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EA D A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica 5 ObjEtivOs1. Analisar as principais noções surgidas na modernidade e • seu impacto na atualidade. Identificar como ocorreu a passagem de uma visão de • mundo teocêntrica para o antropocentrismo. Compreender as críticas à modernidade.• COntEúDOs2. A ciência moderna.• René Descartes e o início da modernidade filosófica.• Religião e razão na modernidade.• A crítica da modernidade.• Ontologia da atualidade.• © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 146 OriEntAçõEs pArA O EstuDO DA uniDADE3. Tenha sempre à mão o significado dos conceitos explici-1) tados no Glossário e suas ligações pelo Mapa Conceitual para o estudo de todas as unidades deste CRC. Isso po- derá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho. Nesta unidade, trataremos de temas mais próximos a 2) nós. À medida que você lê o texto, é importante relacio- nar o conteúdo com elementos do seu cotidiano. Nesta unidade, por exemplo, trataremos do conceito moderno de ciência. Ao ler sobre isto, identifique como a ciência é retratada nos meios de comunicação, como o senso comum concebe a ciência, indicando aproximações e distanciamentos entre o texto e seu cotidiano. Não deixe de ler também os textos complementares, 3) nos quais você terá acesso direto aos textos dos filósofos mais importantes abordados na unidade. Sugerimos, também, para você saber mais sobre a Suma 4) teológica, que acesse o site: Disponível em: <http:// www.permanencia.org.br/sumateologica/>. Acesso em: 20 ago. 2010. intrODuçãO À uniDADE4. Na unidade anterior, você estudou que, durante a Idade Média, dois grandes pensadores se destacaram: Agostinho e To- más de Aquino. Nesse período, a preocupação era basicamente teocêntrica, ou seja, Deus era o centro de todas as especulações filosóficas. Isso fica evidente no modo como se concebe a relação entre teologia e filosofia. Inclusive, como nos lembra Gilson, há fi- lósofos contemporâneos que se questionam em que medida o que se praticou na Idade Média pode ser denominado propriamente de filosofia. Em seus próprios termos: […] Pode um filósofo considerar como filosófico esse estudo da na- tureza e essa especulação filosófica concebida como um passo para o conhecimento de Deus? A resposta naturalmente é: depende. Depende do filósofo e da idéia que tem de Filosofia. Não creio que 147© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica esta noção de Filosofia seduzisse John Dewey, ou Carnap, ou, para estender um pouco o sentido da palavra “filósofo”, Bertrand Russel. Mas muito filósofos, que nada têm de comum com S. Tomás de Aquino, ressentir-se-iam bastante com tal limitação da Filosofia. Os filósofos gregos – para considerar os únicos que S. Tomás conheceu – eram de opinião, precisamente, que a suprema ambição de todo verdadeiro filósofo era conhecer a Deus (GILSON, 1962, capt. 1). Após esse momento histórico da filosofia, tal paradigma teo- cêntrico cede espaço para um novo modelo e novas preocupações filosóficas: o modelo antropocêntrico, isto é, o ser humano é o cen- tro das atenções e preocupações de cunho filosófico e artístico. Essa nova perspectiva incentivou, diretamente, a consolida- ção da ciência que, com isso, passa a ser o método de análise e busca de respostas para os problemas e dilemas ainda não resolvi- dos e respondidos pela humanidade. A CiÊnCiA MODErnA5. Em termos históricos, a modernidade se estende desde o sé- culo 15 até fins do século 19. Esse período foi marcado por inten- sas mudanças, sendo fundamental para compreendermos os prin- cipais problemas e avanços do tempo atual. Mas, quais mudanças ocorreram que permitem indicar esse período como distinto da Idade Média? Primeiramente, há de se destacar a valorização da razão como critério último de verdade. A modernidade promove certo deslocamento. Na Antiguidade e na Idade Média, percebe-se o de- sejo humano de compreender a realidade. A filosofia se configura- va a partir desta intenção, buscando explicar os fenômenos, como ocorriam, por que ocorriam etc. No entanto, naquele momento, a ênfase estava na tradição e não na experiência. Santo Agostinho e Tomás de Aquino, por exemplo, retomam elementos da tradição anterior a eles e reconhecem a autoridade dessa tradição. Ao estudarmos Agostinho e Tomás, você deve ter © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 148 notado como recorrem à autoridade da Bíblia e dos filósofos gre- gos para sustentarem suas teses. O próprio Tomás de Aquino se concebia como um comentarista de Aristóteles e não como um filósofo com pensamentos próprios. Outro exemplo nos auxilia a compreender este ponto. Cris- tóvão Colombo (1437-1506), quando chega à América, traz no seu imaginário tudo aquilo que havia aprendido sobre a ideia de um pa- raíso perdido e que circulava na Europa, de modo que, ao chegar aqui, ele já sabia o que iria encontrar. Estava procurando o que havia lido nos relatos de Marco Pólo, o que leva o almirante a dizer que: Na véspera, a caminho do rio do Ouro, viu três sereias que salta- ram alto, fora da mar. Mas elas não eram tão belas quanto se diz, embora de certo modo tivessem forma humana de rosto (apud TO- DOROV, 1982, p. 16). Ou ainda: “Ele (Colombo) entendeu ainda que, mais além, havia homens com um só olho e outros com focinho de cão” (HO- LANDA, 1969, p. 18). Como explicar que Colombo havia visto tais seres? Na Ida- de Média, o que a tradição ensinava era determinante. Assim, na Europa havia várias autoridades (dentre elas o próprio Tomás de Aquino) que defendiam a existência de um paraíso terrestre com seres exóticos, tais quais vistos por Colombo. Com isso, pode-se compreender como a tradição direciona e determina o olhar de Colombo. Não lhe passa pela cabeça questionar radicalmente o que a tradição havia ensinado. Ela era normativa e diz o que se deve ver. O espírito dos “novos tempos” já é perceptível com Galileu Galilei (1564-1642). Na seguinte afirmação, pode-se notar como houve uma importante ruptura de perspectiva de mundo: [...] O tempo antigo passou, e agora é um tempo novo. Logo a hu- manidade terá uma idéia clara de sua casa, do corpo celeste que ela habita. O que está nos livros antigos não lhe basta mais. Pois onde a fé teve mil anos de assento, sentou-se agora a dúvida. Todo mundo diz: é, está nos livros -, mas agora nós queremos ver com nossos próprios olhos (GALILEU, 1973, p. 110). 149© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica Se para Colombo a tradição ainda era determinante, para Galileu ela não se basta a si mesma. O simples argumento de auto- ridade, isto é, somente pelo simples fato de estar escrito um livro por alguém com reconhecida importância não basta mais. Agora é preciso que se experimente, que se veja com os próprios olhos. É preciso lançar dúvidas onde antes havia apenas certezas. Mas, se não se parte da tradição, a partir de onde essa dúvi- da é constituída? Para a modernidade, a razão se mostra como ele- mento central. O ser humano deve fazer uso dela a fim de colocar tudo em questão, tudo deve passar sob o crivo da razão. A ciência que aparece no início da modernidade também possui outra distinção importante em relação ao período anterior. Na Antiguidade e na Idade Média, o conhecimento científico tinha por objetivo compreender a realidade. Em Tomás de Aquino, por exemplo, as ciências mais elevadas (física, matemática e teologia) são chamadas de especulativas. Nesse contexto, a física recebe essa denominação devido ao fato de a sua função ser apenas a de compreender a natureza, mas sem a possibilidade de alterar o seu curso. Em outros termos, ela não pode interferir na natureza, mas apenas compreender como ela se organiza. No entanto, no início da modernidade, a ciência se coloca com a pretensão de dominar a natureza por meio do uso correto da razão. Não basta apenas compreender, é necessário dominare, quem sabe, intervir na natureza com o intuito de favorecer o ser humano. Novamente, esse aspecto aparece em Galileu. Melhor di- zendo, aparece nas palavras de Bertold Brecht numa peça de tea- tro que trata da vida deste cientista, captando magistralmente sua visão de mundo: Eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a cansei- ra da existência humana. E se os cientistas, intimidados pela prepo- tência dos poderosos, acham que basta amontoar saber, por amor do saber, a ciência pode ser transformada em aleijão, e as suas má- quinas serão novas aflições, nada mais (BRECHT, 1991, p. 165). © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 150 Nesse trecho, Galileu critica a concepção de ciência anterior, que se movia, na maioria dos casos, por amor ao saber e não ten- do em vista uma intervenção direta no curso da natureza. Para atender ao objetivo de transformação da natureza, a razão não pode mais ser apenas especulativa. Antes, ela deve pro- ceder de modo demonstrativo e exploratório, o que implica conce- ber a razão a partir de um pensamento matemático e lógico. A partir da modernidade, a lógica resultante do pensamen- to matemático desempenha papel fundamental, espalhando-se por várias áreas. Novamente, encontramos em Galileu importante ponto de inflexão. Um exemplo pode ser encontrado no filósofo Espinoza. Esse im- portante filósofo escreve o seguinte texto: Ética demonstrada à maneira dos geômetras. Isto é, mesmo a ética deve seguir por caminhos estritamente lógicos. Segundo Galileu (1973, p. 119): A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode com- preender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras: sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Como se pode observar no trecho descrito, Galileu defende a matematização da natureza. Nós somos filhos dessa compreensão de natureza. No colégio, por exemplo, todos aprendemos as leis de Newton. Assim, para explicar como uma caneta cai, o que fazemos? Transformamos esse movimento numa equação matemática que pode nos fornecer vários elementos, tais como aceleração, a massa, velocidade etc. Para a ciência da natureza antes de Newton, uma ca- neta caía simplesmente porque estava retornando ao seu lugar natu- ral. O fogo sobe, pois é de sua natureza subir. Esses movimentos não se relacionam em nada com equações ou problemas matemáticos. 151© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica Desse modo, no âmbito científico podemos notar algumas alterações. Em primeiro lugar, a razão passa a ser o critério de ver- dade e não mais a tradição. Em segundo lugar, não basta conhecer apenas por conhecer: o conhecimento da natureza tem por obje- tivo dominá-la. Por fim, para tornar esse objetivo possível, obser- va-se a matematização da natureza. Tudo pode ser convertido em equação matemática. rEnÉ DEsCArtEs E O inÍCiO DA MODErniDADE 6. FiLOsÓFiCA Os “novos ares”, que gradativamente avançavam no pensa- mento científico, logo encontraram ressonância no pensamento filosófico. Coube ao filósofo francês René Descartes (1596-1650) colocar de modo mais claro os princípios teóricos nos quais a mo- dernidade se fundamentou. O projeto filosófico de Descartes era formular uma metafí- sica capaz de dar sustentação ao pensamento científico nascente. Para Descartes (2003, p. 5): O bom senso é a coisa mais bem distribuída no mundo; pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis de se satisfazerem com qualquer outra coisa não costumam desejar mais bom senso do que têm. A questão para Descartes era como conduzir esse bom sen- so de modo correto a fim de que possamos nos livrar de nossos conceitos prévios. Descartes retira da matemática o modelo para conduzir metodologicamente a razão, o que traz como consequ- ência o pressuposto de que apenas aquilo que for absolutamente certo deve ser aceito. A matemática é capaz de fornecer certeza e exatidão, uma vez que ela demonstra a necessidade das conexões bem como das demonstrações. Com esse método, é necessário a Descartes colocar tudo em dúvida, a fim de achar o alicerce seguro a partir de onde o edifício do saber pode ser novamente construído. No entanto, mesmo o © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 152 ato de duvidar deve se dar de modo metódico. Descartes explora esse aspecto na obra denominada de Meditações metafísicas. Na primeira meditação, Descartes tem por objetivo duvidar de tudo, de modo mais radical e universal possível, a fim de ver se é possível chegar a alguma certeza, fundamento. Para conduzir sua reflexão, Descartes parte de um princípio: tudo aquilo que não for certo deve ser desconsiderado. Ou, em outras palavras, tudo sobre o que se possa duvidar deve ser rejeitado como fundamento do saber. Desse modo, Descartes coloca os sentidos sob os auspícios da dúvida (2000, p. 31): posso confiar inteiramente nos sentidos? Para o filósofo em questão, não, pois os sentidos, de vez em quan- do, nos enganam. Por exemplo: Vamos supor que estamos andan- do numa praia e, ao longe, avistamos um objeto que pensamos ser um corpo de uma pessoa. Ao nos aproximarmos, notamos que é um tronco. Isto é, os sentidos nos enganam. Portanto, não podem ser totalmente confiáveis. Descartes (2000, p. 32) lança mão, também, do argumen- to do sonho: todos nós já tivemos a experiência de, alguma vez, sonhar que estávamos numa praia ou caindo num precipício. No momento em que sonhávamos, tínhamos a certeza de que a cena era real, que ela realmente acontecia. No entanto, ao acordar, no- tamos que estávamos deitados na cama. Com o argumento do so- nho, Descartes pretende colocar a própria realidade em dúvida. Como posso separar realidade do sonho? E se o que chamamos de realidade nada mais é do que um sonho? Em suas palavras: E, detendo-me nesse pensamento, vejo tão manifestamente que não há indícios concludentes nem marcas bastantes certas por onde se possa distinguir nitidamente a vigília do sono, que fico mui- to espantado, e meu espanto é tal que é quase capaz de persuadir- me de que eu durmo (DESCARTES, 2000, p. 32). Por fim, Descartes (2000, p. 36) coloca a matemática em dúvida. Na história, há inúmeros exemplos de como já se chegou a conclusões matemáticas que se mostraram erradas. Para pôr a 153© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica matemática em dúvida, ele faz uma consideração: suponhamos que haja um gênio enganador cuja única função seja a de me en- ganar. Portanto, ao aplicar a matemática à realidade, não posso ter certeza de que essa transição seja correta, pois pode ser que esse gênio enganador esteja atuando a fim de me enganar a todo o momento. Como não tenho certeza sobre o conhecimento ma- temático, ele não pode se configurar como o fundamento seguro para a construção do edifício do conhecimento. Descartes chega a uma situação em que não sobra muita coisa para se confiar: ele rejeitou o corpo (sentidos), a realidade exterior e a matemática. No entanto, aqui a dúvida chega ao seu limite: pois para que ele possa fazer o exercício da dúvida, ele deve pensar. Mesmo se ele quisesse duvidar do pensamento, ele teria de pensar. Assim conclui: penso, logo existo. Em outros termos, para Descartes, o “eu penso” (sujeito) é aquilo sobre o qual não se pode duvidar. Ele é o fundamento e o alicerce de todo o conheci- mento. Neste sentido, a argumentação de Descartes se aproxima muito da crítica de Agostinho com relação aos céticos. Agostinho afirma: “De forma alguma temo os argumentos dos acadêmicos quando perguntam: mas, e se te enganas? - Se me engano, existo, pois quem não existe nãopode sequer se enganar. Se, pois, exis- to porque me engano, como me enganarei a respeito de minha existência quando tenho a certeza de existir pelo fato de que me engano?” (AGOSTINHO, 2002. XI, 26). Mas note que há importân- cia diferença: Agostinho diz que se ele se engana, então existe. Já Descartes afirma: penso, logo existo. Assim, a razão se constitui como fundamento do conhecimento. Ainda assim, Descartes tem de enfrentar outro problema, embora tenha chegado ao fundamento seguro e incontestável: como pode se fazer ciência se não se tem certeza nem sequer da existência da realidade? Descartes encontra uma certeza última (o “penso, logo existo”), mas está preso na interioridade desse “eu”. Para escapar disso, ele parte de um princípio: a causa tem mais do ser do que o efeito. Por exemplo: Bach tem mais ser (isto é, é mais) © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 154 do que sua música. Tanto é assim que Bach compôs a Missa em Fá maior, Paixão Segundo São Mateus e inúmeras outras músicas. Em suma, a causa é sempre mais do que o efeito. Mediante essa constatação, Descartes passa a analisar as re- presentações (ideias) que tem em sua mente. Partindo do princí- pio de que a causa tem mais ser do que o efeito, as idéias devem se originar de alguma coisa que tenha tanta perfeição quanto elas. Ao perscrutar as representações em sua mente, o filósofo percebe que todas elas possuem sua causa na própria razão, com exceção de uma: Deus. Segundo Descartes (2000, p. 72): Pelo nome Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente, e pela qual eu mesmo, e to- das as outras coisas que existem (se é verdade que há coisas que existem) foram criadas e produzidas. Se eu possuo uma ideia, com tamanha perfeição como a de Deus, tem de haver outra coisa além de mim e que seja causa dessa ideia. Eu mesmo, devido à imperfeição, não posso ser causa desta ideia. Em outros termos, a ideia tem mais ser do que eu. Portanto, não posso ser causa dela. Quando analiso a ideia de Deus (que reúne em si em grau superlativo as perfeições), pode se perguntar pela origem dessa ideia. Ela precisa ser comparada com o que sou. Eu, enquanto ser humano sei que sou limitado; isso significa que estou abaixo da- quilo que é máximo. Deus é perfeito em ato; o sujeito até pode ser perfeito, mas em potência. Disso, pode-se concluir que Deus existe, pois somente Ele pode ser causa dessa representação de um ser perfeito que tenho em minha mente. A causa dessa ideia não está em mim. Portanto, é razoável supor que há um Deus que gera em mim essa representação. Ao postular a existência de Deus, Descartes pode iniciar sua ida para além da subjetividade. Sendo Deus um ser bondoso, verdadeiro e fonte de máxima luz, não me enganaria. Com isso, Descartes vai re- 155© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica abilitando as ciências matemáticas, a realidade e, por fim, os sentidos. A partir de então, pode-se novamente fazer ciência. A diferença do início é que agora a ciência encontra fundamento seguro na razão. A reflexão de Descartes é fundamental, porque aponta para aquilo que marca a modernidade: tudo se fundamenta no sujeito, isto é, na razão humana. Na filosofia de Descartes, podemos notar como ocorre a passagem do teocentrismo para o antropocentris- mo. De agora em diante, o ser humano dotado de razão é o centro de tudo. Isso fica claro quando comparamos os escritos de Descar- tes com alguma suma de teologia medieval, como por exemplo a Suma teológica de Santo Tomás de Aquino. Os textos teológicos medievais começavam sempre falando de Deus, considerado-o como aquilo que é primeiro. Tomás de Aquino, por exemplo, inicia a sua Suma teológica indicando demonstrações da existência de Deus. Somente num momento posterior, trata do ser humano. No caso de Descartes, observa-se importante alteração: mesmo que ele prove a existência de Deus, a primeira certeza à qual chega é: “eu penso”. É a partir do sujeito que Descartes prova a existência de Deus, o que significa dizer que o sujeito é anterior e é aquilo sobre o qual se pode ter mais certeza. Até mesmo a existência de Deus é derivada dessa certeza. Este deslocamento que ocorre na modernidade fica bem claro numa afirmação de outro filósofo moderno, John Locke. Ao narrar a história que deu origem ao Ensaio sobre o entendimento humano, ele afirma: Se fosse adequado incomodá-lo com a história deste Ensaio, deve- ria dizer-lhe que cinco ou seis amigos, reunidos em meu quarto e discorrendo acerca de assunto bem remoto do presente, ficaram perplexos, devido às dificuldades que surgiram de todos os lados. Após termos por certo tempo nos confundido, sem nos aproxi- marmos de qualquer solução acerca das dúvidas que nos tinham deixado perplexos, surgiu em meus pensamentos que seguimos o caminho errado, e, antes de nós nos iniciarmos em pesquisas desta natureza, seria necessário examinar nossas próprias habilidades e averiguar quais objetos são e quais não são adequados para serem tratados por nossos entendimentos (LOCKE, 1988, p. 136). © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 156 Assim, ao invés de tratar diretamente das questões, era pre- ciso analisar a capacidade e como a razão humana conhece as coi- sas. Esta área de estudos da filosofia ficou conhecida como episte- mologia ou teoria do conhecimento. Após Descartes Os caminhos abertos por Descartes continuam sendo trilha- dos por toda a modernidade. No entanto, isso não significa que todos vão concordar integralmente com ele. Logo após Descartes, desenvolveu-se na Inglaterra uma escola filosófica denominada empirismo. John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776) são os nomes mais importantes dessa tendência filosófica. Ainda que tenham peculiaridades, esses filó- sofos defendiam que os seres humanos não possuem ideias inatas, enquanto Descartes acreditava que nascemos com algumas ideias em nossa mente. Para os empiristas, a mente humana é uma “tá- bula rasa”, ou seja, todas as ideias que temos em nossa mente já passaram um dia pelos nossos sentidos. Assim, para os empiristas, a experiência é a fonte de todo nosso conhecimento. Tábula Rasa –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Tábula Rasa é a expressão que dá sentido à corrente filosófica chamada empi- rismo. O filósofo inglês John Locke (1632-1704), considerado o protagonista do empirismo, foi quem esboçou a teoria da Tabula rasa (literalmente ardósia em branco em português). Para Locke, todas as pessoas ao nascer o fazem sem saber de absolutamente nada, sem impressões nenhumas, sem conhecimento algum. Então todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro. A teoria da tábula rasa não foi importante ape- nas do ponto de vista puramente filosófico, ao considerar todos os homens como intrinsecamente iguais, mas também serviu de base filosófica para combater o status quo vigente, especialmente em relação à aristocracia e à nobreza. Ape- sar de ser considerada ultrapassada pelas evidências científicas da influência genética no comportamento humano, a teoria da tábula rasa, em conjunto com a teoria do bom selvagem de Rousseau, continua sendo a base das políticas governamentais de educação de grande parte dos países ocidentais, incluindo o Brasil (Disponível em: < http://www.saberweb.com.br/epistemologia/tabula-ra- sa/>. Acesso em: 20 ago. 2010). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 157© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica Inato significa que “nasceu com”, “ingênito”, congênito, que per- tence a um ser e não resulta de qualquer aprendizagem ou expe- rimentação efetuada após o nascimento. (Disponível em: <http:// www.priberam.pt/dlpo/defini. aspx>. Acesso em: 20 ago. 2010). Existe uma questão a ser resolvida por esses filósofos: se tudo que conhecemos vem pela experiência,como podemos explicar que tenhamos uma ideia de algum objeto do qual nunca tivemos uma experiência? Por exemplo, como posso ter a ideia de um unicórnio, uma vez que nunca o vi? Para resolver esse problema, os empiristas afirmavam que os seres humanos são capazes de associar ideias. No caso do unicórnio, a mente humana associa a noção de cavalo e de chifre, criando um novo ser. Como se pode notar, é sempre possível reduzir nossas ideias a algum objeto da experiência. Apesar das críticas a Descartes, vemos que os empiristas par- tem de um mesmo princípio: eles também se ocupam do sujeito, isto é, do ser humano. Como dizia Locke, antes de conhecer as coi- sas, precisamos saber se é possível e como é possível conhecê-las. Portanto, é necessário que, antes de tudo, se analise como conhe- cemos as coisas e até onde esse conhecimento pode se estender. Os elementos empiristas são ainda mais desenvolvidos no pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), ao afirmar que todo o conhecimento começa com a experiência. No entanto, promove importante virada. O conhecimento humano é composto de dois troncos: sensibilidade e entendimento. Na sensibilidade, temos a forma do espaço e do tempo, que não são características dos objetos externos, ou seja, independen- tes de nossa mente. Antes, espaço e tempo são contribuições e in- terferências nossas, sendo, portanto, anteriores à experiência. Aliás, são eles que determinam a possibilidade de qualquer experiência. Além da sensibilidade, há também um conjunto de categorias que constituem o nosso entendimento, que são anteriores à expe- riência e que permitem ordenar o material pelo qual a sensibilida- © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 158 de é afetada. Por isso, para Kant (2001), não é possível conhecer as coisas como são em si mesmas, mas apenas como aparecem para nós, pois não percebemos os objetos de maneira direta, como se eles somente afetassem nossa percepção, mas como um processo que é determinado pelo próprio sujeito, que já traz em sua cons- tituição elementos que determinam a percepção dos objetos. Nas palavras de Kant, a razão: Deve ir ao encontro da natureza, para ser por esta ensinada, é cer- to, mas não na qualidade de aluno que aceita tudo o que o mestre afirma, antes na de juiz investido nas suas funções, que obriga as testemunhas a responder aos quesitos que lhes apresenta (KANT, 2001, BXIII). O espírito antropocêntrico da modernidade também pode ser encontrado de modo claro em outro texto de Kant, de mais fácil compreensão. No artigo escrito para um jornal intitulado Res- posta à pergunta: que é “esclarecimento”? Kant afirma: Esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem de sua menorida- de, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo (2005, p. 63). Nessa passagem, pode-se notar como a subjetividade assu- me lugar de importância, uma vez que todos os seres humanos são dotados de razão, devendo bem empregá-la, a fim de não se submeter à autoridade de outro. Cada pessoa, valendo-se do seu entendimento, deve ter suas próprias opiniões e não se submeter acriticamente a qualquer au- toridade que queira a ela se impor. No entanto, por preguiça ou in- diferença, inúmeras vezes, não queremos pensar por nós mesmos, demonstrando ser mais fácil se submeter ao que os outros dizem, ou simplesmente fazer o que todos fazem. Enquanto agimos desse modo, para Kant, ainda estamos na menoridade. Para sair desse estado, o ser humano deve empregar aquilo que lhe é característi- co: a razão. Devemos submeter os conceitos prévios e suas ideias ao seu crivo. 159© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica rELiGiãO E rAZãO nA MODErniDADE7. Como se pode notar, a ênfase dada à razão humana acaba criando nova relação entre filosofia e religião, uma vez que a re- ligião deve ser submetida ao tribunal da razão. Na Idade Média, a sociedade e o pensamento filosófico eram determinados pelo contexto religioso. Na Europa, o Cristianismo era o elemento pre- dominante da sociedade, concedendo certa unidade ao saber e à vida social. No entanto, na modernidade a religião perde esse papel preponderante. Em termos históricos, as revoluções burguesas re- presentam essa ruptura: as revoluções Inglesa (1640) e Francesa (1789) são marcos importantes, nos quais se defende a necessida- de de se separar Estado e Igreja. Em tese, o Estado deve manter neutralidade com relação à religião, noção que já havia aparecido no pensamento filosófico em situações históricas anteriores. John Locke, por exemplo, afirmava que essa separação era necessária, a fim de que cada área pudesse realizar de modo mais pleno sua vocação e finalidade. No entanto, especialmente no sé- culo 17, essa neutralidade se torna com frequência ataque à reli- gião, por ser vista como causa e origem da superstição e que se coloca como obstáculo para o pleno desenvolvimento da razão hu- mana. Esse movimento, segundo o qual as instituições e símbolos religiosos perdem sua força na sociedade, é denominado secula- rização. Contudo, é somente no final do século 17 e início do 19 que aparecem alguns autores que interpretam a religião como simples projeção do ser humano. Para esses filósofos, o criador é a criação da própria criatura, tendência bastante evidente na afirmação do filósofo L. Feuerbach (1989, p. 23): Teologia é antropologia, ou seja, no objeto da religião a que chama- mos theós em grego, Gott em alemão, expressa-se nada mais do que a essência do homem, ou: o deus do homem não é nada mais que a essência divinizada do homem, portanto a história da religião © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 160 ou, o que dá na mesma, de Deus (porque quão diversas as religiões tão diversos os deuses, e as religiões tão diversas quão diversos são os homens) nada mais é do que a história do homem. Em outros termos, Feuerbach afirma que o ser humano pen- sa estar falando de Deus, mas na verdade fala de si mesmo, uma vez que Deus não existe. A CrÍtiCA DA MODErniDADE8. Curiosamente, durante mesmo a modernidade, aparecem autores que criticam a tendência antropocêntrica da filosofia. O paradigma moderno começa, desse modo, a sofrer duros golpes e questionamentos. Primeiramente, temos ainda no século 18, a propagação da teoria da evolução por parte de Charles Darwin (1809-1882). O golpe de Darwin ocorre ao mostrar que o ser humano, concebido como ser racional e centro do universo, nada mais é do que o re- sultado da evolução natural das espécies, e que não ocupa lugar privilegiado, mas insere-se na trama da evolução da natureza, ten- do um ancestral comum com outros primatas. Ainda como ataque ao antropocentrismo, temos as teorias de sigmund Freud (1856-1939). Enquanto a modernidade acredi- tava que o sujeito era consciente de seus atos e responsáveis por ele e que, por meio do correto emprego da razão, teria o domínio e o controle sobre toda a natureza, inclusive sobre si próprio, o desenvolvimento da teoria psicanalítica, proposta por Freud, mos- tra que, na verdade, não temos consciência da maioria dos atos, pensamentos e palavras que empregamos. Segundo Freud, ao invés da consciência, é o inconsciente que rege nossas ações. No entanto, sempre tentamos esquecer alguns dramas ou nos esconder por detrás do suposto controle sob todas as situações e impulsos. A afirmação de Freud de que o ser humano não é senhor em sua própria casa aponta para os limites desse sujeito moderno. 161© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica Há ainda o trauma histórico instituído por Karl Marx (1818- 1883). Segundo ele (1971), as relações na sociedade não são como parecem ser, por estarmos sempre inseridos num jogo de poder, de modo que, na maioria das vezes, não nos damos conta de como as classes dominantes criam uma falsa consciência da realidade, a fim de manteremseus interesses. Concebemos as ideias como se elas tivessem vida própria e não como fruto do devir histórico. Um exemplo atual nos auxilia a compreender a proposta de Marx: a todo o momento, ouvimos fa- lar sobre o mercado. É curioso, inclusive, que se diga que o merca- do teve uma crise, está nervoso ou que teve uma crise psicológica. Com isso, os meios de comunicação nos dão a impressão de que o mercado é um ser autônomo, que anda com suas próprias pernas e cabe a nós apenas seguir as suas ordens. No entanto, uma aná- lise mais crítica mostraria que o mercado é fruto de interesses de determinados grupos sociais, a fim perpetuarem uma situação de exploração e para se manterem no poder. Marilena Chauí define ideologia nos seguintes termos: A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de repre- sentações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que de- vem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e côo devem fazer, ela é, portanto, um corpo explicati- vo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes a partir das divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é apa- gar as diferenças de classe e fornecer aos membros da sociedade o sentimento de identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Hu- manidade, liberdade, a igualdade, a Nação, ou o Estado (CHAUÍ, 2008, p.109) Em outros termos, a ideologia é conjunto de ideias que ca- muflam as diferenças sociais no interior de determinada socieda- de. Mesmo servindo aos interesses de uma minoria, a maioria das © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 162 pessoas pensa e assume esses elementos ideológicos de modo acrítico, como se o mercado fosse algo natural e não uma criação humana para atender a determinados fins de determinados gru- pos dentro da sociedade. Cabe também destacar o pensamento de F. nietzsche (1844- 1900), que se mostrava extremamente crítico da modernidade e de seus valores. Para ele, a razão humana nada mais é do que uma pe- quena parte de um organismo maior. A noção de que podemos ser completamente conscientes de nossas ações a ponto de julgá-las mo- rais, é simplesmente impossível. Afinal, na maioria das vezes, sequer sabemos quais as motivações que estão na base de nossas ações. Já no século 20, em perspectiva de diálogo com a modernida- de, ocorrem os movimentos filosóficos denominados fenomenolo- gia e existencialismo. A fenomenologia surge com Edmund Husserl (1859-1938) e teve grande repercussão nos estudos sobre a religião. Para ele a função da filosofia seria fundamentar todas as outras ci- ências. Desse modo, ela mesma deveria ser ciência rigorosa. Mas em que sentido a filosofia fundamenta as outras ciên- cias? Se a ciência é conhecimento evidente, essa evidência rela- ciona-se diretamente com a esfera que recebe o nome de consci- ência ou subjetividade. Se toda ciência evolve o ato subjetivo de conhecimento e se há filosofia primeira, esta poderá ser somente filosofia da subjetividade. Desse modo, a filosofia primeira é ciên- cia da subjetividade. Assim, Para Husserl (1950, V. 12, p. 5), foi Descartes quem melhor indicou o caminho para a filosofia como ciência nos ter- mos modernos, pois Descartes reportava toda ciência à filosofia primeira que deveria conceder o fundamento. A fenomenologia não nasce com a intenção de fornecer às ciências melhor método de descrição, como muitas vezes se pensou nos estudos de religião que empregam a fenomenologia como método. O seu tema se cir- cunscreve aos enigmas inscritos na relação entre a subjetividade e a transcendência. 163© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica Neste contexto, transcendência não tem sentido religioso. O ter- mo significa apenas aquilo que está além, ou seja, o que vai além desta subjetividade. Assim, trata-se de analisar como a subjetividade pode ter acesso ao mundo de objetos transcendentes a ela. Em outros ter- mos, a questão é: como o conhecimento é possível? Husserl opõe, neste aspecto, a orientação natural e a orientação filosófica. A orientação natural dirige-se ao mundo, enquanto a filosófica in- vestiga como é possível o conhecimento do mundo. Segundo Hus- serl (2006, §1), é justamente procurando responder a essa questão que lhe é típica que a filosofia se pensa como legitimação última de todo o conhecimento. Assim, qual é o modelo de discurso filo- sófico que se começa a tecer? A filosofia, entendida como fenome- nologia, não fala do mundo. A fenomenologia não estuda objetos, mas os atos de consciência que se referem a objetos. R. Sokolowski resume do seguinte modo a fenomenologia: A doutrina nuclear em fenomenologia é o ensinamento de que cada ato de consciência que nós realizamos, cada experiência que nós temos, é intencional: é essencialmente “consciência de” ou uma “experiência de” algo ou de outrem (SOKOLOWSKI, 2004, p. 17). Para notar o avanço que essa doutrina representa é preciso, então, lembrar como depois de Descartes se compreendeu a opo- sição entre imanência e transcendência, entre interior e exterior. Como observado, para Descartes e a filosofia posterior a ele, tudo de que podemos estar certos de início é de que existimos e de que temos consciência desta existência. Não podemos saber sequer se o mundo exterior existe ou como ele é. Já para Husserl, de início, não faz sentido falar de uma consciência isolada. Sempre temos consciência de “alguma coisa”. Ora, a consciência pressupõe que haja algo a mais do que simplesmente ela. De fato, a grande contribuição da fenomeno- logia foi dar o ‘xeque mate’ na doutrina cartesiana, ao mostrar © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 164 que as noções de “mundo intramental” (representações) e mundo exterior são incoerentes. Quando se parte do marco cartesiano, afirma-se a consciência fechada em si mesma. A consciência é tida como algo unívoco: há apenas consciência pura e simples. Husserl, entretanto, chama a atenção para os diferentes tipos de intencio- nalidade da consciência. A fenomenologia, pois, propõe-se a dife- renciar os diversos tipos de intencionalidades levando em consi- deração os objetos aos quais elas se referem. As descrições destas intencionalidades nos auxiliam na compreensão do conhecimen- to humano, bem como clarificam os diversos modos segundo os quais estabelecemos relações no mundo em que habitamos. Para tornar a fenomenologia, enquanto método mais claro, analisemos o exemplo do sagrado. Rudolf Otto (1869-1937), par- tindo de algumas considerações de Husserl, escreveu o livro inti- tulado O sagrado. Neste texto, Otto (1992) pretende descrever fe- nomenologicamente a religião. Em primeiro lugar, Otto parte para os atos de consciência que são periféricos ao fenômeno religioso a fim de chegar àquilo que caracteriza o fenômeno religioso. Segun- do ele, o numinoso é a essência da religião. Numinoso: vem do latim “numen” e significa “divino”, “deidade”. O numinoso é caracterizado por ser um sentimento pré-racional que é misterioso e, simultaneamente, terrível e fascinante. Ou seja, o sagrado traz em si essa ambiguidade: ao mesmo tempo em que causa horror, é fascinante. Nota-se claramente que Otto não define religião a partir de seus objetos ou características exteriores, mas como estados de consciência. Para ele, a religião não é sistema moral ou ético. A religião é sentimento de criatura diante daquilo que faz tremer e fascina. Podemos comparar o sagrado em Otto com um abismo: ao chegarmos à beira de um abismohá algo que nos causa temor, mas que também nos fascina. É este sentimento que constitui o essencialmente religioso para Otto (OTTO, 2007, p.44ss). Esta in- terpretação de Otto serviu de paradigma para muitos estudos so- 165© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica bre a religião no século 20, reconhecendo à religião uma dignidade própria nos estudos filosóficos. Aliás, muito do que se denomina ciências da religião funda-se nas concepções de Otto. Existencialismo Na esteira da fenomenologia, aparece o existencialismo. Ainda que nunca tenha reconhecido esse título, Martin Heidegger (1889-1976) mostra-se como determinante para esta importante filosofia do século 20. Outro nome importante é Jean-Paul Sartre (1905-1980). O lema básico do existencialismo é: a existência pre- cede a essência. No pensamento filosófico tradicional, conhecer alguma coi- sa é determinar sua essência. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Se aponto para um objeto e lhe pergunto o que ele é, você me responderá: uma mesa. Para me descrever o que é este objeto, você diz características que fazem com que este objeto seja uma mesa, ou seja, você me diz as características essenciais deste objeto. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Segundo os existencialistas, o ser do homem é a existência. Isto é, diferentemente de um objeto, o ser humano é processo. Não é algo definido ou mesmo pré-determinado. Imaginemos o seguin- te exemplo. Antes de construir uma mesa, o marceneiro imagina como ela será. Somente depois de já ter tido a ideia de como será essa mesa, ele pega o martelo, o formão, a madeira e começa a construí-la. Este objeto, depois de construído, não poderá ser ou servir para outra coisa senão para a função para a qual foi construí- do. O ser humano, por sua vez, não pode ser pré-determinado. Ele, diferentemente da mesa na cabeça do marceneiro, não tem nada que o pré-determine. Para o existencialismo, não há nada como natureza humana, que já nos pré-determine. Por meio de nossa existência (de nossas decisões), vamos nos tornando o que somos. Esta ênfase do existencialismo se mostra como resposta ao impé- rio da técnica no século 20. Diante da transformação de tudo em objeto, busca-se afirmar aquilo que peculiar ao ser humano. © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 166 Se você não teve filhos, converse com uma mulher grávida ou com pessoas que tiveram filhos recentemente. Por mais que se faça planos para os filhos, ou mesmo que se manifeste a prefe- rência para que eles sejam de um jeito ou de outro, não há garan- tias de que eles serão como os pais desejam. Em outras palavras, este ser humano é pura liberdade. Ele se faz, podendo-se tornar o que quiser. Este ser humano se faz por meio de suas escolhas. Ao contrário do que pode parecer, o ser humano não quer assumir essa liberdade que o constitui. É muito mais fácil fazer o que todos fazem, viver como todos vivem ou sempre achar alguma desculpa para nossas escolhas. Não queremos assumir a responsabilidade de que nós nos fazemos. Isto é, não queremos assumir a liberdade que nos faz humanos. Assim, muitas pessoas colocam a responsa- bilidade de suas decisões em Deus, em algum trauma do passado, nos pais, no marido, na esposa etc. como forma de não assumir sua liberdade. É mais difícil do que parece assumir a minha exis- tência como minha; as minhas decisões, como minhas decisões. É sempre mais fácil atribuí-las a outras pessoas. Os existencialistas reconhecem que a liberdade sempre se exerce em contexto. Há certos episódios de nossa vida que não escolhemos. Eu não escolhi nascer numa determinada cidade, em certa família que pertence a uma religião específica etc. Para os existencialistas, é somente porque há essas determinações que há liberdade. Esta é compreendia como luta contra as determinações que sempre querem nos transformar em objetos, não reconhecen- do nossa liberdade. Entre os existencialistas há aqueles considerados ateus (Sar- tre e Heidegger) e os considerados cristãos (Karl Jaspers e Gabriel Marcel). K. Jaspers (1883-1969) é tradicionalmente conhecido como filósofo existencialista cristão e defensor do que denominou fé filosófica. Segundo Jaspers, a fé que surge da reflexão filosófica não tem como objeto proposições gerais ou verdades objetivas. Assim, Jaspers cunha o termo Existenz. Essa categoria não deve 167© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica ser captada dentro dos limites da finitude, mas pressupõe o salto em direção à transcendência, na qual se experimenta a liberdade dos limites da imanência. Este salto é afirmado na fé filosófica, que nunca é segura de si e sempre procura se elucidar. Jaspers (1955, p. 64) define Existenz como: “O fundamento escuro do eu, o es- conderijo do qual eu saio para me encontrar comigo, e para o qual a transcendência se faz real pela primeira vez”. Para Jaspers, a morte se apresenta ao ser humano como si- tuação limite. Neste contexto, na sua experiência mais radical, é revelada ao ser humano a presença da transcendência que nos im- pele a sair de nós mesmos e ir em direção a ela. Assim, “admitir nossa finitude, em vez de nos desesperarmos com ela, é ter certeza desta realidade” (HUISMAN, 2001, p. 74). Erich Dinkler caracteriza Jaspers como: Um protestante liberal extremo que, preocupado com Jesus como um tipo de humanidade falha, usa-o para apoiar sua fé filosófica(DINKLER, p.115). Este liberalismo de Jaspers, no entanto, deve ser diferencia- do da ortodoxia e do secularismo. Segundo ele, a ortodoxia im- põe o que não deve e o que deve ser crido e o secularismo tira do ser humano a dimensão do sagrado. O liberalismo, como com- preende, afirma o elemento sagrado sem, no entanto, afirmar o que deve ser crido. O liberalismo, definido por Jaspers, não está intimamente ligado com o iluminismo. Para Jaspers, o liberalismo nunca se satisfaz ou pensa que sua tarefa está completa. A reflexão é processo continuado, nunca completo. No interior da própria modernidade, pois, já aparecem algu- mas vozes a fim de mostrar os problemas e limites da afirmação da centralidade do sujeito (antropocentrismo). Em suma, o ser hu- mano não é somente razão que tudo controla, mas está submetido a forças que nem sempre pode controlar ou compreender, sejam seus impulsos ou mesmo a história da própria humanidade. © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 168 OntOLOGiA DA AtuALiDADE9. Os traumas evidenciados na modernidade foram ainda mais intensificados no decorrer do século 20. As duas guerras mundiais mostraram a impotência da modernidade em cumprir as promes- sas da razão, por acreditar que, apenas por intermédio da razão, o ser humano poderia ter completo domínio sobre si próprio e sobre a natureza. No entanto, o século 20 mostrou que a razão intensificada pode conduzir a resultados opostos. A completa racionalização da vida leva à irracionalidade. Esse aspecto é ilustrado pelo fato de que o desenvolvimento tecnológico, ao invés de promover o que prometera, ou seja, a construção e a consolidação de uma socie- dade ética e justa, revela-se como fonte de destruição: os aviões, as bombas, o uso da propaganda por governos totalitários e inú- meros outros empregos da tecnologia e da razão para destruição, acabaram por evidenciar que o uso irrestrito da razão era também um mito. Como Nietzsche já havia indicado, a razão é apenas mais um modo de se interpretar a realidade. A pretensão de abarcá-la como se fosse o todo, dizendo ser a verdade última sobre todas as coisas, não mais se sustenta. As consequências da confiança cega na razão foram imensas para o pensamento filosófico. No entanto, o problema mais com- plexo que, de certo modo, permeia todos os grandes pensadores do século 20, passa pela tentativa de superar a dualidade entre posicionamentos absolutistas e relativistas. Como observamos nas unidadesanteriores, o pensamento filosófico nasce com a pretensão de construir explicações univer- sais sobre o mundo. Na modernidade, essa finalidade se torna ain- da mais evidente, na busca de certezas pautadas na razão humana, que também se colocava como sendo de caráter universal. Quando Descartes chega ao “eu penso” (Cogito) como fun- damento da racionalidade humana, ele o concebe como afirmação 169© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica válida em todos os tempos e em todos os lugares, demonstrando forte pretensão em afirmá-la como universal. Inclusive, essa con- cepção de universalidade serviu muitas vezes para justificar em- preitadas expansionistas. Em outros momentos, a violência era justificada na afirmação de que a Europa representaria o ápice do desenvolvimento humano, tendo por função levar a civilização a outros lugares. No entanto, os golpes sofridos pelo sujeito (e tudo que daí decorria) mostraram que a Europa não é o centro da his- tória, e que sua concepção de sujeito é apenas uma representação entre outras, não havendo nada que justifique a concepção de uni- versalidade que se pretendia. Contudo, destacar os limites do uso cego da razão não sig- nifica que podemos cair no outro extremo, o do relativismo, que como os gregos sabiam muito bem, também tem seus limites. O relativismo afirma que não é possível se chegar às verdades últi- mas e, portanto, não há verdade absoluta: tudo é relativo ao con- texto, aos interesses de determinados grupos ou sociedade, en- fim, à história. O relativismo não se põe como solução para resolver o im- passe da impossibilidade da afirmação de verdades absolutas, pois, caso tomemos o relativismo de modo extremo, incorremos em vários outros problemas. Exemplifiquemos: se digo “tudo é re- lativo”, há nessa afirmação uma contradição. Se tudo é relativo, como posso sustentar que esta afirmação tem caráter absoluto? Se tudo é relativo, até mesmo esta constatação é relativa e, por- tanto, há algo de absoluto. Para aceitar que tudo é relativo tenho de aceitar essa afirmação como sendo absoluta. Portanto, há sim uma verdade absoluta: aquela que diz que tudo é relativo. O rela- tivismo traz consigo problemas éticos: se levado ao extremo, como podemos criticar a ação política de determinado governo? Para o relativista, a defesa da guerra é tão válida quanto a da paz. Se tudo é relativo, qual é o critério para que eu possa tomar uma decisão? O fato de se decidir por um regime democrático, © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 170 ao invés de uma ditadura, revela que há um critério que me faz crer que aquela forma de governo é melhor do que outra. Assim, o relativismo levado ao extremo também acarreta problemas éticos insuperáveis e, ele mesmo, revela-se insustentável. Se por um lado os posicionamentos absolutistas demons- tram-se insustentáveis e até mesmo violentos, por outro, o relati- vismo não se mostra como saída. O dilema deve ser o de evitar os dois extremos e achar uma solução viável que motive grande parte do pensamento filosófico do século 20. As propostas de soluções para esse dilema são inúmeras. Vamos indicar apenas uma: para alguns filósofos, um encaminha- mento para o problema seria fazer uma crítica da razão, mostran- do como o ser humano é, antes de tudo, um ser histórico. A modernidade, ao defender sua concepção de ser humano, não tem argumentos suficientemente consistentes para convencer que ela seja realmente universal, mas representa um modo de se interpretar o homem mediante determinada tradição filosófica. Kant (2005), no já citado texto Resposta à pergunta: O que é “esclarecimento”? convida o ser humano a livrar-se dos seus pré- conceitos, visto serem eles a fonte de erros. A saída da menorida- de, entre outras coisas, implica nisto: negação de qualquer autori- dade que venha a impor-se a mim; é necessário, pois, que eu tenha coragem de conduzir a razão por mim mesmo (autonomia), sem a interferência de uma autoridade externa (heteronomia). Ao con- vidar o ser humano para que exerça sua autonomia, Kant (2005, p. 64) atribui à autoridade a culpa dos erros do conceito prévio. A tradição é, então, intimada a comparecer no tribunal da razão: A possibilidade de que a tradição seja verdade depende da credi- bilidade que a razão lhe concede. Nós podemos sabê-lo melhor. Essa é a máxima geral com a qual o Aufklärung moderno enfrenta a tradição, e em virtude da qual acaba ele mesmo convertendo-se em investigação histórica (GADAMER, 1999, p. 410). 171© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica Gadamer destaca a importância e impossibilidade de uma compreensão sem conceitos prévios, pois, “não é a história que pertence a nós, mas nós que a ela pertencemos” (GADAMER, 1999, p. 415). Já estamos imersos numa rede de mensagens enviadas pelo passado que determina toda forma de compreensão, de ma- neira que o ideal da razão absoluta (totalmente “livre”) não é pos- sível à realidade humana. A questão passa a ser não a possibilida- de de um conhecimento livre de conceitos prévios, mas o critério que separa os conceitos prévios legítimos e ilegítimos. Busca-se encontrar na história uma solução intermediária entre posições absolutistas e relativistas. Estamos desde sempre imersos numa rede de significados que são construídos historica- mente, pois interpretamos o mundo a partir dos modelos e senti- dos que aprendemos da sociedade na qual vivemos. Essa posição não se torna relativista por indicar que possuímos uma fundamen- tação: a tradição que herdamos. É preciso destacar que não se de- fende uma simples aceitação normativa da tradição. Ela também deve e pode ser criticada e não simplesmente reproduzida. Uma frase do filósofo Jacques Derrida (1930-2004) expressa bem esse aspecto: “Meu desejo se parece com aquele de um apaixonado pela tradição que gostaria de se livrar do conservadorismo” (DER- RIDA, 2004, p.13). Como se pode notar, a proposta de Derrida valoriza o diá- logo. Se partimos sempre de uma tradição que é construída his- toricamente, não há por que defender que alguém possua a ver- dade última sobre as coisas. Outras tradições também possuem seu modo de interpretar o mundo e as coisas. Num mundo plural e diversificado como o nosso, essa proposta filosófica pretende oferecer condições para que não nos tornemos narcisistas indife- rentes ou fundamentalistas. A maneira ocidental de interpretar o mundo é apenas uma entre outras. Não é a melhor e nem a pior, mas apenas mais uma que pode ser ouvida e que também pode aprender com outros paradigmas de interpretação. © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 172 Dentre os diversos elementos que compõem a tradição oci- dental, o elemento religioso se mostra como sendo importante. No final do século 20, com a falência das promessas da razão, no- tou-se que a religião passa novamente a ocupar importante lugar na vida social e no discurso filosófico. O filósofo Gianni Vattimo (1936 - ) aponta algumas causas desse “retorno” à religião: a queda dos regimes socialistas no leste europeu, a preocupação com a sobrevivência e continuidade da vida na Terra, as recentes descobertas genéticas com a possibili- dade de clonagem de outros seres humanos, o tédio provocado pelo consumismo e outros. No entanto, mais importante do que a pergunta se a religião retorna ou não, é questionar-se como ela se configura no mundo atual. Para Vattimo, no mundo atual a reli- gião tem papel fundante, no entanto, não se pode ignorar o pen- samento crítico e assumi-la como verdade última. Ela também é interpretação. Leitura Complementar –––––––––––––––––––––––––––––––– Descartes Gostaria, em primeiro lugar, de explicar o que é a filosofia, começando pelas coi- sas mais simples, tais como: que esta palavra significa o estudo da sabedoria; e que, por sabedoria, não entendemos apenas a prudência nos negócios, mas um perfeito conhecimento de todas as coisasque o homem pode saber, tanto para a conservação de sua vida, quanto para a conservação de sua saúde e para a invenção de todas as artes; e para que este conhecimento seja tal, é necessá- rio que ele seja deduzido das primeiras causas, de sorte que, para estudar e adquiri-lo - o que significa propriamente filosofar -, devemos começar pela busca das primeiras causas, isto é, dos princípios. Mas é preciso que estes princípios tenham duas condições: uma, que sejam tão claros e distintos que o espírito humano não possa duvidar de sua verdade quando se aplica, com atenção, a considerá-los; a outra, que seja deles que dependa o conhecimento das outras coisas, de sorte que eles possam ser conhecidos sem elas, mas não reciproca- mente elas sem eles; depois disso, devemos tentar deduzir desses princípios o conhecimento das coisas que deles dependem (DESCARTES, Princípios de filosofia. Prefácio). Nós viemos a saber deles por meio de nossa própria inteligência inata, sem ne- nhuma experiência sensorial. Todas as verdades geométricas são deste tipo – não apenas as mais óbvias, mas todas as outras, por mais abstrusas que pos- sam parecer. Por isso, segundo Platão, Sócrates pergunta a um jovem escravo sobre os elementos da geometria e assim faz do garoto apto para desenterrar certas verdades a partir de sua própria mente que ele não havia reconhecido que 173© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica estavam lá, a fim de estabelecer a doutrina da reminiscência. Nosso conheci- mento de Deus é deste tipo (DESCARTES, Carta de 1643). Mas a ordem que nisto segui foi esta: primeiramente, procurei encontrar, de modo geral, os princípios e as causas primordiais de tudo o que existe ou pode existir no mundo, limitando-me, para este fim, a considerar apenas Deus que os criou, e a só tirá-los de certas sementes de verdade que existem naturalmente em nossas almas (DISCURSO DO MÉTODO, Parte VI, p.71). A mente da criança tem em si as idéias de Deus, de si própria e de todas as ver- dades ditas imediatamente evidentes, do mesmo modo que os seres humanos adultos têm tais idéias quando não as estão considerando; não as adquire mais tarde quando cresce. Não tenho dúvidas de que, se libertada da prisão do corpo, encontrá-las dentro de si (DESCARTES, Carta de 1641). Estando habituado, em todas as outras coisas, a fazer a distinção entre existên- cia e essência, persuado-me facilmente de que a existência pode ser separada da essência de Deus e que, assim, se possa conceber Deus como não existindo atualmente. Todavia, quando penso nisso com mais atenção, verifico claramente que a existência não pode ser separada da essência de Deus, assim como da essência de um triângulo retilíneo não pode ser separada a grandeza de seus três ângulos iguais a dois retos ou, da idéia de uma montanha, a idéia de um vale; de maneira que não há menos repugnância em conceber um Deus (isto é um ser soberanamente perfeito) ao qual falta a existência (isto é, ao qual falta alguma perfeição) do que em conceber uma montanha que não tenha vale (ME- DITAÇÕES METAFÍSICAS, 5ª. meditação). Kant Esclarecimento [<Aufklärung>] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu enten- dimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento [<Aufklärung>]. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza há muito os libertou de uma direção estranha, continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São tam- bém as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso sim- plesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagra- dáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primei- ramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranqüilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes, em seguida, o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá- lo em geral para não fazer outras tentativas no futuro. É difícil, portanto, para © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 174 um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou, antes, do abuso de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um salto inseguro mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a este movimento livre. Por isso são muito poucos aqueles que conseguiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender então uma marcha segura. Que, porém, um público se esclareça [<aufkläre>] a si mesmo é perfeitamente possível; mais que isso, se lhe for dada a liberdade, é quase inevitável. Pois, encontrar-se-ão sempre alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os tutores estabelecidos da grande massa, que, depois de terem sacudido de si mesmos o jugo da menoridade, espalharão em redor de si o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem em pensar por si mesmo. O interessante nesse caso é que o público, que anteriormente foi conduzido por eles a este jugo, obriga-os daí em diante a permanecer sob ele, quando é levado a se rebelar por alguns de seus tutores que, eles mesmos, são incapazes de qualquer esclarecimento [<Aufklärung>]. Vê-se assim como é pre- judicial plantar preconceitos, porque terminam por se vingar daqueles que foram seus autores ou predecessores destes. Por isso, um público só muito lentamente pode chegar ao esclarecimento [<Aufklärung>]. Uma revolução poderá talvez realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de do- mínios, porém nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar. Apenas novos preconceitos, assim como os velhos, servirão como cintas para conduzir a grande massa destituída de pensamento. KANT, I. “Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?”. A nossa época é a época da crítica, à qual tudo tem que submeter-se. A religião, pela sua santidade e a legislação, pela sua majestade, querem igualmente sub- trair-se a ela. Mas então suscitam contra elas justificadas suspeitas e não podem aspirar ao sincero respeito, que a razão só concede a quem pode sustentar o seu livre e público exame (KANT, I. Crítica da razão pura. AXII). Nietzsche O homem louco – Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’? – E como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido? Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? Disse um outro. Estáse escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? – gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. ‘Para onde foi Deus?’, gritou ele, ‘já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘em baixo’? Não vagamos como que através de um anda infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele ainda mais frio? Não anoitece eter- namente? Não temos que acender lanternas de manhã? Não ouvimos o barulho 175© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodreceram! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos? O mais forte e o mais sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará esse sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados te- remos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer digno dele? Nunca houve um ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá, por causa deste ato, a uma história mais elevada que toda a história até então!’ Nes- se momento silenciou o homem louco, e novamente olhou para seus ouvintes: também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele. ‘Eu venho cedo demais’, disse então, ‘não é ainda meu tempo. Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens. O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos. Esse ato ainda lhes é mais distante que a mais longínqua constelação – e, no entanto, eles o cometeram!’ – conta-se também que no mesmo dia o homem louco irrompeu em várias igrejas, e em cada uma entoou o seu Requiem aeternam deo. Levado para fora e interrogado, limitava-se a responder: ‘O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus’? (NIETZSCHE, Gaia ciência, §125). Em toda a psicologia do “Evangelho”, falta o conceito de culpa e de castigo; igual- mente o conceito de recompensa. O “pecado”, toda a relação de distância entre Deus e o homem, é suprimido - é essa justamente a “Boa Nova”. A beatitude não está prometida, não se encontra vinculada a condições: é a única realidade - o resto é sinal para dela se falar [... ] As consequências de um tal estado projectam-se numa prática nova, a prática genuinamente evangélica. Não é a “fé” que distingue o cristão: o cristão age, distingue-se par um agir diferente. Ao que é mau para com ele não oferece re- sistência nem por palavras em no coração. Não faz distinção alguma entre o estrangeiro e o indígena, entre o judeu e o não judeu (o “próximo’” em rigor o correligionário na fé, o judeu). Não se aborrece com ninguém, a ninguém menos- preza. Não se deixa ver nos tribunais, nem faz reivindicações (“não jurar”). Em nenhum caso se separa da esposa, nem sequer também em caso de adultério comprovado desta última. Tudo isto é, no fundo, um princípio, tudo é consequên- cia de um instinto. A vida do Salvador nada mais foi do que esta pratica – a sua morte também não foi diferente... Ele já não tinha necessidade nem de fórmulas, nem de ritos, para a sua comunhão com Deus – nem sequer da oração. Acabou com toda a doutrina judaica da penitência e da reconciliação; sabe que só com a prática da vida é que alguém se sente ‘divino’, ‘bem-aventurado’, ‘evangélico’, e a cada momento um ‘Filho de Deus’. A ‘penitência’ e a ‘oração pelo perdão’ não são caminhos para ‘Deus’. Só a prática evangélica leva a Deus, ela é justamente ‘Deus’(NIETZSCHE. O antiCristo. #33). Volto atrás, e vou contar a autêntica história do Cristianismo. Já a palavra “Cris- tianismo” é um equívoco - no fundo, existiu apenas um único cristão, e esse morreu na cruz. O ‘Evangelho” morreu na cruz. O que desde esse instante se chamou “Evangelho” era já o contrário do que Cristo vivera: uma “má nova”, um dysangelium. É falos até ao contra-senso ver numa “fé”, por exemplo, a fé na salvação por Cristo, a insígnia do cristão: unicamente a prática cristã, uma vida com a viveu aquele que morreu na cruz, tem algo de cristão... Hoje, uma tal vida é ainda possível e até necessária para certos homens: o Cristianismo autêntico, originário, será possível em todas as épocas ... Não uma fé, mas uma acção, © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 176 uma não fazer certas coisas, sobretudo um diferente ser.... Estados de consciên- cia, uma fé qualquer, um ter algo por verdadeiro, por exemplo – todo psicólogo sabe isso -, são de todo indiferentes e de quinta classe perante o valor dos ins- tintos: em termos mais estritos, todo o conceito de causalidade espiritual é falso. Reduzir o ser-cristão, a cristianidade a um ter por verdadeiro, a uma simples fenomenalidade de consciência significa negar a cristianidade. De facto, nunca houve cristão algum. O “cristão”, o que desde há dois mil anos se chama cristão, é unicamente uma auto-incompreensão psicológica. Se indagarmos com maior rigor, dominavam nele, apesar de toda a “fé”, apenas os instintos. E que instintos! A “fé” foi, em todas as épocas, por exemplo, em Lutero, apenas uma capa, um pretexto, um véu, por trás o qual os instintos realizavam o seu jogo – uma sagaz cegueira perante a dominação de certos instintos... A “fé” – já lhe chamei a genu- ína sagacidade cristã. Falou-se sempre de “fé”, mas agiu-se sempre apenas por instinto ... (NIETZSCHE. O antiCristo. #39). Vattimo Em vez de se apresentar como um defensor da sacralidade e intangibilidade dos ‘Valores’, o cristão deveria actuar como um anarquista não violento, como um desconstructor irônico das pretensões das ordens históricas, guiado não pela procura de uma maior comodidade para si, mas pelo princípio da caridade em relação aos outros (VATTIMO, 1998. p. 94). Deus morreu tem em Nietzsche um sentido muito mais literal do que quanto em geral se pode acreditar; não é a enunciação metafísica de que Deus “não existe”, uma vez que esta pretenderia ainda referir-se a uma estrutura estável da realidade, a uma ordem do ser, que "o verdadeiro existir” de Deus na história do pensamento; pelo contrário, é a constatação de um acontecimento, graças ao qual o ser já não necessita de ser pensado como dotado de estruturas estáveis e, em definitivo, de fundamento. As aventuras da diferença. O que significa pensar depois de Heidegger e Nietzs- che ( Lisboa: Edições 70, p. 167). Poderíamos dizer, portanto, que os objetos de nossa experiência se dão somente dentro de um horizonte e que este horizonte, como uma luz que faz com que as coisas apareçam, não é, por sua vez, objetivamente visível. Se podemos falar de um ser, devemos pensá-lo antes como este horizonte e como esta luz, mais do que como a estrutura geral dos objetos. Não sendo objeto, porém, o ser também não tem aquela estabilidade que a tradição metafísica lhe quis atribuir. Tal é o evento do ser no duplo sentido do genitivo: o horizonte é abertura que pertence ao ser, mas também é aquilo ao qual o ser pertence; não há o ser estável, eterno, etc., pois o ser é somente aquele que, vez por outra, acontece no seu evento. Entendido o ser como evento, a tarefa do pensamento é, segundo Heidegger, aquela de rememorar a sua história: Denken é para ele Andenken. E isto não porque, ainda dentro de uma perspectiva de espelhamento objetivo, seja ne- cessário conhecer o ser histórico na sua totalidade – como, no fundo, pensava Hegel. Trata-se, antes, de ‘saltar no abismo liberatórioda tradição’- um salto que só é liberatório porque sacode a pretensão da ordem atual do ente de valer como a única e eterna ordem objetiva do ser enquanto tal. O salto não nos dá um conhecimento mais verdadeiro e completo daquilo que o ser objetivamente é; diz-nos apenas que o ser não é nada de objetivo ou estável, desvenda-o para nós como evento no qual estamos sempre, na qualidade de intérpretes, envol- vidos e de alguma forma ‘em caminho’ (o ser e nós). Aquele que propus chamar de ‘pensamento fraco’ insiste neste aspecto da rememoração heideggeriana: o 177© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica salto no abismo da tradição é sempre, também, um enfraquecimento do ser, já que sacode as pretensões de peremptoriedade com as quais sempre se apre- sentam as estruturas ontológicas da metafísica. No salto, por outro lado, não se reconhece o ser como evento em termos abstratos (...). O evento é o evento que acontece para nós hoje, aqui. Assim, o enfraquecimento do ser, que se produz quando este se desvenda no salto como evento, é também, inseparavelmente, um enfraquecimento, como sentido e fio condutor histórico, da tradição dentro da qual saltamos (VATTIMO, 2004. p. 31-33). Se existe natureza verdadeira das coisas, há também sempre uma autoridade – o papa, o partido, o cientista ‘objetivo’, etc. – que a conhece melhor do que eu e que pode impô-la também contra a minha vontade. Para que serve insistir na objetividade e na realidade do verdadeiro senão para garantir autoridade a alguém? (VATTIMO, 2004, p. 30) [...] Ninguém começaria a querer constatar os fatos só pelo amor da constatação dos fatos, e esta é a velha história que sempre tentaram nos vender: ‘a ciência é objetiva!’. Entre outras coisas, depois, quando essa ciência reivindica o direito de conhecer – independendo das leis sociais, da política, da economia, etc. – se torna opressora, porque pode chegar inclusive a fazer certas coisas que a ne- nhum de nós interessa que sejam feitas. Existe todo um conjunto de coisas que dependem desta reflexão sobre o caráter interpretativo, interessado, envolvido da verdade, que finalmente deveria nos ajudar, por exemplo, a sair de um mundo de violência. As verdades objetivas são, tendencialmente, violentas (VATTIMO, 2006, p.88). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– QuEstõEs AutOAvALiAtivAs10. Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni- dade, bem como que as discuta e as comente. A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo- perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas de curso suas descobertas. Confira, na sequência, as questões propostas para verificar seu desempenho no estudo desta unidade: © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 178 Em que sentido Descartes proclamou a autonomia do 1) sujeito? Como a autonomia do sujeito aparece em Kant?2) “É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as 3) vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim de- cide a respeito de minha dieta etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pen- sar, quando posso simplesmente pagar; outros se en- carregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis”. Estas palavras de Kant ainda são válidas para hoje? Quais exemplos podem ser citados para corroborar seu ponto de vista? Quais foram os principais argumentos contrários à au-4) tonomia do sujeito? Em que medida eles se constituem como crítica da modernidade? Qual o lugar ocupado pela religião no pensamento filo-5) sófico moderno? Podemos dizer que esta é a situação ainda hoje? Qual filósofo lhe pareceu mais coerente? Justifique sua 6) resposta. Em relação a qual dos filósofos estudados você mais tem 7) discordâncias? Justifique sua resposta. COnsiDErAçõEs11. Nessa unidade, buscamos abordar o desenvolvimento do pensamento filosófico na modernidade e as críticas que tem sofri- do nos últimos tempos. Esse período é um claro exemplo de como o pensamento filosófico tem importância na compreensão do mundo em que vivemos, bem como ele determina o modo como concebemos muitas coisas. Podemos notar, por exemplo, como a concepção de ciência sustentada por Galileu acaba por influenciar até os dias atuais no modo como entendemos a ciência, com todos os problemas de- correntes. A ênfase no sujeito e na razão humana também se ma- 179© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica nifesta claramente na crença ainda vigente de que o ser humano pode ter o controle sobre tudo e sobre todos. Ele se coloca como exterior e superior à natureza, que é vista apenas como objeto a ser explorado e dominado. De certo modo, essas características podem nos auxiliar a compreender as questões atuais. A partir do momento em que o ser humano não se concebe mais como parte da natureza e sim como seu mestre, com direitos de explorá-la tendo em vista seu próprio benefício, põe-se em marcha uma exploração inconse- quente de todos os recursos. Esse simples exemplo nos ilustra a importância da filosofia para se compreender os problemas atu- ais. Eles não são passíveis de soluções meramente administrativas, mas antes, pressupõem soluções que nos fazem retornar à história do pensamento humano, a fim de compreender porque, como e onde chegamos. Aqui a filosofia se aproxima da vida, revelando-se como postura crítica. E-REFERÊNCIAS12. DESCARTES, R. O discurso do método. Tradução de Maria E. Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 20 ago. 2010. PERMANÊNCIA. Suma teológica. Tradução de Alexandre Correia. Disponível em: <http:// www.permanencia.org.br/sumateologica/>. Acesso em: 20 ago. 2010. rEFErÊnCiAs bibLiOGrÁFiCAs13. AGOSTINHO. A cidade de deus (contra os pagãos). Tradução de Oscar Paes Leme. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002. BRECHT, B. A vida de Galileu. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. CHAUÍ, M. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2008. 9ª. Reimpressão. DERRIDA, J.; VATTIMO, G. et al. A religião. Seminário de Capri dirigido por Jacques Derrida e Gianni Vattimo. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio D'Água, 1997. DERRIDA, J.; RUDINESCO, E. De que amanhã. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. DESCARTES, R. Meditações metafísicas. Tradução de Maria E. Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2000. FEUERBACH, L. Preleções sobre a essência da religião. Tradução de José da Silva Brandão. Campinas: Papirus, 1989. © Fundamentos Filosóficos Centro Universitário Claretiano 180 GADAMER, H. G. Verdade e método. Tradução de Flávio Meurer. Petrópolis: Vozes, 1999. GALILEU. O ensaiador. São Paulo: Abril, 1973. (Coleção os pensadores). HOLANDA, S. B. Visão do paraíso. Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Edusp, 1969. 2. ed. HUISMAN, D. História do existencialismo. Tradução de Maria Leonor Loureiro. Bauru: EDUSC, 2001. HUSSERL, E. Husserliana: Edmund Husserl – Gesammelte Werke. Dosdrecht: Nijhoff/ Kluwer, 1950. ______. Idéias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. Tradução de Márcio Suzuki. Aparecida: Idéias e Letras, 2006. JASPERS, K. The Perennial Scope of Philosophy. New York: Philosophical Library, 1949. ______. Reason and Existenz. Tradução de William Earle. New York: Noonday Press, 1955. KANT, I. Resposta à pergunta: que é “esclarecimento” {‘Aufklärung’}. In: KANT, I. Textos seletos. Tradução de Floriano de Sousa Fernandes. Petrópolis: Vozes, 2005. 3. ed. ______. Crítica da razão pura. Tradução de Manuela
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