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JI .... Capitulo 9 Dinâmica do Campo Psicológico Nos CAPÍTULOS ANTERIORES PROCURAMOS caracterizar a estrutura do campo psicológico e os concei tos dinâmicos que seriam utilizados na explicação do com portamento. Vimos que nem a topologia nem a hodologia lewinianas pretendem desempenhar o papel de teoria psi cológica, pois sua função é a de servirem de instrumentos conceituais para uma elaboração teórica que foi iniciada por Lewin mas que não chegou a ser completada. E' inú til, portanto, procurarmos nos textos lewinianos uma teoria completa e acabada capaz de explicar todo e qualquer comportamento psicológico. Por várias vezes tivemos ocasião de falar em campo psicológico e chegamos mesmo a apontar suas caracterís ticas mais gerais no capítulo 5. Porém esta noção precisa ser bem esclarecida a fim de que possamos evitar analogias simplistas que favoreceriam uma atitude reducionista, con trária ao que pretendia Kurt Lewin. 9.1. Conceito de campo psicológico. - O conceito de campo psicológico supõe que tudo aquilo que .afeta o com portamento num momento dado deve ser representado co- Psicologia Estrutural - 10 135 mo parte integrante do campo existente naquele momento. O campo não deve por(·m ser compreendido como uma realidade física, mas sim ferwm0nica. ;-.;ã,> são apenas os fatos físicos que produzem efeitos sobr1: l) comportamentu. O campo deve ser repn:sentado tal comti ele existe para 0 indivíduo em questão num dcter111inatl< 1 m11mento. e não como ele é em si. Para a constitui(;ão Lk:-k campu, as ami zades, os objetivos conscientes e inconscientes, os sonhos e os medos, são tão essenciais como qualquer ambiente físico. ' O que se denomina campo psicoló!!,ico é, portantt>, o espaço de vida considerado dinamicamente, isto é, a to talidade dos fatos coexistentes e mutuamente interdepen dentes, compreendendo tanto a pessoa como o meio. Ao se dizer que o campo se constitui tal como ele existe para o sujeito, não se pretende com isto que ele se esgote na percepção que o indivíduo tem dele. O espaço de vida compreende todas as variáveis psicológicas. Há, no entanto, outras variáveis, não-psicológicas, que também fazem parte do campo. Destas, algumas têm incidência direta sobre o comportamento da pessoa e outras não interferem direta mente mas apenas indiretamente sobre seu comportamento. As variáveis não-psicológicas podem ser sociais, biológicas, ou físicas. As que possuem incidência direta. sobre o com portamento operam na chamada zona de fronteira. Podemos então dizer que o campo psicológico se cons titui de: 1. Espaço de vida: que compreende todas as variáveis psicoló gicas. Possui duas regiões distintas: pessoa e meio; 2. Zona de fronteira: é a zona de incidência das variáveis não psicológicas. 9.2. O Espaço de vida. - Numa abordagem de tipo "classe" (aristotélica), pessoa e meio são considerados como enti dades isoladas. As propriedades que definem a pessoa independem das que definem o meio, e este é visto como uma entidade em si que se mantém invariável, num mesmo 1 LEWIN, 104, p. 269. 136 instante, para diferentes 'Jbservadores. Pessoa e meio �e relacionam em termos de puras exterioridades; este fun cionando como objeto de satisfação ( ou de impedimento à satisfação) das necessidades da pessoa, e esta possuindo características fixas que se manifestarão independentemente daquele. 0iuma abordagem de tipo "campo" ( lewiniana). o estado da pessoa e o do seu meio não são independentes um do outro. O mesmo ambiente físico pode apresentar-se com determinado significado a um observador e com outro sig nificado, completamente diferente, para outro, o mesmo acontecendo em relação à mesma pessoa em diferentes mo mentos. Assim, uma pessoa passeando por um campo, ca minha despreocupadamente, apreciando a paisagem, sem saber que se trata de um campo minado. Avisada por uma outra pessoa do perigo por que está passando, sua con duta muda completamente, mudando também o significado da situação. Passará a investigar cuidadosamente cada pal mo do terreno, pisando com o máximo cuidado e encarando cada passo como um martírio a se repetir até que a si tuação seja ultrapassada. As próprias características geo métricas da região se alteram. O pequeno descampado por onde passeava passa a ser visto como possuindo dimen sões estarrecedoramente grandes. Os centímetros se trans formam em metros e estes em quilômetros, e o próprio tempo se dilata fazendo com que os minutos se tornem eternos. Se a pessoa não tivesse sido avisada de nada ( e se tivesse sobrevivido!) provavelmente relataria a um amigo o passeio que havia feito por um belo e agradável campo. Considerar portanto o estado da pessoa e do meio "ob jetivamente" não é reduzir todas as suas características a algumas consideradas importantes para uma determinada ciência apenas ( como a física, por exemplo). O significado do meio comportamental não reside nos aspectos geográ ficos que ele possui, mas depende da relação que este man tém com uma pessoa determinada, num determinado mo mento. Tal como na figura ambígua de Rubin, a mesma realidade física pode apresentar-se com dois significados distintos e perfeitamente definidos (fig. 45). 137 Explicar o comportamento como uma resposta a um meio físico imutável é o mesmo que apresentar um desenho, como o da figura 45, a uma pessoa e tentar explicar seu com portamento como uma resposta às duas faces quando na realidade ela está percehendo uma taça. Fig. 45 O fato de a mesma realidade física poder ser percebida de diferentes maneiras por uma criança e por um adulto ou pela mesma criança e o mesmo adulto em circunstâncias diferentes fez com que Lewin, na sua fórmula para o comportamento: C = F (P,M), completasse: M = F(P) e P = F(M). Quando dizemos portanto que o comportamento depende do estado da pessoa e de seu meio, pessoa (P) e meio ( M), têm que ser considerados como variáveis mutuamente dependentes ou, em outras palavras, como uma constela ção de fatores interdependentes. O objetivo do teórico em psicologia, é determinar esta função (F) que relaciona di namicamente pessoa e meio. 9.3. A estrutura cognitiva do espaço de vida. - A estru tura do espaço de• vida se refere às relações de posição que as partes mantêm entre si. Vimos em 6.3. que o espaço de vida de um recém-nascido apresenta as características de um campo muito pouco diferenciado, isto é, com pou- 138 cas áreas distintas. A crescente diferenciação deste campo num número cada vez maior de regiões, caracterizará o processo de desenvolvimento. Inicialmente, se dará uma dis tinção entre o eu e o não-eu, em seguida haverá uma ex pansão do espaço de vida em relação ao tempo psicoló gico e uma crescente distinção entre o nível de realidade e de irrealidade. Segundo Lewin, a velocidade com que o espaço de vida aumenta em finalidade e grau de diferenciação durante o desenvolvimento, varia bastante. São as seguintes as prin cipais diferenças entre dois estágios do desenvolvimento de uma criança no que se refere à dimensão realidade irrealidade e à perspectiva de tempo. 2 1) Um aumento na finalidade do espaço de vida em relação: a) ao que é parte do presente psicológico; b) à perspectiva de tempo na direção do passauo e futuro psicológicos; e) à dimen.: são realidade-irrealiuaue; 2) Uma crescente diferenciação de caua nível do espaço de vida numa multidão de relaçt>es sociais e áreas de atividades; 3) Uma organização crescente; 4) Uma mudança na fluidez ou na rigidez geral do espaço de vida. Uma das condições básicas para se determinar a estru tura do espaço de vida, é a de se estabelecer a posição da pessoa dentro dele. A importância dessa determinação está ligada ao fato de que o comportamento pode ser visto como uma mudança de posição da pessoa ou como uma mudança de estrutura. Ao ser determinada a posição da pessoa dentro do es paço de vida, ficam também caracterizadas sua vizinhança, suaspossíveis locomoções, a qualidade de seu meio ime diato e quais passos têm o significado de uma ação em direção ao objetivo e quais os que correspondem a uma ação fastando-se do objetivo. J A importância da determi nação da pessoa no espaço de vida pode ser exemplificada 1 LEWIN, 112, p. 276. • Op. cit., p. 279. 139 pela relação de pertinência ou não desta pessoa em relação a um determinado grupo. "Pertencer ou não a um grupo equivale a ter uma posição dentro ou fora cio grupo. Esta posição determina os direitos e deveres do indivíduo e é decisiva quanto à sua ideologia". ' O grupo em questão pode ser profissional, esportivo. religioso, etc. No capítulo 6 apresentamos vários exemplos de mudança na estrutura cognitiva do espaço de vida. Aqui, queremos apenas assinalar, esquematicamente, os vários tipos de mu dança que se podem dar como": 1) um aumento na di ferenciação de uma região, acarretando o surgimento de novas sub-regiões; 2) uma combinação de regiões distin tas em uma única região; 3) um decréscimo no número de sub-regiões dentro de uma região; 4) a separação de sub regiões previamente conexas, em regiões independentes; 5) uma reestruturação, isto é, uma mudança nas posições relativas das regiões, sem que ocorra simultaneamente um aumento ou diminuição de diferenciação. 9.4. Fluidez, elasticidade e plasticidade. - As mudanças na estrutura do espaço de vida dependem de fatores dinâ micos que permitem uma maior ou menor locomoção. No entanto, a locomoção está diretamente relacionada ao grau de resistência que as fronteiras podem oferecer. Uma bar reira muito sólida pode impedir ou tornar extremamente difícil a locomoção e, conseqüentemente, uma mudança na estrutura do campo. A maior ou menor facilidade com que uma mudança pode ocorrer depende dos diferentes graus de fluidez do campo. Uma situação é tanto mais fluida quanto menor for a força necessária para produzir uma modificação. O grau de fluidez de um campo desempenha um impor tante papel em todos os processos psicológicos e é uma propriedade dinâmica fundamental deste campo. Regiões que apresentam um alto nível de irrealidade geralmente cor respondem a um grau de fluidez maior do que as regiões de alto grau de realidade. • • Op. cit., p. 281. • Op. cit., p. 282. 1 LEWIS, 59, p. 160. 140 Lewin nota que, em relação à criança, procuramos man ter um alto grau de solidez no que se refere a certas re giões do seu espaço de vida, tais como as tarefas de ro tina (vestir-se, larvar-se, comer, dormir, etc ... ), e man temos uma relativa fluidez em regiões nas quais a criança precisa manter-se mais livre. As noções de fluidez e de tensão estão intimamente re lacionadas entre si. Sabemos que o conceito de tensão se refere ao estado de um sistema que tende a se igualar ao estado dos sistemas vizinhos. Assim, considerando-se que b51 e bs2 designam as fronteiras dos sistemas SI e S2 e que b 51 • b 52. designa a interseção entre ambos: se t(S1) =/= t(S:!) e b51 • b5z =I= O, haverá uma ten- dência à mudança, de tal modo que t(S1) = t(S2). Se representarmos a diferença de tensão entre os dois sistemas vizinhos, no momento em que as tensões se for mam, por: !t(S1) - t(Si)I O, o tempo decorrido a partir deste mo mento por ti, e a fluidez por fl, podemos dizer que: !t(S1) - t(S:!)I O - !t(St) - t(S:?)I ti = F(ti,fl), isto é, a mudança na diferença de tensão nos sistemas vizinhos é uma função de intervalo de tempo e da fluidez. 1 A hipótese aqui defendida é a de que a persistência de um estado de tensão implica numa estabilidade dinâmica do sistema e que esta decorre da pouca fluidez do meio. Um meio muito rígido dificulta ou impede a tendência do sistema a se equilibrar com o sistema vizinho. Zeigarnik ', discípula de Lewin, procurou mostrar através de trabalhos experimentais que se fosse possível caracterizar um fator responsável pelo aumento de fluidez de um sistema, a ten são não permaneceria. Encontrou que a fadiga pode cor responder a este fator. Tomando como base seu trabalho sobre a evocação de tarefas interrompidas e levando em conta que evocamos mais facilmente uma tarefa interrompida ( e portanto in completa) do que uma completada, porque em relação à primeira permanece um estado tensional não resolvido, T LEWIN, 112, p. 16. 1 LEWIN-ZEIGARNIK, 20, p. 104. 141 Zeigarnik elabora uma situação experimental na qual in troduz a variável fadiga. Hipótese: fl ( P fatigada) > fl ( P não fatigada). Por- . RI . , tarefas incompletas recordadastanto, o quociente-, isto e, -------------- RC tardas completas recordadas será menor nos sujeitos fatigados do que nos sujeitos não- fatigados. A prova experimental mostrou que os sujeitos fatigados durante o desempenho e a recordação tiveram o quo- ciente � = 0,7. Os fatigados durante o desempenho da RC tarefa, mas não fatigados durante a recordação, tiveram um quociente igual a 0,6. Os não-fatigados durante o de sempenho, mas fatigados durante a recordação, tiveram um quociente igual a O, 1. • Outro fator em função do qual varia o grau de fluidez de um sistema é o seu nível de maior ou menor realidade. O trabalho experimental foi realizado por Brown 10, e a hi pótese testada foi a de que os níveis de maior irrealidade ( correspondentes aos desejos e sonhos) são mais fluidos do que os de maior realidade, isto é, que fl = F (grau de irrealidade). A prova experimental realizada por Brown está sujeita a críticas, pois o próprio Lewin assinala que "é possível que o experimento de Brown não se refira, realmente, a diferenças de grau de realidade, mas a diferenças entre atividades mais periféricas em relação às mais centrais, de nível de realidade aproximadamente igual. Nesse caso, seu experimento mostraria que a região mais periférica de uma pessoa é mais fluida". 11 A falha na demonstração experimental de Brown não elimina porém a hipótese de Lewin, apenas o experimento deixa de ter validade como comprobatório da hipótese. No entanto, a verificação empírica ( não em termos de um experimento mas através da experiência cotidiana) da maior • LEWIN, 112, pp. 16-19. 10 BROWN, 121. 11 LEWIN, 112, p. 17. 142 fluidez do nível de irrealidade não é difícil de ser feita. Quando uma pessoa se encontra numa situação na qual tem que atingir um objetivo e não encontra meios de fazê-lo, ela pode encontrar soluções substitutas através de meca nismos mágicos, ou mesmo negar a existência do problema. Barreiras reais são muito mais facilmente transpostas .no nível do sonho e da fantasia do que no próprio nível de realidade em que ele se apresentou. Uma criança pobre, que não pode ter um revólver de brinquedo pode trans formar um pedaço de pau no objeto desejado ( sem que construa realmente um revólver com o pedaço de pau). Neste caso, a barreira econômica é superada pela fantasia. Da mesma forma, qualquer cabo de vassoura pode subs tituir um cavalo. O indivíduo tímido que teme aproximar-se da mulher amada pode desenvolver um amor platônico e realizar, atra vés de fantasias, as mais românticas situações. A psicanálise nos fornece um mundo de casos exemplares de realizações substitutas devido à rigidez do nível original de realidade. Em geral há também mais fluidez em situações de brin cadeiras de que em situações consideradas senas, pois nas primeiras as barreiras são mais facilmente eliminadas e os objetivos alterados do que nas últimas. Há, segundo Lewin, duas maneiras de representarmos graus diferentes de fluidez. 12 A primeira é atribuindo-se às diferentes regiões, consideradas como totalidades, a carac terística qualitativa de maior ou menor mutabilidade. A se gunda é atribuindo-se às fronteiras das regiões, graus dife rentes de solidez. A utilização de uma ou outra represen tação dependerá do caso concreto apresentado. A maior flui dez de um determinado campo pode ser determinada tanto pela quebra ou enfraquecimento de suas barreiras como pela própria naturezadas regiões como todos. E' mais fácil ocorrer uma locomoção no interior de uma região cuja ri gidez é determinada pela solidez de suas fronteiras do que numa outra cuja rigidez decorre de sua própria natureza interna." u LEWIN, 59, pp. 160-HH. 11 lbid. 143 A noção de fluidez está ligada à noção de elasticidade. Por elasticidade, Lewin entende a tendência que apresenta uma região modificada de retornar a seu. estado original. A fluidez e a elasticidade correspondem à plasticidade, isto é, à facilidade com que uma mudança relativamente du rável e estável pode ter lugar na estrutura da região." 9.5. Ecologia psicológica. - Lewin confere muita impor tância à zona de fronteira. Denomina de "ecologia psicoló gica" o estudo das relações entre as variáveis psicológicas e as variáveis não-psicológicas ( estas operando na zona de fronteira). A relação entre fatores psicológicos e não-psicológicos é um problema conceituai e metodológico básico em todos os ramos da psicologia, desde a psicologia da percepção até a de grupos. Uma compreensão adequada desta relação deve ser alcançada antes de se poder responder às várias questões propostas nos esforços feitos para se alcançar uma integração das ciências sociais". , .. A primeira análise de um campo é feita do ponto de vista de uma ecologia social, isto é, através dos fatores não-psicológicos geográficos, de comunicação, de lei do lugar, enfim, das limitações externas que se impõem ao grupo e ao indivíduo. O psicólogo tem que conhecer estes dados não-psicológicos para poder saber como eles determinam as condições limítrofes da vida do indivíduo ou do grupo. Tanto o processo perceptivo como a própria execução de uma ação estão relacionados com o mundo físico e social que afetam esta zona limítrofe do , espaço de vida. Clude Faucheaux, na introdução de uma das colt!tâneas de artigos de Lewin ", nos fornece um exemplo de relação ecológica entre campos psicológicos de indivíduos e o cam po psicológico de um grupo ao qual estes indivíduos per tencem. Tanto o comportamento dos indivíduos será, em parte, determinado pelas normas do grupo, como o próprio comportamento do grupo será limitado pelas variáveis psi- ,. Op. cit .. pp. '161-162. " LF.Wl:-1, 92, p. 193. 11 LF.Wl:-1, 57, p. 17. 144 cológicas dos indivíduos. Isto equivale a dizer que certas variáveis do grupo se situam na fronteira do espaço de vida dos indivíduos, assim como certas variáveis psicoló gicas dos indivíduos se situam na fronteira do espaço de vida do grupo. A noção de campo não é originária de Lewin. Em verdade, antes dele, esta noção havia sido apresentada por Kõhler. ,: Inicialmente aplicada ao estudo do processo perceptivo, esta noção foi reelaborada por Lewin através do conceito de tensão e aplicada a todo comportamento psicológico. A noção de campo tornou possível a utilização da cons trução "sistema em tensão" para representar as necessida des psicológicas. "Um campo de força correlaciona a cada região do campo a intensidade e a direção da força que irá atuar sobre o indivíduo, se ele estiver nesta região". u Lewin chama a atenção para o fato de que o conceito de campo de forças não implica em que a força· esteja atuan do numa região, que seria o indivíduo, mesmo que este indivíduo não estivesse nessa região. Um campo de forças é condicional, isto é, ele é composto por forças que exis tiriam na região se o indivíduo estivesse ali localizado. Lewin compara dois tipos de teorias para mostrar como se deve entender um campo de forças. 19 O primeiro tipo, que se poderia denominar de teoria fisiológica, explica o comportamento como resultado de um estado interior da pessoa ( incluindo os "estímulos internos"). Segundo esta teoria, o comportamento seria explicado através de um es tudo detalhado da maneira segundo a qual o sistema motor depende de outras regiões da pessoa. O outro tipo de teo ria considera que este tipo de explicação é insuficiente por enfocar apenas um aspecto da questão ( a relação en tre o estado interno e o comportamento). ' De acordo com a segunda teoria ( que expressa a posi ção de Lewin), os seguintes aspectos teriam que ser en fatizados: 1. As forças para as locomoções não podem ser deduzidas, lo gicamente, apenas da tensão da pessoa. 1t KõHLER. · 151. 11 LEWIN, 66, p. �O. 1t Op. cit., p. 106. 145 2. Há uma relação entre certas tensôes das regiões intrapessoais t: ct'rta:-- \'alência:-; d,, meio. Tanto a existência como a intensidade da ,·alência nã,, lkcorrt'm somt'ntt' da tensão Ja pessoa mas tam hém dt' ct'rto:-- fatores não-psicológicos. J. Da mt'sma iorrna, tensão e forças rara a locomoção sã" correlacionadas. A t'xistência dt' urna valência é equivalente à exis tência tlt' um carnp" de iorças. '" Assi111: A força fpo, que provoca a locu111oção do indivíduo P, 0 função da 1 necessidade ou da tensão da pessoa, dos fa tures não-psicológicos que afetam a valência e da posição relativa da pessoa e da valência. A segunda teoria, ao invés de deduzir logicamente as forças a partir da tensão, se baseia em duas hipóteses in dependentes. A primeira relaciona a necessidade com a ten são intra pessoal ( "sempre que houver uma necessidade psi cológica, haverá um sistema em estado de tensão no in divíduo"). A s�gunda hipótese relaciona este estado da pessoa a certas propriedades do meio ( Va (O) = F ( t,O). 9.6. Necessidade, tensão e locomoção. - Uma necessidade corresponde a um sistema de tensão da região interna da pessoa, de tal modo que sua satisfação corresponde à di minuição da tensão dess;.! sistema. Uma necessidade ( ou várias combinadas) pode dar ori gem a necessidades derivadas que Lewin chama de "quase necessidades". 21 Não há relação entre o termo "quase" aqui utilizado com o que foi utilizado anteriormente para designar os fatos "quase-físicos", "quase-sociais" e "quase conceituais". Uma quase-necessidade é uma necessidade de menor intensidade e que equivale a intenções específicas. Para Lewin a valência de uma atividade ou de um ob jeto está relacionada à sua possibílidade de satisfação de uma necessidade, o que não implica na identificação entre .,, Op. cit.. p. ICJ7. ti 1.t-:WI.\'., IIJ�. p. 3(Jti. 146 valência e satisfação, pois assim como há tarefas que pos sue111 valência positiva e não são acompanhadas c.le satis façã1J, quando terminadas. há outras que apesar de pos su ín.:111 valência m:gativa plldem produzir satisfação.== O estado das necessidadL·S afeta f úndamentalmente a es trutura cognitiva do L'SpaÇ<> de vidà. tanto a do presente C<)lll0 as dll passad11 L' futur<> psic1Jlc'>gic()S L' �L'll deito de pendl' da intensidade da necl'ssidac.k e da fluidez das áreas correlatas do espaçll de vida." Num dos experimentos realizados por Zeigarnik com a finalidade de comprovar experimentalmente a teoria de Le\\'in. foi verificada a Cllordenação entre as necessidades psic<>lt">gicas L' llS sistemas de tensão. A hipótese inicial 0 a de que a intenção de alcançar um llhjetivo determinadll (O) corresponde a uma tensão ( t) num determinado sistema ( S") dentro da pessna de modo que t ( S") > O. Essa tensãll é descarregada se o objetivo L' alcançado. Esta hipótese permite ainda correlacionar a intensidade da tensão cnm a intl'nsidade da necessidade.,. Uma necessidade ou quase-necessidade pode modificar consideravelmente a estrutura do campo se ele for suf i cientemente fluidu. Já vimos que a fluidez de um campo depende de sua maior ou menor resistência à locomoção. Assim sendo, st.: quantidades diferentes de tensão são man tidas por considerável intervalo de tempo, podemos supor que este campo não é muito fluido, pois se assim fosse, 4ualquer diferença entre os níveis de tensão dos vanos sistema� desapareceria em função da tendência que possui cada sistema de se igualar com o sistema vizinho. O oposto também é verdadeiro. "Uma pessoa não pode ser conside rada inteiramente rígida. Se assim fosse,o efeito que uma necessidade tem sobre as outras e sobre o nível de tensão da pessoa como um tudo não pude ria ser avaliado. Uma pessoa, portanto, tem que ser concebida como possuindo um grau médio de fluidez na intercomunicação dos seus sistemas de tensão". � A fluidez aumenta à medida em que => llp. cit.. p. JOi. "' lbiJ. •• 1.t-:WI'.\, 111-t. p. 19. Este aspecto será abordado mais detalhadamente no cap. l '..!. ·� flp. cit .. p. 15. 147 passanws du nível de realidade para o nível de irrealidade, razà1l pela qual este último é mais facilmente influenciad<1 p, ir desejos e medos . . .\ satisfaçãn d� uma necessidade podl' ser realizada tan tll alcançando 11 objetivo original como um objetivo substi tutll. SL"gundo Lewin, a intenção Lk realizar uma determi nada açã,i L'l]Uivak à criaçãn de uma quase-necessidade e, p,:rtantll, enquant() ela não for satisfeita. L'Xistará uma força c11rresp11ndente à rl'gião-objetivu capaz de provocar uma l()C<llll<JÇã11. Os experimentos de ZL"igarnik sobre tarefas in terrompidas L' t!S de Ovsian kina sobre a ressunção de ta rd;is intL·rr11111pidas são hastanlt' esclarecedores a respeito dL·SsL· prohkma. (Juando a satisfa½·ão original (· impt:dida, pude dar-se urna satisfaç5,1 substituta. Esta pode passar-se tanto no nín:I Lk realidade CtJ111u 1111 niv1.:I da fantasia. A satisfação substituta nu nível da fantasia (· mais comum devido ao fato, já visto acima. de que nl'sk nível há maior fluidez e, portanto, menor resistência à a�·ã11. Freud deu enorme im portância à satisfação no nível da fantasia, principalmente através do sonho. Lewin conclui em "The Conceptual Representation and the Measun:ment of Psychological Forces" que o mais fun damental e mais geral efeito de uma necessidade é a ten dência a mudar a estrutura do meio. "A necessidade con duz a uma mudança do meio tanto através de uma rees truturação cognitiva como através de uma mudança da es trutura através da locomoção" .16 9.7. Situações transvariantes. O espaço de vida é quase sempre composto por campos que se superpõem. Um aluno que durante uma aula pensa no que fará nas suas férias está envolvido, ao mesmo tempo, em duas situações. Uma pessoa empenhada em escrever uma carta está, igual mente, envolvida em duas atividades: dar sentido ao texto e escrever símbolos. O mesmo ocorre em uma situação de escolha. t◄ LEWI:\. ôô. fl. IO!J. 148 Comu o comportamento implica numa resultante de for ças, torna-se necessário determinar a n:sultante das forças de campos superpostos e. cspcciallllenk. determinar os pon tos ou regiücs dl' L'quilihrio ckntrn do campo.:: O L'nvolvimcnto da ressoa em cada uma das situações e represcntadu pL'la "potência rclati\'a" de cada uma: Po ( S 1) e Po ( S:!). SL' uma criança é: obrigada a fazer os deveres ao ml'snw tempo que ouw o barulho de seus ami gos brincando na rua, podemos supor que a potência da situação "fazer os deveres" ( Po ( S 1) ) é menor do que o da situação "saber de que seus amigos estão brincando" (Po (S:!) ). Os campos superpostos podem implicar numa escolha en tre duas valências positivas .. .\ existência de duas valên cias positivas não envolw, nect:ssariamente, uma situação Lk conflito. pois as forças relativas a cada uma podelll estar voltadas para a mesllla direção. Nt> caso de as valên cias não se encontrarem na mesma direção, a pessoa pode rct:struturar o campo no sentido de isto acontecer. Lewin cita ll exemplo do aluno que deseja estudar e ao mesmo tempo estar com um amigo. Ele pode interessar o amigo no assunto de seu estudo. Caso consiga, a situação será idêntica à apresentada anteriormente." Pode dar-se também o caso de uma escolha entre duas valências equidistantes mas incompatíveis.� Neste caso ha verá conflito. Esta situação pode ser representada por um indivíduo num labirinto em V ( fig. 46). A pessoa P está localizada em A. As regiões O 1 e Qt possuem valência positiva e as regiões E e D são tais que e A d = e A 02 • B, representa uma barreira intransponí v1:I� que cerca A,E,D.01 e Qt. Podemos dizer que dA,0 1 é oposta a dA ,d porque wd . 02 => wA,0 2. e que as forças f A,o' e f A 0 2 são opostas em direção. 10 Há o caso ainda da escolha entre três ou mais valên cias positivas. Suponhamos uma situação em que a pessoa tenha que escolher entre três diferentes valências positi- .., Lt'WI:-.. ôô. p. 176. 1' Op. cit.. p. 175. :, l.r.WI:-.. ôô. p. 175 . .., Lt'WI:-. apresenta vários tipos de escolha entre duas val!nci11s positivas. 11 acima apresentado ,: o. mais simples. Psicologia Estrutural - 11 149 Fig. 46 vas O 1, Q:.? e Q:i e apenas uma delas possa ser obtida. No caso anterior, escolha entre duas valências positivas equidistantes, utilizamos como exemplo a situação de um indivíduo face a um labirinto em V; vamos utilizar agora um lahirinto de múltipla escolha (fig. 47). 11 02 E B f A,02 Fig. ,H Neste caso, assim corno no anterior, d A 01 é oposta a dA,d; dA,Ó é oposta a dA,d'; e dA,o 1 é o'posta a dA,cJ· Portanto, a direção para cada urna das metas é oposta a cada urna outra. Lewin salienta que tal situação é impos sível de ser representada num espaço euclidiano, pois que nele, para duas equações destas, haveria pelo menos duas u Op. cit., p 186. 150 direções que seriam iguais. A situação, tal como se apre senta, so1111:11te é possível num espaço hodológico. Para se determinar a resultante das forças f A 0 1 +. l � , f A, O + f A o , kvam-se em conia duas das forças em questão (quaisquer) e antes de se considerar a terceira força, espera-se o resultado da primeira escolha. "Se, por exemplo, o indivíduo considerar inicialmente O 1 e Q:? e escolher O 1, esta decisão muda o espaço de vida de tal forma que a potência da região que contém Q:? se aproxima de zero. Daí por diante, apenas a força correspondente à valência preferida O 1 deve ser considerada. A escolha entre as valências restantes Qt e Q:J é feita da mesma maneira que seria no caso de existirem apenas duas va lências desde o início" .21 Podemos conside�ar como exemplos de situações trans variantes as seguintes 33; 1) Atividades sobrepostas - é o caso de uma situação que envolve duas atividades dis tintas e simultâneas. Geralmente uma delas é primária e implica num nível maior de construtividade e envolvimento, enquanto que a outra é secundária e mais automatizada. E' o que acontece com uma pessoa que está dirigindo um automóvel e ao mesmo tempo envolvida numa conversa in teressante com outra pessoa, ou então o caso de um in divíduo que está batendo à máquina uma carta. Nos dois casos, há uma atividade primária ( o dar sentido à con versa e à carta) e uma secundária ( dirigir o automóvel e bater à máquina). 2) Decisão - Uma situação de esco lha é uma situação transvariante. A opção implica em que o indivíduo se coloque no ponto de superposição de duas situações. A potência de cada uma depende da pessoa e da natureza do objetivo, e será tanto mais conflitiva quanto maior for a semelhança entre a intensidade das valências. Quanto maior for o conflito, maior será o tempo de de cisão. 3) Situação imediata e Background - Trata-se aqui de superposição de uma situação imediata e de outra mais geral. Um background de frustração pode diminuir o nível de aspiração e de construtividade. Podemos consi derar como exemplo deste caso a situação de uma criança a2 LEWIN, 66, p. 188. • LEWIN, 112, pp. 302-305. 151 que esteja vivendo um problema em casa e apresentando mau rendimento na escola. 4) Grupo e Indivíduo - Uma situação corresponde tanto às necessidades do indivíduo como às do grupo do qual ele faz parte. O conflito surge quando os objetivos de um divergem dos objetivos do ou tro. Pode também surgir um conflito entre as exigências dos vários grupos dos quais o indivíduo faz parte ( família, trabalho, amigos, igreja, etc ... ) . A conduta de um ado lescente é a resultante muitas vezes do conflito entre as exigênciasde sua família e a necessidade de se ajustar aos valores do grupo de amigos. Logo, o campo psicológico compreende o conjunto dos fatos que existem num determinado momento para o in divíduo (C 1 = F (S1) ). Estes fatos se referem tanto a variáveis psicológicas como a variáveis não-psicológicas, assim como aquelas que possuem incidência direta sobre o comportamento e às outras que apenas indiretamente in cidem sobre ele. As variáveis psicológicas ( percepções, mo tivações, ideais, necessidades, etc ... ) constituem o espaço de vida e se referem tanto à pessoa como ao meio ( feno menal). As variáveis não-psicológicas ( sociais, físicas e biológicas) incidem sobre a zona de fronteira e constituem o objeto de estudo da ecologia psicológica. O comporta mento do indivíduo será o produto da inter-relação dinâ mica de todos estes fatores num determinado momento: No capítulo 12 procuraremos esclarecer a dinâmica deste comportamento através do conceito de motivação. 152
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