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A ineficiência da inclusão do aluno deficiente auditivo na UFJF e a limitação de seus direitos fundamentais Ana Luiza Leal Aroni Mariana Rufino Moreira da Silva Stephanie Cristina França Miller Introdução O art 205 e 206, I , da Constituição Federal versam sobre a obrigatoriedade 1 da oferta do ensino pelo Estado a todos os brasileiros, sem diferenciações. Nesta perspectiva, a inclusão dos alunos portadores de necessidades especiais no ensino superior deve ser cumprida de modo a resguardar os princípios à igualdade e dignidade humana, nos termos da Constituição. Segundo o Censo de 2010 realizado pelo IBGE, 9,7 milhões de pessoas têm deficiência auditiva. No Brasil, o acesso à educação para essa minoria teve início no governo imperial de Dom Pedro II, com a criação da primeira escola de educação de meninos surdos em 1857, no Rio de Janeiro. No decorrer deste trabalho, aspectos referentes à inclusão dos alunos deficientes auditivos na Universidade Federal de Juiz de Fora serão expostos para análise da eficácia - ou não - das alternativas oferecidas pela instituição, verificando se há o cumprimento do dever estatal de proporcionar igualdade de direitos a todos os indivíduos. I Inclusão A inclusão é o ato de permitir, favorecer ou facilitar o acesso e permanência de indivíduos diferentes aos diversos ambientes da sociedade, dentre eles do ensino superior. Rápidas mudanças sociais permitiram que esse fenômeno de 1 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; democratização encontrasse mais possibilidades de efetivação, por meio de alterações no pensar pedagógico. Antigamente, pensava-se que a inclusão realizava-se plenamente apenas por meio de instituições de ensino especiais. Contudo, diferentes visões foram ganhando espaço, e passou a entrar em voga uma teoria que percebe o educando como um ser autônomo, dotado de capacidades que vão além das limitações particulares de cada um, possibilitando a realização da inclusão educacional. A Pedagogia da Autonomia visa à individualização da pessoa e das suas 2 peculiaridades, a não exclusão daqueles que se moldam de forma diferenciada do tradicional meio de ensino, a saber, um educador para vários educandos. Tal pensamento é uma via que possibilita a realização no mundo naturalístico do conceito do vocábulo antagônico de exclusão supracitado, pois apenas permitir que ocorra a entrada, mas sem incentivos à permanência, de indivíduos com características e necessidades especiais nos núcleos educacionais tradicionais não é ato inclusivo, apenas idealiza cada vez mais esse objetivo. A teoria aqui abordada não só alude a novos métodos educativos, mas rejeita veementemente o tradicionalismo educacional, pois defende a idéia de que esse estilo antigo de ensino apenas corrobora com a exclusão daqueles que não se encaixam em tal modelo. Freire defende um ensino-progressista, por meio da renovação do conhecimento para que seja efetivada de fato a inclusão, no caso em análise, dos deficientes auditivos. Cabe ressaltar que Freire (1996) também condena o fatalismo, considerado por ele um perigo presente nas políticas inclusivas. De acordo com autor, essa situação acaba retirando a responsabilidade de tornar essas medidas mais eficazes 3 , de ir além e compreender a deficiência em sua completude. De fato, como será analisado neste estudo posteriormente, muitos são os níveis da deficiência aqui abordada e muitas são as necessidades que cada indivíduo desse grupo social possui. Portanto, considerar que a inserção de LIBRAS é suficiente para suprir a 2 Pedagogia da Autonomia é um livro do educador brasileiro Paulo Freire, sua última obra publicada em vida. 3 [...] não posso virar conivente de uma ordem perversa, irresponsabilizando-os por sua malvadez, ao atribuir a “forças cegas” e impoderáveis os danos por eles causados aos seres humanos” (FREIRE, 1996, P 100-101). carência de suporte nas instituições é reduzir o real significado da palavra inclusão, que vai além do acesso e perpassa pela permanência e conclusão do aprendizado nas Universidades. II Projetos de inclusão para deficientes auditivos dentro da Universidade Federal de Juiz de Fora A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) possui, desde 2010, projetos de inserção de alunos com deficiência auditiva, de modo a visar uma aproximação entre professor e tais alunos e gerar uma certa autonomia destes, dentro e fora das salas de aula. Parte dos projetos estão disponíveis no site da universidade, sendo estes: ● Projeto de Química: uma parceria entre os cursos de Química, Pedagogia e Letras que resultou no projeto de ensino de química para surdos, que é ministrado no Centro de Ciências, sediado no Colégio de Aplicação João XXIII. O curso é destinado a alunos com deficiência auditiva e que já dominem a Língua Brasileira de Sinais; ● Curso de extensão em Libras e Saúde Acessibilidade no Atendimento Clínico módulo II: já orientado e fornecido o módulo I, esse módulo foi ministrado na faculdade de Letras durante os dias 10/08/2017 e 26/08/2017, o qual integrou estudantes e profissionais que já tinham conhecimento da língua brasileira de sinais e/ou cursaram o módulo I; ● Libras no Campus: este projeto é composto por 3 módulos distintos, o qual oferece aulas práticas e teóricas sobre o conhecimento básico da linguagem dos sinais brasileira. Tem uma taxa única no valor de R$50,00, que deve ser paga no início do curso; ● Programa de Treinamento Profissional (TP) que possui dois projetos: Conhecendo e Praticando Traduções e Interpretações de Libras – Português na UFJF; e Investigando as realidades do trabalho dos tradutores/ Intérpretes nas universidades federais. O primeiro é, basicamente, o acompanhamento e apoio dos Tradutores/ Intérpretes durante eventos os quais os mesmos sejam solicitados. Já o segundo, é composto por uma verificação das universidades federais que possuem Tradução e Interpretação de Libras e Português (TILSP) sobre o número de funcionários, sejam estes efetivados ou não, que se encontram na situação da deficiência auditiva. É importante ressaltar que grande parte dos projetos são voltados para Libras no curso de Letras, e a maioria dos intérpretes/ tradutores selecionados para o cargo, atuam na parte de mídia da universidade. Desse modo, não são presentes em todas as salas de aulas que possam conter surdos e, consequentemente, não atendema demanda necessitada. Não há projetos que visam, também, as demais deficiências auditivas que não sejam os quase ou completamente desprovidos de audição, como por exemplo, os surdos oralizados que se encontram em posição diferente daqueles e possuem necessidades distintas, como será relatado a seguir. III Necessidades específicas dos alunos deficientes auditivos Como já foi dito, acessibilidade não pode ser entendida como medidas gerais, aplicadas a qualquer deficiente. A inclusão, para ser eficiente e eficaz, deve partir de uma análise individualizada, atentando-se para as necessidades específicas de cada pessoa. A deficiência auditiva, particularmente, é classificada em 4 graus: leve, moderada, severa e profunda. Além disso, os deficientes também se dividem em “surdos oralizados”, aqueles que se comunicam através da fala; e “surdos sinalizados”, que se expressam através de gestos. No Brasil, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é reconhecida como língua oficial desde 2002, o que importa um avanço no reconhecimento da comunidade surda. Assim, a inclusão do aluno surdo no ensino superior, dever do Poder Público, vai além da disponibilização de intérpretes de LIBRAS, ainda que isso seja de grande importância. Para atender a todos, é importante se atentar para qual grau de perda auditiva o deficiente se encontra, e qual seu meio de comunicação para, somente após, buscar meios de acessibilidade. Para surdos oralizados com maiores perdas, por exemplo, a leitura labial é um mecanismo de apoio para o entendimento do que é falado. Desta forma, há a necessidade de capacitar os professores e demais funcionários de modo a permitirem a utilização dessa ferramenta. O emprego de legendas nas vídeo-aulas apresentadas também é uma importante alternativa, pois dá ao aluno a chance de entendimento total do conteúdo transmitido. Indispensável, portanto, é que o aluno portador de deficiência auditiva se sinta acolhido pela instituição de ensino, para que possa expressar suas dificuldades, limitações e expectativas com clareza. A inclusão desse aluno se dará com a busca conjunta - da coordenação e do discente - por opções que melhor supram as suas limitações e auxiliem na compreensão dos conteúdos. Conclusão Conclui-se, portanto, que atualmente a abrangência da inclusão é limitada, principalmente nos grandes centros universitários, como o da UFJF. Ao analisarmos as propostas, sob a luz da Pedagogia da Autonomia, percebe-se a lacuna existente na compreensão das nuances individuais da deficiência abordada neste estudo. Os programas, além de não apresentarem certa unicidade, contemplam apenas indivíduos que dominam a língua de sinais, não considerando a individualidade de cada pessoa que possui alguma deficiência auditiva, o que torna o processo de inclusão incompleto, pois há dificuldade em permanecer na vida acadêmica e fatalista, de acordo com Freire. É válido ressaltar que esse ciclo vicioso de falsa inclusão vai de encontro ao direito constitucional de todos à educação (art 205, CF/88), uma vez que constitui um obstáculo do acesso dos deficientes auditivos a esse direito. Referências bibliográficas ATENDIMENTOS do setor - Intérpretes de Libras. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2014. Disponível em: <http://www.ufjf.br/interpretelibras/demandas-atendidas-pelo-setor/>. Acesso em: 02 nov. 2017. BAZON, Fernanda; MASINI, Elcie. A inclusão de estudantes com deficiência, no ensino superior. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Psicologia da Educação, n.20. FACIOLA, Rosana; PEREIRA, Rosamaria; PONTES, Fernando; RAMOS, Maély; SILVA, Simone. Inclusão de estudantes com deficiência no ensino superior: uma revisão sistemática. Revista Educação Especial, v. 29, n. 54, p. 147-160. 2016. FERRARI, Marian; SEKKEL, Marie Claire. Educação Inclusiva no Ensino Superior: Um Novo Desafio. Psicologia, ciência e profissão, Universidade de São Paulo, v. 27, n.4, p. 636-647, 2007. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 INSCRIÇÕES abertas para curso de extensão em Libras e Saúde. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2017. Disponível em: <http://www.ufjf.br/noticias/2017/08/07/inscricoes-abertas-para-curso-de-extensao-e m-libras-e-saude/>. Acesso em: 03 nov. 2017. LACERDA, Cristina. A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes sobre esta experiência. Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, 2006. LIBRAS no Campus. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2014. Disponível em: <http://www.ufjf.br/letraslibras/projetos/libras-no-campus/>. Acesso em: 03 nov. 2017. O QUE é Deficiência Auditiva e Surdez?. [S.l.]: Faculdade de Ciências de Wenceslau Brás, 2017. Disponível em: <http://institutoitard.com.br/o-que-e-deficiencia-auditiva-e-surdez/>. Acesso em: 03 nov. 2017. PROJETO de extensão que ensina química a surdos gera dissertação de mestrado. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2017. Disponível em: <http://www.ufjf.br/noticias/2017/08/09/projeto-de-extensao-que-ensina-quimica-a-su rdos-gera-dissertacao-de-mestrado/>. Acesso em: 03 nov. 2017. PROJETO interdisciplinar promove ensino de química para surdos. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2016. Disponível em: <http://www.ufjf.br/noticias/2016/01/22/projeto-interdisciplinar-promove-ensino-de-qu imica-para-surdos/>. Acesso em: 01 nov. 2017. SPOTE, Roberta; SERRALHA, Conceição; SCORSOLINI-COMIN, Fabio. Inclusão dos Surdos: revisão integrativa da literatura científica. Bragança Paulista, 2013, 78 p http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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