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introdução 7 LIÇÃO 1 Qual é o Sentido da Vida? Estudando juntos Certa vez, um jornalista perguntou ao cineasta Woody Allen se ele tinha medo de morrer. De um jeito irônico, como lhe era de costume, ele respondeu curta e objetivamente: “Eu não tenho medo de morrer. Só não quero estar lá quando isso acontecer.” Você consegue imaginar um mundo onde as pessoas nunca envelhecem ou morrem? Um lugar em que seja possível escolher parar de envelhecer aos 25 anos e viver o tempo que desejarmos? E se isso fosse possível e pudéssemos atingir 100, 200 ou 10 mil anos de idade, com o físico e a energia dos 25? Por quanto tempo você escolheria viver assim? Existe sentido na vida? Hoje vamos refletir um pouco neste tema. Uma pesquisa feita nos Estados Unidos perguntou a 2 mil cidadãos americanos: “Se você tivesse opção, por quanto tempo gostaria de viver?” A resposta foi surpreendente. A maioria não gostaria de viver para sempre, e os que aceitariam ampliar sua vida em 100, 500 ou 10 mil anos fizeram ressalvas do tipo: “Desde que eu não veja o fim do mundo”, “Desde que não me separe das pessoas que amo” ou “Desde que eu não experimente viver num asilo”.1 Normalmente, pessoas de sã consciência não querem morrer, mas também não querem viver apenas por viver. É triste, parafraseando o cantor Jim Morrison, saber que “o futuro é incerto, e o fim está sempre perto”. Como você responderia a essa pesquisa? Vamos pensar e estudar esse assunto juntos? Em busca de propósito e sentido para a vida Precisamos ter um propósito, um elemento pelo qual valha a pena viver; senão, para que lutar pela vida? É costume contar entre os filósofos a seguinte parábola: Havia um astronauta, abandonado em um asteroide rochoso e estéril no espaço sideral. Ele tinha consigo duas ampolas, uma com veneno e outra com uma poção que o faria viver para sempre. Compreendendo sua situação terrível, com um único gole, bebeu o veneno. Depois, para seu horror, descobriu que tomara a ampola errada: havia bebido a poção da imortalidade, o que significava que estava condenado a existir para sempre, numa vida sem sentido e sem fim. Pergunta Como você explicaria o horror que se abateu sobre o astronauta? O que torna a imortalidade menos atrativa e até mesmo desesperadora nessa parábola? Introdução VIDEOAULA 8 O taxista e o filósofo Um taxista pegou certa vez o poeta T. S. Eliot e perguntou: – Para onde devo levá-lo, senhor Eliot? O famoso poeta ficou curioso para saber como o taxista lhe reconhecera. – Tenho um faro para descobrir pessoas famosas que entram no meu taxi – disse o motorista. – Outro dia apanhei o filósofo Bertrand Russell. – E como você sabia que era ele? – perguntou Eliot. – Ah, foi simples. Perguntei qual era o sentido da vida, e ele simplesmente não soube responder. Ao retirar Deus e a fé do cenário filosófico, Russell foi coerente com seu ceticismo. Baseando-se na ideia de que não há Deus, ressurreição nem qualquer uma das promessas apresentadas na Bíblia, ele concluiu que o ser humano “era o produto de causas que não tinham previsão do fim que estavam alcançando; que sua origem, crescimento, esperança e medos, amores e crenças são apenas o resultado de colocações acidentais de átomos; que nenhum fogo, heroísmo, intensidade de pensamento e sentimento pode preservar uma vida individual além do túmulo.”2 Em poucas palavras, Russell admitiu que, sem os “sapatos da fé”, ficamos existencialmente vazios de significado. Não são poucos os acadêmicos que enveredam por esse caminho, ainda que de modo inconsciente. Em 2012, o filósofo John G. Messerly publicou um livro sobre o sentido da vida. Nele, Messerly relacionou cerca de 100 pensadores que tinham algo a dizer sobre o significado da vida. Ele mesmo concluiu ao fim de sua compilação: “[…] apesar de nossos melhores esforços, não encontramos tudo o que procurávamos. Não podemos apagar todas as nossas dúvidas; não podemos aliviar todos os nossos medos. No fim, não temos garantias; e o abismo, por mais que desejássemos o contrário, sempre nos acompanha. Navegamos no limiar entre a luz eterna e a escuridão infinita. Estamos à deriva e precisamos salvar a nós mesmos.”3 Essa é uma conclusão audaciosa e surpreendente, feita por um doutor em Filosofia. Como não há nada mais além disso, o jeito é, segundo essa lógica, gastar os dias da melhor forma que pudermos, com prazer e alegria, porque a qualquer momento deixaremos de existir. Bertrand Russell: filósofo, matemático e ganhador de um prêmio Nobel. Tornou-se um crítico ácido da fé e da religiosidade com seu livro Por Que Não Sou Cristão. Posteriormente, esse livro se tornou um best-seller do ateísmo moderno. Pergunta Como você avalia as conclusões de Messerly? Existiria alguma forma de aliviar seus medos e dúvidas sobre a existência? 9 O pensamento de Messerly parece refletir uma irônica expressão usada pelo apóstolo Paulo para responder aos que, em seu tempo, negavam a ressurreição e a transcendência da realidade: “Comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (1 Coríntios 15:32). Nesse verso, o autor bíblico citou uma tradução grega do profeta Isaías quando este descreveu a http s://p t.w ikip ed ia.o rg /w iki/B ertrand _R ussell# /m ed ia/Ficheiro :B ertrand _R ussell_transp arent_b g .p ng 11 A voz dos pensadores O sentido da vida, conforme afirmaram pesquisadores do Journal of Humanistic Psychology, é “desfrutá- la enquanto for possível”. Essa foi a conclusão a que chegaram após um grupo de psicólogos da Universidade do Arizona, Estados Unidos, analisarem cuidadosamente as palavras de 200 pensadores que vão de Oscar Wilde a Napoleão Bonaparte, passando por Freud e Bob Dylan. Na mesma onda de aproveitar a vida enquanto se pode, alguns assumem que ela de fato não tem sentido algum a não ser, talvez, aquele que cada um queira dar. Contudo, esse sentido é reconhecidamente subjetivo e dificilmente vale para todos (Schopenhauer, Nietzsche, Sartre e Kafka). Mais recentemente, porém, alguns, tentando fugir da acusação de niilistas, preferem evitar problemas ao dizer que o sentido da vida é um mistério (Dawkins, Hawking). O próprio Bertrand Russell, aos 95 anos e perto da morte, escreveu um novo ensaio de uma só página que, além de não ter título, ficou sem ser publicado por mais de 20 anos após sua morte, em 1970. Nele, o autor confessou: “Chegou a hora de rever minha vida como um todo e me perguntar se ela serviu a algum propósito útil ou se foi totalmente ocupada com futilidade. Infelizmente, nenhuma resposta é possível para quem não conhece o futuro.”4 Em outras palavras, o mesmo indivíduo que escreveu o livro definitivo sobre a história da filosofia ocidental, que foi retratado com o maior filósofo do século 20, terminou essencialmente dizendo que “nenhuma resposta é possível”. No entanto, como se tentasse conter todo esse negativismo, Russell continuou: “Há um artista preso em cada um de nós. Solte-o para espalhar alegria por toda parte.” O que ele queria dizer com isso? Que artista é esse que precisa ser solto? Talvez a resposta esteja numa declaração anterior que Russel fez em 1903: “Para viver uma vida com significado é preciso abandonar os interesses particulares e mesquinhos e cultivar um interesse no eterno.”5 Boa pergunta Agora é você quem faz as perguntas! Pare para pensar e formule as próprias perguntas sobre essa parte do estudo. Pergunta Mesmo sem nenhuma intenção religiosa, Russell terminou endossando o que já estava escrito na Bíblia há mais de 2.900 anos: “Deus fez tudo formoso no seu devido tempo. Também pôs a eternidade no coração do homem” (Eclesiastes 3:11). Você já parou para pensar no sentido da vida? O que nosso instinto por eternidade e significadolhe diz sobre isso? Que tal atendermos ao conselho bíblico e de Russell e começarmos a cultivar um interesse pelas coisas eternas? Talvez, ao cultivar esse interesse, nossa vida comece a encontrar significado. Queremos ter certezas e não dúvidas. Embora nem sempre querer signifique “poder”, é lógico argumentar que essas inclinações psíquicas nos revelam algo, e não podemos fechar os olhos para o que elas estão nos dizendo. Pássaros nascem migrando para o sul, e tartarugas marinhas correm para o mar. Seria ingênuo negar a existência do oceano e de um lugar chamado sul apenas porque algumas tartarugas e aves migratórias ficaram circunstancialmente confinadas num plano em que não podiam ver nem experimentar o objeto de seu instinto. Qual é sua decisão diante de tudo isso? Lembre-se: quem adia decisões importantes arrisca que seu destino seja decidido por circunstâncias aleatórias. Não se esqueça de que ser dirigido pela aleatoriedade é como se deixar guiar entre armadilhas fatais por um guia não confiável, completamente às cegas. Pense nisso! 10 Sentimento contraditório 1 “Do You Want to Live Forever?”, Lifetime Daily, disponível em <https://www.lifetimedaily. com/want-live-forever/>, acesso em 14 de maio de 2020. 2 Bertrand Russell, “A Free Man Worship”, ensaio Publicado em 1903. Facsímile disponível em <http://bertrandrussellsocietylibrary.org/br-pe/br-pe-ch2.html>, acesso em 14 de maio de 2020. 3 John G. Messerly, The Meaning of Life: Religious, Philosophical, Transhumanist, and Scientific Perspectives (Washington: Durant & Russell, 2012), p. 334. 4 Bertrand Russell, citado por Messerly, p. 335. 5 Russell, citado por Messerly, p. 335, itálico acrescentado. imprudente autoindulgência das pessoas que desprezavam a transcendência, limitando sua história à vida neste mundo: “Vamos apreciar as coisas boas da vida agora, pois logo terminará” (Isaías 22:13). Paulo imitou ironicamente a linguagem desses céticos a fim de reprovar sua teoria e prática. Em outras palavras, se as pessoas se convencerem de que tudo se resume a morrer como animais e plantas, em breve passarão a viver como tais. Referências Conclusão O falecido professor Júlio Schwantes, doutor pela Universidade Johns Hopkins, narrou certa vez o triste fim de uma jovem universitária encontrada morta no campus onde estudava. A seu lado estava uma garrafa vazia de veneno e o livro E o Vento Levou. Dentro do livro havia uma nota que dizia: Sinto ter tido de fazê-lo, mas não posso mais enfrentar a vida. Quando cheguei à universidade, tinha fé em Deus e era feliz. Mas a universidade roubou-me a fé; não posso mais enfrentar a vida com suas perguntas não respondidas, perplexidades e incertezas. Quando me acharem, notifiquem meus pais e lhes digam que sinto muito por ter-lhes causado ainda essa dor. Gostaria que me enterrassem no cemitério debaixo dos pinheiros, cuja graça e beleza tantas vezes admirei, mas nunca pude alcançar.1 Nietzsche propunha que, rejeitando Deus, o ser humano poderia se livrar de valores que lhes são impostos por acreditar no Todo-Poderoso.2 É claro que, quando escreveu as palavras “Deus está morto”, Nietzsche não queria dizer que a entidade divina tinha deixado de existir, mas apenas questionar se ainda era razoável ter fé em Deus e basear nosso comportamento nisso.3 O próprio Nietzsche descreveu em termos romanceados a angústia generalizada que se seguiria à morte de Deus. A cena é retratada por meio de faculdade, e esse número pode ser ainda maior entre alunos das áreas relacionadas com a saúde.5 Isso não se trata de demonizar a universidade ou tirar seu mérito na progressão do espírito humano. Já dizia o grande educador Anísio Teixeira: “São as universidades que fazem hoje, com efeito, a vida marchar. Nada as substitui. Nada as dispensa. Nenhuma outra instituição Introdução Esse mesmo drama continua visivelmente presente na vida de muitos universitários. E não é somente a fé que é retirada de muitos jovens. Valores morais e emocionais também acabam indo embora no mesmo cortejo da morte de Deus anunciada por Nietzsche no fim do século 19. Estudando juntos um personagem louco que gritava pelas ruas previsões de pânico, horror e decepção. Assim, uma descida ao mais completo abismo foi encenada como possibilidade real. Nietzsche, porém, tentou ser otimista ao dizer, por meio de seu personagem, que a morte de Deus ofereceria a oportunidade de os seres humanos construírem uma nova “tabela de valores”, expressa numa nova paixão pela vida, na qual Deus não é necessário. Mais de 100 anos se passaram desde que Nietzsche escreveu essas palavras, e até hoje não saímos do abismo. A universidade onde muitos previram que haveria de começar o paraíso não tem tornado os jovens tão conectados com a realidade. Uma evidência disso é que o uso de substâncias psicoativas (SPA) lícitas (bebidas alcoólicas, tabaco, medicamentos com potencial de abuso) e ilícitas (cocaína, maconha, ecstasy, etc.) entre jovens universitários é o dobro da taxa da população em geral.4 Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior (ANDIFES), aproximadamente 15% dos universitários passam por períodos de depressão em algum ponto do curso, enquanto a média para jovens de até 25 anos fora da universidade fica em torno de 4%. Ou seja, jovens universitários têm de 3 a 4 vezes mais chances de se matar do que jovens fora da VIDEOAULA 13 LIÇÃO 2 Razão e Fé Combinam? 1514 é tão assombrosamente útil”.6 Contudo, se a “educação é o item mais importante na diminuição dos índices de suicídio”, como afirmou Edwin Shneidman, ateu e especialista em suicidologia, algo está errado com a educação universitária.7 Por alguma razão, o ambiente acadêmico está potencializando distúrbios em vez de resolvê-los. Teria o ateísmo metodológico algo a ver com tudo isso? No livro O Dicionário de Suicidas Ilustres, preparado pelo artista plástico J. Toledo, encontramos uma lista de suicidas famosos que inclui artistas, escritores, filósofos, médicos e psicanalistas – pessoas céticas, agnósticas e críticas da fé. O próprio J. Toledo, organizador da obra, cometeu suicídio. Mencionar esse exemplo não tem como objetivo difamar o autor nem os descrentes, muito menos tratar o tema do suicídio com insensibilidade. Quem o pratica por problemas emocionais é uma vítima, não um delinquente. Entretanto, não seria esse livro, somado a certas posturas intelectuais, um retrato de nossa juventude estudantil drogada, prostituída e potencialmente suicida? O valor da fé São muitas as pesquisas na área de saúde mental que demonstram empiricamente o valor da fé na vida do indivíduo, reduzindo a taxas bem baixas os índices de depressão, ansiedade, suicídio, automutilação e uso de substâncias nocivas.8 Pessoas religiosas tendem a ter melhor saúde mental do que as demais incluídas no grupo dos descrentes. Isso não significa que não haja neuroses entre religiosos ou que estes constituam um grupo moralmente superior aos demais. Os dados revelam tendências, não discriminações. Por outro lado, eles corrigem o senso comum de que os loucos estão nas igrejas; e os resolvidos, na academia. Desse modo, podemos dizer que não é uma boa ideia desacreditar a fé dos estudantes. Pergunta A Bíblia relata que, após o rei Davi cometer adultério e assassinato, ele escreveu poesias de arrependimento e reconciliação com Deus, como o Salmo 51. Davi conseguiu encontrar em Deus perdão e equilíbrio emocional. No Salmo 32:3 chegou a declarar: “Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia.” Você consegue compreender nas entrelinhas desse verso a relação entre fé e estabilidade emocional? Explique sua opinião. Fé e ciência combinam? Antesde prosseguir com a leitura, pense um pouco na pergunta a seguir. Pergunta Um jovem que aspira ao mundo da intelectualidade teria necessariamente que renunciar à fé para ser coerente com suas pesquisas? O que você acha? O conceito moderno de universidade surgiu das antigas escolas religiosas da Idade Média. Essas instituições eram chamadas de universitas, termo latino que remete ao coletivo de seres ou a coisas que constituem um todo. Foi daí que se originou o significado primitivo da palavra “universidade” no século 13. Esse termo era usado para se referir ao conjunto de mestres e estudantes reunidos na mesma escola pelos mesmos interesses culturais.9 Com o passar do tempo, entre conflitos locais, expansões econômicas, nascimento do protestantismo e a Revolução Francesa, a universidade foi se distanciando do poder eclesiástico. Era um processo natural, na medida em que o mundo, especialmente as mentes pensantes, estava cansado dos mandos e desmandos em nome de Deus. O surgimento das universidades na Europa possibilitou a disseminação do pensamento crítico que acabaria por desencadear o Renascimento e, posteriormente, o Iluminismo. Quem estava à frente disso? Os chamados livres-pensadores – embora esse termo, a rigor, pertença ao período moderno. Seu objetivo era propagar uma liberdade de pensamento sem as correntes do despotismo feudal, monárquico e eclesiástico. O resultado foi a formação de um movimento completamente anárquico, cético e antirreligioso. Como definiu Paulo Bitencourt, autor do livro Liberto da Religião: O Inestimável Prazer de Ser um Livre-Pensador: O livre pensamento é o oposto do pensamento dogmático. Logo, nada pode ser mais incompatível com o livre pensamento do que crenças religiosas, pois em nada há mais dogmatismo que na religião. […] Só livres-pensadores são pessoas verdadeiramente racionais. Seu ceticismo não as deixa ser engodadas por nenhuma ideologia. Não acreditando em coisa alguma desprovida de evidências, livres-pensadores são imunes também a todo e qualquer tipo de superstição.10 Será que o autor está certo em suas afirmações? Os dados oferecidos acima, sobre o valor da fé, não condizem com essa visão triunfalista. Há muitos problemas psicológicos e emocionais no universo da incredulidade. E se os números podem nos mostrar alguma coisa, o que dizer dos dados apresentados no livro de Baruch Shalev sobre os mais de 100 anos do prêmio Nobel, no qual menciona todos os 1716 Conclusão Categorias diferentes Para conciliarmos razão e fé é necessário separar as categorias de investigação. Do mesmo modo que não se pode usar tubos de ensaio para investigar o que acontece dentro de um buraco negro, não se pode usar um microscópio para investigar a possibilidade histórica da ressurreição de Cristo. Saberes distintos requerem métodos distintos. Dizer como Yuri Gagarin: “Sou ateu porque fui ao céu e Não vi Deus lá em cima”, seria o mesmo que afirmar: “Não acredito nos átomos porque não os vejo com minha luneta”. Pergunta A Bíblia afirma: “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem. […] De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que Ele existe e que Se torna galardoador dos que O buscam” (Hebreus 11:1, 6). Qual seria então o papel da fé na discussão acima? É importante dizer que, biblicamente, a fé tem um lado racional, conforme vemos em Romanos 12:1, por exemplo. Apesar disso, ela não é “racionalista”. O racionalismo, ou “razão sem a fé”, é incongruente porque pensa abarcar como realidade mundana algo que é supraterrenal. E ele rejeita o que é supraterrenal por não poder discursar sobre isso. O mais sensato seria dar espaço para a percepção dos atos de Deus, pois, se Ele for real, poderemos ver Seus rastros na história humana. Logo, a fé não é racionalista, mas racional e razoável. O racionalismo é a razão doente, inchada e intoxicada. Portanto, tome cuidado – essa advertência também vale para quem tem fé. Há sempre o risco de elevar uma crença à crendice, que é uma distorção da fé verdadeira. É justamente a leitura apressada de Hebreus 11:1 que leva muitas pessoas a pensar que a fé é incompatível com a dúvida, mas isso não é verdade. A distorção da faculdade de questionar é que gera incredulidade, desconfiança e neurose. Afinal, se perguntar fosse uma afronta a Deus, Jesus não teria dito na cruz: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me Boa pergunta Agora é você quem faz as perguntas! Pare para pensar e formule as próprias perguntas sobre essa parte do estudo. Aproveite sua mente inquiridora, curiosa e questionadora para aprender mais sobre Deus e, ao mesmo tempo, questionar os fundamentos deste mundo. Faça perguntas do tipo: Se não há Deus, por que existe algo em vez de nada? Se vida sempre provém de vida, como a vida poderia provir do nada? Se não há um Designer, como explicar tanta precisão, ordem e estrutura no Universo? Se não há um Criador inteligente, quem colocou a informação genética no DNA? Dúvidas advindas de mero capricho conduzem à perdição. Dúvidas sinceras podem levá-lo a Deus, que deseja seu progresso e sua salvação. E sabe como recebemos a salvação? Pela graça mediante a fé. A mesma fé que desejamos que você exerça. Se crer, não precisará ter medo do futuro. Afinal, você e Deus serão sempre a maioria em qualquer tempo e circunstância. Pense nisso! 1 Júlio Schwantes, O Despontar de uma Nova Era (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1984), p. 109. 2 “Nietzsche: ‘Deus está morto’”, Super Interessante, disponível em <https://super.abril.com.br/ideias/ deus-esta-morto-nietzsche/>, acesso em 10 de junho de 2020. 3 “Nietzsche: ‘Deus está morto’”, Super Interessante. 4 Renata Cruz Soares de Azevedo, “Uso de Drogas por Universitários”, Ensino Superior, nº 11 (2013), disponível em <https://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/artigos/uso-de-drogas-por-universi- tarios>, acesso em 15 de maio de 2020. 5 Maria Luiza Picasso, “Índice de Depressão é Maior Entre Universitários”, disponível em <http://www. jornalismounaerp.com.br/2017/02/13/indice-de-depressao-e-maior-entre-universitarios/>, acesso em 15 de maio de 2020. Ver “Ideação Suicida e Depressão em Universitários”, disponível em <http://www. anacosta.com.br/artigos/ideacao-suicida-e-depressao-em-universitarios/>, acesso em 28 de agosto de 2017. 6 Anísio Teixeira, Educação e Universidade (Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1988). 7 Edwin Shneidman, citado por Paula Fontenelle, Suicídio: O Futuro Interrompido (São Paulo: Geração Editorial, 2008). 8 Alexander Moreira-Almeida, Harold G. Koenig e Giancarlo Lucchetti, “Clinical Implications of Spirituality to Mental Health: Review of Evidence and Practical Guidelines”, Revista Brasileira de Psiquiatria 36, nº 2 (2014), p. 176-182; Harold G. Koenig, “Research on Religion, Spirituality, and Mental Health: A Review”, The Canadian Journal of Psychiatry 54 (2009), p. 283-291; Crystal L. Park e Jeanne M. Slattery, “Religion, Spirituality, and Mental Health”, em Handbook of the Psychology of Religion and Spirituality, ed. Raymond F. Paloutzian e Crystal L. Park (Nova York: The Guilford Press, 2013), p. 540-559. 9 Joaquim de Carvalho, As Universidades. Significado e Modalidade das Origens, disponível em <http://www.joaquimdecarvalho.org/artigos/artigo/190-I.-As-Universidades.-Significado-e-modali- dade-das-origens>, acesso em 10 de junho de 2020. 10 Paulo Bitencourt, Liberto da Religião: O Inestimável Prazer de Ser um Livre-Pensador (Portuguese Edition), Ebook. 11 Baruch Aba Shalev, 100+ Years of Nobel Prizes & More (Los Angeles, CA: Americas Group, 2010). Referências ganhadores desde 1901 até 2007? Nessa obra, Shalev revela que 89,5% dos laureados eram fiéis a uma religião, ao passo que somente 10,5% eram ateusou livres-pensadores.11 Portanto, diferente do que diz o senso comum, a fé não é o oposto da razão. Se fosse, que faríamos com gênios como Newton, Copérnico, Pascal, Pasteur, Descartes, Dostoievski, C. S. Lewis e Chesterton? Eles eram intelectuais de primeira linha e crentes absolutos no Deus da Bíblia Sagrada. Universidade de Bolonha, Itália. Fundada em 1088, é considerada a mais antiga da Europa desamparaste?” (Mateus 27:46). Não há contradição em Hebreus 11:1. A palavra grega traduzida por “convicção” é hypostasis, que pode ter uma série de significados; entre eles, a escritura que alguém recebia ao se tornar dono de uma propriedade, mesmo que ainda não estivesse morando lá. E por que alguém se considera dono mesmo sem tomar posse? Porque a assinatura e o timbre no documento garantem seu senhorio. Hebreus 11 fala de homens e mulheres que morreram sem ver o cumprimento das promessas divinas, mas que ainda assim creram nelas, pois conheciam a autoria Daquele que as fez. Por isso a morte deles não foi em vão. Sua redenção os aguarda! 19 VIDEOAULA Gottfried Wilhelm Leibniz: Obteve seu doutorado na Universidade de Altdorf com apenas 21 anos (1667). É provável que Leibniz tenha sido o filósofo mais genial de seu tempo. Autodidata, aos oito anos aprendeu sozinho a falar latim e grego, aos 15 já possuía vasto conhecimento de filosofia, moral e teologia escolástica. Estudou matemática em Paris e enunciou o cálculo diferencial a partir de seu invento: “a máquina de fazer operações” (ancestral da calculadora). Estudando juntos LIÇÃO 3 Afinal, Deus Existe? Cedo ou tarde, todo ser humano será confrontado pela pergunta: Deus existe? A existência de um Deus não é algo que interessa somente às pessoas que creem. A ideia de um Criador supremo, amoroso, que cuida de cada um de nós e nos dará a vida eterna tem um apelo psicológico muito forte. Uma boa parte dos descrentes não rejeita a ideia de Deus porque ela pareça ruim, mas justamente por parecer boa demais para ser verdade. Imagine por um instante que não haja Deus, Céu, vida eterna nem qualquer uma das promessas bíblicas. Nesse contexto, a história humana não tem propósito definido. Tudo é ilusório, passageiro e circunstancial. Tudo o que existe, incluindo você e as pessoas que mais Introdução A falta de piedade dominava na Idade Moderna, e tolas justificativas eram apresentadas para o sofrimento humano. Assim, muitos começaram a questionar a justiça de Deus ou negar a existência Dele. Foi então que Leibniz propôs uma sistematização de ideias racionais que argumentavam a favor da justiça de Deus e de Seu governo. Nesse contexto, o filósofo criou a palavra “teodiceia”, que acabou sendo absorvida pela filosofia. Esse termo tem origem nas palavras gregas Theos, que significa “Deus”, e diceia (ou dike), que significa “justiça”. Logo, o termo “teodiceia” se refere a uma forma racional de argumentar a favor da existência de Deus e de Sua justiça. Outros pensadores também procuraram apresentar uma argumentação racional para a existência de Deus. Tomás de Aquino, Descartes, Pascal e Newton foram alguns deles. No entanto, é importante destacar que essa argumentação racional não tinha a ver com “provas” laboratoriais. Na verdade, é impossível provar que Deus existe. O Todo-Poderoso não é objeto de investigação humana para que possa ser “analisado”, “testado” e “provado” em laboratório. Deus não é um elemento químico. Pergunta A Bíblia diz: “É necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que Ele existe e que recompensa os que O buscam” (Hebreus 11:6, NAA). Por outro lado, também incentiva a adorarmos a Deus de maneira lógica e “racional” (Romanos 12:1). Com base nesses versos, você acha que a fé na existência de Deus é incongruente com a razão humana? Explique. O Novo Testamento apresenta uma série de textos nos aconselhando a testar ou examinar criticamente todas as coisas antes de crer apressadamente nelas (2 Coríntios 13:5; Efésios 4:14; 1 Tessalonicenses 5:21; 1 João 4:1). Se compreendemos bem a advertência bíblica, devemos permanecer alertas e não concordar com algo apenas porque faz parte da tradição dos mais antigos (Mateus 5:21, 22; Colossenses 2:8) ou porque um líder influente falou sobre isso. O apóstolo Pedro nos adverte quanto a não acreditar em falsos líderes que exploram as pessoas com historietas emotivas que eles mesmos inventaram (2 Pedro 2:1, 3; ver Mateus 7:15). Exercício mental Reflita sobre as três perguntas a seguir como se fossem um exercício mental de percepção da realidade e da existência de Deus. 1. Por que existe algo em vez de nada? Desde os antigos sumérios até Einstein, pensadores que não haviam sido influenciados pelas Escrituras judaico-cristãs acreditavam que o Universo, ou pelo menos as forças siderais que o compunham, existia por toda a eternidade. Assim, viam-se desobrigados do fardo de lidar com o tema da origem de tudo. Hoje, o consenso mudou. Evidências esmagadoras forçaram mais de 95% dos cosmólogos a postular uma origem para o Universo que muitos descrevem como a teoria ama, não passam de coincidências e acidentes atômicos reunidos por um acaso inexplicável. Se assim for, a vida é apenas uma luta desenfreada pela sobrevivência, sabendo que, mais cedo ou mais tarde, seremos vencidos. A morte será a única certeza, e não seremos nada mais que “cadáveres adiados que procriam”, como disse Fernando Pessoa. Essa é a conclusão a que chegaram grandes nomes da filosofia moderna, boa parte deles descrentes em Deus (Schopenhauer, Nietzsche, Wagner, Tolstói, Zola, Kafka e Anatole France). De fato, o ceticismo nos empurra para um reducionismo existencial, no qual a vida é apenas um hiato entre duas datas: nascimento e morte. Será que existe saída? 2120 do Big Bang. Para as pessoas que querem refletir um pouco sobre tudo isso, o que os cientistas estão concluindo é que houve um instante zero, antes do qual não havia nada. Tempo, espaço, gravidade, ondas, som, matéria, tudo era inexistente e, após uma explosão inexplicável, tudo veio a existir em sua beleza e complexidade. Suposições sobre o que havia antes do Universo têm sido sugeridas. A teoria das cordas, das supercordas, dos multiversos e dos universos paralelos são algumas das propostas. Nenhuma delas tem comprovação nem são axiomáticas. Estão mais para especulação filosófica do que para elaboração científica. Ironizando algumas dessas propostas, o astrofísico Paul Davies escreveu: “Talvez os teóricos das cordas tenham tropeçado no santo graal da ciência. Mas talvez estejam todos perdidos para sempre na Terra do Nunca.” O ponto em comum entre os diferentes especialistas é que o Universo teve um começo e, portanto, deveria ter uma causa (isto é, algo que ocasionou a origem do cosmos). Para efeito de lógica, essa causa não poderia ser o próprio Universo, mas algo além dele. Também precisaria ser um ente eterno, infinito e onipresente (pois existia antes do tempo e do espaço sideral), imaterial (pois precede a matéria), intencional (pois o Universo parece incrivelmente planejado) e pessoal (pois fez surgir sentimento e beleza). Ora, todas essas características são mais coerentes com a ideia de um ser divino, eterno e não causado, conforme descrito na Bíblia, do que com qualquer uma das propostas cegas feitas por cosmólogos materialistas que tentam encontrar uma razão não divina para tudo o que passou a existir. Com Newton, por exemplo, descobrimos que o Universo tem leis; com Einstein, que tem energia; e com Watson e Crick, que tem informação (DNA). Como tudo isso veio a existir se do nada, nada se produz? Allan Sandage, que, por meio da observação de estrelas distantes, calculou a idade do Universo e a velocidade em que ele se expande, disse: Eu era quase um ateu na juventude. Foi a ciênciaque me levou à conclusão de que o mundo é muito mais complexo do que podemos explicar. Só posso explicar o mistério da existência por meio do sobrenatural. […] Acho que é bastante improvável que tal ordem tenha vindo do caos. Tem que haver algum princípio organizador. Para mim, Deus é um mistério, mas ainda é a melhor explicação que tenho para o milagre da existência: Por que existe algo em vez de nada?1 2. Por que há música em vez de ruído? O astrofísico Hubert Reeves2 se refere a uma condição óbvia percebida no Universo: as coisas existem, mas não existem a esmo. Há uma ordem no ar, uma organização do cosmos que não pode ser explicada por mera coincidência. E de onde viria isso? Se já era inconcebível imaginar que do nada pode surgir tudo, quanto mais acreditar que esse tudo surgiu organizado! Obviamente, os cientistas dizem que esse assunto está fora do domínio científico. No entanto, suas observações dificultaram o reconhecimento de um fenômeno misterioso chamado “ajuste fino”. Acontece que as forças fundamentais da natureza – a taxa de expansão do Universo no início, a proporção de massas de prótons e elétrons, etc. – têm valores que se enquadram em parâmetros extremamente precisos, necessários para a vida. Muitos cientistas, sem orientação religiosa, falam que o “princípio antrópico” é a melhor explicação. Ou seja, para eles os valores das constantes da natureza podem ser mais bem previstos quando são calculados com base no pressuposto de que esses valores coincidem com a projeção de nossa existência neste planeta. Em outras palavras, parece que alguém queria que estivéssemos por aqui e preparou o cenário para que viéssemos. Pergunta Compare essa conclusão dos cientistas com o Salmo 66:5: “Vinde e vede as obras de Deus: tremendos feitos para com os filhos dos homens!” Você vê alguma harmonia nesses discursos? 3. De onde vem a ideia de Deus? Uma terceira pergunta para refletir na percepção da realidade e da existência de Deus é: De onde veio essa ideia? Em todas as culturas, por mais avançadas ou primitivas que sejam, há um conceito local a respeito de Deus. Quem espalhou pelos povos a noção de divindade? Isso nos faz concluir que a tradição a respeito da existência divina é, no mínimo, tão antiga quanto à humanidade que, desde seus primórdios, tem o costume de adorar religiosamente um ser superior. Ninguém nasce ateu; as pessoas se tornam ateias. Por isso, é sensato admitir que, psicologicamente falando, a crença é um sentimento primário e natural de todos os seres racionais. O ateísmo é algo que vem depois, por diferentes circunstâncias na vida do indivíduo. O próprio Freud admitiu que nascemos com a carência de um pai cósmico e universal, mas não detectou a razão dessa carência. Agostinho declarou: “Oh Deus, Tu nos criaste para Ti mesmo, e nosso coração estará inquieto até que encontre repouso em Ti.” Karl Rahner, famoso teólogo do século 20, resolveu dar um colorido psicológico à máxima agostiniana e perguntou: “Afinal, por que o coração se encontra inquieto?” Parafraseando Blaise Pascal, se “há um vazio com forma de Deus no coração humano”, por que não supor que haja o correspondente divino, pronto para preencher nossa carência existencial? Pascal escreveu: “O que seriam essa ganância e essa impotência que clamam atrás de nós, senão a certeza de que o ser humano alguma vez experimentou uma felicidade verdadeira, da qual agora somente traz a marca e o rastro de toda uma vida? E isso ele tenta em vão preencher, usando tudo o que o rodeia, procurando por coisas que estão ausentes, por uma ajuda que não obtém do presente, coisas que são ineficazes, porque esse abismo infinito só pode ser preenchido por um objeto infinito e imutável, isto é, o próprio Deus.”3Boa pergunta Agora é você quem faz as perguntas! Pare para pensar e formule as próprias perguntas sobre essa parte do estudo. Refletir sobre as três perguntas feitas acima nos ajuda a fortalecer a racionalidade da fé, mas não nos leva necessariamente à conversão. É necessário admitir que somos carentes de Deus para poder, de fato, ir ao encontro Dele. É a sede, e não o conhecimento bioquímico da água, que nos leva a ansiar por uma fonte. Por isso, o reconhecimento de Deus deve conduzir a um relacionamento com o divino. Não basta concluir racionalmente que Ele existe, é preciso aceitar Seu chamado e vencer o orgulho e as emoções que nos prendem, deixando que Ele nos abrace como aquilo que realmente somos: Seus filhos queridos. Pense nisso! Conclusão Referências 1 Entrevista a John Noble Wilford, “Sizing up the Cosmos: An Astronomers Quest”, New York Times, 12 de março de 1991, seção C, p. 10. 2 Hubert Reeves, Atoms of Silence: An Exploration of Cosmic Evolution (Boston, MA: Massachusetts Institute of Technology, 1984). 3 Blaise Pascal, Pensées, edição de Sellier, nº 181. 23 LIÇÃO 4 Qual é o Tamanho de Deus? Após refletir sobre as perguntas “Por que existe algo em vez de nada?”, “Por que há música em vez de ruído?” e “De onde vem a ideia de Deus?”, estudadas em nossa última lição, algumas pessoas podem ter concluído que Deus existe e que Ele deseja Se relacionar com Suas criaturas. Surge, então, outra pergunta: “Qual é o tamanho de Deus?” Afinal, Deus pode ser medido? Do Éden à Grécia, encontramos figuras como Xenófanes (560-478 a.C.), que rejeitava o mito e as descrições religiosas da divindade. Introdução Estudando juntos Xenófanes de Cólofon (560-478 a.C.) foi um dos principais filósofos da era pré-socrática pertencentes à escola eleática. Xenófanes propôs uma cosmologia que, ao mesmo tempo em que se colocava como filosofia, criticava temas dogmáticos da religião politeísta da Grécia. Para Xenófanes, Deus teria de ser alguém além e acima da moralidade grega, que não tivesse forma humana, não pudesse morrer nem nascer (por ser eterno) e que não interviesse nos negócios da humanidade. O mesmo autor, porém, aceitava que houvesse um controle divino no Universo, ainda que fosse para sustentar sua permanência. Em um aspecto, pelo menos, o pensamento de que existe. Estima-se que a energia escura componha cerca de 70% do Universo, enquanto a matéria escura comporia 27%. O tamanho da Terra em relação ao Universo observável é o equivalente ao tamanho do vírus da gripe em relação ao Sistema Solar! Partindo dessa realidade e considerando a possibilidade de haver um Deus criador de todas as coisas, é perfeitamente compreensível a retórica bíblica de Romanos 11:33 e 34: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os Seus juízos, e quão inescrutáveis, os Seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o Seu conselheiro?” A resposta é óbvia: ninguém! O mistério de Deus Diversas partes da Bíblia descrevem Deus como um ser incomparavelmente misterioso (ver Isaías 45:15; Eclesiastes 11:5; 1 Coríntios 2:7; Efésios 3:9; Colossenses 2:2). Muitos, em virtude disso, negam a proposta dizendo se tratar de um Deus incoerente, que numa passagem é imutável e em outra Se arrepende; que parece saber tudo, mas pergunta o tempo todo; que Se apresenta como único, mas é confessado em três pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo). Pensa-se no 3 da Trindade como valor numérico ao qual podemos acrescentar o número 2, a fim de obtermos 5 como resultado. Não se trata de um dado aritmético passivo de se fazer contas. É um numeral divino, misterioso, sem comparação na natureza. Por isso é preciso explicar que a palavra “mistério” não se refere a algo impossível de existir, mas a algo que nossa mente não consegue compreender. Num texto citado por Clemente de Alexandria, Xenófanes teria dito: “Se os bois, os cavalos e os leões tivessem mãos ou pudessem desenhar com elas e criar coisas como o ser humano as cria, os cavalose os bois descreveriam a feição de seus deuses e desenhariam os corpos deles como as próprias formas, isto é, como bois e cavalos. […] Os etíopes dizem que seus deuses são de nariz achatado e negros, enquanto os trácios dizem que são pálidos e de cabelo ruivo.”1 Quando questionamos o tamanho de Deus, logo buscamos uma comparação: “Maior do que o quê?” Essa pergunta nos leva a reflexões mais profundas, especialmente quando estudamos teologia e metafísica. Deus não é coisa nem teorema, muito menos objeto. Portanto, descrições espaciais e temporais são difíceis de ser aplicadas a Ele. Não existe um espaço que comporte a Deus (2 Crônicas 2:6; 6:18). É aqui que começa o dilema humano para falar sobre a Divindade. Deus pode ser medido? Nós pensamos em termos dimensionais. Logo, a pergunta a respeito do tamanho de Deus esbarra em nossa percepção dimensional e exige conceitos que não se aplicam a essência da Divindade, tais como tamanho, cor, peso e limites. É fato que nos últimos 100 anos o conceito de dimensões ficou mais sofisticado, de modo que os físicos falam de 11 ou mais dimensões, e os matemáticos de infinitas possibilidades e até mesmo de objetos com número fracionário de dimensões. No dia a dia, porém, nossos sentidos continuam baseados nos princípios da geometria de Euclides, o mais famoso matemático dos tempos greco-romanos (século 3 a.C.). Assim como os antigos, ainda vivemos num mundo tridimensional, repleto de objetos compridos, largos e profundos. É natural, portanto, que transfiramos essa percepção para imaginar tudo o que existe no Universo e até mesmo o ser de Deus. Sinônimos de dimensão seriam área, volume, espaço, extensão e superfície. Agora imagine que o Universo observável tem um diâmetro superior a 93 bilhões de anos-luz. Em outras palavras, mesmo que você atingisse a incrível velocidade da luz (300 mil km/s) precisaria de 93 bilhões de anos para cruzar essa superfície sideral de uma ponta a outra. Tudo isso, porém, representa apenas 3% do Pergunta Veja a retórica divina no livro do profeta Isaías: “Com quem vocês vão Me comparar? Quem se assemelha a Mim?, pergunta o Santo. Ergam os olhos e olhem para as alturas. Quem criou tudo isso? Aquele que põe em marcha cada estrela do Seu exército celestial, e a todas chama pelo nome. Tão grande é o Seu poder e tão imensa a Sua força, que nenhuma delas deixa de comparecer!” (Isaías 40:25, 26, NVI). Como você analisa essas perguntas feitas pelo próprio Deus? Justifique sua resposta. Um quebra-cabeça mental Quando dizemos que “Deus existe”, estamos usando uma linguagem aproximada, pois existir significa etimologicamente “algo extraído de algo”. Como Deus não teve causa nem começo no tempo, o mais correto seria afirmar que Ele simplesmente é por toda a eternidade. Nem mesmo o exercício do raciocínio pode ser aplicado a Ele, uma vez que, conhecendo o fim desde o princípio, Deus não chega à conclusão de nada; Ele simplesmente sabe. Nunca houve um momento em que Deus tivesse apenas a ciência do problema, mas não da solução. Isso negaria Sua onisciência absoluta. Xenófanes coincide com o conceito judaico- cristão de um Deus inimitável, incomparável e singular. Ou seja, não há nada na natureza que possa ser usado como paralelo exato do ser de Deus. VIDEOAULA 2524 Conclusão 1 Clemente de Alexandria, Miscelâneas, v. 110 e VII, 22. Quanto às duas últimas frases, ver Diels-Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker, Xenophanes, fragmentos 15 e 16. 2 “Heschel Quotes – God, Man, Prayer, Life and Death – and Video”, disponível em <https://sunwalked. wordpress.com/2007/07/21/heschel-quotes-god-man-prayer-life-and-death-and-video/>, acesso em 18 de maio de 2020. 3 Philip Yancey, O Jesus que Eu Nunca Conheci (São Paulo: Vida, 2001). Referências Os gregos, especialmente Heráclito, já apontavam para um logos mediador entre o Universo e seu princípio gerador (que Aristóteles chamaria de Causa primeira). O apóstolo João, chegando à cidade de Éfeso, onde séculos antes viveu Heráclito, lançou mão do mesmo elemento, o “logos”, e explicitou o que já havia sido dito, acrescentando o que não fora contado: “O mundo foi feito por intermédio Dele, mas o mundo não O conheceu” (João 1:10). Então o mesmo princípio divino que criou a matéria se tornou humano, o oleiro se tornou um vaso da própria coleção. Assim, Deus possibilitou a criação de uma autobiografia divina, utilizando personagens reais, numa história real. “E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (João 1:14). Pense nisso! Boa pergunta Agora é você quem faz as perguntas! Pare para pensar e formule as próprias perguntas sobre essa parte do estudo. Isso é impossível para o autor, mas não para alguém dotado de onipotência. Segundo a interpretação cristã, a Divindade – que embora seja uma em essência é plural em pessoas – possibilitou que a segunda pessoa assumisse a forma humana para revelar Deus às Suas criaturas. De acordo com as Escrituras, Deus, Descobri que gerenciar um aquário de água salgada não é uma tarefa fácil. Eu precisava operar um laboratório químico portátil para monitorar os níveis de nitrato e o teor de amônia. Bombeava vitaminas, antibióticos, medicamentos à base de sulfa e enzimas, além de filtrar água através de fibras de vidro e carvão. É de se pensar que meus peixes ficariam gratos. Nem tanto. Quando minha sombra se aproximava do aquário para alimentá- los, eles mergulhavam para esconder-se na concha mais próxima. Eu era grande demais para eles, e minhas ações incompreensíveis. Eles não sabiam que minhas atitudes eram misericordiosas. Mudar essa percepção exigiria uma forma de encarnação. Eu teria que me tornar um peixe e “falar” com eles em uma linguagem que compreendessem; o que era impossível para mim.3 O piloto e o aquário O ato de Deus abrir mão de Seus atributos seria como um piloto, dono de uma aeronave, que, tendo um amigo com fobia de voos, deixa seu monomotor no hangar e caminha em solo firme com o colega. Note, ele não perdeu seu avião, muito menos sua habilidade de voo. Afinal, se é mesmo o dono do aparelho, tem autoridade para usá-lo ou não quando bem entender. Assim, sua caminhada com o amigo na terra não é fingida, embora ele tivesse condições de fazer o trajeto voando sobre as nuvens. Philip Yancey usa sua experiência com um aquário para expressar esse princípio revelador de Deus. Veja como ele descreve: saberemos o que Ele é em essência. A Bíblia também promove a democratização do mistério de Deus. A ideia de Sua grandeza, eternidade e infinitude já estava prevista na mais antiga tradição judaico- cristã (Gênesis 21:33; 1 Reis 8:27; Salmo 90:2; Atos 17:24-28). Não existe uma elite humana que tenha acesso ao todo do Ser divino ou que abarque o conhecimento pleno de Sua pessoa. Nem mesmo os doutores, mestres e bacharéis em Teologia podem se dizer especialistas em Deus! Logo, quando se pergunta: Podemos conhecer o ser de Deus? A resposta é um sonoro “não”! Mas isso não deve desanimar os que estão em busca do conhecimento divino. Como disse o rabino Abraham Heschel: “Estamos mais perto de Deus quando fazemos perguntas do que quando pensamos que temos as respostas.”2 O Deus que Se revela com máscaras Como resolver o dilema de um Deus incognoscível? Simples: Deus Se revela. É o velamento de Sua glória ofuscante que permite uma contemplação parcial, porém suficiente, de Seu ser. “Ninguém jamais viu a Deus, o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem O revelou”, afirma João 1:18. Segundo o entendimento bíblico, para haver uma relação real das criaturas com esse Deus criador, Ele precisou – de alguma forma – ficar pequeno o bastante para que pudesse ser compreendido pela mente e emoção humanas. Martinho Lutero fazia uma distinção entre o Deus revelatus e o Deus absconditus. O primeiro seria a manifestaçãodo segundo num modo diminuto que suas criaturas pudessem reconhecê-Lo e contemplá-Lo. Ou seja, Deus é essencialmente tão grandioso que, sem uma adequação de Sua grandiosidade à pequenez da criatura, jamais poderíamos nos relacionar com Ele. As pessoas geralmente usam máscaras para esconder o rosto. Deus, no entanto, usa uma máscara para Se revelar, pois, devido à Sua grandeza, a forma mais natural de fazer isso é Se escondendo. Essa “máscara” é uma metáfora teológica para falar da revelação de Deus aos seres humanos. Um fenômeno que se traduz no fato de o ser divino agir algumas vezes como se não tivesse todo o poder e esplendor que de fato tem. Portanto, ainda que saiba de tudo, Ele abre mão de Sua onisciência – note que não a perde – e honestamente faz perguntas aos seres humanos; ainda que Ele esteja em toda parte, vem e vai com Seus filhos; e, ainda que tenha tudo, pede e faz súplicas. Somente assim poderia fazer contato conosco Pergunta Caso haja mesmo um Deus Criador do Universo e tudo o que ele contém (tempo, energia, matéria e espaço), Sua essência tem de ser muito maior do que tudo que a mente humana sequer seja capaz de imaginar. Essa essência tem de ser infinita e eterna. Uma vez que Deus é infinito, existiria um espaço que O comportasse? Será que Ele teria dimensões corpóreas que envolvam uma delimitação de contornos indicando começo e fim? Ou seria mais adequado dizer que Deus é um ser cujo centro está em toda parte e a periferia não está em parte alguma? Faça uma análise dessas questões. Como o discurso de Salomão, registrado em 1 Reis 8:27, pode lhe ajudar nessa análise? Reflita por um instante. o Criador do Universo, fez algo que parecia impossível. Ele veio à Terra em forma humana na pessoa de Jesus Cristo (Gálatas 4:4). Deu um nó em sua cabeça? É para dar mesmo! Um ser divino, absoluto, com as caraterísticas necessárias para ser o Criador de tudo o que existe, não pode demandar melhorias, aprendizado, pontos vulneráveis, aperfeiçoamento. No entanto, se Nele não há mudanças, como então Se movimenta? Ou estaríamos falando de um ser permanentemente imóvel como propuseram os filósofos da escola eleática há 2.500 anos? Todo esse quebra-cabeça mental serve para mostrar que muitas negações populares acerca de Deus estão muito aquém do que a Bíblia anuncia de Seu ser. Deus é essencialmente insondável! Como diria Karl Barth, “somente Deus pode falar de Deus”. Por isso, teólogos escolásticos chegaram a propor, inspirados em Aristóteles, que houvesse uma abordagem “negativa” de Deus, pois a religião e a teologia só podem falar daquilo que Ele não é – levando em consideração que nunca 27 LIÇÃO 5 Por Que Jesus e Não Pitágoras? Tempos atrás, um belo texto sobre Jesus Cristo, atribuído a James A. Francis, ficou famoso sob o título “Uma Vida Solitária”. Veja o que esse texto diz: Eis um homem que nasceu num vilarejo quase desconhecido, filho de uma mulher humilde. Cresceu numa outra vila. Trabalhou numa carpintaria até completar 30 anos e, então, durante três anos, foi um pregador itinerante. Nunca teve um lar. Nunca escreveu um livro. Nunca ocupou uma posição de destaque. Nunca teve uma família. Nunca foi à faculdade. Nunca pisou numa cidade grande. Nunca esteve a mais de 300 quilômetros do lugar onde nasceu […]. Nada tinha para apresentar como credenciais além de Si mesmo […]. Ainda jovem, a maré da opinião pública se voltou contra Ele. […] Seus executores sortearam entre si a única coisa que Ele possuía na Terra: uma capa. Quando morreu, foi tirado da cruz e sepultado no túmulo que um amigo, movido por piedade, lhe cedeu Dezenove longos séculos se passaram, e hoje Ele é a figura central da humanidade o líder da marcha do progresso. […] Todos os exércitos que já se puseram em marcha, todas as esquadras que já foram construídas, todos os parlamentos que já existiram e todos os reis que já reinaram, tudo isso junto não tem afetado a vida do homem sobre a Terra de um modo tão poderoso como o tem feito aquela única vida solitária.1 O texto é maravilhoso, mas nem todos pensam assim. Há mais de 100 anos, Bertrand Russell escreveu em seu livro, Por Que Não Sou Cristão, que “historicamente a existência de Cristo é duvidosa. E, se realmente existiu, não sabemos nada sobre Ele. Portanto, não me preocupo com o aspecto histórico.”2 Contrariando a desconfiança de Russell, a maioria dos historiadores modernos – inclusive agnósticos, ateus e não cristãos – admite sem reservas que Jesus existiu. A historicidade Dele também é confirmada por autores clássicos da antiguidade, tais como Suetônio, Tácito, Flávio Josefo e Plínio. Um livro que balançou o mundo da crítica nos últimos anos foi a obra de Bart Ehrman sobre a existência de Jesus. Nela, o autor – que além de historiador e especialista em crítica textual é definitivamente cético em relação a milagres, à divindade de Cristo e a coisas do gênero – surpreendeu o público ao fazer uma defesa vigorosa da realidade histórica de Jesus. Reunindo evidências de dentro e fora da Bíblia, Ehrman abordou os principais problemas que envolvem a historicidade de Jesus e confrontou com veemência o que chamou de argumentos míticos sobre o assunto. Pitágoras de Samos (570- 490 a.C.) foi um dos grandes matemáticos e filósofos pré- socráticos da Grécia antiga. A ele foi atribuída a criação e uso dos termos “filósofo” e “matemática”. Fundou a Escola Pitagórica, a qual tinha um caráter místico-filosófico, e criou o “Teorema de Pitágoras”, ao observar as pirâmides do Egito. Voltando a falar de Bertrand Russell, é curioso que o aclamado filósofo do ceticismo não apenas duvidou que Jesus houvesse existido, mas também sugeriu alguém mais apropriado para ocupar o lugar Dele na história: Pitágoras. Nas palavras de Russell: “Pitágoras foi, intelectualmente falando, um dos homens mais importantes e influentes da história.”3 O entusiasmo de Russell chega a tal ponto que ele diz que, tanto em sua sabedoria quanto em sua tolice, Pitágoras [e não Jesus Cristo] mereceria a atenção do homem moderno.4 E Russell não estava sozinho, muitos eruditos de seu tempo acreditavam que Pitágoras foi Pitágoras existiu? Diferente do que as investigações históricas revelaram sobre Jesus, uma considerável parte dos acadêmicos nutre sérias dúvidas quanto à existência histórica de Pitágoras. A ideia dominante, mesmo entre aqueles que o apontam como um personagem que realmente existiu no passado, é a de que esse filósofo fora apenas o criador de uma seita no sul da Itália que especulava sobre a mística dos números, mas que nunca apresentou uma descrição científica da realidade. É hora de honestamente se perguntar que critérios Russell usava para negar a historicidade e genialidade de Jesus Cristo ao mesmo tempo que enaltecia a figura lendária do pensador grego. Seria um arrazoado lógico ou puro preconceito? Amenizando a questão, o físico Marcelo Gleiser, que também é ateu, escreveu um comentário citando parte de seu livro A Dança do Universo, no qual afirma que a lenda [sic] e o suposto legado de Pitágoras podem ser resolvidos da seguinte maneira: “O poder de um mito não está em ele ser falso ou verdadeiro, mas em ser efetivo. Não é tão importante se foi ou não Pitágoras o criador dessa relação entre os números e a natureza. O mito inspirou grandes pensadores, de Copérnico e Kepler a Einstein. E influencia, até hoje, na busca por uma descrição unificada da realidade física baseada na geometria.”5 Teorema x evangelho Existe uma grande diferença racional entre a proposta cristã e algumas proposições do ceticismo. Segundo o arrazoado de Gleiser, não há problemas em basear a geometria e a ciência moderna num mito ou numa figura lendária, mas isso não vale para a racionalidade do cristianismo. Se Jesus não existiu ou se Ele Estudandojuntos Introdução o primeiro a desenvolver a noção de que os números são a essência da realidade. Assim, se quisermos compreender a estrutura da natureza e o funcionamento das coisas, basta explorarmos as relações entre os números. Ou seja, a Pitágoras é atribuído o título de “pai da ciência”. O único problema é que quase certamente nada disso é verdade. VIDEOAULA 2928 1 James Allan Francis, The Real Jesus and Other Sermons (Filadélfia, PA: Judson Press, 1926), p. 123, 124. 2 Bertrand Russell, Why I Am Not a Christian (Londres: Routledge, 1957), p. 16. 3 Bertrand Russell, A History of Western Philosophy (Nova York: Simon & Schuster, 2007), p. 29. 4 Russell, A History of Western Philosophy, p. 29. 5 Marcelo Gleiser, O Mito Pitagórico, disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/ fe2707200804.htm>, acesso em 21 de maio de 2020. 6 John Stuart Mill, Essays on Nature: The Utility of Religion and Theism (Londres: Longmans, 1874), p. 114 7 C. S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples, 3ª ed. (São Paulo: Martins Fontes, 2009), p. 69, 70. Referências Não adianta dizer que Cristo, conforme retratado nos evangelhos, não foi um personagem histórico e que não sabemos o quanto do que é admirável a respeito Dele foi sobreposto pela tradição de Seus seguidores. […] Afinal, quem dentre Seus discípulos, ou dentre Seus prosélitos, seria capaz de inventar os ditos atribuídos a Jesus ou de imaginar a vida e o caráter revelados nos evangelhos? Certamente não foram os pescadores da Galileia; certamente não foi o apóstolo Paulo, cujo caráter e idiossincrasias eram de um tipo totalmente diferente; menos ainda os primeiros escritores cristãos, nos quais nada é mais evidente do que o bem que havia neles. Tudo derivou, como eles sempre professaram que foi derivado, a partir de uma fonte superior.6 Vale a pena completar essa ideia com o pensamento de C. S. Lewis, um ex-ateu que expressou esse conceito de maneira mais poética: “Seria preciso alguém maior do que Jesus para inventar Jesus. A causa sempre será maior do que o efeito.” Em outras palavras, se Cristo não existiu, devemos descobrir qual foi Estou tentando impedir que alguém repita a rematada tolice dita por muitos a Seu respeito: “Estou disposto a aceitar Jesus como um grande mestre da moral, mas não aceito a Sua afirmação de ser Deus.” Essa é a única coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático – no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido – ou então o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-Lo por ser um louco, pode cuspir Nele e matá-Lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a Seus pés e chamá-Lo de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal Neste ponto, é importante dizer que há uma considerável lista de autores não cristãos que jamais esconderam sua admiração por Jesus Cristo. São nomes de peso como Ernest Renan, Lord Byron, Rousseau, Spinoza e Geza Vermes. Mesmo sem acreditar que Jesus seja Deus ou o Messias, ainda assim demonstram-se fascinados pela vida e pelos ensinos Dele. Evidências do Jesus histórico Alguns poderiam supor que o Jesus dos evangelhos nunca existiu, mas que foi fabricado pela Teologia. Isso, contudo, não faz o menor sentido por várias razões: • O estilo literário escolhido para escrever a trajetória de Jesus não é o de uma lenda ou biografia de propaganda. Não é à toa que os autores bíblicos usam o termo técnico “evangelho”, ou euangelion em grego, que quer dizer “boa-nova” oficial, histórica real, como aquela que marcou o nascimento de Augusto César, conforme foi destacado no calendário de Priene. • Os discípulos judeus jamais estariam predispostos a criar um ser humano divino. Isso iria contra sua identidade cultural. A encarnação do Filho de Deus chocou a tradição judaica e, como acentuamos antes, aqueles pescadores rudes da Galileia não tinham conhecimento formal de mitologia grega para criar um personagem, meio judeu meio helênico, que pudesse ser ao mesmo tempo humano e divino. • O quadro de um Jesus que tomou crianças ao colo, perdoou uma mulher acusada de adultério, confortou outra que não tinha marido e ensinou a amar os inimigos pode parecer politicamente correto para os moldes de hoje, mas não eram para a sociedade daquela época. • A agonia de Jesus no horto, admitindo que temia a morte, o vexame da cruz e o abandono diante dos inimigos não parecem em nada com a construção de um herói aos moldes do gosto Pergunta Se o Jesus narrado nos evangelhos não existiu, então, como disse o apóstolo Paulo, somos os mais infelizes de toda a humanidade (1 Coríntios 15:19). Em sua opinião, por que Jesus desperta essa admiração? Em que ela está fundamentada? não foi aquilo que os evangelhos disseram, então tudo que se relaciona com a fé cristã ficaria sem sentido. Em outras palavras, o teorema de Pitágoras sobrevive sem Pitágoras, mas o evangelho não sobrevive sem Jesus Cristo. Não basta dizer que Jesus existiu. É preciso considerar também se Ele realmente foi como a Bíblia O descreve. Quanto a isso, podemos citar a conclusão de outro cético que, aliás, foi o mentor intelectual de muitas ideias de Bertrand Russell. Trata-se de John Stuart Mill, um dos mais influentes pensadores e economistas britânicos do século 19. Mill teve uma compreensão diametralmente oposta à de seu pupilo. Ele afirmou que Jesus era a maior prova de Sua existência. Confuso? Nem tanto. O que Mill queria dizer é que, se Jesus Cristo não existisse, nem os discípulos nem nós teríamos condições de inventar um personagem assim. Em seu livro Natureza: A Utilidade da Religião e Teísmo encontramos a seguinte nota a respeito de Jesus Cristo: popular. Ou os evangelistas eram péssimos em marketing, ou descreveram a história como ela realmente aconteceu: “Escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (1 Coríntios 1:23). a mente que O criou, pois certamente merece nossa devoção mais do que qualquer outro gênio da humanidade. Louco, mentiroso ou divino? Jesus fez afirmações muito sérias a respeito de Si mesmo, as quais não podem passar despercebidas. Ele assumiu prerrogativas dignas apenas de um Deus: perdoou pecados; declarou ser o caminho, a verdade e a vida; o único acesso a Deus Pai. Ou seja, Ele foi o único homem que, em sã consciência, reivindicou ser Deus. Existem apenas três alternativas para definir um sujeito assim: louco, mentiroso ou divino. Nos dois primeiros casos, seria um dever desmenti-lo; no último, uma afronta não adorá-lo. C. S. Lewis, em sua obra Cristianismo Puro e Simples, escreveu: condescendência, dizer que Ele não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la. […] Agora, parece-me óbvio que Ele não era nem um lunático nem um demônio, consequentemente, por mais estranho, assustador e inacreditável que possa parecer, tenho que aceitar a ideia de que Ele era e é Deus.7 Boa pergunta Agora é você quem faz as perguntas! Pare para pensar e formule as próprias perguntas sobre essa parte do estudo. Jesus de Nazaré teve mais impacto na história do mundo do que qualquer outa pessoa que tenha caminhado sobre a face da Terra. Num livro publicado em 2013 pela Universidade de Cambridge, Steven Skiena, professor de Ciência da Computação na Stony Brook University, e Charles B. Ward, engenheiro da equipe de classificação do Google, criaram um complexo programa de cálculos e algoritmos. Após avaliarem mais de 800 mil nomes, concluíram com ajuda de computadores que Jesus é, com efeito, o personagem mais influente da história humana. Ora, se intelectuais ateus aplaudem Pitágoras pelo efeito de suas ideias, deveriam fazer muito mais por Jesus, poiso efeito da vida Dele é maior do que qualquer teorema postulado por um obscuro filósofo do passado. Jesus é grande demais para passar despercebido. Pense nisso! Conclusão 31 LIÇÃO 6 Ressurreição de Cristo: Mito ou Realidade? Introdução Estudando juntos Em 2009, um fato curioso foi notícia em João Pessoa, Paraíba. Uma aposentada de 66 anos havia falecido, mas os filhos esperaram três dias para sepultar a mãe, porque ela dissera que ressuscitaria. Como a mulher era muito religiosa, o fato não demorou para atrair uma multidão de curiosos e, pasmem, crentes. Sim, havia algumas pessoas que pensaram que ela realmente pudesse ressuscitar. Até afirmaram que, mesmo após três dias do óbito, o corpo não enrijeceu nem cheirou mal. É óbvio que a suposta ressurreição não aconteceu, e a religiosa acabou sendo sepultada como todo mundo. Também é fato que, numa comunidade de cristãos com maior escolaridade, dificilmente haveria gente disposta a acreditar que aquela senhora realmente ressuscitaria – embora, a rigor, os números nos revelem que pessoas não religiosas tendem a ser quatro vezes mais Uma pesquisa feita pelo sociólogo Jeffrey Haddan com 7.400 ministros protestantes revelou que de 13 a 51% dos entrevistados, dependendo da filiação religiosa, afirmavam não acreditar mais na ressurreição física de Jesus. Isso se torna curioso ao nos depararmos com um número considerável de pessoas não religiosas dispostas a acreditar naquilo que teólogos tentam desmentir. No caso do Reino Unido, por exemplo, enquanto 25% dos religiosos adultos diziam não acreditar na ressurreição de Cristo, 9% dos que se autodenominavam descrentes Pergunta A maior parte das pessoas religiosas, independentemente de sua tradição, não acredita que suas crenças são invalidadas porque o fundador de sua religião morreu e não ressuscitou. Como, então, podemos entender a afirmação de Paulo em 1 Coríntios 15:14? Quais são as consequências para o cristianismo ao se negar a ressurreição de Jesus? Descrentes da ressurreição As objeções não vêm de hoje. Aulo Cornélio Celso, enciclopedista médico do 2º século, ridicularizou a ressurreição no livro A Verdadeira Doutrina. Porfírio, que viveu no 3º século, escarnecia dos evangelhos e, em especial, da ressurreição. Caminhando para a Idade Moderna, deparamo-nos com o ceticismo de Baruch Spinoza, que viveu no século 17, e David Hume, que viveu no século 18. Ambos desacreditaram a possibilidade de haver milagres, sendo Hume o mais contundente. Em síntese, ele dizia que milagres não podem ser críveis porque, além de ferir as leis naturais, são acontecimentos isolados e raros. Se fossem verdadeiros, deveriam se repetir mais vezes ou até mesmo serem comuns como o raiar de um dia. supersticiosas que os frequentadores de igrejas. O ponto que abre nosso diálogo é a legítima pergunta que se faz diante de uma história como essa. Por que seria ingênuo crer naquela senhora, sendo que nossa fé é baseada nas palavras de um camponês da Galileia que disse que ressuscitaria? E existe um agravante: não há ninguém vivo para confirmar a veracidade do relato ocorrido há quase 2 mil anos. supunham que algo realmente estranho aconteceu naquela manhã de domingo (1% dos céticos chegou a dizer que achavam perfeitamente possível supor que Jesus ressuscitou literalmente dentre os mortos). É verdade que houve teólogos renomados como Friedrich Schleiermacher, Otto Pfleiderer e Rudolf Bultmann que empreenderam a construção de uma teologia cristã sem a crença na ressurreição corpórea de Cristo. Contudo, é impossível harmonizar sua proposta com a kerygma, isto é, o anúncio que encontramos no Novo Testamento. O apóstolo Paulo foi consistente em dizer: “E, se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa pregação, como também é inútil a fé que vocês têm” (1 Coríntios 15:14, NVI). VIDEOAULA 3332 Devemos dizer, de modo simples, que a conclusão de Hume sobre “ferir as leis naturais” resultava da ideia de um Universo mecânico com leis que valiam para qualquer parte do cosmos, o Universo de Aristóteles e Newton. Hoje sabemos que não é bem assim. A física quântica, por exemplo, revelou a existência de leis que colocam até o Universo de Einstein de cabeça para baixo. Ou seja, Deus não precisaria necessariamente quebrar leis para realizar um milagre. Bastaria usar leis desconhecidas por nós. Sabemos também que a afirmação de que os milagres são recusáveis por serem ocorrências únicas não faz sentido, pois, se assim fosse, nenhum físico poderia aceitar a teoria do Big Bang. Afinal, os que apresentam essa teoria como uma explicação para a origem do Universo dizem que tudo começou com um evento único e extraordinário. Do nada, tudo surgiu de repente. Isso teria acontecido numa explosão que durou apenas 1 tempo de Plank, o que equivale a 1 segundo dividido por 10 elevado a 43. Quer milagre maior do que esse? E ele não se repete no dia a dia. David Hume (1711- 1776) foi um filósofo, historiador e ensaísta britânico nascido na Escócia que se tornou célebre por seu empirismo radical e ceticismo filosófico. Probabilidade da ressurreição de Jesus Quais seriam as evidências que apontam para a veracidade da ressurreição de Jesus? Em primeiro lugar, devemos entender que eventos históricos são estudados com métodos apropriados à investigação histórica. Eu não posso usar exames periciais modernos para estudar o assassinato de Júlio César, que ocorreu há mais de 2 mil anos. Então esqueça essa ideia de DNA, exame de balística ou CSI. Fique tranquilo. Isso não significa que estamos completamente às cegas em relação ao que aconteceu num passado que não temos mais acesso. Nenhum pesquisador sério diria isso. Existem também alguns fatos que se tornaram, se não consenso, pelo menos a posição da maioria dos estudiosos e historiadores, até mesmo entre aqueles que não acreditam em Deus e Jesus Cristo. Os fatos são os seguintes: Jesus realmente existiu, foi condenado por Pôncio Pilatos e morreu crucificado, deixando Seu túmulo misteriosamente vazio. Isso, repito, é quase um consenso na academia. Há várias fontes não cristãs da antiguidade que atestam a historicidade de Jesus: Flávio Josefo, Tácito, Suetônio, Luciano de Samósata, Plínio, o Moço, e o Talmude. Além disso, a arqueologia confirma a existência de lugares e até mesmo pessoas mencionadas no processo dirigido contra Jesus, tais como: Pilatos, Simão Cireneu, Herodes Antipas e Caifás. Pergunta Pense no episódio em que Pilatos perguntou a Jesus: “Que é a verdade? Tendo dito isto, voltou aos judeus e lhes disse: Eu não acho Nele crime algum” (João 18:38). Ou seja, Pilatos não esperou a resposta de Jesus. O que você acha que poderia ter acontecido na vida de Pilatos se ele tivesse parado para ouvir? O que teria dito Jesus? Quais são as implicações para os que se negam a compreender a verdade? A outra questão a ser considerada é o que os historiadores chamariam de “atestação múltipla”. O evento é testemunhado por fontes independentes? Esse conceito seria mais ou menos assim: se pessoas em situações diferentes confirmam o mesmo evento, a chance de ele ter ocorrido aumenta exponencialmente. Veja, não se trata de dizer que mula sem cabeça é real porque pessoas que nem se conhecem falam a respeito dela. O critério é mais técnico do que isso. Também não é o caso de se esperar uma enxurrada de documentos que falem de Jesus. A difícil circulação de livros – que eram artigos de luxo no 1º século – somada à série de incêndios que destruíram importantes bibliotecas (Cartago, Jerusalém, Roma e Alexandria) fizeram com que muitas coisas se perdessem, principalmente documentos escritos. Hoje, historiadores e arqueólogos trabalham, em alguns casos, com fragmentos de história. Ao aplicarmos o princípio da “atestação múltipla”à Bíblia Sagrada, devemos considerar o fato de que existem três sinóticos, o evangelho de João, as epístolas paulinas e as gerais narrando o mesmo evento a partir de fontes independentes. O próprio fato de haver pequenas incongruências nos relatos bíblicos, diferente do que se possa imaginar, é algo positivo. Pergunte a um bom jurista como funciona a psicologia do testemunho. Ele lhe explicará algo mais ou menos assim: é possível que duas testemunhas falem a verdade e ainda assim divirjam entre si – as culturas e conceitos pessoais são agregados à pessoa. Toda testemunha capta apenas parcialmente o Depoimento de Flávio Josefo Alguém pode dizer que isso é pouco. E fora do cristianismo? Alguma fonte mencionou a ressurreição de Jesus? Bem, do grupo de autores não cristãos que mencionei acima, quero destacar o depoimento de Flávio Josefo, um autor judeu que tinha cidadania romana. Além de confirmar a existência de Jesus e a veracidade da morte Dele, Josefo disse que, segundo relatos da época, Jesus havia aparecido vivo aos apóstolos, que nunca mudaram sua versão dos fatos. O depoimento de Josefo é tão forte que alguns julgaram ser bom demais para ser verdade. Disseram que se tratava de uma interpolação feita por algum escriba cristão. Contudo, o texto em questão aparece com pequenas variantes em todas as cópias manuscritas que temos de Josefo, inclusive numa tradução feita para o árabe. Sua fraseologia e escrita também estão de acordo com o estilo literário encontrado nos textos do autor. Resultados do evento Outra coisa que devemos levar em conta é o resultado de um evento. Como um físico diz saber que o Big Bang aconteceu se ninguém estava lá para testemunhá-lo? Com base nos resultados que vemos no Universo observável. Seria como encontrar um cachorrinho com medo de tudo e concluir que ele certamente sofreu algum trauma que explicaria seu comportamento. Pequenos eventos podem ou não resultar em grandes consequências – como uma bituca de cigarro que provoca um incêndio. Grandes eventos, porém, inevitavelmente causarão grandes resultados. A explosão dos aviões no World Trade Center trouxe consequências não somente para os Estados Unidos, mas também para o restante do mundo. Assim, se a ressurreição de fato aconteceu, esse foi um evento extraordinário. Isso justificaria a mudança de pensamento num grupo de judeus e sua respectiva coragem de morrer afirmando que Jesus ressuscitou. Mais ainda, o surgimento do cristianismo se torna claramente compreensível. Esse seria um resultado esperável depois de uma experiência como a de ver Jesus ressuscitado. fato (o cérebro seleciona as informações ocorridas). Não existem depoimentos idênticos. Testemunhos iguais revelam que as testemunhas foram orientadas – a prova não é segura para lastrear a decisão, o que não demonstra que seja mentirosa. Logo, o fato de um evangelista narrar que as mulheres viram dois anjos e outro evangelista afirmar que elas viram apenas um, tudo isso, matizado com elementos centrais para os quais não há contradição (o dia do fato, a hora aproximada, o local, os que estavam presentes), mostra que os depoimentos foram espontâneos e não orientados. Aliás, somente o fato de os evangelhos afirmarem unanimemente que foram mulheres as primeiras pessoas que viram Jesus ressuscitado já indica a forma despretensiosa do relato, pois o testemunho de mulheres não tinha valor social, muito menos jurídico. Eles não teriam outra razão para contar o episódio de Maria Madalena encontrando-se com Cristo se isso não tivesse, de fato, sido assim. 3534 1 A. N. Sherwin-White, Roman Society and Roman Law in the New Testament (Oxford: Clarendon Press, 1963), p. xiii. Formação de mitos Mitos geralmente demoram para se formar de maneira sistemática. Alguns estudiosos, por exemplo, acreditam que o mito de Hércules surgiu da história de algum soberano em Argos que foi mitificada possivelmente séculos mais tarde. Ou seja, para que um evento histórico comum se transforme em mito é preciso passar um tempo considerável, a fim de que se consolidem o embelezamento do fato e a transmissão oral. Isso permite que as possíveis testemunhas não estejam mais vivas para desmentir os exageros. O historiador A. N. Sherwin-White argumenta – baseado nos estudos que fez em Homero – que por mais forte que seja a tendência de se produzir um mito, sua formação não é automática. Para o historiador, “a passagem de duas gerações ainda não é o bastante para fazer com que uma lenda se espalhe e passe a ser vista como verdade histórica”.1 Ora, os mais antigos relatos da ressurreição de Cristo vêm das cartas de Paulo, que datam apenas 20 anos após a morte de Jesus. Esse é um tempo muito reduzido para se produzir um mito. Paulo ainda sugeriu um exercício de investigação a quem quisesse se certificar dos fatos. Bastava perguntar a mais de 500 testemunhas que ainda estavam vivas (1 Coríntios 15:6). Nenhum mito é formado dessa forma! Versões alternativas para o túmulo vazio Voltando à questão do túmulo vazio, um dado pacificamente aceito no mundo acadêmico, chama-nos a atenção o fato de que teólogos e historiadores europeus, não aceitando que Jesus realmente houvesse ressuscitado, sentiram-se na obrigação de apresentar uma versão alternativa para o que teria acontecido e o que justificaria o túmulo vazio e a reação dos discípulos. Hermann Samuel Reimarus disse que os discípulos, para manter o status que tinham como pregadores, roubaram o corpo e espalharam o boato da ressurreição. Friedrich Schleiermacher aprovou a teoria do desmaio, assumindo a visão de que Jesus nunca morreu na cruz. David Strauss e Ernest Renan disseram que as aparições de Cristo eram “visões subjetivas” (alucinações) da mente dos discípulos por causa da angústia que sentiram em virtude da morte do Mestre. Não eram charlatões, mas visionários ingênuos. Rudolf Bultmann disse que a ressurreição era simbólica e que Jesus revivera na pregação dos apóstolos. Enfim, são muitas propostas, e algumas até mesmo hilárias. Uma delas supunha que os discípulos foram ao túmulo errado; outra afirma que Jesus tinha um irmão gêmeo que morreu em Seu lugar e, quando este apareceu, julgaram que houvesse ressuscitado. E tudo isso foi dito na academia! O mais interessante é que essas versões alternativas propostas por estudiosos liberais provaram ser refutações umas das outras. Eram hipóteses competitivas. Schleiermacher e Heinrich Paulus atacaram várias teorias da visão subjetiva. Strauss refutou a teoria do desmaio com sua análise criteriosa. Até mesmo os que defendiam a tese da lenda, como Otto Pfleiderer, admitiram que não poderiam explicar completamente os dados da ressurreição de Jesus. Com base nisso, voltamos à proposta de Hume. Ele dizia que, quando duas ou mais hipóteses concorrem para a explicação de um evento, devemos procurar a mais lógica. E ele está certo, não em suas conclusões, mas no método proposto. Podemos ainda acrescentar a esse conceito uma fala do famoso detetive Sherlock Holmes, personagem de Arthur Conan Doyle: “Uma vez eliminado o impossível, o que restar, não importa o quão improvável seja, deve ser a verdade.” Em outras palavras, considerando que os próprios críticos se refutam entre si, percebemos que a versão bíblica da ressurreição ainda é a mais plausível e harmônica com todos os fatos que dispomos. Isso é tão verdade que o rabino Pinchas Lapide e o filósofo Antony Flew, dois respeitadíssimos intelectuais da academia, foram confrontados com alguns argumentos que você leu neste estudo e mudaram de opinião, passando a acreditar na historicidade da ressurreição de Jesus. Lapide, diga-se de passagem, nunca se tornou cristão; e Flew, apesar de renegar o ateísmo, não se filiou formalmente a nenhuma igreja. A conclusão de ambos se deu
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