursos dogmáticos, legalistas e fundamentalistas. 
Por essa razão, no primeiro capítulo, situa-se a discussão a partir da pergunta pelo ser 
e de como Nietzsche a enfrenta. Cabe ressaltar sua defesa pelo abandono dessa perspectiva. Ou 
seja, Nietzsche insere-se na tradição filosófica a partir do combate da metafísica. Trata-se de 
um percurso pela história da filosofia que fornece elementos para compreender questões 
abstratas, além de evidenciar, a partir de Nietzsche, que essas questões nada falam ao chão da 
vida e ao ser humano. No mesmo capítulo, apresenta-se ainda o esforço nietzschiano de 
desconstruir os mais altos valores como combate ao pensamento metafísico, pois, segundo o 
filósofo, é neles que essa perspectiva se mantém viva e enraizada. Disto decorre a segunda 
tarefa: desenvolver chaves interpretativas que possibilitem a aproximação da filosofia com a 
interpretação e, num último momento, com a educação. A aproximação não é dada a priori no 
pensamento de Nietzsche, por essa razão é necessário que as devidas distinções entre educação 
e interpretação sejam feitas para, então, averiguar a possibilidade de cooperação/conjugação 
entre elas. 
Diante disso, o segundo capítulo prepara o terreno para que, no terceiro, essa discussão 
seja enfrentada. Seu objetivo é analisar conceitos fundamentais para um pensamento 
interpretativo, tais como niilismo, morte de Deus, perspectivismo, vontade de poder e ontologia 
negativa. Por meio dessa constelação de conceitos, Nietzsche abre a possibilidade de pensar 
interpretativo que se sabe herdeiro da metafísica, mas que abandona o ser como fundamento. 
Se a racionalidade filosófica deve ser responsável com o contexto no qual está 
envolvida, então não faz sentido pensar a educação como reprodução de verdades objetivas 
transmitidas por um sujeito absoluto e absorvidas por alguém. É preciso afastar-se desta 
posição, pois, no fundo, está presente o clássico esquema sujeito/objeto, bem como a própria 
racionalidade metafísica. Nesse sentido, a filosofia nietzschiana defende outra possibilidade 
para a relação com a verdade, com o conhecimento e com o sujeito. Doravante, não mais 
objetivista, dado in se, mas como fruto da racionalidade interpretativa a partir de determinadas 
perspectivas. Assim, em vez da objetividade, para Nietzsche, abre-se a pluralidade de 
13 
 
interpretações, no qual não é o primado da verdade que importa, mas a interpretação com 
pretensão de verdade. 
O percurso nietzschiano pelos paradigmas da filosofia, entendido aqui como crítica 
aos altos valores, quer revelar o filosofar interpretativo. Como já foi dito, ao longo do tempo, 
várias compreensões de educação e práticas pedagógicas foram e são fundamentadas a partir 
da metafísica. Se, para Nietzsche, a metafísica é a caluniadora e destruidora da vida, então, 
pensar a educação como interpretação é apostar em uma nova relação com a vida, a tradição e 
os valores. 
No que tange à educação, a filosofia de Nietzsche permite arrolar algumas questões, 
entre elas, a problemática dos valores, a cultura inútil embutida nos currículos escolares, a 
educação massificadora, a educação como interpretação, educação e cultura entre outras. 
Todavia, aproximaresse filósofo da educação é uma tarefa árdua, haja vista que este tema não 
é recorrente em seu pensamento. E, além dessa dificuldade, a educação está no nível da 
construção enquanto boa parte da filosofia de Nietzsche está no plano da desconstrução. A 
desconstrução dos altos valores tem por objetivo evidenciar o valor dos valores, que no entender 
de Nietzsche são antivalores camuflados de valores nobres. A tarefa da desconstrução abre 
espaço para a elaboração de novas chaves interpretativas e avaliativas da existência. Dito de 
outro modo, a desconstrução pela pura desconstrução não faz sentido no pensamento de 
Nietzsche. Nessa perspectiva, pode-se interpretá-lo como alguém que se preocupa com a 
construção de chaves hermenêuticas para reinterpretar e avaliar a vida, o que indicaria a 
possibilidade de identificação de um arco que liga a desconstrução com o tema da educação. 
Desconstruir a tradição para ressignificá-la, percebendo-a como algo vivo e não algo distante 
espaciotemporal. 
Partindo dessas premissas, discute-se no terceiro capítulo a educação. Nietzsche não é 
um bom filósofo para pensar uma proposta educacional, mas é um excelente filósofo para 
desconstruir perspectivas educacionais caluniadoras da vida. Por isso, num primeiro momento, 
recuperam-se o estilo aforístico e os conceitos nietzschianos anteriormente desenvolvidos, tais 
como, niilismo, eterno retorno, morte de Deus, vontade de poder e perspectivismo, 
estabelecendo uma interface com a educação. A partir desses conceitos, num movimento 
posterior, pergunta-se sobre a dimensão ética que permeia a educação e sua relação com a 
filosofia nietzschiana. Essa discussão é imprescindível à medida que só faz sentido educar em 
função do outro a ser educado. Por fim, pensa-se o tema da educação por meio do pensamento 
nietzschiano sobre a cultura. Para Nietzsche, a cultura tornou-se uma mercadoria, de modo que 
seu valor passou a ser definido pela sua utilidade. Frente a esse reducionismo, cabe ao pensar 
14 
 
filosófico e à educação a tarefa de problematizar essa compreensão, de tal sorte a evidenciar 
sua fragilidade. Além disso, tematiza-se duas tendências culturais opostas mas igualmente 
perniciosas para a cultura e a educação, a saber, a ampliação da cultura e a restrição da cultura. 
 
 
 
15 
 
2 DA NECESSIDADE DE UMA CRÍTICA DOS ALTOS VALORES 
A pergunta central da tradição filosófica tange ao ser. Nietzsche opera uma guinada 
radical nessa perspectiva ao colocar no cerne de suas interpretações a pergunta pelo ser humano. 
Trata-se de uma nova perspectiva de filosofia e filosofar, em um tempo singular, no qual a 
filosofia engaiolou-se em sistemas (totais e fechados), o que, por seu turno, representou um 
risco vital ao filosofar e, por conseguinte, à filosofia. A filosofia metafísica, segundo Nietzsche, 
tornou-se um caso de ameaça à existência. Esta ruptura implica dois movimentos inseparáveis: 
primeiro, Nietzsche recupera e/ou enaltece o que há de mais sagrado no humano, a saber, a 
vida; segundo, liberta a razão dos seus próprios grilhões. A filosofia nietzschiana, portanto, 
rompe a marteladas o modo tradicional de filosofia e de filosofar ao enaltecer a Leben (vida, 
existência) e ao formular um novo pressuposto filosófico, qual seja: “não há fatos, apenas 
interpretações”4. 
Esse movimento inteligível, bem como, o pressuposto enunciado por Nietzsche, não 
são claros per se. Por isso, se faz mister uma hermenêutica aos moldes diacrônicos do 
pensamento filosófico de Nietzsche. Apreendendo o itinerário reflexivo do filósofo, torna-se 
possível o entendimento do seu pensar. Para Deleuze, “a filosofia de Nietzsche permanece 
abstrata e pouco compreensível se não se descobre contra quem ela é dirigida”5. Partindo desta 
premissa, matiza-se nessa seção a tradição filosófica com o escopo de situar Nietzsche dentro 
dela, evidenciando as críticas (moral, religião e metafísica) e, sobretudo as rupturas com ela. 
A suspeita hermenêutica de que a metafísica se tornou um caso de agressão, ou ainda, 
de que é o gérmen da violência, leva Nietzsche a proceder com a crítica aos mais altos valores, 
prescindido características para o filosofar. Portanto, busca-se reconstruir de modo breve a 
crítica nietzschiana à tradição cristã, moral e metafísica. Ademais, é do seio dessas vertentes 
que jorram os altos valores e, por conseguinte, o niilismo. 
Na estrutura interna da obra Vontade de poder, há uma seção na qual Nietzsche 
perpassa pelo crivo da crítica os altos valores que compreendem a religião, a moral e a 
metafísica. Mas, o que as três esferas têm em comum? Segundo o filósofo, são três formas de 
niilismo, sendo uma o desenvolvimento lógico da outra. O ponto de intersecção concerne ao 
telos, pois ambas buscam estabelecer uma ordem, uma estabilidade e fundam um valor por meio 
do qual interpretam a existência, situando esse valor além da vontade6. Para entender melhor o 
 
4 NIETZSCHE, Além do bem e do mal, 2009, p. 82. Doravante a obra será referida com a sigla BM. 
5 DELEUZE, Nietzsche e a Filosofia.1976, p. 7. 
6 VATTIMO, Diálogo com Nietzsche, 2010, p. 38. 
16 
 
que une os altos valores é necessário elucidar os três estados psicológicos do niilismo. Ou ainda, 
três modos de interpretar a vida, que devem ser iluminados com o seguinte indicativo: “se se 
põe o centro de gravidade da vida, não na vida, mas no ‘além’ – no nada –, tirou-se da vida toda 
gravidade”7. 
No primeiro estado, a metafísica, a religião e a moral ficcionam a existência de um 
sentido por detrás de toda ação, bem como algo que deve ser alcançado por meio de todo 
acontecimento. Quando se compreende que não há um sentido previamente determinado, ou 
ainda, que se esconde por detrás das coisas, então se descobre o longo desperdício de força. 
Tudo o que outrora possuía sentido predeterminado doravante carece de sentido. Diante disso, 
instaura-se um tormento psicológico chamado “o tormento do ‘em vão’”8: 
O comum a todas essas espécies de representação é que um algo, por meio do processo 
mesmo, deve ser alcançado: – e agora compreende-se que, com o devir, nada se 
alcança, nada é alcançado... Portanto a desilusão com um pretenso fim do devir como 
causa do niilismo: seja com relação a um fim bem determinado, seja, 
generalizadamente, o entendimento da insuficiência de todas as hipóteses de fim até 
hoje, que concernem a todo “desenvolvimento” (– o homem não é mais colaborador, 
quanto menos o centro do devir).9 
A segunda forma, tange à formulação de uma sistematização e ou organização no 
acontecimento. Estabelece-se, assim, uma unidade (totalidade) sob a qual o ser humano, por 
dever, submete seu agir e sua interpretação da existência. Quando se descobre que não há tal 
unidade, o resultado é invariavelmente o mesmo, “no fundo o homem perdeu a crença em seu 
valor se, por meio dele, não age um todo infinitamente valioso: isto é, ele concebeu um tal fim 
para poder acreditar em seu valor”10. 
Por fim, se no devir não há nenhum sentido predeterminado e nem uma unidade sob a 
qual se deve subjugar a ação, postula-se um subterfúgio: 
Resta então condenar todo esse mundo do devir e inventar um mundo que fica além 
do mesmo como verdadeiro mundo. Mas, tão logo o homem descobre como esse 
mundo é estruturado somente por necessidades psicológicas e como ele não tem 
 
7 NIETZSCHE, Anticristo: ensaio de uma crítica do cristianismo, 1999, p. 399. 
8 NIETZSCHE, Vontade de Poder, 2008, p. 31. Doravante referir-se-á a obra com a sigla VP. Como a vontade 
de poder não pode querer para trás, somente para frente gera-se o ódio pelo que passou, isto é, o em vão. Esse 
ódio e/ou ressentimento pode ser traduzido pela categoria de espírito de vingança. Esse espírito está presente 
nas três esferas e funciona como uma cola que as une entre si. 
9 VP, p.31. 
10 VP, p. 32. 
17 
 
direito algum de fazer isso, surge então a última forma de niilismo, que inclui em si a 
descrença em um mundo metafísico.11 
Portanto, o resultado que é produzido por essas três formas de interpretar o devir 
converge em niilismo. “O sentimento de desvaloração foi alcançado quando se compreendeu 
que o caráter total da existência não pode ser interpretado nem com o conceito de “fim”, nem 
com o conceito de ‘unidade’, e nem com o de verdade”12. Quando se liquida as categorias com 
as quais se interpreta a vida e o devir, então a vida aparece sem sentido: “Extirpamos de nós as 
categorias ‘fim’, ‘unidade’, ‘ser’, com as quais incutimos um valor no mundo – e então o mundo 
aparece como sem valor”13. 
Com estas três categorias, o mundo não pode mais ser interpretado, e que, de acordo 
com esse entendimento, o mundo, para nós, começa a tornar-se sem valor: então temos 
de indagar de onde provém a nossa crença nessas três categorias – tentemos, se não é 
possível, rescindir a crença nelas. Quando tivermos desvalorizado essas três 
categorias, então a prova de sua inaplicabilidade ao Todo não será mais nenhuma 
razão para desvalorizar o Todo. Resultado: a crença nas categorias da razão é a 
causa do niilismo, nós medíamos o valor do mundo em categorias que diziam respeito 
a um mundo puramente fictício. Resultado-conclusão: todos os valores com os quais 
nós, até agora, em primeira instância, procuramos tornar o mundo avaliável para nós 
e por fim, justamente por isso, o desvalorizamos, quando se tornaram inadequados – 
todos esses valores, computados psicologicamente, são resultados de determinadas 
perspectivas da utilidade para a sustentação e o incremento de configurações de 
domínio humanas: e só falsamente foram projetados na essência das coisas. Trata-se 
sempre ainda da ingenuidade hiperbólica do homem: o [colocar]-se, ele mesmo, como 
sentido e critério de valor das coisas.14 
2.1 O MODO DE ABORDAGEM DO SER NA TRADIÇÃO 
Como já foi dito, o norte da filosofia tradicional concerne à questão do ser15. Afinal, o 
que é o ser? Para além da tentação de responder imediatamente, deve-se problematizar a 
indagação. Ao auscultar a tradição filosófica ouve-se o ruído que soa reiteradamente: ‘o ser é’ 
(por isso, na contemporaneidade emerge a questão acerca do sentido do ser). O pressuposto 
intrínseco concerne, invariavelmente, à crença de que o ser se deixa coadunar e apreender pelas 
 
11 VP, p. 32. 
12 VP, p. 32. 
13 VP, p. 32. 
14 VP, p. 33. 
15 Por que começar a discussão descrevendo a problemática metafísica? Essa metodologia não é fortuita, uma vez 
que a filosofia nietzschiana tem por escopo abalar o castelo milenar da metafísica. Nietzsche põe claramente 
esse desejo e o de pensar um pensamento extrametafísico, porém, nunca abordou o problema metafísico, a 
saber, o ser na perspectiva metafísica e/ou ontológica. Combateu a metafísica pelo viés psicológico e deslocou 
o problema da ontologia para a axiologia. E não poderia ser diferente, uma vez que colocar o problema do ser 
a partir da metafísica significa, a priori, ser sua refém. Por isso, Nietzsche investe sua crítica contra a moral, a 
religião e até mesmo a ciência, esferas de sentido e de interpretação do existente calcadas na metafísica. 
18 
 
faculdades do intelecto. Portanto, o ser, dentro da metafísica, por conseguinte, na tradição 
filosófica, permaneceu inquestionável e óbvio. 
No período antigo (não se trata apenas de um tempo histórico, mas, sobretudo, de um 
paradigma de compreensão16), as questões filosóficas diziam respeito à origem do cosmos. 
Pensou-se, então, em um princípio, universalíssimo, organizador de todas as coisas, melhor, 
presente em todas as coisas, sendo sua razão de ser. Esse princípio imperecível foi denominado 
de tò ón. Deste modo, a filosofia orientada para o cosmos ganha uma nova nuance ontológica. 
No entender dos filósofos antigos, o fundamento e/ou princípio imperecível é o hólos, a 
totalidade. 
Já na Idade Média, na patrística, o platonismo é para Nietzsche reinterpretado, agora, 
adaptado às massas17. Dessa reinterpretação nasce o novo fundamento ontoteológico do real, 
Deus. Aqui aparece um ponto de convergência entre a metafísica e o cristianismo. De tal sorte 
que a crítica nietzschiana à metafísica implica também em uma crítica à religião, uma vez que 
essa se desenvolve na Idade Média, no terreno da metafísica18. 
 
16 Neste movimento de pensamento, há como pressuposto a compreensão de tradição filosófica desenvolvida por 
Mario Osorio Marques na obra Conhecimento e modernidade em reconstrução (1993). Para ele a tradição 
filosófica se dá ao modo de paradigmas. Assim, evita-se a ideia de que ela é algo congelado em um tempo e 
espaço distante. Por conseguinte, ela não é linear e tampouco possui um telos predeterminado, mas desenvolve-
se a partir de uma comunidade linguística na qual os filósofos compartilham temas, problemas e interpretações. 
Há como pano de fundo a noção paradigmática formulada por Thomas Kuhn, para o qual paradigmas são “(...) 
as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e 
soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (A estrutura das revoluções 
científicas, 1978, p. 13). E acrescenta: “um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham 
e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (p. 219). 
Contudo, Marques distancia-se da compreensão de Kuhn por entender que a filosofia se dá por meio de 
paradigmas e não apenas a ciência. Reconstroem-se, em linhas gerais, alguns paradigmas filosóficos com o 
escopo de evidenciar a questão de fundo, a saber, o problema do ser. 
17 Embora a leitura de Nietzsche limita-se ao platonismo e sua fusão com o cristianismo, ela é insuficiente para 
aclarar a questão do ser na Idade Média. Certo é que, nela há uma tendência de ler os antigos gregos a partir 
das lentes do cristianismo. Se para os gregos o ser apresenta-se e, se a metafísica debruça-se sobre essa 
presentificação, para os medievais a metafísica é somada a teologia para compreender o ser que sempre esteve 
ai, infinito, causa de si e criador, que revela e/ou inspira no ser humano o conhecimento. 
18 Cabe frisar que não apenas na Idade Média a teologização desenvolve-se a partir da metafísica. Hodiernamente, 
com a Encíclica Fides et Ratio de 1998, vê-se uma apologia da metafísica. O novo programa doutrinário da fé 
quer uma aproximação entre teologia e filosofia e o campo para essa aproximação é a metafísica. Ora, a 
pergunta que deve ser feita é: por que após a denúncia dos filósofos contemporâneos (Nietzsche, Heidegger, 
Adorno, Vattimo entre outros) de que a metafísica é o gérmen da violência, a teologia quer teologizar a partir 
da metafísica? Por qual(is) razão(ões) a metafísica permite uma melhor aproximação entre teologia e filosofia? 
O que querem aqueles que defendem a metafísica como meio dessa aproximação? Pretende-se garantir uma 
verdade absoluta? Para o teólogo Geffré, “teologia é do começo ao fim, empreendimento hermenêutico” (Como 
fazer teologia hoje: hermenêutica teológica, 1989). Sendo assim, o ponto de convergência entre fé e razão é a 
hermenêutica. Mas, por que a igreja (católica) rechaça essa perspectiva? Conforme Vattimo, a hermenêutica 
tem uma vocação niilista, o problema concerne ao reconhecimento dessa vocação pela hermenêutica (Para 
além da interpretação: o significado da hermenêutica para a filosofia, 1994, p. 13-28). Ora a hermenêutica 
niilista faz “Deus rolar do centro para o x” (VP, p. 28), isto é, rolar para uma incógnita que não se sabe certo o 
que é, e nem como é. Ou seja, rolam para o x as “verdades” sólidas. A hermenêutica niilista é, por essa razão, 
vista pela Igreja, sobretudoa católica, como um pensamento não amigável. Ocorre que com a morte de Deus, 
finalmente pode-se falar de Deus. Uma vez que Deus está morto o diálogo inter-religioso tornou-se possível, 
19 
 
[...] o cristianismo, tanto como religião quanto como doutrina moral, constitui uma 
versão vulgarizada do platonismo, adaptada às necessidades e anseios de amplas 
massas populares. Por sua vez, o cristianismo constitui, para Nietzsche, a medula ética 
do mundo ocidental; é da seiva moral do cristianismo que se nutrem todas as esferas 
importantes de nossa cultura, desde a mais abstrata e rarefeita investigação das 
ciências formais até o plano material de organização da vida e do trabalho.19 
Com Descartes20, inicia-se uma nova e radical possibilidade para o ser. O único fato 
não suscetível de dúvida é o fato de duvidar. A dúvida metódica conduz a uma certeza e/ou a 
uma verdade indubitável, “Eu penso”. Nesse sentido, para Descartes, o cogito passa a ser a 
fundação última da qual não se pode duvidar. Portanto, a subjetividade (cogito) é introduzida 
como subjectum. Rompe-se21, assim, com o paradigma medieval. Contudo, Descartes preserva 
em seu pensamento uma relação dual: coisa pensante e coisa extensa. 
A divisão do mundo em duas substâncias, a coisa extensa e a coisa pensante, abre o 
caminho para o pensamento moderno. A espacialização e quantificação do mundo 
como coisa extensa abriu propriamente as portas para a matematização da natureza. 
Se esta dicotomia do ser conduziu para a afirmação da subjetividade, do “Eu Penso”, 
das filosofias da consciência, no que tange às ciências, ela estabeleceu a quantificação 
do ser, a possibilidade de medir o mundo e calculá-lo.22 
Situa-se a reflexão além da discussão acerca das vantagens da fragmentação do ser, 
bem como de suas consequências. Vale ressaltar que a dicotomia operada no ser, entre coisa 
extensa e coisa pensante, coloca o novo sujeito como criador do real, por conseguinte, 
dono/proprietário da natureza. 
 
pois morre também a verdade absoluta, ou ainda, a pretensão de religião verdadeira e/ou ideal. Na carta aos 
Filipenses 2,6-11 há um claro indicativo de uma teologia hermenêutica niilista. Ou seja, um Deus que por 
vontade própria rola do centro para o x, por meio da kenosis (esvaziamento de si, Cristo esvaziou-se de sua 
condição divina), enfraquecendo dessa forma suas estruturas fortes. Portanto, a teologia se pretende auscultar 
os sinais dos tempos, e deste modo ser coerente com eles, deve fazer-se a partir da hermenêutica niilista, 
levando a sério não apenas a kenosis, mas como defendem os teólogos Jürgen Moltmann (Deus crucificado, 
2011) e Jon Sobrino (Cristologia a partir da América Latina, 1983) a cruz de Jesus. 
19 GIACÓIA, Folha explica Nietzsche, 2000, p. 24. 
20 Descartes abre O Discurso do Método (2011) com as seguintes palavras: “O bom senso é a coisa mais bem 
distribuída do mundo: pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis de se 
satisfazerem com qualquer outra coisa não costumam desejar mais bom senso do que têm. Assim, não é 
verossímil que todos se enganem; mas, pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem julgar e distinguir o 
verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina bom senso ou razão, é por natureza igual em todos 
os homens; e portanto que a diversidade de nossas opiniões não decorre de uns serem mais razoáveis que os 
outros, mas somente de que conduzimos nossos pensamentos por diversas vias, e não consideramos as mesmas 
coisas” (DESCARTES, 2011, p. 5). Para o filósofo todo mundo possuí razão, mas a questão que sobressai é 
saber conduzi-la bem. Dessa forma, Descartes abre, por um lado, a discussão que perpassa a modernidade, a 
questão do método e, por outro lado, sua filosofia acentua a subjetividade de modo que o mundo é colorido de 
acordo com o pensamento do sujeito que colora. As coisas passam a ser aquilo que o pensamento atribui. 
21 Grifo nosso. De acordo com Kuhn, não há um rompimento total de um paradigma para outro, o novo tem 
elementos do paradigma anterior. 
22 STEIN, Melancolia, 1976, p. 104-105. 
20 
 
Na modernidade, a questão do ser ganha uma nova nuance: a epistemológica. Para 
Kant, “[...] no conhecimento a priori não se pode acrescentar aos objetos nada a não ser o que 
o sujeito pensante retira de si mesmo”23. O sujeito é portador das faculdades a priori, por isso 
determina (apreende e define) o objeto. Nessa lógica, o objeto não possui predicados, somente 
aqueles que o sujeito lhe arroga. Em Kant, é clarividente a primazia do sujeito sobre o objeto24. 
Pela lente nietzschiana, trata-se de outra forma de exprimir a clássica dicotomia metafísica 
(mundo das essências e mundo das aparências, céu e terra ou corpo e alma, res cogitans e res 
extensa, e sujeito e objeto). Na distinção entre sujeito e objeto, portanto, abre-se a possibilidade 
daquele dominar e/ou devorar este. A radicalização das premissas kantianas por seus pares 
idealistas, leva às últimas consequências o abismo entre sujeito e objeto proclamando-se a 
primazia do sujeito transcendental sobre o sujeito empírico. Portanto, “enquanto o fundamento 
é enunciado, ele está em poder do sujeito que o enuncia e o aceita como válido: toda a realidade 
é reduzida ao sujeito, não existe nela mais nada a ser como tal”25. 
Heidegger abre uma clareira no ser. Segundo ele, a questão pelo ser foi negligenciada 
na tradição filosófica: “embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a 
‘metafísica’, a questão aqui evocada caiu no esquecimento”26. Ora, não propriamente o ser foi 
esquecido, mas historicamente a pergunta pelo ser. Se isso é verdade, então, o norte da filosofia 
contemporânea parece claro, a saber, inquerir acerca do novo subjectum. Se o ser no período 
antigo era a totalidade e se no medieval foi compreendido como Deus, enquanto que no 
moderno pensou-se o pensamento como fundamento, então, qual é o ser contemporâneo? Ou é 
o ser moderno que vale para os dias hodiernos? Caso a resposta seja positiva, então se pretende 
 
23 KANT, Crítica da Razão Pura, 1983, p. 14. Cabe frisar que na metafísica clássica os objetos possuem 
qualidades, por sua vez, Kant desloca o objetivismo para o subjetivismo, ou seja, desloca o objeto para o sujeito, 
desta forma, as qualidades do objeto são definidas pelo sujeito. 
24 Sobre a relação sujeito-objeto, Nietzsche sustenta a hipótese de que só há sujeito, diz: “Só o sujeito é passível 
de prova: hipótese de que só há sujeitos – de que “objeto” é somente uma espécie de efeito do sujeito sobre o 
sujeito... um modus do sujeito” (VP, p. 296). Se assim é o pensamento corre o risco de cair no subjetivismo e 
definhar-se em seu devaneio. Nietzsche enfrenta essa questão com a compreensão de fabulação do mundo e da 
filosofia, que será desdobrada em frente. Se Kant opera a primeira revolução copernicana do conhecimento, 
Adorno defende uma segunda revolução copernicana. Na primeira é clarividente a primazia do sujeito sobre o 
objeto. Adorno por sua vez, na Dialética Negativa (2009) e no texto Sobre Sujeito e Objeto (1969), fala da 
necessidade do primado do objeto sobre o sujeito, tendo por objetivo eliminar a relação dual hierárquica entre 
sujeito e objeto promovida pela tradição filosófica. Ademais, sobre essa base se desenvolve o pensamento 
totalitário, uma vez que o sujeito possui e/ou exerce seu senhoril sobre o objeto. Logo, não se trata de o objeto 
ocupar o lugar que era do sujeito, isso apenas seria uma inversão e não eliminaria a dicotomia, pois o objeto 
passaria a determinar o sujeito. O problema que cresce no seio do primado do sujeito é de que o sujeito projeta 
no objeto aquilo que quer ver. O objeto torna-se um espelho para o sujeito, que castra as potencialidades do 
objeto. Sendo assim, Adorno, argumenta que o objetoprecisa se manifestar ao sujeito, destarte, inverte a lógica 
do primado do sujeito kantiano. A nova relação epistemológica que Adorno defende consiste em uma entrega 
sem reservas do sujeito e do objeto entre si. 
25 VATTIMO, 2010, p. 113. 
26 HEIDEGGER, Ser e Tempo, 1988, p. 27. 
21 
 
continuar com o ser moderno? Heidegger não é o filósofo do retorno ao fundamento, isto é, ao 
ser. Pelo contrário, “fala da necessidade de ‘abandonar o ser como fundamento’, para ‘saltar’ 
em seu ‘abismo’”27. Antes de Heidegger, Nietzsche sinalizava para o abandono do ser como 
Grund (fundamento), através da metáfora da morte de Deus. Adorno anuncia de modo radical 
o abandono do ser como questão filosófica, aliás, por muitos concebida como a questão 
filosófica mais radical: 
[...] pergunta essa que hoje em dia é tida como radical, e, no entanto, é a menos radical 
de todas: a pergunta, pura e simples, pelo ser, tal como a formularam expressamente 
os novos projetos ontológicos e tal como, a despeito de toda oposição, subjaz também 
aos sistemas idealistas, que se pretende superar. Esta pergunta apresenta como 
perspectiva sua própria resposta: que o ser é adequado e acessível ao pensamento, que 
é possível se colocar a pergunta pela ideia do existente. Mas a adequação do 
pensamento ao ser como totalidade se desagregou e com isso se tornou impossível a 
pergunta pela ideia do existente, que um dia, soberana, pode se elevar como estrela, 
em clara transparência, por cima de uma realidade redonda e fechada, e que, talvez, 
se desvaneceu para sempre aos olhos humanos quando as imagens de nossa vida foram 
afiançadas pela história. A ideia do ser se tornou impotente na filosofia; nada mais 
que um princípio formal vazio, cuja arcaica dignidade ajuda a decifrar conteúdos 
arbitrários. Nem a plenitude do real, como totalidade, se deixa subordinar à ideia do 
ser, que lhe atribui o sentido; nem a ideia do existente se deixa construir a partir dos 
elementos do real. Ela se perdeu para a filosofia, e, com ela, sua pretensão de atingir 
a totalidade real, na origem.28 
Da inflexão de pensamento pela metafísica saltam dois indicativos. Primeiro, a 
filosofia carece continuamente de uma crítica imanente, com o escopo de averiguar se está 
legitimando e justificando a agressão à vida, haja visto que a metafísica é o gérmen da violência 
(o que se pode verificar pela via da metafísica e da epistemologia. No primeiro caso, trata-se de 
uma racionalidade identificadora e totalitária que condiciona a filosofia a construir sistemas 
totais e fechados. Tudo o que não se enquadra nas determinações metafísicas do ser, da essência 
e do in se é excluído e/ou eliminado. No segundo caso, há o primado do sujeito sobre o objeto, 
ou melhor, o sujeito exerce seu senhorio sobre o objeto, obliterando qualquer possibilidade de 
o objeto manifestar-se. Destarte, o conceito carrega intrinsecamente a violência do sujeito 
pensante sobre o objeto pensado). Segundo, o filosofar não pode elevar-se sobre o Sitzinleben 
(contexto vital), mas deve estar profundamente comprometido com ele. Destarte, a filosofia 
precisa abandonar a pretensão de dizer o ser (que é diferente da pergunta pelo ser) e, por 
conseguinte, abandonar a metafísica, jamais superá-la, pois isso ainda seria demasiadamente 
metafísico. Isso significa, que o filosofar deve se repensar do ponto de vista epistemológico, 
mas com os pés no terreno da ética. É nesse horizonte, que as contribuições nietzschianas à 
 
27 VATTIMO, O fim da modernidade, 2002, p. 15. 
28 ADORNO, A atualidade da filosofia, 2016, s/p. 
22 
 
filosofia ganham eco. Cabe lembrar, a Lebensphilosophie, como contraponto ao ser (metafísica) 
e da filosofia como interpretação, apenas interpretação, como contraponto à dissecação da 
objetividade do fato e do ser. 
2.2 CRÍTICA À RELIGIÃO 
Nietzsche interpreta a tradição religiosa29, sobretudo a cristã, na perspectiva filosófica 
e psicológica. Por isso, não se deve esperar dele uma crítica de teólogo. Essa preliminar se faz 
necessária à medida que, do ponto de vista teológico, várias objeções poderiam ser feitas. Pode-
se afirmar que se trata de uma limitação da crítica nietzschiana. Mas essa aporia é suavizada 
por meio do argumento de que Nietzsche não está preocupado com a teologização, mas apenas 
em desvelar problemas que a própria teologia e religião são incapazes de trazer à epiderme por 
si só. O que Nietzsche quer, e assim o faz, é combater o ideal moral cristão e não a teologia30. 
O pressuposto do qual Nietzsche parte é de que a religião é produção humana. A 
genealogia dá prova dessa premissa. Na base da religião há uma aporia psicológica. Todos os 
estados de vontade (nobre, forte, vil, fraca, entre outras), quando não são acompanhados de 
consciência de que se trata de uma vontade própria, são atribuídos a uma vontade estrangeira31. 
Portanto, o ser humano procedeu com os 
 
29 Emprega-se crítica à religião devido ao próprio autor usar esses termos como título de uma seção em A vontade 
de poder. 
30 Escreve: “Não se deve jamais estar em paz enquanto o ideal de homem inventado pelo cristianismo não estiver 
destruído a fundo [suas exigências feitas aos homens, seu não e seu sim em relação aos homens.] O resto 
inteiramente absurdo de fábulas, teias de aranha conceituais e teologia cristãs não nos diz coisa alguma; ele 
poderia ser mil vezes mais absurdo, e nós não levantaríamos um dedo contra ele” (VP, p. 149). 
31 René Girard, no texto intitulado O bode expiatório e Deus (2008), descreve por meio de um sistema 
antropológico-fenomenológico a relação entre um estado de vontade (que gera alguma violência) e o sagrado. 
Para ele, dessa interface constituem-se mitos fundantes. O sentimento religioso brota da relação entre violência 
e o sagrado. A interconexão ocorre à medida que a religião se torna um sistema de repressão e cerceamento da 
violência, de modo que não se torne epidêmica. Nesse sentido, concorda com Nietzsche que o fenômeno 
religioso é produção humana. Mas discorda de Nietzsche na medida em que vê na religião um relevante papel 
ético e moral, uma vez que ela evita a ventilação da violência e, portanto, preserva a vida. Ao passo que a 
religião freia e/ou evita a violência, precisa internalizá-la para tal efeito. Quando é internalizada passa-se para 
uma relação de reciprocidade. Cria-se uma narrativa/mito que serve de explicação e repressão da violência. Ou 
seja, a religião consegue cercear a violência quando lhe atribui um caráter sacro. Para sustentar essa hipótese, 
Girard emprega os conceitos de Bode expiatório e mimesis. Franz Hinkelammert, ao seu modo, faz a genealogia 
do sacrifício humano, em Sacrifícios humanos e sociedade ocidental: Lúcifer e a Besta, 1995. Para ele, a 
cultura ocidental e/ou o imaginário cultural (o modo de ser ocidental) assenta-se sobre narrativas fundantes 
(mitos) que em seu seio trazem o tema da vida e da morte, de modo mais específico, o sacrifício humano. A 
título de exemplo lembra: na Tradição Ocidental, o Mito de Ifigênia; na Tradição Hebraico-Judaico, o Mito de 
Abraão e Isaac; e na Tradição Cristã, a Morte e Ressurreição de Jesus. No que tange ao ocidente, 
Hinkelammert aponta que há uma lógica sacrificial, invariavelmente seguida, de modo que se instaurou um 
círculo sacrificial: “A história do ocidente é uma longa sequência de sacrifícios humanos, que parecem ser o 
contrário do que são. Parecem ser castigos merecidos pelo desrespeito aos direitos humanos da parte de todos 
os outros. O Ocidente tem uma torre alta, da qual contempla todo o mundo para intervir onde se violam os 
direitos humanos. Intervém com força, com crueldade infinita, contra todos os que os violam. Nas intervenções 
23 
 
[...] estados que pareciam estranhos, arrebatadores e impotentes, ele os explicou para 
si como obsessãoe encantamento sob o poder de outra pessoa. [...] Assim, o cristão, 
a espécie de homem mais ingênua e retrógada, reconduz a esperança, o repouso e o 
sentimento de “redenção” a uma inspiração psicológica de Deus: nele, como em um 
tipo essencialmente sofredor e inquieto, os sentimentos de felicidade, de entrega e de 
paz aparecem, de modo que lhe é mais adequado, como o estranho, como o que 
precisa de esclarecimento [...]. Concretiza-se um estado em uma pessoa e afirma-se 
que esse estado, se ele surge em nós, é o efeito daquela pessoa. Em outras palavras: 
na educação psicológica de Deus, um estado, a fim de ser um efeito, é personificado 
como causa.32 
Esse processo é perpassado por uma lógica psicológica que concerne à vontade de 
poder, que quando é extrema e aflora, é atribuída a outrem. Logo, no fundo, não há ação, apenas 
reação a uma causa alheia. Aí a religião encontra seu berço. “Em suma, a origem da religião 
reside nos sentimentos extremos de poder, os quais como estranhos, surpreendem o homem [...] 
e conclui que um outro homem está sobre ele”33. Consequentemente, o ser humano apequenou-
se, porque não ousou atribuir a si sua vontade. 
O homem não ousou se atribuir todos os seus momentos mais fortes e assombrosos, – 
ele os concebeu como “passivos”, como “sofridos”, como dominações -: a religião é 
um rebento de uma dúvida sobre a unidade da pessoa, uma altération da personalidade 
-: toda a grandeza e toda a força do homem eram concebidas como sobre-humanas, 
como estrangeiras, o homem apequenava-se, – ele cindiu os dois lados em duas 
esferas: uma muito deplorável e fraca, a outra tremendamente forte e assombrosa; 
chamou a primeira de “homem” e a segunda de “Deus”. [...] A religião degradou o 
conceito de “homem”; sua extrema consequência é que tudo o que é bom, grande, 
verdadeiro é sobre-humano, sendo presenteado, apenas, por meio da graça [...]”.34 
 
que o Ocidente faz desde essa torre, violam-se os direitos humanos como jamais foram violados. Fazem-se 
guerras que jamais foram feitas, usam-se armas que não se conheciam. O resultado dessas intervenções é 
sempre, e sem variação, a apropriação das riquezas e dos bens, assim como também a força de trabalho, dos 
povos invadidos. O Ocidente conquistou o mundo e o está destruindo. No entanto, segundo a imagem que tem 
de si mesmo, tudo o que fez foi intervir contra os muitos violadores dos direitos humanos no mundo inteiro. A 
apropriação dos bens destes não passa de recompensa bem merecida por essa obra, a reparação dos danos que 
estes violadores tinham ocasionado. Essa torre de vigia que o Ocidente construiu, e que é mais alta que qualquer 
torre jamais construída, chega hoje, até os céus. Desde essa torre se escuta o grito que faz tremer o mundo: a 
vítima tem a culpa, o vitimador é inocente” (1995, p. 110-111). Ao descrever a secularização do sacrifício 
humano, Hinkelammert aponta para a antítese e, por conseguinte, para a superação da lógica carnificina. O 
mito abraâmico (Gn 22,1-19) quebra a lógica sacrificial, pois Abraão decide não matar o filho. Conforme 
Hinkelammert, o ocidente procede como se Abraão nunca tivesse existido. Com as interpretações de Girard e 
de Hinkelammert pode-se, por um lado, fazer objeções à interpretação nietzschiana sobre as religiões e por 
outro somar força na argumentação de Nietzsche. As objeções não inviabilizam a crítica do filósofo, uma vez 
que a perspectiva deste é distinta da perspectiva daqueles. Das distintas perspectivas saltam elementos 
relevantes sobre as Tradições, bem como as ameaças que camuflam. De qualquer sorte, fica evidente o caráter 
ambivalente das religiões, a saber, a potencialização e a defesa da vida e degeneração e destruição da vida. 
32 VP, p. 95. 
33 VP, p. 96. 
34 VP, 96-97. Embora Girard não use o conceito de vontade de poder, que Nietzsche tem como ponto de partida, 
de modo análogo ele parte de outro extremo da vontade poder: a violência. Para Girard, a violência produzida 
pelos humanos é extremamente terrível e incompreensível, destarte, atribuir-se-á ao transcendente: “Deus é, 
primeiro, a personalização do que se chama o sagrado. E o sagrado é uma experiência da violência de tal modo 
repentina, temível e constrangedora no interior das comunidades que os homens acreditam e reconhecem nela 
24 
 
No entender de Nietzsche, a religião é uma maneira de interpretar a existência. Trata-
se de uma interpretação que produz efeitos na vida dos cristãos35. Esses efeitos são calculados 
pelo filósofo como apequenamento da condição humana. Ora, se é uma interpretação, então, 
quem interpreta? Por que interpreta? Para que interpreta? Nietzsche responde: “os sacerdotes 
são os atores de uma qualquer sobre-humanidade, à qual eles devem conferir evidência, quer se 
trate de ideais, de deuses ou de salvadores”36. 
Para Nietzsche, o sacerdote tem por objetivo consolidar sua vontade de poder. Para 
tanto, precisa empregar meios que lhe garantem esse fim, quais sejam: “só ele é o sábio; só ele 
é o virtuoso; só ele tem o supremo domínio sobre si, só ele é, em certo sentido, Deus e remonta 
à divindade; só ele é o intermediário entre Deus e os outros; a divindade pune todo dano e todo 
pensamento dirigidos contra um sacerdote”37. 
O êxito da vontade de poder do sacerdote se dá no terreno da moral. Neste, ele promove 
uma inversão não apenas de valores como também muda o pólo referencial da ação e de querer. 
Não se age, e tampouco se quer, por vontade de poder autônoma, mas porque se está a serviço 
do Reinado de Deus. Deus e o seu Reino/Reinado, portanto, são o referencial maior de sentido 
para a ação e para o querer. Por meio da mentira sagrada, aquela autorizada para fins piedosos38, 
inverte-se o referencial da ação, de natural à sobrenatural. Desconecta-se, desse modo, o valor 
moral com a perspectiva que o engendrou/criou para responder a uma exigência específica, e 
passa-se a concebê-lo como um valor em si. Assim, 
[...] a consequência natural da ação é interpretada como sobrenatural e, para operar 
com mais segurança, prometem-se, de modo incontrolável, outras consequências 
sobrenaturais. Cria-se, dessa forma, um conceito de bem e de mal que se apresenta 
inteiramente desligado do conceito natural “útil”, “prejudicial”, “promotor da vida”, 
 
um poder que os ultrapassa, um poder literalmente transcendente, perante têm demasiado medo para que possa 
desobedecer-lhe, a fortiori para negar a sua existência” (2008, p. 3). 
35 Rubem Alves ilustra de modo irônico, mas preciso como as teias e fábulas conceituais teológicas, por mais 
absurdas que sejam, produzem efeitos na vida dos cristãos. Estes são comparados a bicharada que acredita 
piamente que o canto do galo faz o sol nascer. De modo análogo, parece que Nietzsche alerta que o sol nasceu 
com ou sem o canto do galo. Em outras palavras, a moralidade cristã fundamentada em perspectivas teológicas 
tem suas consequências computadas ao passo que os galos são desmascarados. “Há teólogos que se parecem 
com o galo. Acham que, se não cantarem direito, o sol não nasce: como se Deus fosse afetado por suas palavras. 
E até estabelecem inquisições para perseguir galos de canto diferente e condenam outros a fechar o bico, sob 
pena de excomunhões. Claro que fazem isto por se levarem muito a sério e por pensarem que Deus muda de 
ideia ou muda de ser ao sabor das coisas que nós pensamos e dizemos. O que é, para mim, a manifestação 
máxima de loucura, delírio maníaco levado ao extremo, este de atribuir onipotência às palavras que dizemos. 
Teólogos são, frequentemente, galos que discutem qual a partitura certa: que canto cantar para que o sol 
levante? [...] Eu penso, ao contrário, que não é nada disto. O sol nasce sempre, do mesmo jeito, com galo ou 
sem galo” (ALVES, 1987, p. 15-16). 
36 VP, p. 97. 
37 VP, p. 97-98. 
38 Cf. VP,p. 99. 
25 
 
“amesquinhador da vida” – nisso que outra vida é imaginada, ele pode até mesmo ser 
diretamente hostil ao conceito natural de bem e de mal.39 
Na base há um estratagema psicológico, qual seja: cria-se a consciência, ou seja, “[...] 
uma voz interior que em cada ação não mede o valor da ação em relação às suas consequências, 
mas antes tem em vista a intenção e a sua conformidade com a “lei”40, sendo interpretada como 
lei divina. Soma-se a esse processo moralizante a teologia retributiva com as categorias de 
castigo/punição e recompensa. 
A mentira sagrada inventou assim um Deus que pune e recompensa, que aprova, em 
todos os detalhes, o livro de leis do sacerdote e que os envia, exatamente, como seus 
porta-vozes e procuradores no mundo; – um além da vida, na qual somente se pensa 
efetiva a grande máquina-punitiva – a esse fim serve a imoralidade da alma – a 
consciência moral no homem, ser consciente daquilo que institui bem e mal, – que 
Deus em pessoa fala aqui, quando ela aconselha a conformidade com a prescrição 
sacerdotal; – a moral como negação de todo processo natural, como redução de todo 
acontecer a um acontecer moralmente condicionado, o efeito moral (isto é, nem a ideia 
de recompensa e punição) como o que perpassa o mundo, como força isolada, como 
creator de toda mudança; – a verdade como algo oferecido, revelado, como 
coincidindo com a doutrina do sacerdote: como condição, enfim, de toda salvação e 
felicidade, nesta e na outra vida. Em suma: qual é o preço do aperfeiçoamento moral? 
– suspensão da razão, redução de todos os motivos a medo e esperança (castigo e 
recompensa); dependência de uma tutela sacerdotal, de um rigor formal, que tem a 
pretensão de expressar uma vontade de Deus; a implantação de uma “consciência 
moral” que coloca um falso saber no lugar do exame e da experimentação: como se 
já estivesse estabelecido o que se haveria de fazer e de não fazer – uma espécie de 
castração daquele espírito que busca e impele para diante. Em suma, a mais horrível 
mutilação do homem que se [pode] imaginar, supostamente como “homem bom”.41 
O ideal moral cristão, portanto, é perpassado pelo niilismo desde a gênese. Se isso é 
verdade, então o niilismo é sintoma, causa e ao mesmo tempo chave para o seu abandono. “As 
religiões chegam ao fim na crença moral: o Deus moral-cristão é inconsistente. [...] As religiões 
niilizantes todas juntas: histórias de doenças sistematizadas sob uma nomenclatura moral-
religiosa”42. Segundo Nietzsche, no plano teórico, o ideal moral cristão está suplantado, porém, 
nos dias hodiernos se se verificar a práxis ou se preferir, na catequese, o ideal moral cristão 
insiste sobreviver. Até quando? 
 
39 VP, p. 100. 
40 VP, p. 100. 
41 VP, p. 100. 
42 VP, p. 104. 
26 
 
2.3 CRÍTICA À MORAL 
Um dos temas que acompanha a vida intelectual e produtiva de Nietzsche é a moral43. 
O filósofo se empenha em um fim: dissolver os valores, ou melhor, as interpretações morais 
que provocam a decadência do ser humano. Ora, isso não significa que se possa inferir que 
Nietzsche pretende suprimir a moral. Não! Além do mais, sabe-se que o seu objetivo é 
transmutar as tábuas de valor. Esse é, por conseguinte, o ponto de intersecção de toda sua 
investigação moral. Portanto, o que o filósofo do martelo combate são as interpretações morais 
que inibem e obstruem a vontade de poder. Se isso é verdade, então a transmutação das tábuas 
de valor consiste em dois movimentos inseparáveis: primeiro, realizar à genealogia dos valores, 
de tal sorte que se desvela a base sobre a qual se interpreta e se avalia a ação; segundo, introduzir 
um novo pressuposto para interpretar e avaliar. 
Na Genealogia da moral, Nietzsche sintetiza o seu pensamento acerca da moral. Em 
sua interpretação, depara-se com uma aporia da tradição filosófica, qual seja: os valores são 
revestidos da qualidade “in se”. Por essa razão, permaneceram incólumes. Diante disso, anuncia 
a tarefa do pensamento filosófico no que concerne à axiologia: 
Esta nova exigência: necessitamos de uma crítica dos valores morais, o próprio valor 
desses valores deverá ser posto em questão – para isto é necessário um conhecimento 
das condições e circunstâncias nas quais nasceram, sob as quais se desenvolveram e 
se modificaram (moral como consequência, como sintoma, máscara, tartufice, doença, 
mal-entendido; mas também moral como causa, medicamento, estimulante, inibição, 
veneno), um conhecimento tal como até hoje nunca existiu nem foi desejado. Tomava-
se o valor desses “valores” como dado, como efetivo, como além de qualquer 
questionamento.44 
 
43 Nietzsche escreve: “Por um escrúpulo que me é peculiar, e que confesso a contragosto – diz respeito à moral 
–, escrúpulo que surgiu tão cedo em minha vida, tão insolicitado, tão incontido, tão em contradição com 
ambiente, idade, exemplo, procedência, que eu quase poderia denominá-lo meu ‘a priori’ – tanto minha 
curiosidade quanto minha suspeita deveriam logo deter-se na questão de onde se originam verdadeiramente 
nosso bem e nosso mal. De fato, já quando era um garoto de treze anos me perseguia o problema da origem do 
bem e do mal: a ele dediquei, numa idade em que se tem ‘o coração dividido entre brinquedos e Deus’, minha 
primeira brincadeira literária, meu primeiro exercício filosófico – quanto à ‘solução’ que encontrei então, bem, 
rendi homenagem a Deus, como é justo, fazendo-o Pai do mal [...]. Por fortuna logo aprendi a separar o 
preconceito teológico do moral, e não mais busquei a origem do mal por trás do mundo. Alguma educação 
histórica e filológica, juntamente com um inato senso seletivo em questões psicológicas, em breve transformou 
meu problema em outro: sob que condições o homem inventou para si os juízos de valor ‘bom’ e ‘mau’? e que 
valor têm eles? Obstruíram ou promoveram até agora o crescimento do homem? São indício de miséria, 
empobrecimento, degeneração da vida? Ou, ao contrário, revela-se neles a plenitude, a força, a vontade da vida, 
sua coragem, sua certeza, seu futuro?” (Genealogia da moral: uma polêmica, 2008, p. 9. Doravante para referir 
a obra emprega-se a sigla GM). Mas, afinal, o que Nietzsche entende pelo conceito ‘moral’? Ele responde: 
“entendo por ‘moral’ um sistema de estimações, o qual se refere às condições de vida de um ser” (VP, p. 153). 
44 GM, p. 12. As interpretações da Genealogia da moral reluzem na Vontade de poder. Ademais, pode-se fazer 
o seguinte paralelismo externo entre a Genealogia (a citação acima) com a obra Vontade de Poder. “De que 
valem as nossas estimações e tábuas de valor elas mesmas? O que vem à luz em sua dominação? Para quem? 
27 
 
A chave que abre o cofre sagrado da tradição, no qual se guardava o in se dos valores 
(e/ou da realidade), aparece quando os valores são referidos à linguagem: “Que significam 
exatamente, do ponto de vista etimológico, as designações para ‘bom’ cunhadas pelas diversas 
línguas?”45. Essa indagação gera uma suspeita: os valores podem ter a mesma denominação em 
distintas culturas, porém podem designar coisas diametralmente diferentes46. Portanto, trata-se 
de uma chave de desconstrução da compreensão do in se. Se se consegue acessar o cofre a partir 
dessa chave, então percebe-se que não há nenhum em si guardado, ou ainda, de que os valores 
não possuem uma realidade escondida por detrás de si. Descobre-se, assim, um novo tesouro, 
que não está guardado no cofre, mas é abertura: a interpretação e a perspectiva. 
O que significa o estimar ele mesmo? Remonta a um outro mundo, a um mundo 
metafísico, como ainda Kant acreditava (o qual antecede o grande movimento 
histórico), ou o rejeita? Em suma: onde ele “nasceu”? Ou ele não “nasceu”? – 
Resposta: o estimar moralmente é uma interpretação, um modo de interpretar. A 
interpretação, ela mesma é um sintomade um determinado estado fisiológico, tanto 
quanto de um determinado nível espiritual de juízos dominantes: Quem interpreta? – 
Nossos afetos.47 
Nietzsche, portanto, abre uma nova possibilidade para a axiologia. Essa perspectiva só 
chegou a ser a partir da crítica radical que pergunta pelo valor do valor, rompendo, assim, com 
a tradição. Essa ruptura inaugura um corte caiorológico doravante, a ética está referida à 
linguagem e à hermenêutica e não a algo dado pelo sobrenatural, como sustenta a moral cristã. 
“Minha sentença principal: não há nenhum fenômeno moral, mas, antes, apenas uma 
interpretação moral desses fenômenos. Essa interpretação é, ela própria, de origem extra-
moral”.48 
Se o valor é interpretação, então, deve-se perguntar novamente: quem interpreta? E 
por que interpreta? Melhor: “de que vontade de poder é a moral?”49. Para Nietzsche, a avaliação 
moral tem por função conservar uma determinada condição de vida. “Entendimento: em toda 
estimação trata-se de uma determinada perspectiva, a saber, conservação do indivíduo, de uma 
 
Com referência a quê? – Resposta para a vida. Mas o que é vida? Aqui, portanto, necessita-se de uma nova e 
mais determinada apreensão do conceito ‘vida’. Minha fórmula para isso soa da seguinte maneira: vida é 
vontade de poder” (VP, p. 152). E ainda, “Ver e assinalar o problema da moral – tal parece-me ser a nova 
tarefa e a coisa mais importante. Eu nego que isso tenha acontecido na filosofia moral até hoje” (VP, p. 155). 
45 GM, p. 20-21. 
46 Nesse ponto, Nietzsche explora a oposição conceitual de bem/bom e mal/mau, ou ainda, ruim, empregada pelos 
tipos nobre/forte e escravo/fraco, em culturas distintas. Sobre isso ver GM, p. 21. 
47 VP, p. 152. 
48 VP, 153. Essa tese já se encontra em Além do bem e do mal: “Não existem fenômenos morais, mas uma 
interpretação moral dos fenômenos” (BM, p. 82). 
49 VP, p. 159. 
28 
 
comunidade, de uma raça, de um estado, de uma igreja, de uma fé, de uma cultura”50. Ora, essa 
interpretação qualificativa da ação só é objetivada pelo tipo escravo. O tipo senhor não avalia 
moralmente, segundo Nietzsche, apenas sente a necessidade de se diferenciar do que é baixo, 
vil e fraco51. Por essa razão, o tipo senhor não usa os conceitos de “bem” e “mal” ou “bom” e 
“mau” (essas são típicas do tipo escravo), mas usa para avaliar a sua ação a relação binária, 
“bom” e “ruim”52. Note-se que não se trata de uma avaliação moral. Portanto, três são as 
vontades e/ou poderes que se encontram na moral: “1. o instinto de rebanho contra os fortes e 
independentes 2. o instinto dos sofredores e malsucedidos contra os felizes 3. o instinto dos 
medíocres contra os tipos de exceção”53. O resultado interpretativo e avaliativo da moral é da 
mesma qualidade daqueles que a engendram, ou seja, espírito de rebanho, sofredores e 
medíocres, logo, a moral é fraqueza e decadência da vida. A genealogia dos valores morais 
pode ser resumida numa história da moral: “uma vontade de poder, por meio da qual ora os 
escravos e oprimidos, ora os fracassados e doentes de si, ora os medíocres tentam impor juízos 
de valor que lhes são mais favoráveis”54. 
No entender de Nietzsche, portanto, os valores morais são fruto de uma profunda 
imoralidade. “A moral, ela própria, é um caso de imoralidade [...]. Os instintos decadentes 
tornaram-se senhores dos instintos ascendentes... A vontade de nada assenhorou-se da vontade 
de viver”55. Em um termo, a moral é niilista. Ora, se ela é niilista, então ela rolou do centro para 
o x. Contudo, não se pode eliminar esse moribundo niilista, é preciso mantê-lo vivo, pois desejar 
o contrário significa colocar outro ideal em seu lugar, destarte, permanece a lógica de 
decadência. Segundo Nietzsche, portanto, a moral se auto-aniquila e se contradiz a ponto de se 
 
50 VP, p. 153. 
51 “Para mim é claro, antes de tudo, que essa teoria busca e estabelece a fonte do conceito ‘bom’ no lugar errado: 
o juízo ‘bom’ não provém daqueles aos quais se fez ‘bem’! Foram os ‘bons’ mesmo, isto é, os nobres, os 
poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou 
seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, e de pensamento baixo, e vulgar e plebeu. Desse 
pathos da distância é que eles tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para valores: que lhes 
importava a utilidade!”. GM, p. 19-23. Contudo, nem sempre permaneceu assim, o tipo fraco fez com que o 
tipo forte começasse a avaliar moralmente, usando, o seguinte estratagema: fazendo com que o forte “interprete 
a diferença de poder como diferença de valor” VP, 162. Inicia-se, assim, a rebelião dos escravos na moral. 
“Tendência do desenvolvimento moral. [...] Tendência fundamental, em consequência da fraqueza e 
mediocridade de todos os tempos, de enfraquecer e rebaixar os mais fortes: principal recurso do juízo moral. 
O comportamento dos mais fortes em relação aos mais fracos é estigmatizado; os estados superiores do mais 
forte recebem designações depreciativas. [...] Consequência do combate: o combate busca transformar o 
adversário em seu par antagônico” VP, p. 189-190. Sobre o tema da revolta dos escravos na moral ver: VP, p. 
160-167; BM, p. 106; e GM, 28-46. “Vamos concluir. Os dois valores contrapostos, “bom e ruim”, “bom e 
mau”, travaram na terra uma luta terrível, milenar; e embora o segundo valor há muito predomine, ainda agora 
não faltam lugares em que a luta não foi decidida” GM, p. 43. 
52 Ver: GM, p. 19. 
53 VP, p. 160. 
54 VP, p. 213. 
55 VP, p. 214. 
29 
 
tornar um moribundo vegetativo. Não se sabe para onde. Está-se caminhado. O que se sabe é 
que não se pode desejar um novo centro. O único indicativo, segundo Nietzsche, é o de que é 
preciso interpretar. E a interpretação sempre será referida a uma determinada vontade de poder, 
sendo assim, é perspectiva. 
Em que medida essa auto-aniquilação da moral é ainda uma parte de sua própria força. 
Nós, europeus, temos o sangue daqueles que morreram por sua fé; consideramos 
terrível e seriamente a moral, e não há nada que não tenhamos, de algum modo, 
sacrificado a ela. Por outro lado: nossa sutileza espiritual foi alcançada essencialmente 
por meio de uma vivissecação da consciência. Não sabemos ainda o “para onde?” a 
que somos impelidos depois que fomos tirados, de tal modo, de nosso antigo solo. 
Mas esse solo mesmo criou em nós a força que nos impele para a distância, para 
aventura por meio da qual fomos lançados ao ilimitado, ao não-experimentado e não 
descoberto, – não nos resta nenhuma escolha, temos de ser conquistadores depois que 
não temos mais nenhuma terra onde nos sentimos em casa e que gostaríamos de 
‘conservar’. Um sim velado nos impele a isso, que é mais forte do que todo o nosso 
não. Nossa própria força não nos tolera mais no antigo solo decomposto: arriscamo-
nos na amplidão, nos balançamos nela: o mundo é rico e inexplorado e mesmo 
sucumbir é melhor do que se tornar algo pela metade e venenoso. Nossa força mesma 
nos impele ao mar, onde todos os sóis até agora já se puseram: sabemos de um novo 
mundo.56 
2.4 CRÍTICA À METAFÍSICA 
No entender de Nietzsche, o pensamento filosófico de Platão é modelo da metafísica. 
Segundo Giacóia, “esta se fundamenta numa concepção dualista do universo, estabelecendo 
uma oposição de valores entre duas esferas distintas da realidade do ser”57. Platão, assim, 
ficciona a existência de dois mundos que são postos em uma relação dual, da qual deriva-se a 
primazia de um em detrimento de outro. Em linguagem platônica, trata-se do mundo das 
essências e do mundo das aparências58. 
 
56 VP, p. 215-216. 
57 GIACÓIA, 2000, p. 22. 
58 Nietzsche “[...] afirma que a metafísica é egipcianismo, e em vários sentidos. [...] Platão

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