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Fundamentos Filosóficos 5

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EA
D
A autonomia do Sujeito: 
A filosofia na 
Modernidade e sua 
Crítica 5
ObjEtivOs1. 
Analisar as principais noções surgidas na modernidade e •	
seu impacto na atualidade.
Identificar como ocorreu a passagem de uma visão de •	
mundo teocêntrica para o antropocentrismo.
Compreender as críticas à modernidade.•	
COntEúDOs2. 
A ciência moderna.•	
René Descartes e o início da modernidade filosófica.•	
Religião e razão na modernidade.•	
A crítica da modernidade.•	
Ontologia da atualidade.•	
© Fundamentos Filosóficos
Centro Universitário Claretiano
146
OriEntAçõEs pArA O EstuDO DA uniDADE3. 
Tenha sempre à mão o significado dos conceitos explici-1) 
tados no Glossário e suas ligações pelo Mapa Conceitual 
para o estudo de todas as unidades deste CRC. Isso po-
derá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho.
Nesta unidade, trataremos de temas mais próximos a 2) 
nós. À medida que você lê o texto, é importante relacio-
nar o conteúdo com elementos do seu cotidiano. Nesta 
unidade, por exemplo, trataremos do conceito moderno 
de ciência. Ao ler sobre isto, identifique como a ciência 
é retratada nos meios de comunicação, como o senso 
comum concebe a ciência, indicando aproximações e 
distanciamentos entre o texto e seu cotidiano.
Não deixe de ler também os textos complementares, 3) 
nos quais você terá acesso direto aos textos dos filósofos 
mais importantes abordados na unidade. 
Sugerimos, também, para você saber mais sobre a Suma 4) 
teológica, que acesse o site: Disponível em: <http://
www.permanencia.org.br/sumateologica/>. Acesso em: 
20 ago. 2010. 
intrODuçãO À uniDADE4. 
Na unidade anterior, você estudou que, durante a Idade 
Média, dois grandes pensadores se destacaram: Agostinho e To-
más de Aquino. Nesse período, a preocupação era basicamente 
teocêntrica, ou seja, Deus era o centro de todas as especulações 
filosóficas. Isso fica evidente no modo como se concebe a relação 
entre teologia e filosofia. Inclusive, como nos lembra Gilson, há fi-
lósofos contemporâneos que se questionam em que medida o que 
se praticou na Idade Média pode ser denominado propriamente 
de filosofia. Em seus próprios termos:
[…] Pode um filósofo considerar como filosófico esse estudo da na-
tureza e essa especulação filosófica concebida como um passo para 
o conhecimento de Deus? A resposta naturalmente é: depende. 
Depende do filósofo e da idéia que tem de Filosofia. Não creio que 
147© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
esta noção de Filosofia seduzisse John Dewey, ou Carnap, ou, para 
estender um pouco o sentido da palavra “filósofo”, Bertrand Russel. 
Mas muito filósofos, que nada têm de comum com S. Tomás de 
Aquino, ressentir-se-iam bastante com tal limitação da Filosofia. Os 
filósofos gregos – para considerar os únicos que S. Tomás conheceu 
– eram de opinião, precisamente, que a suprema ambição de todo 
verdadeiro filósofo era conhecer a Deus (GILSON, 1962, capt. 1).
Após esse momento histórico da filosofia, tal paradigma teo-
cêntrico cede espaço para um novo modelo e novas preocupações 
filosóficas: o modelo antropocêntrico, isto é, o ser humano é o cen-
tro das atenções e preocupações de cunho filosófico e artístico.
Essa nova perspectiva incentivou, diretamente, a consolida-
ção da ciência que, com isso, passa a ser o método de análise e 
busca de respostas para os problemas e dilemas ainda não resolvi-
dos e respondidos pela humanidade.
A CiÊnCiA MODErnA5. 
Em termos históricos, a modernidade se estende desde o sé-
culo 15 até fins do século 19. Esse período foi marcado por inten-
sas mudanças, sendo fundamental para compreendermos os prin-
cipais problemas e avanços do tempo atual. Mas, quais mudanças 
ocorreram que permitem indicar esse período como distinto da 
Idade Média?
Primeiramente, há de se destacar a valorização da razão 
como critério último de verdade. A modernidade promove certo 
deslocamento. Na Antiguidade e na Idade Média, percebe-se o de-
sejo humano de compreender a realidade. A filosofia se configura-
va a partir desta intenção, buscando explicar os fenômenos, como 
ocorriam, por que ocorriam etc. No entanto, naquele momento, a 
ênfase estava na tradição e não na experiência.
Santo Agostinho e Tomás de Aquino, por exemplo, retomam 
elementos da tradição anterior a eles e reconhecem a autoridade 
dessa tradição. Ao estudarmos Agostinho e Tomás, você deve ter 
© Fundamentos Filosóficos
Centro Universitário Claretiano
148
notado como recorrem à autoridade da Bíblia e dos filósofos gre-
gos para sustentarem suas teses. O próprio Tomás de Aquino se 
concebia como um comentarista de Aristóteles e não como um 
filósofo com pensamentos próprios. 
Outro exemplo nos auxilia a compreender este ponto. Cris-
tóvão Colombo (1437-1506), quando chega à América, traz no seu 
imaginário tudo aquilo que havia aprendido sobre a ideia de um pa-
raíso perdido e que circulava na Europa, de modo que, ao chegar 
aqui, ele já sabia o que iria encontrar. Estava procurando o que havia 
lido nos relatos de Marco Pólo, o que leva o almirante a dizer que: 
Na véspera, a caminho do rio do Ouro, viu três sereias que salta-
ram alto, fora da mar. Mas elas não eram tão belas quanto se diz, 
embora de certo modo tivessem forma humana de rosto (apud TO-
DOROV, 1982, p. 16). 
Ou ainda: “Ele (Colombo) entendeu ainda que, mais além, 
havia homens com um só olho e outros com focinho de cão” (HO-
LANDA, 1969, p. 18).
Como explicar que Colombo havia visto tais seres? Na Ida-
de Média, o que a tradição ensinava era determinante. Assim, na 
Europa havia várias autoridades (dentre elas o próprio Tomás de 
Aquino) que defendiam a existência de um paraíso terrestre com 
seres exóticos, tais quais vistos por Colombo. Com isso, pode-se 
compreender como a tradição direciona e determina o olhar de 
Colombo. Não lhe passa pela cabeça questionar radicalmente o 
que a tradição havia ensinado. Ela era normativa e diz o que se 
deve ver.
O espírito dos “novos tempos” já é perceptível com Galileu 
Galilei (1564-1642). Na seguinte afirmação, pode-se notar como 
houve uma importante ruptura de perspectiva de mundo: 
[...] O tempo antigo passou, e agora é um tempo novo. Logo a hu-
manidade terá uma idéia clara de sua casa, do corpo celeste que ela 
habita. O que está nos livros antigos não lhe basta mais. Pois onde a 
fé teve mil anos de assento, sentou-se agora a dúvida. Todo mundo 
diz: é, está nos livros -, mas agora nós queremos ver com nossos 
próprios olhos (GALILEU, 1973, p. 110). 
149© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
Se para Colombo a tradição ainda era determinante, para 
Galileu ela não se basta a si mesma. O simples argumento de auto-
ridade, isto é, somente pelo simples fato de estar escrito um livro 
por alguém com reconhecida importância não basta mais. Agora é 
preciso que se experimente, que se veja com os próprios olhos. É 
preciso lançar dúvidas onde antes havia apenas certezas. 
Mas, se não se parte da tradição, a partir de onde essa dúvi-
da é constituída? Para a modernidade, a razão se mostra como ele-
mento central. O ser humano deve fazer uso dela a fim de colocar 
tudo em questão, tudo deve passar sob o crivo da razão.
A ciência que aparece no início da modernidade também 
possui outra distinção importante em relação ao período anterior. 
Na Antiguidade e na Idade Média, o conhecimento científico tinha 
por objetivo compreender a realidade. Em Tomás de Aquino, por 
exemplo, as ciências mais elevadas (física, matemática e teologia) 
são chamadas de especulativas. Nesse contexto, a física recebe 
essa denominação devido ao fato de a sua função ser apenas a de 
compreender a natureza, mas sem a possibilidade de alterar o seu 
curso. Em outros termos, ela não pode interferir na natureza, mas 
apenas compreender como ela se organiza. 
No entanto, no início da modernidade, a ciência se coloca 
com a pretensão de dominar a natureza por meio do uso correto 
da razão. Não basta apenas compreender, é necessário dominare, 
quem sabe, intervir na natureza com o intuito de favorecer o ser 
humano. Novamente, esse aspecto aparece em Galileu. Melhor di-
zendo, aparece nas palavras de Bertold Brecht numa peça de tea-
tro que trata da vida deste cientista, captando magistralmente sua 
visão de mundo: 
Eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a cansei-
ra da existência humana. E se os cientistas, intimidados pela prepo-
tência dos poderosos, acham que basta amontoar saber, por amor 
do saber, a ciência pode ser transformada em aleijão, e as suas má-
quinas serão novas aflições, nada mais (BRECHT, 1991, p. 165). 
© Fundamentos Filosóficos
Centro Universitário Claretiano
150
Nesse trecho, Galileu critica a concepção de ciência anterior, 
que se movia, na maioria dos casos, por amor ao saber e não ten-
do em vista uma intervenção direta no curso da natureza. 
Para atender ao objetivo de transformação da natureza, a 
razão não pode mais ser apenas especulativa. Antes, ela deve pro-
ceder de modo demonstrativo e exploratório, o que implica conce-
ber a razão a partir de um pensamento matemático e lógico. 
A partir da modernidade, a lógica resultante do pensamen-
to matemático desempenha papel fundamental, espalhando-se 
por várias áreas. Novamente, encontramos em Galileu importante 
ponto de inflexão. 
Um exemplo pode ser encontrado no filósofo Espinoza. Esse im-
portante filósofo escreve o seguinte texto: Ética demonstrada à 
maneira dos geômetras. Isto é, mesmo a ética deve seguir por 
caminhos estritamente lógicos.
Segundo Galileu (1973, p. 119):
A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se 
abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode com-
preender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os 
quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres 
são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos 
meios é impossível entender humanamente as palavras: sem eles nós 
vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. 
Como se pode observar no trecho descrito, Galileu defende a 
matematização da natureza. Nós somos filhos dessa compreensão 
de natureza. No colégio, por exemplo, todos aprendemos as leis de 
Newton. Assim, para explicar como uma caneta cai, o que fazemos? 
Transformamos esse movimento numa equação matemática que 
pode nos fornecer vários elementos, tais como aceleração, a massa, 
velocidade etc. Para a ciência da natureza antes de Newton, uma ca-
neta caía simplesmente porque estava retornando ao seu lugar natu-
ral. O fogo sobe, pois é de sua natureza subir. Esses movimentos não 
se relacionam em nada com equações ou problemas matemáticos. 
151© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
Desse modo, no âmbito científico podemos notar algumas 
alterações. Em primeiro lugar, a razão passa a ser o critério de ver-
dade e não mais a tradição. Em segundo lugar, não basta conhecer 
apenas por conhecer: o conhecimento da natureza tem por obje-
tivo dominá-la. Por fim, para tornar esse objetivo possível, obser-
va-se a matematização da natureza. Tudo pode ser convertido em 
equação matemática.
rEnÉ DEsCArtEs E O inÍCiO DA MODErniDADE 6. 
FiLOsÓFiCA
Os “novos ares”, que gradativamente avançavam no pensa-
mento científico, logo encontraram ressonância no pensamento 
filosófico. Coube ao filósofo francês René Descartes (1596-1650) 
colocar de modo mais claro os princípios teóricos nos quais a mo-
dernidade se fundamentou. 
O projeto filosófico de Descartes era formular uma metafí-
sica capaz de dar sustentação ao pensamento científico nascente. 
Para Descartes (2003, p. 5):
O bom senso é a coisa mais bem distribuída no mundo; pois cada 
um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais 
difíceis de se satisfazerem com qualquer outra coisa não costumam 
desejar mais bom senso do que têm. 
A questão para Descartes era como conduzir esse bom sen-
so de modo correto a fim de que possamos nos livrar de nossos 
conceitos prévios. Descartes retira da matemática o modelo para 
conduzir metodologicamente a razão, o que traz como consequ-
ência o pressuposto de que apenas aquilo que for absolutamente 
certo deve ser aceito. A matemática é capaz de fornecer certeza e 
exatidão, uma vez que ela demonstra a necessidade das conexões 
bem como das demonstrações. 
Com esse método, é necessário a Descartes colocar tudo em 
dúvida, a fim de achar o alicerce seguro a partir de onde o edifício 
do saber pode ser novamente construído. No entanto, mesmo o 
© Fundamentos Filosóficos
Centro Universitário Claretiano
152
ato de duvidar deve se dar de modo metódico. Descartes explora 
esse aspecto na obra denominada de Meditações metafísicas.
Na primeira meditação, Descartes tem por objetivo duvidar 
de tudo, de modo mais radical e universal possível, a fim de ver 
se é possível chegar a alguma certeza, fundamento. Para conduzir 
sua reflexão, Descartes parte de um princípio: tudo aquilo que não 
for certo deve ser desconsiderado. Ou, em outras palavras, tudo 
sobre o que se possa duvidar deve ser rejeitado como fundamento 
do saber. 
Desse modo, Descartes coloca os sentidos sob os auspícios 
da dúvida (2000, p. 31): posso confiar inteiramente nos sentidos? 
Para o filósofo em questão, não, pois os sentidos, de vez em quan-
do, nos enganam. Por exemplo: Vamos supor que estamos andan-
do numa praia e, ao longe, avistamos um objeto que pensamos ser 
um corpo de uma pessoa. Ao nos aproximarmos, notamos que é 
um tronco. Isto é, os sentidos nos enganam. Portanto, não podem 
ser totalmente confiáveis. 
Descartes (2000, p. 32) lança mão, também, do argumen-
to do sonho: todos nós já tivemos a experiência de, alguma vez, 
sonhar que estávamos numa praia ou caindo num precipício. No 
momento em que sonhávamos, tínhamos a certeza de que a cena 
era real, que ela realmente acontecia. No entanto, ao acordar, no-
tamos que estávamos deitados na cama. Com o argumento do so-
nho, Descartes pretende colocar a própria realidade em dúvida. 
Como posso separar realidade do sonho? E se o que chamamos de 
realidade nada mais é do que um sonho? Em suas palavras: 
E, detendo-me nesse pensamento, vejo tão manifestamente que 
não há indícios concludentes nem marcas bastantes certas por 
onde se possa distinguir nitidamente a vigília do sono, que fico mui-
to espantado, e meu espanto é tal que é quase capaz de persuadir-
me de que eu durmo (DESCARTES, 2000, p. 32).
Por fim, Descartes (2000, p. 36) coloca a matemática em 
dúvida. Na história, há inúmeros exemplos de como já se chegou 
a conclusões matemáticas que se mostraram erradas. Para pôr a 
153© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
matemática em dúvida, ele faz uma consideração: suponhamos 
que haja um gênio enganador cuja única função seja a de me en-
ganar. Portanto, ao aplicar a matemática à realidade, não posso 
ter certeza de que essa transição seja correta, pois pode ser que 
esse gênio enganador esteja atuando a fim de me enganar a todo 
o momento. Como não tenho certeza sobre o conhecimento ma-
temático, ele não pode se configurar como o fundamento seguro 
para a construção do edifício do conhecimento. 
Descartes chega a uma situação em que não sobra muita 
coisa para se confiar: ele rejeitou o corpo (sentidos), a realidade 
exterior e a matemática. No entanto, aqui a dúvida chega ao seu 
limite: pois para que ele possa fazer o exercício da dúvida, ele deve 
pensar. Mesmo se ele quisesse duvidar do pensamento, ele teria 
de pensar. Assim conclui: penso, logo existo. Em outros termos, 
para Descartes, o “eu penso” (sujeito) é aquilo sobre o qual não se 
pode duvidar. Ele é o fundamento e o alicerce de todo o conheci-
mento. Neste sentido, a argumentação de Descartes se aproxima 
muito da crítica de Agostinho com relação aos céticos. Agostinho 
afirma: “De forma alguma temo os argumentos dos acadêmicos 
quando perguntam: mas, e se te enganas? - Se me engano, existo, 
pois quem não existe nãopode sequer se enganar. Se, pois, exis-
to porque me engano, como me enganarei a respeito de minha 
existência quando tenho a certeza de existir pelo fato de que me 
engano?” (AGOSTINHO, 2002. XI, 26). Mas note que há importân-
cia diferença: Agostinho diz que se ele se engana, então existe. Já 
Descartes afirma: penso, logo existo. Assim, a razão se constitui 
como fundamento do conhecimento.
Ainda assim, Descartes tem de enfrentar outro problema, 
embora tenha chegado ao fundamento seguro e incontestável: 
como pode se fazer ciência se não se tem certeza nem sequer da 
existência da realidade? Descartes encontra uma certeza última (o 
“penso, logo existo”), mas está preso na interioridade desse “eu”. 
Para escapar disso, ele parte de um princípio: a causa tem mais do 
ser do que o efeito. Por exemplo: Bach tem mais ser (isto é, é mais) 
© Fundamentos Filosóficos
Centro Universitário Claretiano
154
do que sua música. Tanto é assim que Bach compôs a Missa em Fá 
maior, Paixão Segundo São Mateus e inúmeras outras músicas. Em 
suma, a causa é sempre mais do que o efeito. 
Mediante essa constatação, Descartes passa a analisar as re-
presentações (ideias) que tem em sua mente. Partindo do princí-
pio de que a causa tem mais ser do que o efeito, as idéias devem 
se originar de alguma coisa que tenha tanta perfeição quanto elas. 
Ao perscrutar as representações em sua mente, o filósofo percebe 
que todas elas possuem sua causa na própria razão, com exceção 
de uma: Deus. 
Segundo Descartes (2000, p. 72):
Pelo nome Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável, 
independente, onisciente, onipotente, e pela qual eu mesmo, e to-
das as outras coisas que existem (se é verdade que há coisas que 
existem) foram criadas e produzidas. 
Se eu possuo uma ideia, com tamanha perfeição como a de 
Deus, tem de haver outra coisa além de mim e que seja causa dessa 
ideia. Eu mesmo, devido à imperfeição, não posso ser causa desta 
ideia. Em outros termos, a ideia tem mais ser do que eu. Portanto, 
não posso ser causa dela.
Quando analiso a ideia de Deus (que reúne em si em grau 
superlativo as perfeições), pode se perguntar pela origem dessa 
ideia. Ela precisa ser comparada com o que sou. Eu, enquanto ser 
humano sei que sou limitado; isso significa que estou abaixo da-
quilo que é máximo. Deus é perfeito em ato; o sujeito até pode 
ser perfeito, mas em potência. Disso, pode-se concluir que Deus 
existe, pois somente Ele pode ser causa dessa representação de 
um ser perfeito que tenho em minha mente. A causa dessa ideia 
não está em mim. Portanto, é razoável supor que há um Deus que 
gera em mim essa representação.
Ao postular a existência de Deus, Descartes pode iniciar sua ida 
para além da subjetividade. Sendo Deus um ser bondoso, verdadeiro 
e fonte de máxima luz, não me enganaria. Com isso, Descartes vai re-
155© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
abilitando as ciências matemáticas, a realidade e, por fim, os sentidos. 
A partir de então, pode-se novamente fazer ciência. A diferença do 
início é que agora a ciência encontra fundamento seguro na razão.
A reflexão de Descartes é fundamental, porque aponta para 
aquilo que marca a modernidade: tudo se fundamenta no sujeito, 
isto é, na razão humana. Na filosofia de Descartes, podemos notar 
como ocorre a passagem do teocentrismo para o antropocentris-
mo. De agora em diante, o ser humano dotado de razão é o centro 
de tudo. Isso fica claro quando comparamos os escritos de Descar-
tes com alguma suma de teologia medieval, como por exemplo a 
Suma teológica de Santo Tomás de Aquino. Os textos teológicos 
medievais começavam sempre falando de Deus, considerado-o 
como aquilo que é primeiro. Tomás de Aquino, por exemplo, inicia 
a sua Suma teológica indicando demonstrações da existência de 
Deus. Somente num momento posterior, trata do ser humano. No 
caso de Descartes, observa-se importante alteração: mesmo que 
ele prove a existência de Deus, a primeira certeza à qual chega é: 
“eu penso”. É a partir do sujeito que Descartes prova a existência 
de Deus, o que significa dizer que o sujeito é anterior e é aquilo 
sobre o qual se pode ter mais certeza. Até mesmo a existência de 
Deus é derivada dessa certeza. 
Este deslocamento que ocorre na modernidade fica bem 
claro numa afirmação de outro filósofo moderno, John Locke. Ao 
narrar a história que deu origem ao Ensaio sobre o entendimento 
humano, ele afirma: 
Se fosse adequado incomodá-lo com a história deste Ensaio, deve-
ria dizer-lhe que cinco ou seis amigos, reunidos em meu quarto e 
discorrendo acerca de assunto bem remoto do presente, ficaram 
perplexos, devido às dificuldades que surgiram de todos os lados. 
Após termos por certo tempo nos confundido, sem nos aproxi-
marmos de qualquer solução acerca das dúvidas que nos tinham 
deixado perplexos, surgiu em meus pensamentos que seguimos o 
caminho errado, e, antes de nós nos iniciarmos em pesquisas desta 
natureza, seria necessário examinar nossas próprias habilidades e 
averiguar quais objetos são e quais não são adequados para serem 
tratados por nossos entendimentos (LOCKE, 1988, p. 136). 
© Fundamentos Filosóficos
Centro Universitário Claretiano
156
Assim, ao invés de tratar diretamente das questões, era pre-
ciso analisar a capacidade e como a razão humana conhece as coi-
sas. Esta área de estudos da filosofia ficou conhecida como episte-
mologia ou teoria do conhecimento.
Após Descartes
Os caminhos abertos por Descartes continuam sendo trilha-
dos por toda a modernidade. No entanto, isso não significa que 
todos vão concordar integralmente com ele. Logo após Descartes, 
desenvolveu-se na Inglaterra uma escola filosófica denominada 
empirismo. 
John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e 
David Hume (1711-1776) são os nomes mais importantes dessa 
tendência filosófica. Ainda que tenham peculiaridades, esses filó-
sofos defendiam que os seres humanos não possuem ideias inatas, 
enquanto Descartes acreditava que nascemos com algumas ideias 
em nossa mente. Para os empiristas, a mente humana é uma “tá-
bula rasa”, ou seja, todas as ideias que temos em nossa mente já 
passaram um dia pelos nossos sentidos. Assim, para os empiristas, 
a experiência é a fonte de todo nosso conhecimento. 
Tábula Rasa ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Tábula Rasa é a expressão que dá sentido à corrente filosófica chamada empi-
rismo. O filósofo inglês John Locke (1632-1704), considerado o protagonista do 
empirismo, foi quem esboçou a teoria da Tabula rasa (literalmente ardósia em 
branco em português). Para Locke, todas as pessoas ao nascer o fazem sem 
saber de absolutamente nada, sem impressões nenhumas, sem conhecimento 
algum. Então todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela 
experiência, pela tentativa e erro. A teoria da tábula rasa não foi importante ape-
nas do ponto de vista puramente filosófico, ao considerar todos os homens como 
intrinsecamente iguais, mas também serviu de base filosófica para combater o 
status quo vigente, especialmente em relação à aristocracia e à nobreza. Ape-
sar de ser considerada ultrapassada pelas evidências científicas da influência 
genética no comportamento humano, a teoria da tábula rasa, em conjunto com 
a teoria do bom selvagem de Rousseau, continua sendo a base das políticas 
governamentais de educação de grande parte dos países ocidentais, incluindo 
o Brasil (Disponível em: < http://www.saberweb.com.br/epistemologia/tabula-ra-
sa/>. Acesso em: 20 ago. 2010).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
157© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
Inato significa que “nasceu com”, “ingênito”, congênito, que per-
tence a um ser e não resulta de qualquer aprendizagem ou expe-
rimentação efetuada após o nascimento. (Disponível em: <http://
www.priberam.pt/dlpo/defini. aspx>. Acesso em: 20 ago. 2010).
Existe uma questão a ser resolvida por esses filósofos: se tudo 
que conhecemos vem pela experiência,como podemos explicar que 
tenhamos uma ideia de algum objeto do qual nunca tivemos uma 
experiência? Por exemplo, como posso ter a ideia de um unicórnio, 
uma vez que nunca o vi? Para resolver esse problema, os empiristas 
afirmavam que os seres humanos são capazes de associar ideias. No 
caso do unicórnio, a mente humana associa a noção de cavalo e de 
chifre, criando um novo ser. Como se pode notar, é sempre possível 
reduzir nossas ideias a algum objeto da experiência. 
Apesar das críticas a Descartes, vemos que os empiristas par-
tem de um mesmo princípio: eles também se ocupam do sujeito, 
isto é, do ser humano. Como dizia Locke, antes de conhecer as coi-
sas, precisamos saber se é possível e como é possível conhecê-las. 
Portanto, é necessário que, antes de tudo, se analise como conhe-
cemos as coisas e até onde esse conhecimento pode se estender. 
Os elementos empiristas são ainda mais desenvolvidos no 
pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), ao 
afirmar que todo o conhecimento começa com a experiência. No 
entanto, promove importante virada. O conhecimento humano é 
composto de dois troncos: sensibilidade e entendimento. 
Na sensibilidade, temos a forma do espaço e do tempo, que 
não são características dos objetos externos, ou seja, independen-
tes de nossa mente. Antes, espaço e tempo são contribuições e in-
terferências nossas, sendo, portanto, anteriores à experiência. Aliás, 
são eles que determinam a possibilidade de qualquer experiência. 
Além da sensibilidade, há também um conjunto de categorias 
que constituem o nosso entendimento, que são anteriores à expe-
riência e que permitem ordenar o material pelo qual a sensibilida-
© Fundamentos Filosóficos
Centro Universitário Claretiano
158
de é afetada. Por isso, para Kant (2001), não é possível conhecer as 
coisas como são em si mesmas, mas apenas como aparecem para 
nós, pois não percebemos os objetos de maneira direta, como se 
eles somente afetassem nossa percepção, mas como um processo 
que é determinado pelo próprio sujeito, que já traz em sua cons-
tituição elementos que determinam a percepção dos objetos. Nas 
palavras de Kant, a razão: 
Deve ir ao encontro da natureza, para ser por esta ensinada, é cer-
to, mas não na qualidade de aluno que aceita tudo o que o mestre 
afirma, antes na de juiz investido nas suas funções, que obriga as 
testemunhas a responder aos quesitos que lhes apresenta (KANT, 
2001, BXIII).
O espírito antropocêntrico da modernidade também pode 
ser encontrado de modo claro em outro texto de Kant, de mais 
fácil compreensão. No artigo escrito para um jornal intitulado Res-
posta à pergunta: que é “esclarecimento”? Kant afirma: 
Esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem de sua menorida-
de, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade 
de fazer de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo 
(2005, p. 63). 
Nessa passagem, pode-se notar como a subjetividade assu-
me lugar de importância, uma vez que todos os seres humanos 
são dotados de razão, devendo bem empregá-la, a fim de não se 
submeter à autoridade de outro. 
Cada pessoa, valendo-se do seu entendimento, deve ter suas 
próprias opiniões e não se submeter acriticamente a qualquer au-
toridade que queira a ela se impor. No entanto, por preguiça ou in-
diferença, inúmeras vezes, não queremos pensar por nós mesmos, 
demonstrando ser mais fácil se submeter ao que os outros dizem, 
ou simplesmente fazer o que todos fazem. Enquanto agimos desse 
modo, para Kant, ainda estamos na menoridade. Para sair desse 
estado, o ser humano deve empregar aquilo que lhe é característi-
co: a razão. Devemos submeter os conceitos prévios e suas ideias 
ao seu crivo. 
159© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
rELiGiãO E rAZãO nA MODErniDADE7. 
Como se pode notar, a ênfase dada à razão humana acaba 
criando nova relação entre filosofia e religião, uma vez que a re-
ligião deve ser submetida ao tribunal da razão. Na Idade Média, 
a sociedade e o pensamento filosófico eram determinados pelo 
contexto religioso. Na Europa, o Cristianismo era o elemento pre-
dominante da sociedade, concedendo certa unidade ao saber e à 
vida social. 
No entanto, na modernidade a religião perde esse papel 
preponderante. Em termos históricos, as revoluções burguesas re-
presentam essa ruptura: as revoluções Inglesa (1640) e Francesa 
(1789) são marcos importantes, nos quais se defende a necessida-
de de se separar Estado e Igreja. Em tese, o Estado deve manter 
neutralidade com relação à religião, noção que já havia aparecido 
no pensamento filosófico em situações históricas anteriores. 
John Locke, por exemplo, afirmava que essa separação era 
necessária, a fim de que cada área pudesse realizar de modo mais 
pleno sua vocação e finalidade. No entanto, especialmente no sé-
culo 17, essa neutralidade se torna com frequência ataque à reli-
gião, por ser vista como causa e origem da superstição e que se 
coloca como obstáculo para o pleno desenvolvimento da razão hu-
mana. Esse movimento, segundo o qual as instituições e símbolos 
religiosos perdem sua força na sociedade, é denominado secula-
rização. 
Contudo, é somente no final do século 17 e início do 19 que 
aparecem alguns autores que interpretam a religião como simples 
projeção do ser humano. Para esses filósofos, o criador é a criação 
da própria criatura, tendência bastante evidente na afirmação do 
filósofo L. Feuerbach (1989, p. 23): 
Teologia é antropologia, ou seja, no objeto da religião a que chama-
mos theós em grego, Gott em alemão, expressa-se nada mais do 
que a essência do homem, ou: o deus do homem não é nada mais 
que a essência divinizada do homem, portanto a história da religião 
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160
ou, o que dá na mesma, de Deus (porque quão diversas as religiões 
tão diversos os deuses, e as religiões tão diversas quão diversos são 
os homens) nada mais é do que a história do homem. 
Em outros termos, Feuerbach afirma que o ser humano pen-
sa estar falando de Deus, mas na verdade fala de si mesmo, uma 
vez que Deus não existe. 
A CrÍtiCA DA MODErniDADE8. 
Curiosamente, durante mesmo a modernidade, aparecem 
autores que criticam a tendência antropocêntrica da filosofia. O 
paradigma moderno começa, desse modo, a sofrer duros golpes e 
questionamentos. 
Primeiramente, temos ainda no século 18, a propagação da 
teoria da evolução por parte de Charles Darwin (1809-1882). O 
golpe de Darwin ocorre ao mostrar que o ser humano, concebido 
como ser racional e centro do universo, nada mais é do que o re-
sultado da evolução natural das espécies, e que não ocupa lugar 
privilegiado, mas insere-se na trama da evolução da natureza, ten-
do um ancestral comum com outros primatas. 
Ainda como ataque ao antropocentrismo, temos as teorias 
de sigmund Freud (1856-1939). Enquanto a modernidade acredi-
tava que o sujeito era consciente de seus atos e responsáveis por 
ele e que, por meio do correto emprego da razão, teria o domínio 
e o controle sobre toda a natureza, inclusive sobre si próprio, o 
desenvolvimento da teoria psicanalítica, proposta por Freud, mos-
tra que, na verdade, não temos consciência da maioria dos atos, 
pensamentos e palavras que empregamos. 
Segundo Freud, ao invés da consciência, é o inconsciente 
que rege nossas ações. No entanto, sempre tentamos esquecer 
alguns dramas ou nos esconder por detrás do suposto controle sob 
todas as situações e impulsos. A afirmação de Freud de que o ser 
humano não é senhor em sua própria casa aponta para os limites 
desse sujeito moderno.
161© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
Há ainda o trauma histórico instituído por Karl Marx (1818-
1883). Segundo ele (1971), as relações na sociedade não são como 
parecem ser, por estarmos sempre inseridos num jogo de poder, 
de modo que, na maioria das vezes, não nos damos conta de como 
as classes dominantes criam uma falsa consciência da realidade, a 
fim de manteremseus interesses. 
Concebemos as ideias como se elas tivessem vida própria e 
não como fruto do devir histórico. Um exemplo atual nos auxilia a 
compreender a proposta de Marx: a todo o momento, ouvimos fa-
lar sobre o mercado. É curioso, inclusive, que se diga que o merca-
do teve uma crise, está nervoso ou que teve uma crise psicológica. 
Com isso, os meios de comunicação nos dão a impressão de que o 
mercado é um ser autônomo, que anda com suas próprias pernas 
e cabe a nós apenas seguir as suas ordens. No entanto, uma aná-
lise mais crítica mostraria que o mercado é fruto de interesses de 
determinados grupos sociais, a fim perpetuarem uma situação de 
exploração e para se manterem no poder. Marilena Chauí define 
ideologia nos seguintes termos:
A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de repre-
sentações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) 
que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que de-
vem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como 
devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que 
devem fazer e côo devem fazer, ela é, portanto, um corpo explicati-
vo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter 
prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros 
de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para 
as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais 
diferenças à divisão da sociedade em classes a partir das divisões 
na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é apa-
gar as diferenças de classe e fornecer aos membros da sociedade 
o sentimento de identidade social, encontrando certos referenciais 
identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Hu-
manidade, liberdade, a igualdade, a Nação, ou o Estado (CHAUÍ, 
2008, p.109)
Em outros termos, a ideologia é conjunto de ideias que ca-
muflam as diferenças sociais no interior de determinada socieda-
de. Mesmo servindo aos interesses de uma minoria, a maioria das 
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162
pessoas pensa e assume esses elementos ideológicos de modo 
acrítico, como se o mercado fosse algo natural e não uma criação 
humana para atender a determinados fins de determinados gru-
pos dentro da sociedade.
Cabe também destacar o pensamento de F. nietzsche (1844-
1900), que se mostrava extremamente crítico da modernidade e de 
seus valores. Para ele, a razão humana nada mais é do que uma pe-
quena parte de um organismo maior. A noção de que podemos ser 
completamente conscientes de nossas ações a ponto de julgá-las mo-
rais, é simplesmente impossível. Afinal, na maioria das vezes, sequer 
sabemos quais as motivações que estão na base de nossas ações.
Já no século 20, em perspectiva de diálogo com a modernida-
de, ocorrem os movimentos filosóficos denominados fenomenolo-
gia e existencialismo. A fenomenologia surge com Edmund Husserl 
(1859-1938) e teve grande repercussão nos estudos sobre a religião. 
Para ele a função da filosofia seria fundamentar todas as outras ci-
ências. Desse modo, ela mesma deveria ser ciência rigorosa. 
Mas em que sentido a filosofia fundamenta as outras ciên-
cias? Se a ciência é conhecimento evidente, essa evidência rela-
ciona-se diretamente com a esfera que recebe o nome de consci-
ência ou subjetividade. Se toda ciência evolve o ato subjetivo de 
conhecimento e se há filosofia primeira, esta poderá ser somente 
filosofia da subjetividade. Desse modo, a filosofia primeira é ciên-
cia da subjetividade. 
Assim, Para Husserl (1950, V. 12, p. 5), foi Descartes quem 
melhor indicou o caminho para a filosofia como ciência nos ter-
mos modernos, pois Descartes reportava toda ciência à filosofia 
primeira que deveria conceder o fundamento. A fenomenologia 
não nasce com a intenção de fornecer às ciências melhor método 
de descrição, como muitas vezes se pensou nos estudos de religião 
que empregam a fenomenologia como método. O seu tema se cir-
cunscreve aos enigmas inscritos na relação entre a subjetividade e 
a transcendência. 
163© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
Neste contexto, transcendência não tem sentido religioso. O ter-
mo significa apenas aquilo que está além, ou seja, o que vai além 
desta subjetividade.
Assim, trata-se de analisar como a subjetividade pode ter 
acesso ao mundo de objetos transcendentes a ela. Em outros ter-
mos, a questão é: como o conhecimento é possível? Husserl opõe, 
neste aspecto, a orientação natural e a orientação filosófica. A 
orientação natural dirige-se ao mundo, enquanto a filosófica in-
vestiga como é possível o conhecimento do mundo. Segundo Hus-
serl (2006, §1), é justamente procurando responder a essa questão 
que lhe é típica que a filosofia se pensa como legitimação última 
de todo o conhecimento. Assim, qual é o modelo de discurso filo-
sófico que se começa a tecer? A filosofia, entendida como fenome-
nologia, não fala do mundo. A fenomenologia não estuda objetos, 
mas os atos de consciência que se referem a objetos. 
R. Sokolowski resume do seguinte modo a fenomenologia: 
A doutrina nuclear em fenomenologia é o ensinamento de que cada 
ato de consciência que nós realizamos, cada experiência que nós 
temos, é intencional: é essencialmente “consciência de” ou uma 
“experiência de” algo ou de outrem (SOKOLOWSKI, 2004, p. 17). 
Para notar o avanço que essa doutrina representa é preciso, 
então, lembrar como depois de Descartes se compreendeu a opo-
sição entre imanência e transcendência, entre interior e exterior. 
Como observado, para Descartes e a filosofia posterior a ele, tudo 
de que podemos estar certos de início é de que existimos e de que 
temos consciência desta existência. Não podemos saber sequer se 
o mundo exterior existe ou como ele é. Já para Husserl, de início, 
não faz sentido falar de uma consciência isolada. Sempre temos 
consciência de “alguma coisa”. 
Ora, a consciência pressupõe que haja algo a mais do que 
simplesmente ela. De fato, a grande contribuição da fenomeno-
logia foi dar o ‘xeque mate’ na doutrina cartesiana, ao mostrar 
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164
que as noções de “mundo intramental” (representações) e mundo 
exterior são incoerentes. Quando se parte do marco cartesiano, 
afirma-se a consciência fechada em si mesma. A consciência é tida 
como algo unívoco: há apenas consciência pura e simples. Husserl, 
entretanto, chama a atenção para os diferentes tipos de intencio-
nalidade da consciência. A fenomenologia, pois, propõe-se a dife-
renciar os diversos tipos de intencionalidades levando em consi-
deração os objetos aos quais elas se referem. As descrições destas 
intencionalidades nos auxiliam na compreensão do conhecimen-
to humano, bem como clarificam os diversos modos segundo os 
quais estabelecemos relações no mundo em que habitamos.
Para tornar a fenomenologia, enquanto método mais claro, 
analisemos o exemplo do sagrado. Rudolf Otto (1869-1937), par-
tindo de algumas considerações de Husserl, escreveu o livro inti-
tulado O sagrado. Neste texto, Otto (1992) pretende descrever fe-
nomenologicamente a religião. Em primeiro lugar, Otto parte para 
os atos de consciência que são periféricos ao fenômeno religioso a 
fim de chegar àquilo que caracteriza o fenômeno religioso. Segun-
do ele, o numinoso é a essência da religião.
Numinoso: vem do latim “numen” e significa “divino”, “deidade”. O 
numinoso é caracterizado por ser um sentimento pré-racional que 
é misterioso e, simultaneamente, terrível e fascinante. Ou seja, o 
sagrado traz em si essa ambiguidade: ao mesmo tempo em que 
causa horror, é fascinante. 
Nota-se claramente que Otto não define religião a partir de 
seus objetos ou características exteriores, mas como estados de 
consciência. Para ele, a religião não é sistema moral ou ético. A 
religião é sentimento de criatura diante daquilo que faz tremer e 
fascina. Podemos comparar o sagrado em Otto com um abismo: 
ao chegarmos à beira de um abismohá algo que nos causa temor, 
mas que também nos fascina. É este sentimento que constitui o 
essencialmente religioso para Otto (OTTO, 2007, p.44ss). Esta in-
terpretação de Otto serviu de paradigma para muitos estudos so-
165© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
bre a religião no século 20, reconhecendo à religião uma dignidade 
própria nos estudos filosóficos. Aliás, muito do que se denomina 
ciências da religião funda-se nas concepções de Otto.
Existencialismo
Na esteira da fenomenologia, aparece o existencialismo. 
Ainda que nunca tenha reconhecido esse título, Martin Heidegger 
(1889-1976) mostra-se como determinante para esta importante 
filosofia do século 20. Outro nome importante é Jean-Paul Sartre 
(1905-1980). O lema básico do existencialismo é: a existência pre-
cede a essência. 
No pensamento filosófico tradicional, conhecer alguma coi-
sa é determinar sua essência. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Se aponto para um objeto e lhe pergunto o que ele é, você me responderá: uma 
mesa. Para me descrever o que é este objeto, você diz características que fazem 
com que este objeto seja uma mesa, ou seja, você me diz as características 
essenciais deste objeto. 
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Segundo os existencialistas, o ser do homem é a existência. 
Isto é, diferentemente de um objeto, o ser humano é processo. Não 
é algo definido ou mesmo pré-determinado. Imaginemos o seguin-
te exemplo. Antes de construir uma mesa, o marceneiro imagina 
como ela será. Somente depois de já ter tido a ideia de como será 
essa mesa, ele pega o martelo, o formão, a madeira e começa a 
construí-la. Este objeto, depois de construído, não poderá ser ou 
servir para outra coisa senão para a função para a qual foi construí-
do. O ser humano, por sua vez, não pode ser pré-determinado. Ele, 
diferentemente da mesa na cabeça do marceneiro, não tem nada 
que o pré-determine. Para o existencialismo, não há nada como 
natureza humana, que já nos pré-determine. Por meio de nossa 
existência (de nossas decisões), vamos nos tornando o que somos. 
Esta ênfase do existencialismo se mostra como resposta ao impé-
rio da técnica no século 20. Diante da transformação de tudo em 
objeto, busca-se afirmar aquilo que peculiar ao ser humano.
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166
Se você não teve filhos, converse com uma mulher grávida 
ou com pessoas que tiveram filhos recentemente. Por mais que 
se faça planos para os filhos, ou mesmo que se manifeste a prefe-
rência para que eles sejam de um jeito ou de outro, não há garan-
tias de que eles serão como os pais desejam. Em outras palavras, 
este ser humano é pura liberdade. Ele se faz, podendo-se tornar o 
que quiser. Este ser humano se faz por meio de suas escolhas. Ao 
contrário do que pode parecer, o ser humano não quer assumir 
essa liberdade que o constitui. É muito mais fácil fazer o que todos 
fazem, viver como todos vivem ou sempre achar alguma desculpa 
para nossas escolhas. Não queremos assumir a responsabilidade 
de que nós nos fazemos. Isto é, não queremos assumir a liberdade 
que nos faz humanos. Assim, muitas pessoas colocam a responsa-
bilidade de suas decisões em Deus, em algum trauma do passado, 
nos pais, no marido, na esposa etc. como forma de não assumir 
sua liberdade. É mais difícil do que parece assumir a minha exis-
tência como minha; as minhas decisões, como minhas decisões. É 
sempre mais fácil atribuí-las a outras pessoas.
Os existencialistas reconhecem que a liberdade sempre se 
exerce em contexto. Há certos episódios de nossa vida que não 
escolhemos. Eu não escolhi nascer numa determinada cidade, em 
certa família que pertence a uma religião específica etc. Para os 
existencialistas, é somente porque há essas determinações que há 
liberdade. Esta é compreendia como luta contra as determinações 
que sempre querem nos transformar em objetos, não reconhecen-
do nossa liberdade. 
Entre os existencialistas há aqueles considerados ateus (Sar-
tre e Heidegger) e os considerados cristãos (Karl Jaspers e Gabriel 
Marcel). K. Jaspers (1883-1969) é tradicionalmente conhecido 
como filósofo existencialista cristão e defensor do que denominou 
fé filosófica. Segundo Jaspers, a fé que surge da reflexão filosófica 
não tem como objeto proposições gerais ou verdades objetivas. 
Assim, Jaspers cunha o termo Existenz. Essa categoria não deve 
167© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
ser captada dentro dos limites da finitude, mas pressupõe o salto 
em direção à transcendência, na qual se experimenta a liberdade 
dos limites da imanência. Este salto é afirmado na fé filosófica, que 
nunca é segura de si e sempre procura se elucidar. Jaspers (1955, 
p. 64) define Existenz como: “O fundamento escuro do eu, o es-
conderijo do qual eu saio para me encontrar comigo, e para o qual 
a transcendência se faz real pela primeira vez”.
Para Jaspers, a morte se apresenta ao ser humano como si-
tuação limite. Neste contexto, na sua experiência mais radical, é 
revelada ao ser humano a presença da transcendência que nos im-
pele a sair de nós mesmos e ir em direção a ela. Assim, “admitir 
nossa finitude, em vez de nos desesperarmos com ela, é ter certeza 
desta realidade” (HUISMAN, 2001, p. 74). 
Erich Dinkler caracteriza Jaspers como: 
Um protestante liberal extremo que, preocupado com Jesus 
como um tipo de humanidade falha, usa-o para apoiar sua fé 
filosófica(DINKLER, p.115). 
Este liberalismo de Jaspers, no entanto, deve ser diferencia-
do da ortodoxia e do secularismo. Segundo ele, a ortodoxia im-
põe o que não deve e o que deve ser crido e o secularismo tira 
do ser humano a dimensão do sagrado. O liberalismo, como com-
preende, afirma o elemento sagrado sem, no entanto, afirmar o 
que deve ser crido. O liberalismo, definido por Jaspers, não está 
intimamente ligado com o iluminismo. Para Jaspers, o liberalismo 
nunca se satisfaz ou pensa que sua tarefa está completa. A reflexão 
é processo continuado, nunca completo. 
No interior da própria modernidade, pois, já aparecem algu-
mas vozes a fim de mostrar os problemas e limites da afirmação 
da centralidade do sujeito (antropocentrismo). Em suma, o ser hu-
mano não é somente razão que tudo controla, mas está submetido 
a forças que nem sempre pode controlar ou compreender, sejam 
seus impulsos ou mesmo a história da própria humanidade.
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168
OntOLOGiA DA AtuALiDADE9. 
Os traumas evidenciados na modernidade foram ainda mais 
intensificados no decorrer do século 20. As duas guerras mundiais 
mostraram a impotência da modernidade em cumprir as promes-
sas da razão, por acreditar que, apenas por intermédio da razão, o 
ser humano poderia ter completo domínio sobre si próprio e sobre 
a natureza.
No entanto, o século 20 mostrou que a razão intensificada 
pode conduzir a resultados opostos. A completa racionalização da 
vida leva à irracionalidade. Esse aspecto é ilustrado pelo fato de 
que o desenvolvimento tecnológico, ao invés de promover o que 
prometera, ou seja, a construção e a consolidação de uma socie-
dade ética e justa, revela-se como fonte de destruição: os aviões, 
as bombas, o uso da propaganda por governos totalitários e inú-
meros outros empregos da tecnologia e da razão para destruição, 
acabaram por evidenciar que o uso irrestrito da razão era também 
um mito. Como Nietzsche já havia indicado, a razão é apenas mais 
um modo de se interpretar a realidade. A pretensão de abarcá-la 
como se fosse o todo, dizendo ser a verdade última sobre todas as 
coisas, não mais se sustenta. 
As consequências da confiança cega na razão foram imensas 
para o pensamento filosófico. No entanto, o problema mais com-
plexo que, de certo modo, permeia todos os grandes pensadores 
do século 20, passa pela tentativa de superar a dualidade entre 
posicionamentos absolutistas e relativistas. 
Como observamos nas unidadesanteriores, o pensamento 
filosófico nasce com a pretensão de construir explicações univer-
sais sobre o mundo. Na modernidade, essa finalidade se torna ain-
da mais evidente, na busca de certezas pautadas na razão humana, 
que também se colocava como sendo de caráter universal. 
Quando Descartes chega ao “eu penso” (Cogito) como fun-
damento da racionalidade humana, ele o concebe como afirmação 
169© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
válida em todos os tempos e em todos os lugares, demonstrando 
forte pretensão em afirmá-la como universal. Inclusive, essa con-
cepção de universalidade serviu muitas vezes para justificar em-
preitadas expansionistas. Em outros momentos, a violência era 
justificada na afirmação de que a Europa representaria o ápice do 
desenvolvimento humano, tendo por função levar a civilização a 
outros lugares. No entanto, os golpes sofridos pelo sujeito (e tudo 
que daí decorria) mostraram que a Europa não é o centro da his-
tória, e que sua concepção de sujeito é apenas uma representação 
entre outras, não havendo nada que justifique a concepção de uni-
versalidade que se pretendia. 
Contudo, destacar os limites do uso cego da razão não sig-
nifica que podemos cair no outro extremo, o do relativismo, que 
como os gregos sabiam muito bem, também tem seus limites. O 
relativismo afirma que não é possível se chegar às verdades últi-
mas e, portanto, não há verdade absoluta: tudo é relativo ao con-
texto, aos interesses de determinados grupos ou sociedade, en-
fim, à história. 
O relativismo não se põe como solução para resolver o im-
passe da impossibilidade da afirmação de verdades absolutas, 
pois, caso tomemos o relativismo de modo extremo, incorremos 
em vários outros problemas. Exemplifiquemos: se digo “tudo é re-
lativo”, há nessa afirmação uma contradição. Se tudo é relativo, 
como posso sustentar que esta afirmação tem caráter absoluto? 
Se tudo é relativo, até mesmo esta constatação é relativa e, por-
tanto, há algo de absoluto. Para aceitar que tudo é relativo tenho 
de aceitar essa afirmação como sendo absoluta. Portanto, há sim 
uma verdade absoluta: aquela que diz que tudo é relativo. O rela-
tivismo traz consigo problemas éticos: se levado ao extremo, como 
podemos criticar a ação política de determinado governo? Para o 
relativista, a defesa da guerra é tão válida quanto a da paz. 
Se tudo é relativo, qual é o critério para que eu possa tomar 
uma decisão? O fato de se decidir por um regime democrático, 
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ao invés de uma ditadura, revela que há um critério que me faz 
crer que aquela forma de governo é melhor do que outra. Assim, o 
relativismo levado ao extremo também acarreta problemas éticos 
insuperáveis e, ele mesmo, revela-se insustentável.
Se por um lado os posicionamentos absolutistas demons-
tram-se insustentáveis e até mesmo violentos, por outro, o relati-
vismo não se mostra como saída. O dilema deve ser o de evitar os 
dois extremos e achar uma solução viável que motive grande parte 
do pensamento filosófico do século 20. 
As propostas de soluções para esse dilema são inúmeras. 
Vamos indicar apenas uma: para alguns filósofos, um encaminha-
mento para o problema seria fazer uma crítica da razão, mostran-
do como o ser humano é, antes de tudo, um ser histórico. 
A modernidade, ao defender sua concepção de ser humano, 
não tem argumentos suficientemente consistentes para convencer 
que ela seja realmente universal, mas representa um modo de se 
interpretar o homem mediante determinada tradição filosófica. 
Kant (2005), no já citado texto Resposta à pergunta: O que é 
“esclarecimento”? convida o ser humano a livrar-se dos seus pré-
conceitos, visto serem eles a fonte de erros. A saída da menorida-
de, entre outras coisas, implica nisto: negação de qualquer autori-
dade que venha a impor-se a mim; é necessário, pois, que eu tenha 
coragem de conduzir a razão por mim mesmo (autonomia), sem a 
interferência de uma autoridade externa (heteronomia). Ao con-
vidar o ser humano para que exerça sua autonomia, Kant (2005, 
p. 64) atribui à autoridade a culpa dos erros do conceito prévio. A 
tradição é, então, intimada a comparecer no tribunal da razão: 
A possibilidade de que a tradição seja verdade depende da credi-
bilidade que a razão lhe concede. Nós podemos sabê-lo melhor. 
Essa é a máxima geral com a qual o Aufklärung moderno enfrenta 
a tradição, e em virtude da qual acaba ele mesmo convertendo-se 
em investigação histórica (GADAMER, 1999, p. 410). 
171© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
Gadamer destaca a importância e impossibilidade de uma 
compreensão sem conceitos prévios, pois, “não é a história que 
pertence a nós, mas nós que a ela pertencemos” (GADAMER, 1999, 
p. 415). Já estamos imersos numa rede de mensagens enviadas 
pelo passado que determina toda forma de compreensão, de ma-
neira que o ideal da razão absoluta (totalmente “livre”) não é pos-
sível à realidade humana. A questão passa a ser não a possibilida-
de de um conhecimento livre de conceitos prévios, mas o critério 
que separa os conceitos prévios legítimos e ilegítimos. 
Busca-se encontrar na história uma solução intermediária 
entre posições absolutistas e relativistas. Estamos desde sempre 
imersos numa rede de significados que são construídos historica-
mente, pois interpretamos o mundo a partir dos modelos e senti-
dos que aprendemos da sociedade na qual vivemos. Essa posição 
não se torna relativista por indicar que possuímos uma fundamen-
tação: a tradição que herdamos. É preciso destacar que não se de-
fende uma simples aceitação normativa da tradição. Ela também 
deve e pode ser criticada e não simplesmente reproduzida. Uma 
frase do filósofo Jacques Derrida (1930-2004) expressa bem esse 
aspecto: “Meu desejo se parece com aquele de um apaixonado 
pela tradição que gostaria de se livrar do conservadorismo” (DER-
RIDA, 2004, p.13). 
Como se pode notar, a proposta de Derrida valoriza o diá-
logo. Se partimos sempre de uma tradição que é construída his-
toricamente, não há por que defender que alguém possua a ver-
dade última sobre as coisas. Outras tradições também possuem 
seu modo de interpretar o mundo e as coisas. Num mundo plural 
e diversificado como o nosso, essa proposta filosófica pretende 
oferecer condições para que não nos tornemos narcisistas indife-
rentes ou fundamentalistas. A maneira ocidental de interpretar o 
mundo é apenas uma entre outras. Não é a melhor e nem a pior, 
mas apenas mais uma que pode ser ouvida e que também pode 
aprender com outros paradigmas de interpretação.
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Dentre os diversos elementos que compõem a tradição oci-
dental, o elemento religioso se mostra como sendo importante. 
No final do século 20, com a falência das promessas da razão, no-
tou-se que a religião passa novamente a ocupar importante lugar 
na vida social e no discurso filosófico. 
O filósofo Gianni Vattimo (1936 - ) aponta algumas causas 
desse “retorno” à religião: a queda dos regimes socialistas no leste 
europeu, a preocupação com a sobrevivência e continuidade da 
vida na Terra, as recentes descobertas genéticas com a possibili-
dade de clonagem de outros seres humanos, o tédio provocado 
pelo consumismo e outros. No entanto, mais importante do que 
a pergunta se a religião retorna ou não, é questionar-se como ela 
se configura no mundo atual. Para Vattimo, no mundo atual a reli-
gião tem papel fundante, no entanto, não se pode ignorar o pen-
samento crítico e assumi-la como verdade última. Ela também é 
interpretação. 
Leitura Complementar ––––––––––––––––––––––––––––––––
Descartes
Gostaria, em primeiro lugar, de explicar o que é a filosofia, começando pelas coi-
sas mais simples, tais como: que esta palavra significa o estudo da sabedoria; e 
que, por sabedoria, não entendemos apenas a prudência nos negócios, mas um 
perfeito conhecimento de todas as coisasque o homem pode saber, tanto para 
a conservação de sua vida, quanto para a conservação de sua saúde e para a 
invenção de todas as artes; e para que este conhecimento seja tal, é necessá-
rio que ele seja deduzido das primeiras causas, de sorte que, para estudar e 
adquiri-lo - o que significa propriamente filosofar -, devemos começar pela busca 
das primeiras causas, isto é, dos princípios. Mas é preciso que estes princípios 
tenham duas condições: uma, que sejam tão claros e distintos que o espírito 
humano não possa duvidar de sua verdade quando se aplica, com atenção, a 
considerá-los; a outra, que seja deles que dependa o conhecimento das outras 
coisas, de sorte que eles possam ser conhecidos sem elas, mas não reciproca-
mente elas sem eles; depois disso, devemos tentar deduzir desses princípios 
o conhecimento das coisas que deles dependem (DESCARTES, Princípios de 
filosofia. Prefácio).
Nós viemos a saber deles por meio de nossa própria inteligência inata, sem ne-
nhuma experiência sensorial. Todas as verdades geométricas são deste tipo – 
não apenas as mais óbvias, mas todas as outras, por mais abstrusas que pos-
sam parecer. Por isso, segundo Platão, Sócrates pergunta a um jovem escravo 
sobre os elementos da geometria e assim faz do garoto apto para desenterrar 
certas verdades a partir de sua própria mente que ele não havia reconhecido que 
173© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
estavam lá, a fim de estabelecer a doutrina da reminiscência. Nosso conheci-
mento de Deus é deste tipo (DESCARTES, Carta de 1643).
Mas a ordem que nisto segui foi esta: primeiramente, procurei encontrar, de 
modo geral, os princípios e as causas primordiais de tudo o que existe ou pode 
existir no mundo, limitando-me, para este fim, a considerar apenas Deus que os 
criou, e a só tirá-los de certas sementes de verdade que existem naturalmente 
em nossas almas (DISCURSO DO MÉTODO, Parte VI, p.71).
A mente da criança tem em si as idéias de Deus, de si própria e de todas as ver-
dades ditas imediatamente evidentes, do mesmo modo que os seres humanos 
adultos têm tais idéias quando não as estão considerando; não as adquire mais 
tarde quando cresce. Não tenho dúvidas de que, se libertada da prisão do corpo, 
encontrá-las dentro de si (DESCARTES, Carta de 1641).
Estando habituado, em todas as outras coisas, a fazer a distinção entre existên-
cia e essência, persuado-me facilmente de que a existência pode ser separada 
da essência de Deus e que, assim, se possa conceber Deus como não existindo 
atualmente. Todavia, quando penso nisso com mais atenção, verifico claramente 
que a existência não pode ser separada da essência de Deus, assim como da 
essência de um triângulo retilíneo não pode ser separada a grandeza de seus 
três ângulos iguais a dois retos ou, da idéia de uma montanha, a idéia de um 
vale; de maneira que não há menos repugnância em conceber um Deus (isto é 
um ser soberanamente perfeito) ao qual falta a existência (isto é, ao qual falta 
alguma perfeição) do que em conceber uma montanha que não tenha vale (ME-
DITAÇÕES METAFÍSICAS, 5ª. meditação).
Kant
Esclarecimento [<Aufklärung>] é a saída do homem de sua menoridade, da qual 
ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu enten-
dimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa 
menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na 
falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. 
Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o 
lema do esclarecimento [<Aufklärung>].
A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos 
homens, depois que a natureza há muito os libertou de uma direção estranha, 
continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São tam-
bém as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam 
em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes 
de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um 
médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso 
esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso sim-
plesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagra-
dáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera 
a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, porque aqueles tutores 
de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primei-
ramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas 
tranqüilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para 
aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes, em seguida, o perigo 
que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é 
tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de algumas 
quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá-
lo em geral para não fazer outras tentativas no futuro. É difícil, portanto, para 
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174
um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou 
quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente 
incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a 
tentativa de assim proceder. Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos 
do uso racional, ou, antes, do abuso de seus dons naturais, são os grilhões de 
uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um 
salto inseguro mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a 
este movimento livre. Por isso são muito poucos aqueles que conseguiram, pela 
transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender então 
uma marcha segura.
Que, porém, um público se esclareça [<aufkläre>] a si mesmo é perfeitamente 
possível; mais que isso, se lhe for dada a liberdade, é quase inevitável. Pois, 
encontrar-se-ão sempre alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até 
entre os tutores estabelecidos da grande massa, que, depois de terem sacudido 
de si mesmos o jugo da menoridade, espalharão em redor de si o espírito de 
uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem em pensar 
por si mesmo. O interessante nesse caso é que o público, que anteriormente foi 
conduzido por eles a este jugo, obriga-os daí em diante a permanecer sob ele, 
quando é levado a se rebelar por alguns de seus tutores que, eles mesmos, são 
incapazes de qualquer esclarecimento [<Aufklärung>]. Vê-se assim como é pre-
judicial plantar preconceitos, porque terminam por se vingar daqueles que foram 
seus autores ou predecessores destes. Por isso, um público só muito lentamente 
pode chegar ao esclarecimento [<Aufklärung>]. Uma revolução poderá talvez 
realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de do-
mínios, porém nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar. Apenas 
novos preconceitos, assim como os velhos, servirão como cintas para conduzir a 
grande massa destituída de pensamento.
KANT, I. “Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?”. 
A nossa época é a época da crítica, à qual tudo tem que submeter-se. A religião, 
pela sua santidade e a legislação, pela sua majestade, querem igualmente sub-
trair-se a ela. Mas então suscitam contra elas justificadas suspeitas e não podem 
aspirar ao sincero respeito, que a razão só concede a quem pode sustentar o seu 
livre e público exame (KANT, I. Crítica da razão pura. AXII).
Nietzsche
O homem louco – Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã 
acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: 
‘Procuro Deus! Procuro Deus!’? – E como lá se encontrassem muitos daqueles 
que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então 
ele está perdido? Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? Disse 
um outro. Estáse escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? 
Emigrou? – gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para 
o meio deles e trespassou-os com seu olhar. ‘Para onde foi Deus?’, gritou ele, 
‘já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas 
como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos 
deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do 
seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para trás, 
para os lados, para a frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e 
‘em baixo’? Não vagamos como que através de um anda infinito? Não sentimos 
na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele ainda mais frio? Não anoitece eter-
namente? Não temos que acender lanternas de manhã? Não ouvimos o barulho 
175© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – 
também os deuses apodreceram! Como nos consolar, a nós, assassinos entre 
os assassinos? O mais forte e o mais sagrado que o mundo até então possuíra 
sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará esse sangue? Com 
que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados te-
remos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? 
Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer digno 
dele? Nunca houve um ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá, por 
causa deste ato, a uma história mais elevada que toda a história até então!’ Nes-
se momento silenciou o homem louco, e novamente olhou para seus ouvintes: 
também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele. ‘Eu venho cedo 
demais’, disse então, ‘não é ainda meu tempo. Esse acontecimento enorme está 
a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens. O corisco e 
o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo 
depois de feitos, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos. Esse ato ainda 
lhes é mais distante que a mais longínqua constelação – e, no entanto, eles o 
cometeram!’ – conta-se também que no mesmo dia o homem louco irrompeu em 
várias igrejas, e em cada uma entoou o seu Requiem aeternam deo. Levado para 
fora e interrogado, limitava-se a responder: ‘O que são ainda essas igrejas, se 
não os mausoléus e túmulos de Deus’? (NIETZSCHE, Gaia ciência, §125). 
Em toda a psicologia do “Evangelho”, falta o conceito de culpa e de castigo; igual-
mente o conceito de recompensa. O “pecado”, toda a relação de distância entre 
Deus e o homem, é suprimido - é essa justamente a “Boa Nova”. A beatitude não 
está prometida, não se encontra vinculada a condições: é a única realidade - o 
resto é sinal para dela se falar [... ]
As consequências de um tal estado projectam-se numa prática nova, a prática 
genuinamente evangélica. Não é a “fé” que distingue o cristão: o cristão age, 
distingue-se par um agir diferente. Ao que é mau para com ele não oferece re-
sistência nem por palavras em no coração. Não faz distinção alguma entre o 
estrangeiro e o indígena, entre o judeu e o não judeu (o “próximo’” em rigor o 
correligionário na fé, o judeu). Não se aborrece com ninguém, a ninguém menos-
preza. Não se deixa ver nos tribunais, nem faz reivindicações (“não jurar”). Em 
nenhum caso se separa da esposa, nem sequer também em caso de adultério 
comprovado desta última. Tudo isto é, no fundo, um princípio, tudo é consequên-
cia de um instinto. A vida do Salvador nada mais foi do que esta pratica – a sua 
morte também não foi diferente... Ele já não tinha necessidade nem de fórmulas, 
nem de ritos, para a sua comunhão com Deus – nem sequer da oração. Acabou 
com toda a doutrina judaica da penitência e da reconciliação; sabe que só com a 
prática da vida é que alguém se sente ‘divino’, ‘bem-aventurado’, ‘evangélico’, e 
a cada momento um ‘Filho de Deus’. A ‘penitência’ e a ‘oração pelo perdão’ não 
são caminhos para ‘Deus’. Só a prática evangélica leva a Deus, ela é justamente 
‘Deus’(NIETZSCHE. O antiCristo. #33).
Volto atrás, e vou contar a autêntica história do Cristianismo. Já a palavra “Cris-
tianismo” é um equívoco - no fundo, existiu apenas um único cristão, e esse 
morreu na cruz. O ‘Evangelho” morreu na cruz. O que desde esse instante se 
chamou “Evangelho” era já o contrário do que Cristo vivera: uma “má nova”, um 
dysangelium. É falos até ao contra-senso ver numa “fé”, por exemplo, a fé na 
salvação por Cristo, a insígnia do cristão: unicamente a prática cristã, uma vida 
com a viveu aquele que morreu na cruz, tem algo de cristão... Hoje, uma tal vida 
é ainda possível e até necessária para certos homens: o Cristianismo autêntico, 
originário, será possível em todas as épocas ... Não uma fé, mas uma acção, 
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176
uma não fazer certas coisas, sobretudo um diferente ser.... Estados de consciên-
cia, uma fé qualquer, um ter algo por verdadeiro, por exemplo – todo psicólogo 
sabe isso -, são de todo indiferentes e de quinta classe perante o valor dos ins-
tintos: em termos mais estritos, todo o conceito de causalidade espiritual é falso. 
Reduzir o ser-cristão, a cristianidade a um ter por verdadeiro, a uma simples 
fenomenalidade de consciência significa negar a cristianidade. De facto, nunca 
houve cristão algum. O “cristão”, o que desde há dois mil anos se chama cristão, 
é unicamente uma auto-incompreensão psicológica. Se indagarmos com maior 
rigor, dominavam nele, apesar de toda a “fé”, apenas os instintos. E que instintos! 
A “fé” foi, em todas as épocas, por exemplo, em Lutero, apenas uma capa, um 
pretexto, um véu, por trás o qual os instintos realizavam o seu jogo – uma sagaz 
cegueira perante a dominação de certos instintos... A “fé” – já lhe chamei a genu-
ína sagacidade cristã. Falou-se sempre de “fé”, mas agiu-se sempre apenas por 
instinto ... (NIETZSCHE. O antiCristo. #39).
Vattimo
Em vez de se apresentar como um defensor da sacralidade e intangibilidade dos 
‘Valores’, o cristão deveria actuar como um anarquista não violento, como um 
desconstructor irônico das pretensões das ordens históricas, guiado não pela 
procura de uma maior comodidade para si, mas pelo princípio da caridade em 
relação aos outros (VATTIMO, 1998. p. 94).
Deus morreu tem em Nietzsche um sentido muito mais literal do que quanto 
em geral se pode acreditar; não é a enunciação metafísica de que Deus “não 
existe”, uma vez que esta pretenderia ainda referir-se a uma estrutura estável 
da realidade, a uma ordem do ser, que "o verdadeiro existir” de Deus na história 
do pensamento; pelo contrário, é a constatação de um acontecimento, graças ao 
qual o ser já não necessita de ser pensado como dotado de estruturas estáveis 
e, em definitivo, de fundamento.
As aventuras da diferença. O que significa pensar depois de Heidegger e Nietzs-
che ( Lisboa: Edições 70, p. 167).
Poderíamos dizer, portanto, que os objetos de nossa experiência se dão somente 
dentro de um horizonte e que este horizonte, como uma luz que faz com que as 
coisas apareçam, não é, por sua vez, objetivamente visível. Se podemos falar de 
um ser, devemos pensá-lo antes como este horizonte e como esta luz, mais do 
que como a estrutura geral dos objetos. Não sendo objeto, porém, o ser também 
não tem aquela estabilidade que a tradição metafísica lhe quis atribuir. Tal é o 
evento do ser no duplo sentido do genitivo: o horizonte é abertura que pertence 
ao ser, mas também é aquilo ao qual o ser pertence; não há o ser estável, eterno, 
etc., pois o ser é somente aquele que, vez por outra, acontece no seu evento. 
Entendido o ser como evento, a tarefa do pensamento é, segundo Heidegger, 
aquela de rememorar a sua história: Denken é para ele Andenken. E isto não 
porque, ainda dentro de uma perspectiva de espelhamento objetivo, seja ne-
cessário conhecer o ser histórico na sua totalidade – como, no fundo, pensava 
Hegel. Trata-se, antes, de ‘saltar no abismo liberatórioda tradição’- um salto 
que só é liberatório porque sacode a pretensão da ordem atual do ente de valer 
como a única e eterna ordem objetiva do ser enquanto tal. O salto não nos dá 
um conhecimento mais verdadeiro e completo daquilo que o ser objetivamente 
é; diz-nos apenas que o ser não é nada de objetivo ou estável, desvenda-o para 
nós como evento no qual estamos sempre, na qualidade de intérpretes, envol-
vidos e de alguma forma ‘em caminho’ (o ser e nós). Aquele que propus chamar 
de ‘pensamento fraco’ insiste neste aspecto da rememoração heideggeriana: o 
177© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
salto no abismo da tradição é sempre, também, um enfraquecimento do ser, já 
que sacode as pretensões de peremptoriedade com as quais sempre se apre-
sentam as estruturas ontológicas da metafísica. No salto, por outro lado, não se 
reconhece o ser como evento em termos abstratos (...). O evento é o evento que 
acontece para nós hoje, aqui. Assim, o enfraquecimento do ser, que se produz 
quando este se desvenda no salto como evento, é também, inseparavelmente, 
um enfraquecimento, como sentido e fio condutor histórico, da tradição dentro da 
qual saltamos (VATTIMO, 2004. p. 31-33).
Se existe natureza verdadeira das coisas, há também sempre uma autoridade 
– o papa, o partido, o cientista ‘objetivo’, etc. – que a conhece melhor do que 
eu e que pode impô-la também contra a minha vontade. Para que serve insistir 
na objetividade e na realidade do verdadeiro senão para garantir autoridade a 
alguém? (VATTIMO, 2004, p. 30)
[...] Ninguém começaria a querer constatar os fatos só pelo amor da constatação 
dos fatos, e esta é a velha história que sempre tentaram nos vender: ‘a ciência 
é objetiva!’. Entre outras coisas, depois, quando essa ciência reivindica o direito 
de conhecer – independendo das leis sociais, da política, da economia, etc. – se 
torna opressora, porque pode chegar inclusive a fazer certas coisas que a ne-
nhum de nós interessa que sejam feitas. Existe todo um conjunto de coisas que 
dependem desta reflexão sobre o caráter interpretativo, interessado, envolvido 
da verdade, que finalmente deveria nos ajudar, por exemplo, a sair de um mundo 
de violência. As verdades objetivas são, tendencialmente, violentas (VATTIMO, 
2006, p.88).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
QuEstõEs AutOAvALiAtivAs10. 
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às 
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para 
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder 
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para 
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma 
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação 
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas 
de curso suas descobertas.
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar 
seu desempenho no estudo desta unidade:
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178
Em que sentido Descartes proclamou a autonomia do 1) 
sujeito?
Como a autonomia do sujeito aparece em Kant?2) 
“É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as 3) 
vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que 
por mim tem consciência, um médico que por mim de-
cide a respeito de minha dieta etc., então não preciso 
esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pen-
sar, quando posso simplesmente pagar; outros se en-
carregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis”. 
Estas palavras de Kant ainda são válidas para hoje? Quais 
exemplos podem ser citados para corroborar seu ponto 
de vista?
Quais foram os principais argumentos contrários à au-4) 
tonomia do sujeito? Em que medida eles se constituem 
como crítica da modernidade?
Qual o lugar ocupado pela religião no pensamento filo-5) 
sófico moderno? Podemos dizer que esta é a situação 
ainda hoje?
Qual filósofo lhe pareceu mais coerente? Justifique sua 6) 
resposta.
Em relação a qual dos filósofos estudados você mais tem 7) 
discordâncias? Justifique sua resposta.
COnsiDErAçõEs11. 
Nessa unidade, buscamos abordar o desenvolvimento do 
pensamento filosófico na modernidade e as críticas que tem sofri-
do nos últimos tempos. Esse período é um claro exemplo de como 
o pensamento filosófico tem importância na compreensão do 
mundo em que vivemos, bem como ele determina o modo como 
concebemos muitas coisas. 
Podemos notar, por exemplo, como a concepção de ciência 
sustentada por Galileu acaba por influenciar até os dias atuais no 
modo como entendemos a ciência, com todos os problemas de-
correntes. A ênfase no sujeito e na razão humana também se ma-
179© A autonomia do Sujeito: A filosofia na Modernidade e sua Crítica
nifesta claramente na crença ainda vigente de que o ser humano 
pode ter o controle sobre tudo e sobre todos. Ele se coloca como 
exterior e superior à natureza, que é vista apenas como objeto a 
ser explorado e dominado. 
De certo modo, essas características podem nos auxiliar a 
compreender as questões atuais. A partir do momento em que o 
ser humano não se concebe mais como parte da natureza e sim 
como seu mestre, com direitos de explorá-la tendo em vista seu 
próprio benefício, põe-se em marcha uma exploração inconse-
quente de todos os recursos. Esse simples exemplo nos ilustra a 
importância da filosofia para se compreender os problemas atu-
ais. Eles não são passíveis de soluções meramente administrativas, 
mas antes, pressupõem soluções que nos fazem retornar à história 
do pensamento humano, a fim de compreender porque, como e 
onde chegamos. Aqui a filosofia se aproxima da vida, revelando-se 
como postura crítica.
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