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A INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS Loraine Boettner e Benjamin B. Warfield Copyright @ 2020, de Editora Monergismo Publicado originalmente em inglês sob o título The Inspiration of Scripture (Boettner) e The Inspiration and Authority of the Bible (Warfield). ■ Todos os direitos em língua portuguesa reservados por E������ M��������� SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato Brasília, DF, Brasil — CEP 70.760-620 www.editoramonergismo.com.br ■ 1ª edição, 2020 Tradução (e adaptação): Valter Graciano Martins Revisão: Felipe Sabino de Araújo Sumário A INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS 1. Natureza da inspiração das Escrituras 2. Os autores afirmam possuir inspiração 3. Natureza da influência pela qual a inspiração é alcançada 4. Os supostos erros das Escrituras 5. Fidedignidade da Bíblia 6. Posição inconsistente dos modernistas Conclusão CONCEITO BÍBLICO DE INSPIRAÇÃO 1. O significado dos termos 2. A ideia fundamental de inspiração 3. Passagens Importantes 4. O cumprimento indispensável das Escrituras 5. O testemunho de Cristo acerca da autoria divina 6. O testemunho dos apóstolos 7. A identificação de Deus com as Escrituras 8. Os oráculos de Deus 9. O elemento humano nas Escrituras 10. Os processos divinos para a elaboração das Escrituras 11. O problema da origem: a parte que Deus assumiu 12. O efeito das características humanas: preparação providencial 13. Inspiração: mais que providência 14. Inspiração e revelação 15. As Escrituras serão um livro divino-humano 16. As Escrituras que os escritores neotestamentários possuíam 17. O termo Escrituras abrange o Novo Testamento A INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS Loraine Boettner 1. Natureza da inspiração das Escrituras A resposta que damos à pergunta, “que é o cristianismo?”, em grande medida depende de nosso conceito de “Escrituras”. Se crermos que a Bíblia é a Palavra de Deus, e portanto infalível, teremos uma concepção do cristianismo. Em contrapartida, se admitirmos que ela se trata apenas de uma coleção de livros humanos, ainda que de valor consideravelmente acima do normal, teremos uma concepção do cristianismo radicalmente diferente, se é que de fato lhe podemos chamar legitimamente cristianismo. Assim, é difícil dar importância demasiada a uma doutrina a respeito da inspiração das Escrituras. Em todas as questões de controvérsia entre os cristãos, as Escrituras são reconhecidas como o supremo tribunal. Historicamente, elas têm sido a autoridade comum do povo cristão. Cremos que elas contêm um sistema de doutrina harmônico e suficientemente completo; que todas suas partes são consistentes entre si, e que é nosso dever descobrir essa consistência, fazendo uma investigação cuidadosa do significado de certas passagens. Entregamo-nos a este Livro sem reservas. Não apelamos para uma igreja infalível, nem para uma hierarquia eclesiástica, mas para a Bíblia, Livro digno de toda nossa confiança, afirmamos que ela é a Palavra de Deus, e que seu cuidado providencial a tem conservado pura, através dos séculos. Ela é, portanto, a única regra de fé e prática, inspirada e infalível. Vemos facilmente que a questão da inspiração é de vital importância para a igreja cristã. Se ela possui um corpo de escrituras, definido e autoritativo, ao qual possa recorrer, então a tarefa de formular suas doutrinas se torna comparativamente fácil. Tudo quanto é necessário fazer é achar os ensinos das Escrituras e incorporá-los num Credo. Mas, se as Escrituras não são autoritativas, se necessitam de ser corrigidas, revistas, e se algumas de suas partes têm de ser rejeitadas, evidentemente a igreja se vê diante de uma tarefa muito mais difícil e as opiniões contraditórias não terão fim, tanto a respeito dos propósitos da igreja como do corpo de doutrina que deverá formular. E não é de espantar que hoje tamanha controvérsia se deflagre quando o cristianismo sustenta uma luta de vida ou morte contra a incredulidade. Devemos notar que a igreja nunca defendeu nenhuma das outras doutrinas com tanta tenacidade, nem as ensinou com tanta clareza como o tem feito com a doutrina da inspiração. Por exemplo, há considerável diferença de opinião entre as várias denominações sobre o ensino das Escrituras acerca do batismo, da ceia do Senhor, da predestinação, da incapacidade humana de o pecador praticar boas obras, da eleição, da expiação, da graça, da preservação dos santos, etc.; mas descobrimos que a doutrina da inspiração é ensinada com tal consistência e clareza, que todos os ramos da igreja, seja protestante ou romana, têm concordado, instintivamente, em que a Bíblia é verídica e que suas sentenças são finais. Mas, ainda que esta doutrina tenha sido histórica, e embora permaneça até o presente nos credos oficiais das igrejas, é notório, em toda parte, que a incredulidade conseguiu abrir grandes brechas. Talvez não exista na história da igreja, nos últimos tempos, nenhum outro fato tão espantoso como é este do afastamento da fé na autoridade das Escrituras. Até mesmo o protestantismo, que aceitou na Reforma, como princípio fundamental, a autoridade Bíblia, em vez de uma igreja autoritária, tem revelado tendência para negligenciar a Bíblia. Apesar de nos últimos tempos terem-se escritos muitos livros e artigos sobre este assunto, temos de confessar que a maioria procura negar ou enfraquecer as doutrinas que a igreja tem defendido desde seu início. A indiferença que ultimamente se tem manifestado para com a sã doutrina das Escrituras, possivelmente seja a principal causa da incerteza e da dissensão interna que a igreja ora enfrenta. A ignorância acerca da natureza da inspiração e a pobreza de opiniões a esse respeito só podem resultar em confusão. Atualmente, milhões de cristãos são como aqueles homens cujos pés pisam areias movediças e cujas cabeças estão no meio do nevoeiro. Não sabem o que creem a respeito da inspiração e da autoridade da Bíblia. Grande parte desta incerteza se deve à investigação crítica que se deflagrou no século passado; e com frequência ouvimos dizer que temos de abandonar a pretensão que a igreja nutre a respeito da inspiração das Escrituras. Daí, a questão premente que paira hoje: Podemos ter ainda confiança na Bíblia como guia doutrinário, mestre autoritativo da verdade, ou teremos de encontrar outra base para nossa doutrina e, portanto, criar um sistema de doutrina completamente novo? A maravilhosa unidade da Bíblia só pode ser explicada pelo fato de ser ela de origem divina. Sem a menor sombra de dúvida, ela é um livro e no entanto é composta de 66 livros diferentes, escritos por cerca de 40 autores, durante um período aproximado de 1.600 anos. Os escritores eram de diferentes categorias sociais. Alguns foram reis e sábios, com a melhor educação de seu tempo; outros eram vaqueiros e pescadores, sem qualquer cultura. É impossível ter havido acordo ente eles. No entanto, existe um único tipo de doutrina e de moral. O espírito e as concepções messiânicas perpassam de um ao outro lado do Antigo Testamento, aparecendo desde o princípio do Gênesis, onde se diz que a semente da mulher haveria de ferir a cabeça da serpente, continuando no ritual do sistema sacrificial, nos Salmos, nos Profetas Maiores e Menores, até Malaquias que encerra o Cânon do Antigo Testamento com a promessa de que “de repente virá a seu templo o Senhor, a quem vós buscais”. E “Cristo crucificado” é o tema do Novo Testamento. O maravilhoso sistema de verdade que começou com Moisés é completado por João no livro do Apocalipse. Nada há, em qualquer outro livro da história da humanidade, nada que se possa aproximar deste fenômeno que encontramos na Bíblia. A existência de um largo e intransponível abismo entre a Bíblia e os demais livros é evidente até para o mais distraído dos leitores. “Santo, Santo, Santo” parece estar escrito em todas suas páginas. Sua leitura nos fala com autoridade e nos sentimos, instintivamente, sob a obrigação de atender a seus avisos. Sem dúvida, ela exerce uma influência que nenhum outro livro possui, e somos forçados a formulara pergunta: “De onde ela vem?”. E, por ser tão única no poder que exerce, tão sublime nos princípios morais e espirituais que expõe, e pelos quais ela reivindica continuamente sua origem divina, não estaremos justificados ao acreditar que esta pretensão é verdadeira e que de fato ela é a infalível Palavra de Deus? As expressões inspiração plenária e inspiração verbal são aqui usadas como sinônimos. Por inspiração plenária queremos dizer que a influência completa e perfeita do Espírito Santo foi concedida a toda a Escritura, tornando-a, desta maneira, a revelação autoritativa de Deus. E embora a revelação chegue até nós através da mente e da cooperação de homens, ela é, estritamente falando, a Palavra de Deus. Por inspiração verbal queremos afirmar que a influência divina que envolveu os escritores sacros foi concedida não apenas aos pensamentos gerais, mas igualmente às próprias palavras usadas, de modo que os pensamentos que Deus intentou revelar-nos foram transmitidos com exatidão infalível. Os escritores foram instrumentos de Deus, e o que escreveram foi o que Deus lhes disse. A ���������� � ���������� ���� �������� � �������� Parece natural que esta inspiração se estenda até mesmo às próprias palavras, visto que o objetivo da inspiração é conseguir o registro da verdade. Pensamentos e palavras estão tão inseparavelmente ligados que, em geral, uma mudança nas palavras significa uma mudança no pensamento. Por exemplo, em assuntos humanos, o negociante dita suas cartas à secretária, usando palavras suas, de modo que elas encerram aquilo que pretende dizer. Ele não pensa que sua secretária possa exprimir problemas importantes, delicados e complexos apresentados apenas em simples termos gerais. Muito menos o Espírito Santo diria a seu calígrafo: “escreve com este fim.” A Bíblia pretende falar acerca de um certo número de assuntos que está absolutamente fora do alcance da sabedoria humana — a natureza e os atributos de Deus, a origem e os desígnios do homem e do mundo em que vivemos, a queda do homem no pecado e sua atual situação, sem esperança, o plano da redenção, inclusive a vida e morte de nosso Senhor Jesus Cristo, as glórias celestiais e os tormentos do inferno. É necessário mais do que uma supervisão geral para que a verdade a respeito desses grandes e transcendentes assuntos seja apresentada sem erros e sem preconceitos. Infalibilidade pressupõe que Deus escolheu suas próprias palavras. Todos quantos têm tentado falar acerca destas coisas tão profundas, sem uma revelação sobrenatural, pouco mais têm feito do que mostrar sua ignorância. Tateiam como cegos, especulam e põem-se a adivinhar, deixando-nos, em geral, numa incerteza maior do que aquela em que estávamos antes. Na verdade, estes fatos estão fora do alcance da sabedoria humana. Basta que consideremos os sistemas pagãos ou as teorias arrogantes e especulativas dos filósofos, para verificarmos que os limites de nossa sabedoria espiritual não se podem comparar com os da Bíblia. Só Deus é capaz de falar com autoridade acerca desses assuntos; e, entre todos os livros existentes no mundo, concluiremos que só a Bíblia possui, por um lado, uma descrição adequada da majestade de Deus; e, por outro lado, uma descrição aceitável da condição pecaminosa do coração humano e o remédio satisfatório para essa condição. Uma mera exposição humana das coisas divinas conteria erros, em escala maior ou menor, tanto no que diz respeito às palavras escolhidas para expressar ideias, como na ênfase proporcional dada às diferentes partes da revelação. Visto que determinados pensamentos estão ligados inseparavelmente a determinadas palavras, as expressões têm de ser exatas, ou, caso contrário, os pensamentos transmitidos serão defeituosos. Por exemplo, se admitirmos que expressões tais como resgate, expiação, ressurreição, imortalidade, etc., usadas nas Escrituras, não têm qualquer autoridade ou significado definido para além delas, segue-se que as doutrinas que nelas se baseiam, não têm também autoridade definida. Comparando as Escrituras entre si, vemos a ênfase que elas dão às palavras que empregam, porquanto o significado exato depende do uso de determinadas palavras; por exemplo, quando nosso Senhor diz que “a Escritura não pode falhar” (Jo 10.35); ou quando ele responde aos saduceus, referindo- se às palavras de Moisés junto da sarça ardente, em que todo o peso do argumento depende do tempo do verbo “Eu sou o Deus de Abraão, e o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó” (Mc 12.26); ou quando Paulo dá grande ênfase ao fato de que na promessa feita a Abraão a palavra empregada está no singular — semente, “como de uma”, e não sementes, “como de muitas”: “e a tua semente, que é Cristo” (Gl 3.16). Em cada um desses exemplos o argumento gira em torno do uso de uma única palavra, e em cada caso a palavra é decisiva, pela autoridade divina que tem por detrás de si. A mudança exata do significado das palavras tem, frequentemente, imensa importância para a decisão dos problemas de doutrina e de vida. U� ������� �������� �� �������� Para fazermos um estudo sério sobre as doutrinas cristãs, necessitamos, acima de tudo, possuir a certeza da veracidade da Bíblia. Se ela é um guia de autoridade absoluta e digno de toda nossa confiança, então aceitaremos as doutrinas que apresenta. É possível que não possamos apreender plenamente o significado de todas as coisas, ou que haja de fato muitas dificuldades em nossas mentes, porém nunca duvidamos de sua veracidade. Reconhecemos nossas limitações, mas cremos em todas as verdades que nos são reveladas. A sorte do cristianismo de fato está ligada à doutrina da inspiração da Bíblia, porque, a menos que esta permaneça, nada mais teremos de estável. Se temos como guia Escrituras dignas de confiança, teremos um sistema evangélico de teologia distinto de um sistema naturalista, humanista ou unitariano; na verdade a Bíblia ensina, de forma clara, um sistema evangélico. Mas se a Bíblia não for um guia digno de toda nossa confiança, teremos de procurar outra base para nossa teologia, e é bem provável que fiquemos com pouco mais que um mero sistema filosófico. Perder a confiança na Bíblia, como livro inspirado, é fazer desaparecer a confiança em todo o sistema cristão. Isto nos é lembrado, de forma bem dolorosa, quando tentamos ler alguns dos recentes livros religiosos, ou até mesmo teologias sistemáticas, em que os autores não apelam para as Escrituras, mas para os ensinos dos vários filósofos, em defesa de seus argumentos. Até hoje temos aceitado as doutrinas pertinentes ao sistema cristão, porque são ensinadas na Bíblia. E fora da Bíblia não existe nenhuma outra norma autoritativa. A menos que a Bíblia possa ser citada como sendo um Livro inspirado, sua autoridade e utilidade na pregação, no conforto aos doentes e na morte e instrução em todas as perplexidades, ela fica empobrecida de forma fatal. Seu “Assim diz o Senhor” fica reduzido a mera suposição humana, não podendo ser mais considerado como nossa regra de fé e prática. Atualmente, como em todas as épocas, os críticos destrutivos, os céticos e os modernistas de toda espécie concentram seus ataques sobre a Bíblia. Procuram ver-se livres de sua autoridade porque, de outra forma, seus sistemas não serão mais que um amontoado de disparates. Evidentemente, a inspiração que defendemos é a das palavras originais, hebraicas e gregas, escritas pelos profetas e pelos apóstolos. Cremos que, se as compreendermos no sentido em que foram escritas — simples declarações de fatos, figuras de retórica, idiomatismo e poesia —, então a Bíblia não tem qualquer erro, do Gênesis ao Apocalipse. Embora não diga muita coisa, todavia aquilo que diz é verdadeiro, no sentido que tem em vista. Não reivindicamos infalibilidade para as várias versões e traduções, nem mesmo para as traduções livres feitas por uma só pessoa e que ultimamente têm se tornado tão comuns. As traduções variam, necessariamente, com cada tradutor, e só podem ser consideradas como exatas apenas na medida em que reproduzemos autógrafos originais. Além disso, algumas das palavras hebraicas e gregas não têm um equivalente preciso nas línguas modernas, e às vezes até os melhores eruditos divergem a respeito do significado de certas palavras. Em contrapartida, temos de reconhecer que não possuímos nenhum dos autógrafos originais, e que os Manuscritos mais antigos que possuímos são cópias de cópias. No entanto, os mais abalizados eruditos das línguas grega e hebraica afirmam que em cerca de noventa e nove por cento dos casos temos as palavras originais, tal era a precisão com que os copistas as reproduziam, e tão fielmente os tradutores fizeram seu trabalho. Sem dúvida, temos razão para dar graças a Deus pela Bíblia que nos chegou às mãos de forma tão pura. Eis a posição histórica dos protestantes a respeito da autoridade das Escrituras. Foi defendida por Lutero e Calvino, e ficou gravada nos credos escritos no período imediato à Reforma. A doutrina luterana da inspiração foi apresentada na Fórmula de Concórdia, como segue: “Cremos, confessamos e ensinamos que a única regra e norma, de acordo com as quais todos os dogmas e todos os mestres devem ser comparados e julgados, não é outra senão os escritos proféticos e apostólicos do Antigo e do Novo Testamento.” A doutrina da Igreja Reformada foi apresentada na Segunda Convenção Helvética da seguinte maneira: “Cremos e confessamos que as Escrituras canônicas dos santos profetas e apóstolos, de ambos os Testamentos, são a verdadeira Palavra de Deus, e que possuem autoridade suficiente e inerente, e não humana. Foi o próprio Deus quem falou aos pais, aos profetas e aos apóstolos, e continua a falar pelas Sagradas Escrituras.” Na Confissão de fé Westminster, a Igreja Presbiteriana declara: “Agradou ao Senhor, em tempos vários e ocasiões diferentes, revelar-se a si próprio e declarar sua vontade para com sua Igreja; e depois ... pôs a mesma, completamente, por escrito”. “A autoridade das Sagradas Escrituras, pela qual deve ser acreditada e obedecida, depende não de algum testemunho humano ou de alguma igreja, e sim inteiramente de Deus, seu Autor, que é a Verdade; portanto, deve ser recebida, visto ser a Palavra de Deus.” E ainda: “que tanto o Antigo quanto o Novo Testamento foram inspirados por Deus, e por seu cuidado e providência singulares foram conservados puros através dos anos”. Mais recentemente foi defendida por Hodge, Warfield e Kuyper. Estes homens foram luzeiros e ornamentos do mais elevado tipo de cristianismo, reconhecido, praticamente, por todos os protestantes. Afirmaram que a Bíblia não só contém a palavra de Deus, como uma pilha de restolho pode conter algum trigo, mas que a Bíblia é a palavra de Deus, em todas suas partes. 2. Os autores afirmam possuir inspiração As razões principais para sustentar-se que a Bíblia é a inspirada Palavra de Deus são que os próprios autores afirmam possuir tal inspiração, e que o conteúdo de suas mensagens confirma essa pretensão. A uniformidade com que os profetas insistem em que as mensagens que apresentam não eram suas, mas do Senhor, que suas mensagens eram a Palavra de Deus pura e sem misturas, que falavam como a recebiam — é um fenômeno notável das Escrituras. “Assim diz o Senhor” era o tema constante do profeta ao povo, e isto revela que as palavras que proferiam não eram suas, mas do Senhor. Paulo e os demais apóstolos pretendiam falar, não usando palavras ensinadas pela sabedoria de homens, mas ensinadas pelo Espírito (1Co 2.13). Era considerada de origem divina não só a substância de seu ensino, mas também a forma de expressão. Embora a pretensão de que falavam com autoridade divina seja característica dos escritores de toda a Bíblia, nunca basearam, nem sequer uma vez, essa autoridade em sua própria sabedoria ou dignidade. Falavam como mensageiros ou testemunhas de Deus, e o que diziam devia ser obedecido, simplesmente porque a autoridade de Deus estava por detrás deles. Aqueles que os ouviam, era a Deus que ouviam, e os que se recusavam ouvi-los, recusavam-se ouvir a Deus (Ez 2.5; Mt 10.40; Jo 13.20). E, visto que os escritores pretendiam, tão reiteradamente, ter inspiração, é evidente que, ou estavam inspirados, ou agiam com presunção fanática. E assim, ou concluímos que a Bíblia é a Palavra de Deus, ou ela não passa de crassa mentira. No entanto, como era possível que uma falsidade exercesse influência tão singularmente benéfica e moralmente enobrecedora que a Bíblia tem produzido em toda parte onde tem chegado? Para formular-se essa pergunta é preciso responder-lhe prontamente. Notemos igualmente que os contemporâneos dos escritores neotestamentários, assim como os chamados Pais da Igreja, homens que estavam em melhor posição para julgar se essas pretensões eram ou não autênticas — aceitaram tais pretensões sem discutir. Reconheciam a existência de um grande abismo entre aqueles escritos e os seus. Do mesmo modo que para o moribundo Walter Scott havia um único Livro, também para aqueles Pais da Igreja havia uma única Palavra de Deus autoritativa. Baseavam nela doutrinas e preceitos. Os Evangelhos e as Epístolas contêm abundância de evidências internas provando que esperavam ser recebidas, e de fato eram recebidas com reverência e humildade. Seguindo o curso da história, através dos séculos, a evidência se torna cada vez mais abundante. Os próprios hereges testificavam desse fato, ansiosos como estavam de se verem livres dessa autoridade. Além disso, os próprios escritos não contêm contradições nem inconsistências que porventura destruam tais pretensões. Apresentam, com a mais perfeita harmonia, o mesmo plano de salvação e os mesmos elevados princípios morais. Portanto, se em primeiro lugar autores sóbrios e honestos pretendem que suas palavras foram inspiradas por Deus, e em segundo lugar tais pretensões não só não foram desmentidas, mas antes foram aceitas por seus contemporâneos; e se, em terceiro lugar, os próprios escritos não contêm nenhuma evidência contraditória, então temos, sem sombra dúvida, fenômeno que não se pode desprezar. Às vezes dirigimos objeção contra os livros do Novo Testamento só porque não foram escritos pelo próprio Jesus, mas somente por seus discípulos, mesmo assim algum tempo depois de sua morte. No entanto não era razoável esperar que Jesus desse um relato completo do plano da salvação durante seu ministério terreno, pois o mesmo não teria sido compreendido senão depois de sua morte e ressurreição. Na verdade podia tê-lo apresentado em forma de profecia, mesmo nos dias de sua carne, e de fato anunciou aos discípulos a natureza geral de seu plano. Mas tudo indica que até mesmo os discípulos mais íntimos não puderam compreender a natureza de sua obra até que fossem iluminados pelo Espírito Santo, no dia de Pentecostes. Vistas assim todas as coisas, o método mais racional foi o que ele escolheu — a consumação dos acontecimentos, e em seguida a explicação por meio de escritos inspirados. Isto estava também de acordo com o modo de agir do Senhor, através de todo o Antigo Testamento. O ������ ��� E��������� ����� � ���������� A doutrina bíblica do verdadeiro objetivo e função dos profetas, bem como de seu método de expor a mensagem, é apresentada, de forma clara, nas palavras do Senhor a Moisés: “Eis que lhes suscitarei um profeta como tu, do meio de seus irmãos, e porei minhas palavras em sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar” (Dt 18.18). O Senhor podia falar tanto pelos profetas quanto por seu intermédio. Eles tinham de falar precisamente as palavras recebidas, e não outras. “Eis que ponho minhas palavras em tua boca” — disse o Senhor a Jeremias, ao designá-lo profeta das nações. Do mesmo modo foi dito a Isaías (51.16; 59.21). E a expressão “Assim diz o Senhor” é reiterada no livro de Isaías cerca de 80 vezes. Até mesmo o falso profeta Balaão só podia falar o que o Senhor lhe ordenou que falasse: “E disse o anjo do Senhor a Balaão: Vai com estes homens; mas falarás somente a palavra que eu falar-te” (Nm 22.35; 23.5, 12, 16). Em muitas passagensdo Antigo Testamento, o que se descreve é simplesmente um processo de ditado, ainda que não se nos informe por qual método se conseguiu tal ditado. Em outras, nos é dado a entender que o Senhor falou por intermédio de homens que de antemão escolheu como seus instrumentos, dirigindo-os de tal maneira que o que falaram ou escreveram eram palavras de Deus, e de forma evidente um produto distintamente sobre-humano. O ensino uniforme do Antigo Testamento é que os profetas falaram quando a Palavra de Deus lhes era transmitida (Os 1.1; Am 1.3; Mq 1.1; Ml 1.1; etc.). A palavra hebraica para profeta é nabhi, “porta-voz”, não só um porta-voz em geral, mas em forma eminente, ou, seja, porta-voz de Deus. Em nenhum caso o profeta pretende falar movido por sua própria autoridade. Ser profeta, em primeiro lugar, não provém de sua própria escolha, e sim uma resposta à vocação divina, frequentemente uma vocação respondida com relutância; e se ele fala ou pretende falar, isso se dá somente quando o Senhor lhe diz o que deve falar. E, em contraste com esta alta vocação dos verdadeiros profetas, deveríamos notar os fortes avisos e as denúncias contra os que pretendiam falar sem uma vocação diretamente divina: “O profeta que presumir soberbamente falar alguma palavra em meu nome, e tal palavra não se cumprir, ou o que falar em nome de outro deus, esse profeta morrerá” (Dt 18.20). Era um caso sério para meros homens e de mãos impuras pretenderem falar em nome do Deus Altíssimo! No entanto, como é comum ouvir-se, os críticos destruidores de nossos dias negam esta afirmação da Bíblia, ou dizem que necessitamos de uma Bíblia menor, ou, inclusive, de uma nova Bíblia, composta de assuntos mais modernos! E o erro cometido ainda por outros, que adicionam algo à Palavra de Deus, como fazem os católicos com os apócrifos e a tradição; a ciência cristã, com a “ciência e saúde”, e com a “chave para as Escrituras”; e os mórmons, com seu “livro de mórmon”. Tudo isso é tão prejudicial quanto diabólico! T��������� �� J���� �������� �� A����� T��������� É absolutamente evidente que Jesus considerava o Antigo Testamento como plenamente inspirado. Ele o cita como tal e baseou nele seu ensino. Uma de suas afirmações mais claras a este respeito encontra-se em João 10.35, onde, numa controvérsia com os judeus, sua defesa toma a forma de apelo às Escrituras, e, depois de citar uma declaração, acrescenta as significativas palavras: “E a Escritura não pode ser anulada.” A razão pela qual valia a pena para Jesus, e vale a pena para nós, apelar para as Escrituras, é que elas “não podem ser anuladas”. E a palavra que se traduz por “anulada” é a que se usa para a transgressão da lei, que significa negar as Escrituras. Para ele, assim como para os judeus, um apelo para as Escrituras equivalia um apelo para a autoridade cujas determinações eram finais, até nos mínimos detalhes. Que Jesus considerava toda a Escritura como sendo a Palavra de Deus, pode ver-se, por exemplo, em Mateus 19.4. Quando alguns dos fariseus lhe fizeram perguntas a respeito do divórcio, sua resposta foi: “Não tendes lido que aquele que os fez no princípio, macho e fêmea os fez, e disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? ... Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”. Aqui Jesus declara explicitamente que Deus é o autor das palavras de Gênesis 2.24: “aquele que os fez ... disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher ...”. E no entanto, lendo estas palavras no Antigo Testamento, nada há que indique ter sido Deus quem as proferiu, pessoalmente, visto que são apresentadas por Moisés, e só podem ser atribuídas a Deus como seu Autor, na medida em que toda a Escritura é sua Palavra. Marcos 10.5-9 e 1 Coríntios 6.16 apresentam exemplos semelhantes. Onde quer que Cristo ou os apóstolos citem as Escrituras, pensam delas como sendo a voz viva de Deus, e portanto como que possuindo autoridade divina. Não têm a mínima hesitação em atribuir a Deus as palavras de autores humanos, ou de atribuir a autores humanos as palavras de Deus (Mt 15.7; Mc 7.6, 10; Rm 10.5, 19, 20). Quando repreende fortemente os saduceus, ele lhes diz: “Errais não conhecendo as Escrituras ...” (Mt 22.29), precisamente aquilo que Jesus lhes aponta não é o erro deles de não terem seguido as Escrituras, e sim de as terem rejeitado. Aquele que acha sua doutrina e prática nas Escrituras não erra. Tão comum era este uso, e tão indiscutível sua autoridade, que, em seu conflito mais vibrante, Jesus não precisou de outra arma além da palavra “Está escrito!” (Mt 4.4, 7; Lc 4.4, 8; 24.26). Suas últimas palavras, antes de sua ascensão, continham uma repreensão a seus discípulos por não terem compreendido que tudo quanto se encontrava escrito nas Escrituras “tinha de ser cumprido” (Lc 24.44). Se estava escrito que Jesus havia de sofrer estas coisas, então todas as dúvidas a seu respeito se tornavam absurdas. Os discípulos deviam basear-se nesta palavra, como um fundamento seguro. Assim, recebemos o Antigo Testamento com base na autoridade de Cristo. Ele no-lo dá e nos informa ser ele a Palavra de Deus, que os profetas falaram pelo Espírito Santo, e que as Escrituras não podem ser anuladas. Ele o mistura com suas inúmeras citações e com o Novo Testamento, de tal forma que hoje temos uma Bíblia unificada. Através dos dois Testamentos, ouve-se uma só voz. Ou eles ficam de pé, ou caem juntos. A ������� ���� � N��� T��������� ���� � A����� Se Jesus mantinha a opinião de que todo o Antigo Testamento era infalível, a mesma ideia não deixa de ser apresentada, e de forma bem clara, pelos apóstolos. A maneira familiar como citavam qualquer parte das Escrituras, como sendo a Palavra de Deus, sem levarem em conta o fato de as palavras originais lhe serem ou não atribuídas, mostra que pensavam que ele falava por meio do Antigo Testamento. Em Hebreus 3.7, citam-se as palavras do salmista como sendo palavras diretas do Espírito Santo: “Portanto, como diz o Espírito Santo, se hoje ouvirdes sua voz, não endureçais vossos corações, como na provocação”. Em Atos 13.35, as palavras de Davi (Sl 16.10) são apresentadas como sendo as palavras de Deus: “Pelo que também em outro salmo, diz [Deus, que é o sujeito da oração]: Não permitirás que teu santo veja a corrupção”. Em Romanos 15.11, atribuem-se a Deus as palavras do salmista: “E outra vez [Deus] diz: Louvai ao Senhor, todos os gentios, e celebrai- o, todos os povos”. Em Atos 4.24, 25, o apóstolo atribui a Deus as palavras proferidas pela boca de Davi no segundo salmo: “Deus ... disseste pela boca de Davi teu servo: Por que bramaram as nações, e os povos pensaram coisas vã?”. Em Hebreus 1.7, 8 nos deparamos com o mesmo ensino a respeito de dois salmos. Em Romanos 15.10, atribuem-se a Deus as palavras de Moisés: “E outra vez [Deus] disse: Alegrai-vos, gentios, com seu povo” (Dt 32.43). Estas citações revelam, de forma bem evidente, que na mente de Cristo e dos apóstolos havia uma identificação absoluta entre o texto do Antigo Testamento e a voz do Deus vivo. E, evidentemente, pode-se inferir que a inspiração do Novo Testamento não é inferior à do Antigo Testamento. De fato, a tendência tem sido atribuir ao Novo Testamento uma posição inferior. Se o Antigo Testamento é apresentado como sendo inspirado, não há dúvida alguma também acerca do Novo Testamento. A�������� ��� ���������� �� N��� T��������� � �������� �� ���� �������� Quando examinamos as reivindicações que os escritores do Novo Testamento apresentam acerca de sua própria obra, verificamos que reivindicam para elas inspiração absoluta, e as colocam no mesmo nível das Escrituras veterotestamentárias. Todas as escolas de crítica bíblica, atualmente existentes, reconhecem que esta pretensão é feita reiteradamente, ainda que neguem possuir fundamento. Por exemplo, notamos que, quando os apóstolos começaram seu ministério, receberam do próprio Cristo a promessa de diretriz sobrenatural: “E, quando vos entregarem, não cuideis em como ouo que haveis de falar, porque, naquela hora, vos será concedido o que haveis de dizer, visto que não sois vós os que falais, mas o Espírito de nosso Pai é quem fala em vós” (Mt 10.19, 20; Mc 13.11; Lc 12.11, 12). Esta mesma promessa foi reiterada no fim de seu ministério (Lc 21.12-15). É possível que a promessa mais importante se encontre no Evangelho de João: “quando vier, porém, o Espírito da Verdade, ele vos guiará a toda a verdade” (Jo 16.13). Mais tarde os apóstolos reivindicaram esta mesma diretriz. Não tinham a menor dúvida a respeito da exatidão de suas palavras, tanto sobre questões históricas, quanto doutrinais — fenômeno este bastante notável, se considerarmos que os historiadores mais concretos e amantes da exatidão possuem uma segurança menor e pouco elevada, ao apresentar-nos detalhes dos acontecimentos. Paulo afirma que seu evangelho é tão autoritativo, que declara estarem errados e serem malditos todos quantos ensinarem outra doutrina, ainda que os tais fossem anjos vindos do céu. “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema ...” (Gl 1.6-9). Seus mandamentos são do Senhor, e são apresentados com autoridade obrigatória: “... as coisas que vos escrevo são mandamento do Senhor” (1Co 14.37; cf. 2Ts 3.6, 12). Escrevendo aos coríntios, Paulo faz distinção entre os mandamentos que são do Senhor e aqueles que ele, Paulo, dava; porém os coloca lado a lado com os mandamentos de Cristo e com a mesma autoridade (1Co 7.10, 12, 40). Afirma que o que ele pregava na verdade era a “Palavra de Deus” (1Ts 2.13). E essas coisas deviam ser recebidas imediatamente e sem discussão. Devemos notar sua maneira fácil de combinar o livro de Deuteronômio com o Evangelho de Lucas sob a designação comum de Escritura, como se fosse a coisa mais natural: “Porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E, digno é o obreiro de seu salário” (1Tm 5.18). Este mesmo costume era normal entre os Pais da Igreja. Nas Epístolas de Pedro encontra-se a mesma elevada opinião a respeito dos escritos do Novo Testamento. Ele afirma que “a profecia nunca foi produzida por vontade de homem, mas homens [santos] de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21). Ele afirma que os apóstolos, “pelo Espírito Santo enviado do céu ... pregaram o evangelho” (1Pe 1.12). E coloca os escritos de Paulo no mesmo nível das “demais Escrituras”, ao dizer: “... nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada ... em todas suas epístolas ... que os indoutos e inconstantes torcem, bem como as demais Escrituras ...” (2Pe 3.15, 16). Não é possível atribuir maior dignidade, reverência e autoridade, do que esta, a nenhum outro escrito. Lucas declara que, no dia de Pentecostes, os discípulos falaram “conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (At 2.4). E João, o discípulo amado, fala da maldição que virá sobre todo aquele que se atrever a tirar ou a acrescentar alguma coisa àquilo que escreveu (Ap 22.19). Semelhantes reivindicações, se fossem baseadas simplesmente na autoridade humana, revelariam apenas a mais espantosa impudência. Sem dúvida, é impossível desmentir os inúmeros textos que ensinam a inspiração plenária, e a ideia de que poderiam ser desmentidos se baseia na estranha noção de que esta doutrina só é ensinada, aqui e acolá, em textos isolados. É certo que alguns textos a apresentam com clareza excepcional, textos esses dos quais os céticos gostariam de se ver livres. Mas essas passagens são apenas o apogeu de um testemunho progressivo sobre a origem divina e a infalibilidade desses escritos, ensino igualmente forte em ambos os Testamentos. 3. Natureza da influência pela qual a inspiração é alcançada As igrejas evangélicas jamais defenderam aquilo que foi estigmatizado como “teoria mecânica da inspiração”, não obstante as acusações em contrário, feitas frequentemente. Em vez de reduzirmos os autores das Escrituras ao nível de computadores, onde inserimos o que bem desejamos, temos insistido em que, embora escrevendo ou falando, movidos pelo Espírito Santo, mesmo assim eram seres pensantes, com vontade própria, conscientes, cujo estilo e maneirismos particulares são traçáveis, de forma evidente, em seus escritos. Se seu idioma nativo era o hebraico, escreviam em hebraico; se era o grego, escreviam em grego; se eram cultos, escreviam como homens cultos; se não eram cultos, escreviam como fazem os iletrados. Não separamos os elementos divino e humano, mas insistimos em que os dois estão unidos numa perfeita harmonia, de tal forma que todas as palavras das Escrituras são, simultaneamente, Palavra de Deus e palavras de homens. Os próprios escritores afirmam explicitamente que, neste processo, a influência divina é primária e a humana, secundária; de forma que não são a fonte originária, mas apenas os receptores e arautos das mensagens. Assim, o que escreveram ou disseram não deve ser considerado simplesmente algo de sua própria produção, e sim como de fato a Palavra de Deus, pura, e por essa razão deve ser recebida e obedecida implicitamente. O fato de podermos traçar, tão facilmente, o estilo ou a forma de expressão peculiares nos escritos de Paulo, de João ou de Moisés, revela que as Escrituras foram dadas de tal forma que permitem personalidades humanas. Se fosse de outra maneira, as Escrituras teriam se reduzido a um nível morto, de monotonia, e realmente teríamos uma teoria mecânica de inspiração, em que os autores pouco mais eram do que autômatos. Jaz na própria ideia de inspiração o fato de que Deus usou os agentes que conhecemos, de acordo com suas próprias naturezas. Um tipo de homem foi escolhido para escrever história, outro tipo para escrever poesia, e ainda outro para apresentar doutrina, se bem que estas funções sobrepujassem em alguns escritores. E, acima de tudo, devemos ter em mente que, durante toda a vida do profeta, o controle providencial de Deus o estava preparando por meio de talentos particulares de educação e de experiência, necessárias para a mensagem que ele tinha de apresentar. Esta preparação providencial dos profetas, que lhes deu o fundo espiritual e físico necessários, de fato teve início em seus antepassados mais remotos. Em resultado disso, os homens necessários surgiram nos lugares precisos, na altura devida, e escreveram os livros ou apresentaram as mensagens que lhes estavam designadas. Quando Deus desejou dar a seu povo uma história a partir dos primórdios, preparou Moisés para a escrever. Quando desejou dar- lhe a poesia, doce e convidativa à adoração, como os Salmos, ele dotou Davi com imaginação poética. E, visto que o cristianismo requer, por sua própria natureza, afirmações lógicas, ele preparou Paulo, dando-lhe uma mente lógica e o fundo religioso necessário de forma a capacitá-lo para as apresentar como ele o faz. Desta forma natural, Deus preparou de tal maneira os vários autores das Escrituras que, com a assistência adequada de seu Espírito, a dirigi- los e a iluminá-los, eles escreveram livre e espontaneamente aquilo que ele quis, e no tempo por ele designado. Assim, o profeta estava preparado para a mensagem e esta se adequava ao profeta. E desta maneira também o estilo literário e particular de cada escritor foi preservado, e cada um fez a obra que ninguém mais estava preparado para fazer. Em algumas ocasiões, a inspiração pouco mais era que um processo de ditado. Deus falou e os homens registraram suas palavras (cf. Gn 22.15-22; Êx 20.1-17; Is 43.1-28; etc.). Em outras ocasiões, os escritores agiram como pensadores e compositores, com toda sua energia, laborando como desejavam, relembrando e abrindo seu coração perante Deus, exercendo o Espírito Santo uma supervisão geral, levando-os a escrever o que era necessário que fosse escrito, e a manter seus escritos livres de qualquer erro, como podemos ver, por exemplo, em Lucas 1.1-4; Romanos 1.1-32; Efésios 1.1-23; etc. Ao relatar simples fatos históricos ou ao copiar listas de nomes ou de números,de fontes fidedignas, esta supervisão era minuciosa. É possível que, em alguns casos, não tivessem sequer a consciência de que estavam sendo influenciados diretamente pelo Espírito, naquilo que escreviam. Em geral, porém, podemos dizer que a palavra dos profetas exprimia não só algo que eles pensavam, concluíam, esperavam ou temiam, mas também aquilo que lhes era transmitido — às vezes uma mensagem indesejada, a qual o Espírito revelador forçou a pronunciar. Naturalmente fugiam de enunciar mensagens de destruição para o povo ou para a nação. No entanto, não tinham a liberdade de dizer mais nem menos do que recebiam, procediam portanto como quem possui a mensagem de um rei e não pode alterá-la em coisa alguma, mas entregá-la exatamente como a recebeu. Isaías, por exemplo, após sua visão gloriosa e vocação oficial, foi enviado a seus compatriotas com uma mensagem indesejada, e foi inclusive avisado de que o povo não o ouviria, e que o resultado de sua pregação seria a revolta e o endurecimento de seus corações. Apesar disso, ele não podia mudar a mensagem, mas apenas pergunta: “Até quando, Senhor?” (Is 6.9-13). Do mesmo modo, Ezequiel foi enviado a um povo rebelde, sendo-lhe dito que não o ouviriam (Ez 3.4-11). Mas, quer ouvissem quer não, tinham de saber que entre eles houve um profeta do Senhor (Ez 2.5). Ainda que o profeta preferisse falar de outra maneira, só podia enunciar a mensagem que recebera. Se o povo não ouvisse o aviso, a responsabilidade era sua (Ez 33.1-11). Mostra-se ainda a objetividade da mensagem no fato de que com frequência os próprios profetas não compreendiam a revelação que era enunciada por seu intermédio (Dn 12.8, 9; Ap 5.1-4). Tampouco se deve considerar a obra do Espírito como sendo mais misteriosa do que sua obra nas esferas da graça e da providência. Por exemplo, o primeiro exercício da fé salvífica na alma regenerada é, simultaneamente, uma obra induzida pelo Espírito Santo e um ato da escolha espontânea do indivíduo. E em toda a Bíblia as leis da natureza, o curso da história e os variados destinos dos indivíduos são sempre atribuídos ao controle providencial de Deus. “O Senhor tem seu caminho na tormenta e nas tempestades, e as nuvens são o pó de seus pés” (Na 1.3). “Porque ele faz nascer seu sol sobre maus e bons, e vir chuva sobre justos e injustos” (Mt 5.45). “O Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer, e até ao mais humilde dos homens constitui sobre eles” (Dn 4.17). “Porque Deus é quem opera em vós tanto o querer como o realizar, segundo sua boa vontade” (Fp 2.13). “Como o ribeiro das águas, assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo seu querer, o inclina” (Pv 21.1). A inspiração teria sido algo semelhante ao toque que o cavaleiro imprime às rédeas do cavalo de corrida bem treinado. A preservação dos estilos e maneirismos individuais indica isso. Sob este controle providencial, os profetas eram governados de tal maneira que, embora sua humanidade não fosse suprimida, suas palavras ao povo eram as palavras de Deus, e assim têm sido recebidas pela igreja através dos séculos. Que os autores das Escrituras usavam frequentemente outros documentos e fontes, é evidente até para o leitor mais superficial. Por exemplo, o capítulo 37 de Isaías e o capítulo 19 de 2 Reis são exatamente iguais. Assim, Isaías e o autor de 2 Reis teriam recorrido às mesmas fontes. Muitos dos relatos dos Evangelhos são narrados em linguagem quase idêntica. Se pudéssemos provar, por exemplo, que o Pentateuco consiste de várias partes que, por seu turno, se baseiam em documentos mais antigos, nossa doutrina da inspiração podia aceitar tal ponto de vista. Ao lidar com dados históricos ou legais, é provável que os autores das Escrituras recorressem a fontes, com tanta naturalidade, como fazem os escritores contemporâneos, com a seguinte diferença: que o Espírito Santo superintendeu sua obra, de tal forma que selecionaram apenas o material que Deus quis que fosse dado ao povo, e apresentaram esse material de modo que o mesmo ficou livre de qualquer erro. Não estavam demasiadamente interessados no método que usavam para escrever, como estavam no valor e autoridade do produto final. Quanto mais naturalmente e menos mecanicamente fosse realizado, melhor. Não se deve esperar uma explicação perfeita da maneira como os agentes divino e humano cooperaram na produção das Escrituras. Basta dizer que, na maioria dos casos, era algo mais íntimo do que aquilo que é conhecido como ditado. Nosso problema é que às vezes procuramos explicações completas para coisas que em seu aspecto mais profundo deveriam ser apenas recebidas como mistérios; por exemplo, a Trindade, a expiação, a relação entre a soberania de Deus e a liberdade humana, e a inspiração da Bíblia. Os modernistas, com sua base naturalista, resolvem facilmente estes problemas, ignorando o divino, sem repararem na superficialidade de seu raciocínio. Os evangélicos têm, sem dúvida, se aferrado a estes problemas. Reconheceram não só o elemento divino, mas também o humano, e trouxeram uma solução parcial, ao confessarem que a mente humana não pode compreender, inteiramente, as coisas profundas de Deus. É claro que não devemos pensar que a inspiração tornava os profetas oniscientes. A inspiração apenas abrangia o conteúdo de determinada mensagem, dada através deles. Em questões de ciência, de filosofia ou de história, fora de seu objetivo imediato, estavam no mesmo plano de seus contemporâneos. Eram preservados do erro quando apresentavam a mensagem de Deus, mas a inspiração, por si só, não os transformou nem em astrônomos, nem em químicos, nem em agricultores, etc. Muitos deles acreditavam, como seus contemporâneos, que o sol se movia ao redor da terra, mas em parte alguma ensinaram tal coisa. Paulo não podia errar em seu ensino, ainda que não se lembrasse de quantas pessoas batizara em Corinto (1Co 1.16). Já vimos como Daniel e João não compreenderam inteiramente toda a revelação dada por seu intermédio. Isaque deu, sem qualquer intenção, a bênção profética a Jacó, em vez de a dar a Esaú, seu filho favorito; e, quando mais tarde descobriu que fora enganado, não pôde, de forma alguma, mudar o rumo das coisas. A doutrina da inspiração não admite sequer que os autores estivessem livres de erro, em sua conduta pessoal. Moisés escreveu bastante acerca da história primitiva de Israel, e geralmente ele é conhecido como sendo o maior profeta do Antigo Testamento; no entanto, junto às águas de Meribá, tomou para si a glória do Senhor, e por causa dessa transgressão não lhe foi permitido entrar na Terra Prometida (Nm 20.7-13). Balaão disse algumas grandes verdades, e Saul esteve entre os profetas. Do mesmo modo, Pedro era infalível como porta-voz do Senhor, e não obstante, pelo menos uma vez, caiu em erro grave em sua conduta pessoal, e foi necessário que Paulo lhe resistisse de frente, pois se tornara repreensível (Gl 2.11- 14). Além disso, vimos que a inspiração era bastante flexível para permitir certos assuntos pessoais, como aconteceu quando Paulo pediu a Timóteo que viesse ter com ele dentro de pouco tempo e lhe trouxesse a capa e alguns pergaminhos que deixara em Trôades (2Tm 4.13). Inclui conselhos pessoais a respeito da saúde de Timóteo (1Tm 5.23) e a preocupação pessoal em relação ao tratamento do escravo (Fm 10-16). Desse modo vemos que a doutrina cristã da inspiração não é um processo mecânico, como certos críticos menos simpáticos comumente querem fazer acreditar. Pelo contrário, necessita que toda a personalidade do profeta entre em ação, dando pleno lugar ao estilo e a seus próprios maneirismos literários, tendo em consideração a preparação dada ao profeta, de modo que ele apresenta uma determinada mensagem, e permitindo o uso de outros documentos ou fontes de informação, que necessitasse. Se tivéssemos isto mais em mente, a doutrina da inspiração não seria posta de parte, sumariamente, nem atacada sem razão por eruditos que são, em outros assuntos, prudentes e reverentes. 4. Os supostoserros das Escrituras Presentemente, um dos fatos mais desoladores nas igrejas é este: enquanto antigamente se aceitava sem discutir o que a Bíblia dizia, e sem admitir qualquer dúvida sobre aquilo que ela afirmava, hoje há grupos dentro das igrejas discutindo sobre se aquilo que a Bíblia diz é ou não digno de confiança. Há algum tempo, ouvimos um sermão pregado por um professor de um seminário teológico, muito conhecido, em que declarava que a Bíblia continha erros históricos, morais e literários. É uma acusação bem séria; e, se isso pudesse ser provado, sem dúvida destruiria a doutrina cristã da inspiração. Geralmente se reconhece que a Bíblia contém algumas declarações que, com o conhecimento que possuímos, não podemos explicar plenamente. Nosso conhecimento de hebraico e de grego de modo algum é perfeito. Por exemplo, há certo número de palavras e expressões idiomáticas que aparecem uma vez ou outra nas Escrituras, e às vezes sucede que até os melhores conhecedores desses idiomas não concordam inteiramente a respeito de seu significado. Não podemos, porém, deixar de sentir-nos satisfeitos ao sabermos que, com o progresso das descobertas linguísticas e arqueológicas, a grande maioria dos supostos erros bíblicos, tão confiantemente apresentados pelos céticos e ateus há alguns anos, desapareceu. Hoje resta apenas uma pequena parte da antiga lista. E maior alegria nutrimos nós porque, não obstante todos os inclementes ataques feitos à Bíblia, e apesar de toda a terrível luz da crítica, que há tanto tempo se tem projetado sobre suas páginas abertas, ainda não se provou que houvesse um único erro em qualquer parte da Bíblia. Até hoje, sem qualquer exceção, sempre que se tem chegado a conflito e tem sido possível decidir do julgamento, tem-se provado que o cético está errado e a Bíblia está certa. As pretensas discrepâncias que restam são apenas avisos, depressa esquecidos, àqueles que, em sua ânsia de violentarem a doutrina da infalibilidade das Escrituras, põem sua mente de sobreaviso a respeito da história e da literatura. Estas dificuldades são tão triviais, que ninguém deveria preocupar-se com elas. Quando possuirmos mais luz, desaparecerão como sombras. Algumas, se não todas elas, não passam de erros de copistas ou de tradutores; e sem dúvida ninguém tem o direito de afirmar que existem erros na Bíblia, a não ser que possa mostrar, sem qualquer sombra de dúvida, que se encontram nos manuscritos originais. Há plena razão para se admitir que, com um conhecimento adicional, aquilo que para nós parece erro será esclarecido. Não é exagero afirmar que, de um modo geral, estão na mesma relação para com a Bíblia, como os grãos de areia aqui e acolá, do mármore do Partenon, estão para este edifício. Perante as experiências pregressas, é importante ter em mente que há fortes probabilidades de que esses erros não sejam reais, probabilidades estas que poderão ser medidas pelo peso total da evidência que possa ser apresentada para provar que a Bíblia é um guia, absolutamente verídico, em questões morais e espirituais. Quando nos lembramos que a Bíblia foi escrita em um período de cerca de 1600 anos, e que uns 40 escritores diferentes, que viveram em períodos distintos, possuindo pontos de vista diferentes, e com aptidões literárias diversas, tiveram parte em sua produção; que a história religiosa e política do país era verdadeiramente complexa, e que historiadores romanos, conhecidos por sua precisão, caíram abertamente em erro, ao narrarem acontecimentos seus contemporâneos, é de espantar que, havendo algumas coisas relatadas na Bíblia, difíceis de entender, seu número seja tão reduzido. Ainda que admitamos que a Bíblia contém algumas declarações difíceis de se harmonizarem com o conhecimento atual, isso não deveria fornecer quaisquer bases racionais para negar-se a teoria geral da infalibilidade das Escrituras. Temos as palavras do próprio Cristo: “A Escritura não pode ser anulada” (Jo 10.35); e não deveríamos pedir mais do que isso. No universo material há evidências de características tão múltiplas, diversas e maravilhosas, que deveríamos chegar à conclusão de que apontam para um autor inteligente. E, no entanto, aqui e ali achamos monstruosidades. O fato de que, em nosso atual estado de conhecimento, não somos capazes de explicar por que foram criados cobras e mosquitos, ou o germe da malária, não impede que acreditemos que o mundo teve um Criador, inteligente e benévolo. Tampouco o cristão deveria perder sua fé na Bíblia só porque não é capaz de harmonizar todos seus detalhes. Possivelmente, nenhuma outra ciência, como a Arqueologia, tem feito tanto para confirmar a Bíblia. A obra paciente de exploradores e escavadores no Egito, em Babilônia, na Assíria e na Palestina, com suas pás e picaretas, abriu-nos imensos volumes da história antiga, dando-nos narrações gráficas da língua, da literatura, instituições e religiões dos povos que há muito teriam sido esquecidos, exceto por menções ocasionais da Bíblia. Possuímos seu registro gravado na rocha, no tijolo e registrado numa ou noutra forma em monumentos, túmulos, edifícios, papiros e cerâmica. Estas descobertas confirmam, sem exceção, a veracidade da Bíblia, e sempre têm provado que as teorias e as conjeturas dos críticos destrutivos estão erradas. De fato, os inimigos da Bíblia não têm maior adversário do que a Arqueologia. A evidência apresentada por esta fonte de informação é tão imparcial, tão impossível de impugnar e tão concludente, que obriga sua aceitação, tanto pelos amigos como pelos inimigos. E������� �� ����� ��������� Não nos é possível, por falta de espaço, dar uma lista circunstanciada dos erros que se têm apontado nas Escrituras, e no entanto nossa discussão ficaria incompleta se não apresentássemos alguns exemplos. À primeira vista parece haver contradição entre Atos 9.7 e Atos 22.9, acerca da conversão de Paulo. Na primeira passagem lemos que os homens que acompanhavam Saulo ouviram a voz que lhe falou, enquanto na outra lemos que não ouviram a voz. A dificuldade, porém, desaparece ao verificarmos que a palavra grega traduzida por voz pode também significar som, e assim se pode traduzir Atos 9.7. Concluímos, pois, que os homens que viajaram com Saulo ouviram o som, porém não entenderam as palavras. Há relativamente pouco tempo, os críticos destrutivos escarneceram de alguém que aceitasse a declaração de Lucas de que a Ilha de Chipre foi governada por um procônsul (At 13.7), e que o tetrarca Lisânias foi contemporâneo dos governantes herodianos (Lc 3.1). No entanto, o escárnio depressa se desvaneceu, quando descobertas arqueológicas confirmaram as afirmações bíblicas. Na cura do servo do centurião, quer o próprio centurião se dirigisse a Jesus e pedisse que seu servo fosse curado, como Mateus nos leva a crer (8.5), ou lhe enviasse anciãos dos judeus, como nos diz Lucas (7.3), a questão é a mesma, pela forma como nos conta a história. Em nossa linguagem comum, atribuímos à pessoa aquilo que seus agentes ou servos fazem sob suas ordens. A acusação que Pilatos escreveu na cruz nos é dada pelos evangelistas com pequenas variantes. No entanto, tudo indica que a explicação para esse fato se encontra principalmente no fato de a acusação ser escrita em três idiomas: latim, grego e hebraico, que havia variantes nos originais e que, pelo menos um dos escritos, apresenta uma tradução livre, não havendo diferença substancial, por exemplo, entre a declaração de Marcos, “o Rei dos Judeus”, e a de Lucas, “Este é o Rei dos Judeus”. Na manhã da ressurreição, quer a pedra do túmulo fosse retirada por mãos humanas, como se refere na narrativa de Marcos, Lucas e João (ainda que tenham o cuidado de não dizer que o fora por mãos humanas, mas apenas que a pedra foi tirada), ou que um terremoto contribuiu para esse fim, como Mateus nos informa mais especificamente (28.2), o fato não interessa perante o ponto essencial de que Cristo, naquela manhã, ressurgiu e saiu do túmulo. Mateus nos fornece um relato mais detalhado, neste ponto, nosdizendo que o Senhor usou as forças da natureza para alcançar seu objetivo; enquanto os outros evangelistas apenas registram a importante verdade religiosa de que o túmulo estava aberto. Acontece amiúde que autores sacros, assim como os seculares, descrevem acontecimentos de um prisma diferente, ou com ênfases diferentes. Em tais casos, não há mais contradição entre as narrativas do que há, por exemplo, entre quatro fotografias da mesma casa, uma tirada do ocidente, outra do norte, outra do leste e outra do sul, ainda que apresentem vistas diferentes. Mateus 27.5 afirma que Judas entregou o dinheiro aos sacerdotes, e depois saiu e foi enforcar-se; enquanto Atos 1.18 afirma que ele comprou um campo com esse dinheiro. Mas, coordenando as duas narrativas, deduz-se que o que realmente aconteceu foi que os sacerdotes rejeitaram o dinheiro que Judas atirou para o templo. No entanto, depois de sua traição e suicídio, tal desgraça se ligou a ele, de maneira que nenhum amigo ou parente veio cuidar de seu corpo, e foi enterrado pelas autoridades. Os sacerdotes se lembraram de que o dinheiro fora devolvido e que não poderia entrar nas ofertas do templo por ser preço de sangue; e, necessitando o corpo de sepultura, resolveram, muito a propósito, usar aquele dinheiro para comprar um terreno onde o enterrassem, talvez o mesmo campo em que ele suicidara. Assim, diz-se que ele comprou um campo com a recompensa recebida por sua iniquidade — não que ele o tivesse adquirido pessoalmente, mas que foi comprado com seu dinheiro, e que nele foi enterrado. Muitos críticos afirmam que a referência de Jeremias que se faz em Mateus 27.9 constitui um erro, e que deve ser, antes, a Zacarias 11.12, 13. No entanto, tudo indica ser este um caso de menção subsequente, como acontece também em Atos 20.35 e Judas 14. Mateus diz que Jeremias disse essas palavras, e ninguém pode provar o contrário. Certamente, Jeremias as pronunciara, Zacarias as escrevera, e Mateus, inspirado pelo Espírito Santo, as citou aqui, atribuindo-as a Jeremias. É possível que Mateus tivesse fontes seguras para atribuí-las a Jeremias, fontes essas que não conhecemos. O fato de a citação de Mateus não ser exatamente como se encontra em Zacarias pode ser tomado como indicação de que ele de fato possuía outros livros. Às vezes afirma-se que Gênesis 36.31, ao referir-se a rei (ou reis) que governaram sobre os filhos de Israel prova que o livro do Gênesis não foi escrito por Moisés, mas por outra pessoa, que Moisés era profeta e que, muito antes da promessa ser dada a Abraão de que haveria reis (Gn 17.6; 35.11), predisse o aparecimento de reis em Israel (Dt 17.14-20), e que em Gênesis 36.31 ele apenas diz que havia reis reinando em Edom, muito antes de os haver em Israel. No que diz respeito a Êxodo 9.19, às vezes se pergunta como é que os egípcios poderiam ter ainda gado para ser morto pela saraiva, que foi a sétima praga, se em Êxodo 9.6 se declara que todo o gado perecera pela peste, que foi a quinta praga. Pode-se explicar este fato, porquanto a quinta praga não matou o gado que pertencia aos israelitas, e durante o tempo decorrido entre as duas pragas sem dúvida os egípcios se apossaram desse gado. O fato de os Dez Mandamentos, apresentados em Êxodo 20.17 e Deuteronômio 5.7-21, mostrarem certas variantes na linguagem ou, em alguns casos em que os escritores do Novo Testamento citam o Antigo Testamento, não citarem as palavras exatas, mas apenas o significado em geral, não é um argumento contra a inspiração verbal, a menos que se possa provar que quiseram citar literalmente. O escritor ou orador está em seu direito de repetir seus pensamentos de maneira relativamente diversa, e é isto que o Espírito Santo fez. A linguagem humana, em sua forma mais elevada, é demasiadamente imperfeita para expressar a plenitude da mente divina, e não deveríamos limitar o Espírito Santo a uma forma estereotipada de falar. Os escritores do Novo Testamento têm mais interesse em apresentar a verdade básica, colocando-a em uma forma variada e rica, do que em seguir um método rígido. Isto põe de lado um grande número de contradições que alguns críticos afirmam encontrar na Bíblia. Além disso, se encontrarmos uma passagem que permita duas interpretações, uma que se harmonize com o restante das Escrituras e outra não, sem dúvida devemos aceitar a primeira. Quer essa declaração se encontra nas Escrituras, em documentos históricos ou em documentos legais, o princípio da interpretação comumente aceito é que o significado que pressupõe o documento é auto-consistente e racional e deve ser preferido ao que o torna inconsistente e irracional. Agir sobre outra base é fazê-lo com preconceitos e pressupor o erro em vez de o provar. No entanto, os críticos da Bíblia não se importam em descartar esta regra. Muitas das chamadas “dificuldades morais” do Antigo Testamento surgem apenas porque não se tomou em consideração a natureza progressiva da revelação. Ainda mais, evidentemente, se espera de nós, que vivemos na era cristã e que possuímos a luz do Novo Testamento. Também aqui existe “primeiro a haste, depois a espiga, e por fim o grão maduro na espiga”. Muitas vezes surgem mal-entendidos devido ao fracasso em distinguir entre o que as Escrituras registram e o que elas sancionam. Por exemplo, os problemas mais sérios surgem quando se trata da destruição dos cananeus, dos salmos imprecatórios, da doutrina da expiação substitutiva e da doutrina do castigo eterno. É possível que as dificuldades relacionadas com estes problemas não possam ser resolvidas, mas a objeção de que são moralmente errados surge da suposição de uma justiça retributiva inexistente. É preciso ter em mente que, se Deus é bom e recompensa a justiça, também é justo e pune, com toda certeza, o pecado, e que o castigo do pecado é para ele obrigatório, refletindo sua glória, do mesmo modo que a recompensa da justiça o faz. Este é o ensino do Novo Testamento, de forma tão clara como é o do Antigo Testamento; e que está em sua base doutrinária o fato de que o castigo de nossos pecados não poderia ser simplesmente cancelado, mas tem de ser posto sobre Cristo, para nossa salvação. Além disso, o Antigo Testamento mostra não apenas que certos indivíduos, mas que até cidades inteiras eram tão depravadas, que vieram ser uma maldição para a sociedade. Tais indivíduos, pois, eram indignos de viver. Até mesmo a religião de alguns povos era corrupta, como, por exemplo, os que seguiam o culto de Baal, culto que era acompanhado de ritos imorais, de sacrifícios de crianças recém-nascidas atiradas ao fogo, e do ósculo lançado às imagens de deuses pagãos. A atitude do Antigo Testamento em relação à poligamia, o divórcio e outros males semelhantes, é frequentemente ridicularizada pelos críticos atuais; mas, analisada em seu próprio ambiente, é em si um argumento a favor da autoridade divina da Bíblia. No que diz respeito a quase todas estas questões, verificamos que o objetivo da Bíblia é apresentar princípios básicos aplicáveis a todos os povos, a todas as nações, a todas as raças e em todas as épocas, e não estabelecer leis específicas que, embora se adaptem a um tipo de pessoas sob certas condições diferentes, podem não se aplicar a outros. A criação de leis específicas, adaptáveis a certos problemas sociais ou políticos e a condições locais, pertence aos corpos legislativos competentes. Portanto, as leis da Bíblia não são tão específicas quanto muita gente gostaria que fossem. A sabedoria que a Bíblia revela ao enfrentar tais males, numa época primitiva, dando leis e princípios que os regulassem, de forma a destruí-los, é em si uma forte evidência de que essas leis são de origem sobre-humana. A B����� ���� ������� É evidente que a Bíblia não foi escrita do prisma científico. Aquele que procurar usá-la como sendo um livro-texto, ficará verdadeiramente desapontado. Foi escrita muitos anos antes do aparecimento da ciência moderna e tendo em mente não cientistas e intelectuais, e sim o povo comum. Sua linguagem é a do povo e suamatéria é, acima de tudo, religiosa e espiritual. Se tivesse sido escrita na linguagem científica ou filosófica, teria sido ininteligível ao povo das épocas primitivas, e na realidade não seria compreendida pelas massas de nossa própria época. Além disso, embora não pretendamos rebaixar as realizações científicas modernas, e sim, antes, aceitá-las e usá-las ao máximo, devemos dizer que os livros- texto científicos têm de ser reescritos, pelo menos uma vez em cada geração; e, ao progredirmos como sucede hoje nas investigações científicas, dentro de dez anos a maioria dos livros científicos ora em uso será obsoleta. Mas a Bíblia é um livro que não sofreu qualquer revisão durante milhares de anos, e que atualmente apela para o coração e para a inteligência do homem, com tanta força como o fez no passado. Aqueles que buscam na Bíblia inspiração espiritual e intelectual, encontram-na tão fresca e inspiradora, como se tivesse sido escrita ainda ontem. Uma das coisas mais maravilhosas a respeito da Bíblia é que, embora escrita em épocas de ignorância e de superstição, ela não contém os erros e falácias populares de seu tempo. Moisés, como príncipe herdeiro do Egito, frequentou as melhores escolas e “foi instruído em toda a sabedoria dos egípcios”, cuja maior parte seria considerada hoje patética, porém não a usou na Bíblia. As teorias inverossímeis e fantásticas defendidas pelos egípcios a respeito da origem do mundo e do homem são completamente ignoradas; e no primeiro capítulo do Gênesis, em linguagem majestosa nunca ultrapassada até hoje, ele nos fornece um relato da criação do mundo e do homem que não pode ser desmentido pela ciência moderna. Os outros profetas que não tiveram contato com a ciência de seu tempo, na Caldéia e em Babilônia, procederam da mesma maneira; e, embora pessoalmente cressem em muitas coisas errôneas, só escreveram o que estava de acordo com a verdade. É provável que alguns dos profetas admitissem que o mundo era plano. No entanto, em parte alguma de seus escritos ensinaram tal coisa. Quando falam do nascer e do pôr-do-sol, dos quatro cantos da terra ou dos confins da terra, não devemos tomar ao pé da letra o que eles dizem. Atualmente, usamos as mesmas expressões, porém não queremos com isso afirmar que o sol gira em torno da terra, ou que a terra seja plana ou retangular. Em nossa linguagem corrente, com frequência descrevemos as coisas como nos parecem e não como bem sabemos são na realidade. E embora os céticos, como um grupo, estejam sempre prontos a afirmar que a Bíblia ensina que a terra é plana, quase não podemos encontrar um que seja suficientemente honesto para citar um determinado versículo em que a Bíblia faça tal declaração a respeito da forma da terra. Ao descrever a grandeza e a majestade de Deus, Isaías diz que “ele está assentado sobre a redondeza da terra” (40.22). A palavra hebraica que se traduz por redondeza ou globo literalmente significa redondo. Tampouco os céticos gostariam de citar as palavras de Jó: “Estende o norte sobre o vazio; suspende a terra sobre o nada” (Jó 26.7). Em 1861, a Academia Francesa de Ciências publicou uma lista de 51 fatos, denominados científicos, cada um dos quais, dizia- se, refutava uma afirmação da Bíblia. Hoje, a Bíblia permanece como então era, porém nenhum desses supostos fatos é defendido pelos atuais homens de ciência. Devíamos fazer sempre distinção entre especulação científica e fatos demonstrados de forma inegável. As especulações científicas são como as correntes movediças do oceano; enquanto as Escrituras, qual rochedo de Gibraltar, lhes resistem há muito mais de dois mil anos. Ainda não foi possível demonstrar que há contradições entre a Bíblia e fatos científicos comprovados; pelo contrário, a narrativa do mundo, em contraste com aquilo que se encontra nos livros antigos, está de acordo com as descobertas da ciência moderna, de maneira tão extraordinária que se torna maravilhoso. O conflito que algumas pessoas supõem existir entre a Bíblia e a Ciência na realidade não existe. É possível que a principal razão por que há tanta confusão acerca das relações entre a ciência e a religião seja o fracasso, por parte de muita gente, em distinguir entre fatos e opiniões. A verdadeira ciência lida com fatos comprovados; as opiniões podem variar, com a pessoa que as formula. A evolução orgânica, por exemplo, como tem sido apresentada, em geral não admite o sobrenatural e está em contradição com a Bíblia. Devemos, porém, lembrar-nos de que a evolução não é um fato científico, mas apenas uma teoria, uma hipótese. Nem um só dos argumentos normalmente apresentados para a sustentar é válido; e muitos cientistas de valor não acreditam na teoria da evolução, mas na criação, como é apresentada na Bíblia. Se um pastor não estudou ciências, não tem o direito de invadir o domínio da ciência e falar com autoridade a seu respeito. Tampouco um cientista que não teve qualquer experiência do poder regenerador do Espírito Santo tem qualquer direito de invadir o campo da religião e falar livremente a seu respeito. Atualmente, certos cientistas de renome, mas sem experiência religiosa, presunçosamente têm escrito ou falado, emitindo sua opinião acerca de assuntos religiosos. Sua opinião, porém, a respeito desses assuntos não tem mais valor que a de qualquer outra pessoa, pela simples razão de que falam a respeito de coisas que estão muito além de seu conhecimento. O simples fato de um homem ser uma sumidade dentro de um campo, não lhe confere o direito de falar, com autoridade, sobre questões fora desse campo de conhecimento. A verdadeira religião e a verdadeira ciência nunca se contradizem; mas ministros e cientistas podem discordar, pessoalmente. Na verdade, a ciência tem feito coisas maravilhosas. Mas seu domínio está estritamente limitado à parte material da vida. Não tem autoridade para falar acerca de coisas espirituais. Quando a ciência se torna um substituto da religião, em geral se transforma em um falso Messias. A relação entre a Bíblia e a ciência foi apresentada, de forma bem clara, pelo Dr. Samuel G. Craig, da seguinte maneira: Uma coisa é dizer que as Escrituras contêm declarações contrárias aos ensinos da ciência e da filosofia modernas, e outra coisa totalmente diferente é dizer que contêm erros comprovados. Estritamente falando, não existem ciência e filosofia modernas — existem apenas cientistas e filósofos modernos que divergem entre si. É apenas na suposição de que as vozes discordantes dos cientistas e filósofos modernos devem identificar-se com as vozes da ciência e da filosofia, que alguém se justifica dizendo que a Bíblia contém erros e isto em virtude de seus ensinos nem sempre estarem de acordo com os ensinos desses cientistas e filósofos. Porventura alguém admite que a ciência e a filosofia já atingiram sua forma final? Não seria melhor afirmar que estão longe de a atingir e que, se os ensinos da Bíblia estivessem em perfeita harmonia com a ciência e a filosofia modernas, é quase certo que estariam em desacordo com a ciência e filosofia do futuro? Por exemplo, se o anti-sobrenatural da ciência e da filosofia dominantes de hoje for a característica das mesmas em sua forma definitiva, então a Bíblia conteria, sem dúvida, muitos erros. No entanto, quem possui competência suficiente para afirmar que é esse o caso? E, a menos que se prove que a ciência e a filosofia do futuro sejam essencialmente iguais à filosofia e ciência do presente, estamos fora da evidência existente, quando afirmamos que a Bíblia contém erros comprovados, apenas porque seu ensino está em contradição com os ensinos de cientistas e filósofos modernos. 5. Fidedignidade da Bíblia Depois de um breve estudo sobre os pretensos erros e discrepâncias, incluindo não só os que mencionamos, mas também muitos outros, afirmamos, sem receio de sermos desmentidos, que nenhum deles é autêntico. Como cristãos, damos ao livro de Deus o título: “Bíblia Sagrada”. Caso se tratasse apenas de um livro relativamente bem escrito, apresentando verdadesmorais e espirituais valiosas, mas, ao mesmo tempo, contendo muitas coisas duvidosas, não poderíamos aplicar-lhe o adjetivo “Sagrado”. Neste caso, ele estaria no mesmo nível de outros livros, e a única diferença seria não em qualidade mas em grau. No entanto, quão diferente é nossa atitude quando nos aproximamos da Bíblia e a consideramos como sendo a Palavra de Deus, única regra de fé e prática, inspirada e infalível! Quão prontamente aceitamos suas declarações e nos curvamos perante a enumeração de nosso dever! Quão indistintamente trememos perante suas ameaças da mesma forma que descansamos em suas promessas! Ao proclamarmos a Palavra da Vida, no púlpito ou em aula; ao tentarmos dar conforto junto de um leito de dor ou em um lar enlutado; ao vermos nossos companheiros lutando contra a tentação, ou preocupados com problemas, e lhes injetamos coragem e esperança, para este mundo e para o vindouro, quão gratos somos por uma Bíblia absolutamente fidedigna! Em tais casos, queremos salientar que possuímos não algo simplesmente provável ou plausível, mas seguro e concreto. Aquilo a que se dá o nome de “Lei de Documentos Antigos”, em geral aceitos pelos estudiosos dos livros religiosos e seculares, consiste em supor que “documentos aparentemente antigos, que não tragam em si marcas de falsificação e encontrados sob guarda conveniente, são verdadeiros até que existam provas, suficientemente fortes, em contrário”. Ora, nós afirmamos que, julgados por este princípio, os livros do Antigo e do Novo Testamento são aquilo que dizem ser, e como tais deverão ser aceitos. Estamos certos de que, quando os críticos forem vencidos, quando a batalha terminar e a fumaça desaparecer, os livros da Bíblia, se pudessem falar, diriam o que Paulo disse ao carcereiro de Filipos: “Não te faças nenhum mal, que todos aqui estamos”. A princípio parece muito difícil compreender por que tantas pessoas se preocupam em apontar erros na Bíblia. Mas, ao examinarmos o fato mais detalhadamente, verificamos que a razão está em que a Bíblia julga os homens e aponta o pecado de seus corações. E os homens não-convertidos não gostam disso e preferem ler um jornal ou um romance. A descrição de um julgamento, no jornal, interessa- lhes muito mais do que um capítulo do Novo Testamento. E já que não gostam que a Bíblia diga a verdade a seu respeito e a respeito do mundo em que vivem, tentam descobrir erros no Livro Santo. A razão por que não podem deixar o Livro em paz é que ele de fato não os deixa em paz. Em todas as épocas e em todas as classes sociais, os incrédulos têm tentado tudo quanto lhes é possível para encontrar erros que condenem a Bíblia como falsa. Não têm prazer em apontar erros em Virgílio, em Cícero, em Shakespeare, mas não podem suportar a Bíblia. E, infelizmente, os inimigos figadais da Palavra não se encontram apenas entre as pessoas incultas, mas também entre pessoas educadas e cultas. Realmente, muitos nada têm em comum, e no entanto se unem em sua acirrada oposição à Bíblia. T���������� ������ Evidentemente, atualmente há muitos sábios que, por várias razões, tentam lançar o descrédito sobre a Palavra de Deus. Em geral começam atacando o Antigo Testamento, e levam esse ataque até o Novo Testamento. Temos, porém, a alegria de dizer que há muitos sábios, de sabedoria pelo menos igual, que declaram ser a Bíblia absolutamente digna de confiança. O falecido Dr. Benjamin B. Warfield, professor de Teologia Sistemática em Princeton durante 35 anos, cremos que o maior teólogo e estudante de grego que jamais houve na América, depois de examinar a evidência com base na qual todos os críticos baseavam suas conclusões, não teve qualquer escrúpulo em declarar que essa evidência era destituída de qualquer valor, e disse que a Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse, é aquilo que pretende ser: a Palavra de Deus. Seu livro, Revelação e inspiração, sem dúvida é o melhor livro sobre o assunto. A revista “Sunday School Times” tem absoluta razão em afirmar que ele “constitui a defesa mais erudita, exaustiva e convincente da inspiração da Bíblia jamais escrita, nos últimos tempos”. Em relação ao Antigo Testamento, nos sentimos em terreno seguro afirmando que não surgiu até hoje maior autoridade do que Robert Dick Wilson. Conhecendo perfeitamente 45 línguas e dialetos, e conhecendo mais acerca do Antigo Testamento do que qualquer homem atual, apresentou suas conclusões nos seguintes termos: Dediquei-me constantemente, há quarenta e cinco anos, ao estudo do Antigo Testamento em todas as línguas, em toda sua arqueologia, em todas suas traduções e, tanto quanto possível, em tudo quanto diz respeito a seu texto e a sua história ... A evidência que possuímos me convence de que Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras pelos profetas e pelo Filho (Hb 1.1), e de que o Antigo Testamento em hebraico, sendo inspirado diretamente por Deus, foi conservado puro por sua providência e cuidado. O mundo continua esperando por uma teoria que forneça um relato adequado da origem e da autoridade da Bíblia, baseado em outras hipóteses que não tenham sua origem em Deus. Uma após outra, as teorias apresentadas caem automaticamente ou são desmentidas por outros esquemas igualmente destrutivos. Até hoje nenhuma outra hipótese, com exceção daquela da origem divina, conseguiu manter-se mais de meio século. Isto, por si só, é uma prova de que não se pode atribuir a origem do Livro a outros meios além dos que nos foram apresentados pelos próprios profetas. Tampouco temos razão para admitir que apareça, no futuro, outra teoria com possibilidade de êxito. Assim, o único curso racional a seguir é aceitando aquilo que a Bíblia afirma ser, até que possamos mudar de opinião. É interessante demonstrar que através dos séculos a fé cristã ortodoxa tem se desenvolvido e se defendido mediante esforços reverentes e ansiosos de Orígenes, de Agostinho, de Erasmo, de Lutero, de Calvino, de Hodge e de Warfield, os quais acreditavam na plena inspiração da Bíblia, e não pelos pelagianos, socinianos, wellhausens[1] e fosdicks[2] com suas dúvidas sobre se Moisés, Paulo, ou até mesmo Cristo, acreditavam naquilo que disseram. Nosso desejo é que não haja oportunidade para se dizer de nós o que se disse daqueles que viveram em épocas passadas: “que recebemos a Palavra de Deus, tal como foi anunciada pelos anjos, e não a guardamos”. R����� ���� ����� �� �� ��� � B����� � ��������� Quando afirmamos que a Bíblia é absolutamente fidedigna quanto a sua apresentação de fatos doutrinários ou éticos, com isso não queremos dizer que examinamos pessoalmente cada uma de suas declarações tão cuidadosamente, que nos sentimos justificados em afirmar que são todas verdadeiras, nem tampouco queremos dizer com isso que somos oniscientes. Chegamos a esta conclusão, em primeiro lugar, notando as reivindicações feitas na Bíblia acerca de sua própria inspiração e fidedignidade; e em seguida comparamos essa reivindicação com os fatos fornecidos pela crítica e pela exegese bíblica. Em virtude da muita evidência que consubstancia esta reivindicação da Bíblia, como, por exemplo, o alto nível moral e espiritual que existe ao longo de todo o Livro, a prometida diretriz do Espírito Santo, as muitas profecias feitas em determinadas épocas, e que no devido tempo tiveram seu cumprimento, até nos mais insignificantes pormenores, a inerente unidade do Livro, a forma simples e sem preconceitos com que se descrevem acontecimentos, etc., e, portanto, na ausência de quaisquer erros comprovados, concluímos que a Bíblia é aquilo que pretende ser: um livro inteiramente inspirado. Esta parece ser a única maneira lógica e compreensível de encarar o problema. Se rejeitarmos este método para chegarmos a uma conclusão, teremos de fazer um exame exaustivo de cada parte das Escrituras, versículo por versículo, declaração por declaração, e provar sua veracidade ou falsidade. Ao tentarmos este processo, logo esbarraremos com coisas difíceis de serem discernidas, declarações sobre as quais não temos informação adequada, e
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