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Organização Décio Fábio de Oliveira Júnior Inteligência Sistêmica Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! Ankizes Darrel Canassa Armanda Carla Teixeira Brandão Fragata Rufino Décio Fábio de Oliveira Júnior Fabiano Pereira Corrêa Sämy José de Magalhães Campos Ambrósio Luís Henrique de Oliveira Roseli Evangelista Ferreira 2 0 1 9 Inteligência Sistêmica: Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade. Copyright 2019 do Instituto Desenvolvimento sistêmico para a vida - IDESV Todos os direitos para a língua portuguesa reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio (eletrônico, mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados) sem permissão escrita do detentor do “copyright”, exceto no caso de tex- tos curtos para fins de citação ou crítica literária. 1ª Edição - 2019 ISBN: 978-85-60002-03-0 Instituto Desenvolvimento Sistêmico para a Vida - IDESV Rua Buenos Aires 1160 - Bairro Santa Rosa - Divinópolis/MG - Cep: 35.500542 Tel.: (31) 2511-1333 que se reserva a propriedade literária desta tradução. Coordenação editorial: Décio e Wilma Oliveira Revisão ortográfica: Gisele Freitas de Aguiar Designer de capa: Virtual Diagramação Diagramação: Virtual Diagramação Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme o decreto no 10.994, de 14 de dezembro de 2004. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) I61 Inteligência sistêmica: como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! /organização de Décio Fábio de Oliveira Júnior. Belo Horizonte: IDESV, 2019. 188 p. 1 livro digital. Disponível em: https://www.amazon.com/dp/B07XCYPMX8?re- f_=pe_3052080_276849420 Vários autores. ISBN: 978-85-60002-03-0 1. Psicoterapia sistêmica. 2. Constelação familiar. 2 Terapia familiar sistêmica. I. Título. CDD: 153.6 Pedidos: https://amzn.to/31uMeJz https://www.amazon.com/dp/B07XCYPMX8?ref_=pe_3052080_276849420 https://www.amazon.com/dp/B07XCYPMX8?ref_=pe_3052080_276849420 https://amzn.to/31uMeJz 4 Sumário PREFÁCIO ..................................................................................................... 7 Capítulo 1 - Inteligência Sistêmica De “Constelação Familiar” a “Inteligência Sistêmica” Décio Fábio de Oliveira Junior .................................................................... 10 Capítulo 2 – Educação Sistêmica PARTE 1 - A Abordagem Sistêmica aplicada a Educação Roseli Evangelista Ferreira Décio Fábio de Oliveira Júnior O Convite a Desconfiar ................................................................ 32 A História da Pedagogia Sistêmica................................................ 32 Contexto histórico, antropológico e cultural ............................ 32 Caso 1 - Merenda Escolar – o bife .............................................. 38 Postura Interna – Postura Fenomenológica .............................. 41 POSTURA – Relato de vivências ............................................. 45 Caso 2 – Menina se arrastando ...................................................... 45 PERTENCIMENTO ................................................................. 46 ORDEM ................................................................................... 47 EQUILÍBRIO ........................................................................... 48 Caso 3 – Briga entre as alunas ....................................................... 48 PERTENCIMENTO ................................................................. 51 Caso 4 - Trabalho da família: inclusão do pai e da mãe ................ 51 Caso 5 – O pai e o filho no parque ................................................ 54 O papel da mãe e o papel do pai. .............................................. 55 Entendendo um pouco mais do papel das mães na vida dos filhos ......................................................................................... 56 Caso 6 – Unindo Pai e Mãe no filho .............................................. 57 Caso 7 – Vendo os pais nas crianças ............................................. 58 5 Caso 8 – Percebendo a sua força ................................................... 59 O Amor dos Alunos - Atuação em sala de aula ........................ 60 Caso 9 - Eu me sacrifico pelo vovô – morar na fazenda ............... 63 Caso 10 - Eu me sacrifico pelo vovô que está doente ................... 64 Caso 11 - Eu me sacrifico pela minha professora ......................... 65 Caso 12 - Eu me sacrifico pelos pais biológicos .......................... 67 ORDEM ................................................................................... 70 “O amor é a água e o jarro é a ordem” Bert Hellinger ........ 70 História do E.T. ................................................................... 71 Sua família do jeito que é vem primeiro e merece todo meu respeito .................................................... 72 Caso 13 – Você é o aluno certo para mim ..................................... 72 Caso 14 – Competição de figurinhas ............................................. 73 O lugar de cada um e a Postura do Ajudante ........................... 77 Caso 15 - “Projeto Para Casa” ....................................................... 77 A Escola: um espaço social ...................................................... 83 Piquinininho ............................................................................. 85 Cristiano Salazar ...................................................................... 85 1 - Depoimento: Shirlei Melo – Uberlândia ............................ 86 2 - Depoimento: Luciana Aguiar – Montes Claros .................. 88 3 - Depoimento: Neurisvânia Freitas Fagundes Silveira – Montes Claros .................................................................. 89 PARTE 2 - Luta Pedagógica Fabiano Pereira Corrêa Sämy O cenário ....................................................................................... 90 A primeira transformação .............................................................. 92 A segunda transformação .............................................................. 93 A visão pelo método sistêmico fenomenológico ........................... 97 Capítulo 3 - Saúde Sistêmica A Saúde do Profissional de Saúde Armanda Carla Teixeira Brandão Fragata Rufino .................................... 100 6 Capítulo 4 - Lider e Coaching Sistêmico Relacionamentos - A Habilidade do Líder do Futuro Luís Henrique de Oliveira Minha história em 1000 palavras ...................................................... 121 1. Então… ......................................................................................... 123 1.1 Praticando .............................................................................. 124 2. O OXIGÊNIO DA VIDA.............................................................. 124 2.1 As descobertas de Harvard sobre os relacionamentos ........... 125 2.2 Relacionamentos – o oxigênio da vida .................................. 126 2.3 Praticando .............................................................................. 127 3. ONDE TUDO COMEÇOU .......................................................... 128 3.1 Reconciliar-se com os pais .................................................... 129 3.2 O Pai e a Mãe que vivem dentro do homem e da mulher ...... 129 3.3 O amor infantil ...................................................................... 131 3.4 Praticando .............................................................................. 132 4. MINHA PROFISSÃO .................................................................. 133 4.1 Primeiro, aprendo a servir ..................................................... 134 4.2 Depois, descubro o que faço bem .......................................... 136 4.3 Por último, sou monetizado com equilíbrio .......................... 137 4.4 Praticando ..............................................................................138 5. MINHA RELAÇÃO COM A RESPONSABILIDADE ............... 139 5.1 Os papéis que assumimos nas relações ................................. 139 5.1.1 O papel da vítima .......................................................... 140 5.1.2 O papel do agressor ....................................................... 141 5.1.3 O papel de Salvador ...................................................... 142 5.2 As estratégias de controle ...................................................... 143 5.3 O ciclo sem fim ...................................................................... 146 5.4 O centro do triângulo – o Protagonista .................................. 147 5.5 Praticando .............................................................................. 149 6. NÃO HÁ NADA DE ERRADO COM VOCÊ ............................. 150 PARTE 2 - Coaching Sistêmico Ankizes Darrel Canassa 1. O QUE É COACHING? ............................................................... 152 7 1.1 - Evolução do Coaching: ....................................................... 152 1.2 - Principais tipos de Coaching: .............................................. 153 2. DE QUE SE TRATA O COACHING SISTÊMICO? ................... 153 2.1 - Como tudo isso surgiu? ....................................................... 154 2.2 - Relato de experiências ......................................................... 157 2.3 - Identificando o problema ou entrave do cliente para conquis- tar seu objetivo ............................................................................ 161 Capítulo 5 - Justiça Sistêmica Desistir da Justiça - Uma Postura Justa José de Magalhães Campos Ambrósio 1 - A JUSTIÇA E A VINGANÇA ..................................................... 164 1.1 - A Justiça Ideal e Justiça Real .............................................. 165 1.2 - O Sim e o Não ..................................................................... 167 1.3 - Exercício: Buscando coerência ........................................... 167 2 - O CONFLITO ............................................................................. 170 3 - O DIREITO, A JUSTIÇA E A PAZ ............................................ 174 Mensagem Final .............................................................................. 177 CONHEÇA OS AUTORES Ankizes Darrel Canassa .................................................................... 179 Armanda Carla Teixeira Brandão Fragata Rufino ........................... 180 Décio Fábio de Oliveira Júnior ......................................................... 180 Fabiano Pereira Corrêa Sämy ........................................................... 181 José de Magalhães Campos Ambrósio ............................................. 181 Luís Henrique de Oliveira ................................................................ 182 Roseli Evangelista Ferreira ............................................................... 182 CONHEÇA NOSSOS TREINAMENTOS Cursos de Constelações Familiares .................................................. 183 Cursos Sistêmicos ............................................................................. 186 8 PREFÁCIO Caro leitor, Agradeço a oportunidade que você nos dá ao escolher nosso livro. Este livro é a coletânea de uma série de textos elaborados por mim, que sou o organizador, e uma gama de alunos nossos que são atualmente instruto- res do nosso Instituto, o IDESV - Instituto Desenvolvimento Sistêmico Para a Vida, que tem uma história de 20 anos ligados à Abordagem Sistêmica. Nossa história, trajetória de vida, experiências pessoais e profissionais, nos permitem aquilatar que a Abordagem Sistêmica é um paradigma realmen- te novo na hora de encontrar importantes soluções para problemas crônicos e, muitas vezes, de difícil solução para os métodos convencionais. Nossa tra- jetória também nos permite perceber que, recentemente, a penetração dessa Abordagem, que originalmente nasceu como uma forma de psicoterapia sistê- mica e progressivamente evoluiu para uma série de ferramentas/técnicas que auxiliam cada pessoa, através da mudança de sua postura interna, a encontrar incontáveis soluções para âmbitos profissionais tão díspares como a área da Educação, da Saúde, Direito, Coaching, Liderança, Cursos para Pais, Adoles- centes e Jovens, e outras inumeráveis aplicações que ainda restam por serem desenvolvidas pelo nosso Instituto. Procuramos, através desta coletânea, fazer uma visão estanque e em se- parado de cada uma dessas possíveis aplicações. A razão para isso é que você possa ler cada capítulo como se fosse uma espécie de obra em si e, embora exista uma conexão entre eles, esta organização permite ao leitor focar na sua área de interesse, por exemplo, saúde ou educação, sem se sentir tolhido ou obrigado a ler as outras partes. Assim, poderá acessar tranquila, direta ou ex- clusivamente a parte que lhe interessar e deixar o restante do livro para depois, ou mesmo descartá-lo, se assim o desejar. Porém, nossa experiência tem mostrado que a leitura das aplicações diver- sas desse trabalho nos dá uma rica imagem do caleidoscópio de possibilidades incríveis que a Abordagem Sistêmica apresentou ao longo dessas duas déca- das com as quais estamos atuando na área. Encontrar uma tecnologia que nos torna capazes de acessar soluções para problemas em diversos âmbitos relacionais e profissionais é realmente uma dádiva a qual devemos a inúmeros autores e pessoas que trabalharam antes de nós, desde os primordiais de Aristóteles, com sua visão sobre a enteléquia, ou uma citação muito comum quando ele diz “as propriedades do todo supe- ram as propriedades das partes individuais”, ou seja, o todo é maior que as partes em si. Além dele, reconhecemos os trabalhos importantes e seminais de Ludwig Von Bertalanffy nos anos 40 e 50, em que descreve a Teoria Geral dos Sistemas e a contribuição de vários psicólogos humanistas como Gregory Bateson e Milton Erickson, além da relevante participação da psicóloga nor- te-americana Virgínia Satir, responsável pelo desenvolvimento da técnica das esculturas familiares, chegando aos mais recentes como Bert Hellinger, que descortinou, através do método por ele aprimorado das Constelações Familia- res, uma série de dinâmicas ocultas anteriormente já citadas por Ivan Borgo em sua obra inicial chamada Lealdades Ocultas. Repousamos hoje através do aprimoramento e do uso prático dessas ferra- mentas e de nossa própria experiência nacional e internacional. O Instituto já atuou em todas as cinco regiões do Brasil e em alguns países como Suíça, Portugal e Espanha, além dos Estados Unidos, principalmente na Flórida. Podemos dizer que, depois de cerca de 20.000 Constelações fei- tas, compreendemos que a melhor maneira de levar esse trabalho, talvez, seja adaptar a tecnologia aos diversos contextos profissionais, despindo-a de sua roupagem psicoterapêutica original e adaptando-a ao contexto das diversas profissões. Desta maneira, contribuímos para que os profissionais que podem se beneficiar deste recurso possam tê-lo sem, necessariamente, ter que passar por um extensivo treinamento em Constelações Familiares ou compreender o complexo jargão ligado ao tema. Desta forma. podem receber em suas mãos ferramentas simples e diretamente aplicáveis que possam mitigar ou, de fato, solucionar importantes questões que afetam o âmbito das relações familiares e profissionais dentro das escolas, hospitais, clínicas ou organizações e, mais recentemente, no âmbito do Direito e da Justiça. Espero que cada leitor possa se deliciar com as diversas partes desse livro e, quem sabe, também nos dar seu bem-vindo feedback e sugestão para que uma posterior evolução desta obra venha enriquecê-la ainda mais e tornar esse conhecimento disponível para todos. 10 Nossa visão é que a adaptação do contexto das Constelações e de seus princípios em uma tecnologia praticável e imediatamente aplicável no con- texto profissionalmerece um novo nome, porque não se trata mais da Cons- telação Sistêmica, Familiar, Organizacional ou Educacional e, sim, de um conjunto de visões e ferramentas, um novo paradigma. Esse paradigma, na verdade, nos ensina, de uma forma bem simples, a desenvolvermos nossa in- teligência social para os relacionamentos, aquilo que nós aqui passaremos a chamar de Inteligência Sistêmica, como um novo conceito para a apreensão desses princípios e aplicação destes dentro dos mais diversos e amplos con- textos possíveis. Aproveite sua leitura! Décio Fábio de Oliveira Júnior CoFundador do IDESV 11 1 INTELIGÊNCIA SISTÊMICA De “Constelação Familiar” a “Inteligência Sistêmica” Décio Fábio de Oliveira Júnior Após 20 anos de trabalho com a abordagem, a recente mudança conceitu- al visa a dar um pouco mais de significado e esclarecimento às pessoas, dimi- nuindo, assim, as confusões que ainda são feitas sobre o sentido, a proposta e o alcance do método. Muitos de vocês estão lendo este livro porque desejam algum tipo de mudança em suas vidas. A razão da leitura de vocês é, nada mais, nada me- nos, que a busca por mudança. E a pergunta é: por que é tão difícil mudar? 12 Inteligência Sistêmica Aparentemente, nós somos “senhores da nossa vida”, muitos de vocês já têm uma larga experiência de vida... Então, por que será que precisam de ajuda para produzir mudanças nas próprias vidas? Nesta introdução, pretendo mostrar a vocês o que realmente faremos aqui. Gostaria de começar apresentando alguns conceitos. É bem provável que es- ses conceitos “virem do avesso” a ideia que vocês têm a respeito da realidade dos relacionamentos. O primeiro desses conceitos é a ideia de inconsciente. Isso não é nada novo. Freud o modelou, mais ou menos 100 anos atrás, quando era discípulo de um famoso hipnólogo chamado Jean Martin Charcot. Esse médico francês colocava as pessoas em transe e dava a elas alguns comandos. Reza a lenda que, certa vez, um homem chegou ao consultório do Char- cot e ele o colocou em transe, depois lhe pediu que saísse da sala e que voltasse em seguida. Só que, dessa vez, em vez de pendurar seu chapéu no cabideiro que havia próximo à entrada, o pendurasse naquele que estava atrás de sua mesa. E o cliente, novamente, bateu à porta, entrou na sala e agiu como se não lembrasse mais do que lhe acontecera minutos antes. Atravessou a sala inteira e pendurou seu chapéu exatamente no cabideiro que ficava atrás da mesa de Charcot, conforme lhe foi sugestionado. Ao que Freud, curioso, perguntou: “Por que o senhor fez isso?” As duas respostas cabíveis eram: “Eu esqueci” (porque foi assim que Charcot ordenou a ele). Ou ele poderia dizer: “Porque o senhor mandou.” Mas o cliente nunca fazia isso. Ele sempre inventava uma “lorota” para se explicar. Do tipo: “Ah, porque eu não percebi que o cabideiro estava aqui” (ele quase havia tropeçado naquele que ficava próximo à porta de entrada). Ou: “Porque o meu chapéu estava muito úmido e eu precisava que ele ficasse mais perto da janela...” Ou seja, o cliente bania aquela memória recente para o seu inconsciente. E todos nós temos o inconsciente. Fazemos coisas, mas nos esquecemos porque fazemos, qual foi a motivação básica. Não sabemos realmente porque estamos fazendo tal coisa daquele jeito. Isso implica dizer que muitas das nossas ações usuais estão banidas para o campo do inconsciente. Por exemplo, quem aqui dirige automóvel? Levante a mão, por favor. Alguns participantes levantam a mão. Pois é. No começo, quando você foi aprender a dirigir um automóvel, era assim: você prestava atenção no volante e se esquecia de passar a marcha; prestava atenção no retrovisor lateral e novamente se esquecia de passar a 13 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! marcha; prestava atenção no retrovisor e no volante, e se esquecia do pedal. E, assim, sucessivamente. Até que você começou a automatizar uma série de ações, que fizeram com que fosse capaz de dirigir. Outro dia, por exemplo, vi uma mulher que estava no semáforo dirigindo, pintando as unhas e falando ao celular. Ou seja, fa- zendo três coisas ao mesmo tempo, em paralelo. E por quê? Porque dirigir o automóvel já se tornou, para ela, uma atividade inconsciente. Mas o problema das coisas se tornarem inconscientes tem a ver com o fato de que nós perdemos de vista a motivação básica pela qual as fazemos. E, às vezes, nos esquecemos também de quando é que aprendemos aquilo e em qual contexto. Isso significa que nós temos muitos automatismos em nossa vida. E nos esquecemos para quê, de fato, eles existem. Um exemplo clássico disso é um estudo sobre o condicionamento social em animais, feito há muitos anos nos Estados Unidos, em que um grupo de chimpanzés foi colocado dentro de uma jaula, com um piso metálico. No centro da jaula, posicionou-se uma escada e, logo acima dela, um cacho de bananas maduras. Imediatamente, os chimpanzés que entravam naquela jaula viam o cacho de bananas e rapidamente se moviam em direção à escada. No momento em que o primeiro macaco subia nessa escada, os outros, que estavam em contato com o piso metálico da jaula, tomavam um choque violento. Não demorou muito para que os chimpanzés percebessem que cada vez que um deles se aproximava da escada, todos os outros tomavam choque. Então, começou a acontecer o seguinte: tão logo vissem um de seus pares se aproximar da escada, eles o atacavam O castigo era uma forma de evitar que outro chimpanzé do grupo inventasse de pegar banana. Depois de um tempo, os pesquisadores passaram a fazer o seguinte: eles começaram a retirar os animais da jaula, de maneira que os chimpanzés fo- ram sendo substituídos, um a um, até que não houvesse mais nenhum deles confinado que tivesse tomado choque. E, para completar, eles desligaram o mecanismo que promovia o choque. Dessa feita, qualquer chimpanzé poderia subir na escada para pegar banana, sem sofrer mais nenhuma consequência. Mesmo assim, os chimpanzés continuaram batendo naqueles que se apro- ximavam da escada para pegar bananas. Eles fizeram isso durante duas, três, quatro novas gerações. Ou seja, os pesquisadores trocavam os chimpanzés da gaiola e colocavam outros novos, que nunca haviam passado por aquela expe- riência do choque. No entanto, o grupo continuava surrando qualquer um que se aproximasse da escada. O que significa que, grande parte do que acontece conosco, na verdade, está no inconsciente. E mais, nós não sabemos a motivação, nem o contexto 14 Inteligência Sistêmica pelo qual esses comportamentos inconscientes surgiram. O que nos permite dizer que repetimos muitas coisas em nossas vidas sem termos a menor ideia do contexto em que isso se deu. São comportamentos que talvez tivessem sentido em um contexto ante- rior, há duas, três, quatro gerações. Mas, embora não façam mais sentido, per- manecemos como os chimpanzés, “surrando” aquele que tenta chegar perto da escada para pegar banana. Mesmo a recompensa podendo ser alcançada, agora, sem punição, ninguém mais faz isso. E por quê? Porque nós estamos condicionados a algo que recebemos, às vezes, de um contexto anterior, que simplesmente desconhecemos. Já seria muito interessante esse estudo com os chimpanzés, não? Mas, nos anos 1950, Leon Festinger, um psicólogo americano, fez um estudo na universidade de Nova York em sua tese de doutorado. Ele estava preocupado com um certo tipo de comportamento social que julgava meio incompreensível, e se perguntava: “Por que as pessoas aderem a seitas escatológicas (aquelas que dizem que o mundo vai acabar)”? Basicamente, Festinger trabalhou com um grupo de pessoas que seguia um guru fundamentalista, que afirmava que o mundo iria acabar. Ele e um colega de pesquisa se integraram a esse grupo e começaram a participar de suas reuniões. A escolha desse grupo se deveu ao fato de que a tal data do fim do mundo, prevista pelo guru, estava mais próxima e Festinger poderia,assim, acompa- nhar o que aconteceria ali. Durante os encontros na seita, ele escutava o guru dizer o seguinte aos presentes: “Já que o mundo vai acabar mesmo, vocês já podem pegar todas as suas coisas e doar aos pobres.” Muitas pessoas obedeceram ao mestre, vendendo o que tinham: carro, casa, roupas, joias..., foram abrindo mão de tudo e doando aos pobres. Quando chegou o dia do fim do mundo e o mundo não acabou (como sempre!), essas pessoas estavam “duras”, “quebradas”, completamente arruinadas. Festinger pensou que os seguidores da seita fossem matar o guru. Que ele e o colega teriam que tentar salvar aquele homem da fúria do grupo. No dia seguinte ao “fim do mundo”, o guru se encontrou com seus segui- dores, a sala estava cheia e ele disse: “Sabem por que o mundo não acabou? Porque vocês fizeram a coisa certa, aquilo que eu mandei.” Festinger pensou: “Ah, agora que irão matá-lo.” Mas isso não aconteceu. Ao contrário do que se imaginava, as pessoas fi- caram emocionadas. Choraram, carregaram o guru nas costas, jogaram-no para o alto, fizeram hip-hip-hurra com ele. Pior: se tornaram mais fiéis seguidoras ainda, mesmo depois do guru ter acabado com seus patrimônios materiais. 15 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! Aquilo foi um choque para Festinger, ele não conseguia compreender o comportamento daqueles seguidores. Porque “não havia lógica nenhuma, era óbvio que o guru tinha se aproveitado da boa-fé daquelas pessoas. Era lógico que estava mentindo e fraudando aquele grupo, desde o início.” Embora tudo fosse tão óbvio, as pessoas continuavam seguindo o guru, de maneira mais fervorosa. E quando Festinger tentava se aproximar dos segui- dores dessa seita e lhes perguntava por que se comportavam daquela forma, eles inventavam uma desculpa, poupando o guru de qualquer responsabilida- de ou culpa. Aquilo não tinha o menor nexo. Baseado nisso, Festinger cria então a “Teoria da Dissonância Cognitiva”, que quer dizer o seguinte: na verdade, nós fazemos o que fazemos, por razões emocionais. E quando isso não bate com a lógica, entre a lógica e nossas justificativas emocionais, ficamos com a segunda opção, ou seja, com nossas justificativas emocionais. Inventamos uma lógica, exatamente como aquele homem do chapéu (hip- notizado pelo Charcot), ao se justificar com “lorotas”, porque não sabia muito bem o que estava fazendo. Essa dissonância cognitiva, o termo que Festinger criou, está muito mais presente na nossa vida do que realmente gostaríamos de admitir. Principal- mente, está muito presente em nossas relações. O que significa que, quando as coisas não vão bem nos nossos relacio- namentos, no lugar de compreendermos o que se passa e o que é necessário fazer para restaurarmos as boas relações, nós, muitas vezes, inventamos uma justificativa para o problema. E através dessa justificativa ficamos tranquilos, ainda que o resultado disso continue sendo um verdadeiro desastre. Exatamente como aqueles seguidores da seita escatológica, que faziam hip-hip-hurra para o guru, quando ele havia destruído a vida patrimonial de- les. Isso significa que esse movimento é inconsciente e repetitivo. E, por con- seguinte, muitas vezes é difícil sairmos desse lugar. Resultado: curiosamente, as pessoas têm nos procurado, ao longo dos úl- timos 20 anos (que é o tempo que nós estamos envolvidos com essa aborda- gem), totalmente “surpresas” e nos dizendo assim: “Sabe o que é Décio, vou te dizer uma coisa, eu estou fazendo tudo certo, só tem um problema, está dando tudo errado.” Essa pessoa me olha com aquela “cara do gato do Shrek”, um olhar pedin- do pena. E eu respondo: “Não vai dar, você está fazendo alguma coisa errada sim!!! Não tem jeito de estar fazendo tudo certo, se está dando tudo errado. Você está fazendo algo que não funciona, principalmente, no que diz respeito aos seus relacionamentos.” 16 Inteligência Sistêmica E por quê? Porque nossos relacionamentos são altamente reflexivos. O que significa isso? Significa que muito do que acontece nos nossos relaciona- mentos tem a ver com aquilo que nós emanamos para o outro. Ou seja, se trato uma pessoa com uma certa indiferença, como será que serei tratado por ela? Com alegria, amor, compaixão? Não! Se trato alguém com agressividade, ele vai querer me acolher? Também não! Como diria o velho ditado: “Quem planta vento, colhe tempestade.” Isso gera uma amplificação, tanto para o positivo, quanto para o negativo. Mas as pessoas não percebem que, por estarem pouco conscientes da própria maneira de agir, não compreendem mais o que se passa nos seus relaciona- mentos e ficam procurando as respostas fora delas, ou seja, culpando algo ou o outro por seus problemas. Mas, como muito do que acontece nos nossos relacionamentos é reflexivo, teríamos que começar primeiro observando o interior de nós mesmos, naquilo que chamamos de “postura interna”. Vou explicar isso porque, para nós, esse conceito é crucial, muito importante! Vamos imaginar que eu encontre o Ricardo (fazendo referência a um par- ticipante). Nós dois fomos criados no mesmo bairro, frequentamos a mesma universidade etc, mas depois da nossa formatura, nunca mais nos vimos. Eu posso cumprimentá-lo com duas posturas internas diferentes. Uma de- las seria: “E aí, Ricardo, beleza? Seu filho da p#..., c%r*lho^, faz 20 anos que você não me liga! Dá aqui um abraço, rapaz! P#ta merda!!” Só usei palavrões aqui, não é? Mas ele nem escutou os palavrões, porque a minha postura é afetuosa, próxima, amigável. Então, o Ricardo deixa a lin- guagem de baixo calão de lado ao perceber que no meu coração vai algo que não tem nada a ver com a linguagem. Eu pergunto: ele vai reagir a isso, a essa minha postura amistosa, ou à minha linguagem? Por outro lado, posso abordá-lo com outra postura, um olhar desprezível, sem nenhuma fisionomia que demonstre alegria: “Nossa, Ricardo, tudo bem? Quanto tempo! Que prazer revê-lo.” Formalmente, está tudo certo, mas quanto tempo ele vai demorar para perceber minha postura fria, distante, quase de repulsa? Vocês acham que ele vai reagir com mais afetuosidade e alegria à minha polidez britânica ou aquela minha primeira postura, informal e amistosa? A verdade é que todos nós temos um “sensor” muito sofisticado para iden- tificar posturas. Desenvolvemos isso quando éramos crianças. Antes mesmo da habilidade de falar, fomos ampliando nossa competência, no sentido de perceber o que se passava em relação ao sentimento das pessoas mais próxi- mas. 17 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! Entretanto, à medida em que nos desenvolvemos, elaborando e ganhando capacidade cognitiva com a idade, nós vamos adquirindo também estruturas linguísticas, formalismos sociais, etc., e começamos a desprezar essa percep- ção aprendida lá atrás, a respeito da postura. Nós vamos trocando tudo isso pela dissonância cognitiva, descrita por Festinger. Vamos criando justificativas para aquilo que fazemos, sem prestarmos atenção nos motivos pelos quais as coisas, muitas vezes, não estão funcio- nando bem. Consequentemente, isso chega a um ponto em que as pessoas vão repetindo situações. Outro dia, por exemplo, aluna me disse que já havia falido cinco vezes e em cinco áreas totalmente diferentes. Não se tratava de uma pessoa sem ca- pacidade ou competência. Se fosse para falar somente da questão técnica, era notório que ela era competente. Mas faltava alguma coisa. Entre nós, seres humanos, a cooperação é que faz com que sejamos exce- lentes. Na falta da capacidade de gerar cooperação com as pessoas da orga- nização que comandava, essa moça deixava as coisas degringolarem, o que resultava um caos, uma grande confusão e ninguém se entendia. Ao final da história, ela já havia falido cinco vezes. Pensem no que é falir cinco vezes. O que falta a essa mulher é a habilidade de relacionar-se, não há dúvida. É lógico pensar que, quando se trata de rela- cionamentos, e eles sãouma parte importantíssima da nossa vida, não importa se estamos falando de empresa, família, de uma igreja ou escola. Se tem gente envolvida, fatalmente teremos que nos relacionar. Para tanto, precisamos estar, primeiramente, conscientes de nossa postura. E do efeito que ela produz ao final do dia, em relação aos grupos de pessoas com os quais estamos envolvidos. Do contrário, muito provavelmente, iremos emanar um resultado diferente do almejado e não produziremos aquele efeito que gostaríamos de produzir ou de ter produzido. Pior ainda: no fim da história ficaremos confusos, por não estarmos enten- dendo nada do que se passa e, consequentemente, não conseguiremos “corri- gir o rumo da prosa”, como dizemos lá em Minas Gerais. Produziremos uma série de erros, sem encontrar o fio da meada para consertá-los. É nisso que essa metodologia que vamos trabalhar aqui, talvez, tenha a chance de ajudá-los. Ela se baseia na descoberta de um padre católico, chama- do Bert Hellinger, que viveu um bom tempo na África do Sul, entre os zulus e, lá, ele percebeu que eles tinham certos tabus e que esses tabus faziam com que essa sociedade, milenar e poligâmica (em que um homem pode ter várias mulheres), apresentasse um nível baixíssimo de conflitos. E, diferentemente de nossa expectativa ocidental, existia uma harmonia social muito grande entre eles. Hellinger percebeu que seus tabus tinham a ver com aquilo que favorece a cooperação e a sobrevivência. 18 Inteligência Sistêmica Vamos trazer isso para a antropologia. Eu vou dar a vocês a minha hipóte- se antropológica para isso. Essa não é uma explicação de Hellinger, mas uma visão que se não é vero (verdadeira), é bene trovato (bem provável). E ela é assim: os seres humanos evoluíram. Os primeiros fósseis de um hominídeo foram desenterrados cerca de 20 anos atrás, no norte da África. O mais antigo ancestral da humanidade, o Australopithecus afarensis, viveu na região da Etiópia e da Somália, há 2,8 milhões de anos. Esse hominídeo se distinguia dos macacos porque tinha três característi- cas diferentes em sua estrutura corporal: um cérebro maior, uma postura ereta e um polegar opositor. Todos os outros macacos apresentavam dedos numa única direção. Ter um dedo opositor nos permite fazer ferramentas finas. Agora vamos pensar que nós estamos falando da África. Há 2,8 milhões de anos, a situa- ção não era muito melhor ali do que é nos dias atuais. Ainda há predadores grandes por lá, tem leão, leopardo, hipopótamo, hiena, rinoceronte etc.; toda espécie de animal que se alimenta do ser humano, que possui maior velocida- de para correr que nossa espécie, se encontra na África. Então eu pergunto, como é que os seres humanos conseguiram sobreviver em um ambiente tão hostil e inóspito, se nós não temos: dentes afiados, garras pontudas, não sabemos subir em árvores direito, não temos nem mesmo um rabo para nos ajudar? Imaginem um leão de um lado e um ser humano de outro dizendo a ele, contando vantagem: “Eu tenho um polegar opositor e você não teeeemm”. O leão vai ficar morrendo de medo, não é?! Risos... Acho que não. Eu pergunto: qual é a vantagem competitiva dos seres hu- manos? Algumas pessoas pensam que é a inteligência, mas imaginem o Eins- tein de um lado e o leão do outro. E o Einstein diz a ele a fórmula da Teoria da Relatividade: “E=mc².” E o leão, nhac!!! Acho que ele não ficaria muito impressionado, não deve gostar de física. Risos... Nossa grande força, na verdade, é a nossa capacidade de atuar em con- junto, nossa inclinação para cooperar. Então, tudo o que ferisse a capacidade cooperativa do ser humano naqueles tempos remotos comprometeria a sobre- vivência do indivíduo e do grupo. Para sobreviver, era preciso estar juntos, certo? Então imaginem que al- guém, nesse cenário remoto, dissesse: “Belém, belém, nunca mais fico de 19 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! bem, vou sair e dormir fora de casa hoje.” Provavelmente, essa pessoa não andaria 50 metros. Antes mesmo de dormir, já viraria comida de algum bicho. Naquele tempo, a capacidade de estar coeso com o grupo, o clã, era crucial para a sobrevivência. Então, a primeira coisa que parece ter se desenvolvido no ser humano é essa forte consciência de grupo. Uma espécie de “Super Bon- der”, que liga o indivíduo à família e que não descola mais. Ou seja, mesmo morrendo, o indivíduo continua a pertencer àquele sistema familiar. Essa forte aderência ao grupo familiar era importantíssima. Porque, sem o grupo, o sujeito não sobreviveria. Mas bastava só essa coesão? Não, não bastava. Porque além de tudo, para funcionar como grupo, fazia-se necessário uma outra coisa, a hierarquia. Alguém precisava coordenar o comportamento das pessoas e indicar se era preciso correr para a direita ou para a esquerda, quando o bicho estivesse prestes a atacar o clã. Isso significa que tinha de existir uma liderança ali. E, naquele tempo remoto, a liderança era feita pelo mais velho. Por uma razão muito simples, se ele estava vivo há mais tempo, essa já era uma prova inconteste de que ele sabia como sobreviver por um período mais longo. Então, se esse líder falasse assim: “Não coma essa fruta vermelha do mato”, provavelmente, se você co- messe, teria uma diarreia ou morreria envenenado. Não existia Google, Twitter, Facebook, nem biblioteca ou escrita. Esse lí- der era o botânico, o médico, o jurista, o engenheiro, o biólogo, o estrategista, enfim: ele detinha todo o conhecimento. Nós estamos falando de um período de tempo 560 vezes mais extenso que o que temos já registrado na história. Então, durante milhões de anos, esse modelo de clã hierárquico foi o que garantiu a nossa sobrevivência. O conhe- cimento era passado de boca a boca e o contexto da geração anterior não era muito diferente daquele da geração subsequente. Ou seja, os desafios que os avôs haviam enfrentado não eram tão diferen- tes daqueles que seus netos enfrentariam para sobreviver. Era mais ou menos a mesma coisa, isto é: não comer frutinhas venenosas; fugir dos animais pe- rigosos; saber como conseguir a comida de amanhã e de depois de amanhã; enfrentar o mal tempo e algumas doenças infecciosas; etc. Mas somente ter um grupo coeso e hierarquizado também não bastava. Cada membro do grupo tinha de dar o melhor de si, para que aquele clã so- brevivesse. Se um ficasse “morgando” e o outro trabalhando, dali a pouco o que estava no batente poderia resolver ficar à toa também. E, nesse caso, não haveria comida para o próximo dia. Então, cada pessoa deveria dar o melhor de si, para garantir que no dia seguinte houvesse refeição. E como isso funcionava? Imaginem que eu e o Jaime (referindo-me a um participante) estivéssemos vivendo naquele tempo, há milhões de anos. Vocês 20 Inteligência Sistêmica podem ver que ele é mais forte que eu. Ele vai correr mais atrás da caça, de um antílope, por exemplo. A lança dele é que alcançará o animal. E só porque a lança dele alcança o bicho, todos do grupo poderão desfrutar de um “refeição”. E agora, nós teremos que recompensá-lo, dando a ele uma parte especial do animal. O que vocês acham do chifre? Beleza? Risos... Não, né?! Se não receber uma boa peça da carne, da próxima vez que formos caçar, ele não terá disposição, muito menos energia para correr atrás de outro bicho. E se ele não correr atrás de comida, ninguém no grupo come. Desse modo, cada pessoa tinha que dar o melhor de si, a serviço do grupo e, ao mesmo tempo, ter garantido o recebimento de uma recompensa equâ- nime, equilibrada, pelos seus esforços. Do contrário, numa próxima vez, não haveria quem corresse em busca de alimento para o clã. Não haveria quem tivesse energia para tanto. Com tudo isso posto, temos agora três princípios, esses descritos por Bert Hellinger. São eles: o “Pertencimento” (do vínculo ao grupo), a “Hierarquia ou Ordem Hierárquica” e o “Equilíbrio” (entre as trocas, entre o dar e receber). Essestrês princípios compõem, na verdade, um padrão de comportamento instintivo, que vigorou na vida da espécie humana durante milhões de anos e a prova disso é que nós estamos aqui, para contar a história. Se nossos antepas- sados não tivessem feito isso, nós não estaríamos aqui agora. Compreendem? No entanto, esses padrões, esses princípios, já não são mais tão obriga- tórios assim nos dias atuais. Se você brigar com alguém da sua família, por exemplo, e for dormir na rua, aparece quem te dê um cobertor, uma sopa... Se xingar seu chefe ou seu vovô não lhe acontece nada. Se você resolver ficar à toa, malandrando, é bem possível que não lhe aconteça coisa nenhuma também. Se acontecer, ao menos você não morre. Nos últimos milênios, o progresso da humanidade foi muito acentuado, vertiginosamente grande. Há um livro muito bom, do médico sueco Hans Ros- ling, chamado Factfulness (que poderia ser traduzido como “A habilidade de lidar com os fatos”). Nessa obra, Rosling relata que a taxa de pobreza extrema da humanidade, em 1966 (ano em que nasci), era de 51%. Esse era o contin- gente da humanidade que vivia abaixo da linha da pobreza extrema naquela época. Hoje, esse número é de 6%, na escala global. Ou seja, em pouco mais de 50 anos, quase 50% da população mundial foram retiradas da miséria. Não é fantástico? Por outro lado, isso cria alguns efeitos colaterais. Por exemplo, as pessoas acham que podem passar por cima dessas três leis, desses três princípios, que foram cruciais para a sobrevivência dos seres humanos até aqui. 21 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! Só que não. Voltando um pouco mais atrás nessa nossa conversa, o que Bert Hellinger percebeu, observando os zulus, é que eles não desabonavam essas três leis. Por exemplo, eles mantinham um respeito profundo pelos mais velhos. Os filhos não discutiam com seus pais ou os desrespeitavam, sob ne- nhuma hipótese. As pessoas continuavam se sentindo pertencentes ao clã e, mesmo que alguém do grupo cometesse uma falta grave, este não era expulso do sistema familiar. Era responsabilizado, mas nunca excluído. Hellinger notou que isso favorecia um nível muito alto de harmonia nas relações. E, quando voltou ao Ocidente, regressando à Alemanha, ele come- çou a fazer alguns experimentos interessantes. Estudou uma série de terapias e abordagens de ajuda e percebeu que, quando incorporava esses conceitos dentro da abordagem que estava utilizando, ele obtinha resultados completa- mente favoráveis, diferentes e rápidos, se comparados aos efeitos produzidos em outras terapias convencionais da época. Levou um certo tempo para que Hellinger formalizasse isso. Mas ele co- meçou a fazer algumas experiências utilizando, principalmente, um fenômeno chamado “Fenômeno da Representação”. Algo muito parecido com o que o médico e psicólogo romeno, Jacob Levy Moreno, já havia feito na Áustria, mais ou menos na mesma época de Freud. Moreno tinha uma abordagem que se chamava “Teatro do Espontâneo”, em que se dirigia a uma praça pública, em Viena e, então, pegava o jornal do dia, cuja manchete estampasse, por exemplo: “O kaizer está brigando com o primeiro-ministro”. E abordando o público presente, perguntava: “Quem quer ser o primeiro ministro”? Alguém levantava a mão e dizia: “Eu!” Em seguida, Moreno chamava: “E quem quer representar o kaizer?” E outra pessoa respondia: “Eu!” Então, ele trazia aquelas duas pessoas para um palco improvisado e re- comendava: “Façam o que quiserem” Ao que os dois “atores” perguntavam: “Mas o que é que nós vamos encenar?” E a resposta dele era simples: “O que vocês quiserem, é espontâneo.” E essas duas pessoas, que não tinham nada a ver com aquela história da manchete do jornal, aparentemente “tomavam posse” da personalidade da- queles que estavam sendo representados. E isso tinha um grau de veracidade e de similaridade tão grande com a realidade do kaizer e do primeiro-ministro que Moreno foi acusado de manipulação política. Perseguido, ele teve de fugir para os Estados Unidos. Diziam que ele treinava aquelas pessoas, para que agissem daquela forma. Mas o que Moreno percebeu foi que, quando pegamos aleatoriamente uma pessoa, que desconhece completamente uma determinada situação, e a colo- camos como representante desta, essa pessoa, em sua neutralidade, de alguma 22 Inteligência Sistêmica maneira, assume informações de cunho emocional dos representados. E até dos sintomas físicos deles, às vezes. Cá entre nós, isso é inacreditável, mas a verdade é essa. Se eu não estives- se trabalhando com isso há 20 anos, eu também acharia que era bobagem. E antes mesmo de eu ter contato com essa abordagem, eu também achava que era bobagem. Até eu ser exposto ao processo. Então, a verdade é que nós não sabemos explicar esse fenômeno. E vou dar a vocês minha resposta padrão, que formulei ao longo dessas duas décadas (já estudei muito isso aqui!), quando me perguntam: “Por que isso acontece?” Eu digo, simplesmente: “Não tenho a menor ideia, eu continuo sem saber.” Existem algumas pessoas que estudam esse fenômeno a fundo. Talvez um nome dos mais importantes e proeminentes, hoje, seja o do biólogo inglês Rupert Sheldrake. Ele já escreveu uma série de livros. Recomendo a vocês, que querem se aprofundar, que leiam os livros dele. Especialmente um que se chama, “A sensação de estar sendo observado”, originalmente, “The Sense of Being Stared At”. Mas nós não vamos perder tempo aqui, discutindo esse fenômeno. Ire- mos apenas usá-lo em benefício de cada um de vocês, como Bert também sempre o fez. Cada um que queira compreender alguma coisa importante da sua própria vida. Como? Basicamente, nós vamos trazer cada um de vocês que tenha um tema àquela cadeira ali (apontando o móvel, à frente da sala). E esse tema, pelo amor de Deus, não é uma longa história, não é uma nar- rativa complexa. Vocês já entenderam que nossas explicações para os nossos problemas são, na realidade, dissonâncias cognitivas. Ou seja, algo sem pé nem cabeça, sem sentido. Se essas justificativas que vocês têm dado aos seus pro- blemas fizessem sentido, vocês já teriam resolvido as coisas por si mesmos. Entretanto, vocês não sabem de onde é que isso surge. Quase sempre, esse comportamento repetitivo ou desastroso vem de um outro contexto, mui- tas vezes, transgeracional. Ou seja, ou ele tem a ver com alguma coisa que aconteceu lá na sua infância e você se esqueceu, ou com algo que ocorreu, inclusive, antes mesmo do seu nascimento e você não tem a mínima ideia do que seja. E, assim como na história dos chimpanzés, você fica repetindo tais com- portamentos, sem saber ao certo de onde vieram, quando nasceram. Isso é inconsciente e, como é inconsciente, muitas vezes, apregoamos inocência em relação aos nossos problemas. Por isso, o cliente senta-se ao meu lado e, via de regra, me conta que seus casamentos estão indo por água abaixo; que seus relacionamentos amorosos 23 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! nunca funcionam; que não consegue arrumar um emprego; que ganha e perde dinheiro; que adoece com frequência... Geralmente, isso tudo é um padrão de comportamento repetitivo e o cliente quer me convencer de que não tem nada a ver com o que está ocorrendo na vida dele. É como se ele estivesse andando e, de repente, caísse lhe um piano na cabeça. Só que, claro, não é isso o que acontece. É aquela velha história, o sujeito acha que está fazendo tudo certo, mesmo dando tudo errado. Claro que não! Ele está fazendo alguma coisa fora de con- texto. E porque faz isso de maneira inconsciente, não se sente responsável por mudar o “rumo da prosa”. Ele acha que alguém de fora é que tem que mudar, por exemplo, a mãe, o pai, o marido, o patrão, Deus, Bolsonaro, ou seja lá quem for. No entanto, o fato é que, se você não mudar primeiro, nada vai mudar. Porque, como eu disse anteriormente, nossos relacionamentos são reflexivos, ou seja, você recebeaquilo que emana. E se está tratando o outro de um cer- to modo, consequentemente, vai receber alguma coisa correspondente. Não adianta apregoar inocência nesses casos, isso não ajuda em nada. Bem, de posse desse tema que vocês trazem, vamos montar uma cons- telação aqui. Já adianto que esse termo “constelação”, para nossa língua, é péssimo! Essa foi uma tradução incorreta do termo original, em alemão, fami- lienaufstellung, cunhado para definir esse trabalho. Esse termo é composto de duas palavras, uma é familie (de família), a ou- tra é o verbo alemão stellen, que significa posicionar ou configurar algo numa certa ordem. Isto é, não existe um verbo em português para traduzir isso. Para completar essa confusão, o primeiro livro de Bert Hellinger traduzido para o português veio do livro em ingês e nao do original em . E, na língua inglesa, stellen virou constellate, o que dá a ideia de uma constelação, de uma certa configuração ou ordem. E isso acabou virando uma confusão. Já teve quem me perguntasse se faço constelação familiar, pedindo para eu fazer um mapa astral. Nesse caso, acabo tendo que confessar a minha completa igno- rância em astrologia. Na verdade, buscando uma tradução melhor, poderíamos pensar em algo como “representação familiar”, porque o que fazemos aqui é representar os sistemas familiares, para compreender qual é a ordem que tal sistema deveria ter, quando este está desconfigurado, causando muita confusão. Essa confusão produz dois efeitos muito importantes. O primeiro são as repetições, que expliquei anteriormente. O segundo é que, por falta de uma compreensão da existência dessa ordem, as tentativas de solução acabam por amplificar a desordem. E é aí que as coisas ficam mais tristes, porque a pessoa acha que está trabalhando em prol da solução, quando, na verdade, o sistema vai se tornando ainda mais confuso e bagunçado. 24 Inteligência Sistêmica Por isso, muitas vezes, o que verão aqui, não é algo que vocês têm de fazer. Quase sempre, é algo que tem que parar de fazer, principalmente parar de fazer de um certo modo. Porque, muitas vezes, são suas tentativas de solu- ção atabalhoadas que levam a confusões ainda maiores no sistema. Eu vou demonstrar isso com um exemplo. Vamos imaginar que o Ricardo esteja aqui (Posicionando o participante em um ponto, no centro da sala e colocando outro participante, chamado Ricardo também, em um outro ponto. E ainda mais um participante, num lugar próximo, mas diferente do lugar dos outros dois participantes.) Agora temos aqui três pessoas, posicionadas em três pontos, cada uma no seu lugar. Muitas vezes, nós saímos dessa ordem natural por muitos motivos. Na maioria das vezes, porque alguém nos convi- da. Ou convidamos a nós mesmos, por acharmos que nosso lugar não é tão importante assim. Por exemplo, seu chefe olha para você e diz: “Somente você pode fazer isso”. E o que ele vai te dar? O serviço dele, é claro! Do contrário, se fosse para lhe passar o que já é atribuição sua, ele não precisaria “encher tanto assim a sua bola”. Dirijo-me aos três participantes no centro da sala para algumas reco- mendações: então, eu vou bater uma palma e vocês irão sair dos seus lugares e, quando eu bater duas palmas, vocês retornam aos seus postos, combinado? Após a primeira palma, os participantes saem dos seus lugares. Então me dirigo a eles: sair do lugar é fácil. Tudo nos leva a pensar que nosso lugar não está bom. Ser filho não é bom, legal é ser pai ou mãe; bom é ser irmão mais velho; legal é ser chefe... Bato duas palmas e os participantes voltam aos seus devidos lugares. Mas cada um de nós sabe qual é o seu lugar na vida, suas funções e atri- buições, que correspondem a esse lugar próprio. Desse modo, voltar para o nosso lugar não deveria ser assim tão complicado, não é nenhuma “física de foguete”, Mas vamos ver o que acontece quando queremos dar uma ajudinha. Novamente me dirijo aos participantes da dinâmica. Vou fazer o seguinte agora: quando eu der uma palma, vocês saem novamente de seus lugares, mas quando eu der duas, você (dirigindo-me a um dos participantes, no centro da sala) só poderá voltar ao seu lugar, só está autorizado a fazer isso, depois que colocá-lo (apontando outro participante) no lugar dele. Nem que, para isso, 25 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! você tenha que agarrá-lo “pelas orelhas.” E, se ele sair do lugar de novo, você precisa colocá-lo novamente. Somente quando ele ficar quietinho, no lugar dele, é que você vai poder voltar para o seu lugar, está claro? Passo as mesmas instruções aos outros participantes e bato uma palma. Novamente, os participantes saem de seus lugares. Sabe, sair do lugar é fácil. Tudo tira a gente da ordem. Voltar é que são elas. Rapidamente, bato duas palmas. Os participantes do centro da sala se em- bolam, uns contra os outros. Eles se agrupam e se empurram, uns aos outros, num “novelo compacto”, que ora move-se numa direção, ora em outra. E ficam nesse estica e puxa sem fim, rodando em círculos, sem chegar a lugar algum. Vejam que eles estão com dificuldades, fora de seus lugares, e tentando levar o outro para o lugar dele! Vocês sabem o que é isso aqui? Isso é uma família unida! Eles se reúnem no domingo, cada um dando palpite na vida do outro. A vida do sujeito que dá palpite está uma bagunça. Ainda assim, ele quer ensinar a um outro membro da família como fazer para consertar a vida e solucionar seus problemas. Voltando aos participantes da dinâmica: “e então, deu certo isso? Claro que não, né?” O que vocês acham, eles vão ficar nessa confusão até quando? Quando é que vão conseguir chegar a uma ordem? Eu respondo: No “Dia de São Nunca de Tarde”, caso não chova. Porque é sempre assim: a hora que se consegue colocar um no lugar, o outro já saiu e fica fora, e assim vai. Você sai do seu lugar para colocar uma outra pessoa no lugar dela, e, enquanto isso, alguém sai do próprio lugar para tapar o seu buraco. Imaginem isso numa organização. O contador vai tapar o lugar do diretor de finanças e alguém vai tapar o lugar do contador. Alguém sai da recepção, e um outro vai tapar o buraco que ficou ali. Todas as funções são importantes, não dá para ser assim, ou o que acaba acontecendo é um caos generalizado. E muitas famílias estão mergulhadas nesse tipo de caos. O que acontece é que vamos dando uma “pedalada fiscal” para frente e, cada vez que resol- vemos um problema desse jeito, com essa dinâmica, criamos mais dois. Isso nunca tem fim. 26 Inteligência Sistêmica A ideia por trás disso é a de que alguém tem de fazer pelo outro o que só o outro pode fazer por si. É como fazer o dever de casa para o filho: a pessoa acha que está abafando, mas o filho nunca aprende e ela jamais fica livre de fazer o dever de casa. E, enquanto faz o dever de casa para o filho, quem está fazendo seu serviço? Outra pessoa, claro! E aí vira aquele caos, até que o sis- tema colapsa. Quando isso acontece, as coisas começam a melhorar, porque pelo menos alguém não está tomando o lugar do outro. É um a menos produ- zindo o caos. Curiosamente, muitas pessoas precisam passar por uma crise grave, uma doença séria, por exemplo, uma perda de negócio, etc., até acordar e perceber que elas são muito mais parte do problema que da solução. Desse modo, nosso trabalho aqui é evitar que isso chegue a esse ponto. Nossa função é dar a vocês uma noção de ordem preliminar, mas isso vai lhes custar um pouco de consciência pesada. E eu sei que, nesse ponto, estou pe- dindo muito a vocês, porque, muitas vezes, preferimos qualquer coisa, menos assumir responsabilidade ou culpa. Nós fomos instigados a acreditar que a culpa é, necessariamente, algo ruim. No entanto, Bert Hellinger diz que culpa não significa que você está fazendo uma coisa errada. Ele descobriu algo muito importante: boa parte dos nossos sentimentos de inocência e culpa tem a ver com o comportamento social do nosso contexto.Na época em que eu trabalhava como médico, muitas vezes ouvi, no posto de saúde, o diálogo entre duas senhoras idosas, portadoras de doenças crô- nicas. A conversa delas era assim: “Ah, nenhum médico dá jeito na minha pressão alta!” E a outra respondia: “Isso é porque você não viu o meu diabetes...” Ficava patente que as duas não estavam tomando os remédios, também não faziam os exercícios prescritos nem a dieta recomendada. Elas não esta- vam fazendo “nadica de nada!” Então, o que faziam ali, no posto de saúde? Afinal, as pessoas não procuram o posto de saúde para melhorar? Além de não seguirem as recomendações médicas, elas estavam “batendo no peito”, quase orgulhosas, por isso. Mas, se elas fizessem o que estava sendo recomendado pelo médico, deixariam de pertencer ao “Grupo das Senhoras com Doenças Crônicas do Ambulatório” e, nesse caso, quem iria conversar com elas? Elas ficariam de consciência pesada, se fizessem o que é certo. E ficam de consciência leve, fazendo o que não é adequado. Muitos dos nossos comportamentos inconscientes estão atrelados a esse tipo de situação. Às vezes, temos sucesso e ficamos bem felizes e, no entanto, 27 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! também nos sentimos culpados, porque na nossa família existem pessoas que não lograram tal sucesso. Outro exemplo: todo mundo da família está doente, mas você tem uma saúde “irritante”. Nesse caso, você fica de consciência pesada por ser sau- dável. E assim vai. Quantas pessoas eu já vi que mergulham em uma crise profunda quando têm sucesso e são felizes. Estranho... Mais uma vez dirijo-me aos participantes que ocupam o centro da sala. Então vamos ver o que acontece aqui. Dessa vez, vou fazer assim: quando eu bater uma palma, vocês já sabem, têm que sair do lugar. Quando eu der duas, você ( dirigindo-me ao primeiro participante) volta para o seu lugar e “deixa o pau cair a folha”, entendeu? Não é assunto seu. Você vai para o seu lugar e deixa o restante se virar. Já você ( dirigindo-me a um segundo participante), não. Você tem que co- locá-lo (aponto para um terceiro participante) no lugar dele, quando ele sair. E você (dirigindo-me ao terceiro participante) também não. Quando eu der duas palmas, você continua com a tarefa de colocá-lo (referindo-me ao segundo participante) no lugar dele, para só então poder voltar para o seu. Beleza? Bato uma palma e os participantes começam a se movimentar. Sair do lugar é fácil. O mundo a nossa volta é caótico, a todo momento so- mos convidados a nos meter em assuntos que não deveríamos, mas sabemos qual é o nosso lugar, não precisava ser tão difícil assim voltar. Bato duas palmas. Vamos ver agora. E paramos para observar o que se movimenta no campo, entre os participantes. O que aconteceu aqui? Quando um deles foi para o seu devido lugar, o sistema rapidamente entrou em ordem. E por quê? Porque esse que está no lugar não está contribuindo mais para a desordem do grupo. Mas sabe o que acontece quando vamos para o nosso lugar, especialmente no caso de uma “família unida”, como a que vimos aqui antes? As pessoas te dizem assim: “Egoísta!!! Agora, você só cuida da sua vida, não participa mais das reuniões da família! Não nos ajuda mais a decidir o que vamos fazer com esse proble- ma no casamento do papai e da mamãe”. Não é assim? 28 Inteligência Sistêmica Mas agora me digam: se a gente não estiver cuidando das nossas vidas, vamos cuidar do quê?O que pode ser mais importante que isso? Quem veio de avião para esse curso, levanta a mão. Uma mulher faz um gesto afirmativo. Vou te explicar o que aconteceu ( dirigindo-me à participante). A aero- moça, no início do voo, disse assim: “Se houver uma despressurização, cairão sobre suas cabeças máscaras de oxigênio. Coloque a máscara, primeiramente, na pessoa que está ao seu lado. E depois que você já estiver morta, coloque em você.” Risos... Não foi assim? “Não, primeiro colocamos na gente mesmo”, a mulher responde. Ah, bem! E por quê? Por causa dessa ordem que estou explicando, não é? Nós não conseguimos salvar ninguém, se já estamos asfixiados. Precisa- mos estar bem, primeiro, para depois ajudar os outros. Mas, muitas vezes, na tentativa de ficarmos de consciência leve, nós nos intrometemos na vida dos outros, querendo resolver seus problemas, muito mais do que resolvemos os nossos mesmo. É diferente do que dizem sobre as pessoas serem egoístas. Na verdade, elas são egoístas. Mas de uma maneira diferente. Eu vou explicar. Na maior parte das vezes, quando nos metemos dentro da estrutura do nosso sistema familiar ou organizacional, numa empresa, por exemplo, o problema central está no egoísmo. Mas não nesse egoísmo da pessoa querer se dar bem. Mas, sim, num tipo de egoísmo que a faz pensar que somente ela ama. Que somente ela está fazendo a coisa certa. O outro, não. O outro não ama, não sabe fazer o serviço dele etc., etc., etc. Essa é uma forma de egoísmo, porque é exatamente como as crianças agem, centradas em si mesmas e baseando-se somente naquilo que sentem. Elas não prestam atenção no que está acontecendo à sua volta. Ficam pres- tando atenção naquele órgão, o “eubigo” e não percebem a disposição dos demais. E o que acaba acontecendo, nesses casos? A pessoa vê o amor dela pelo outro, mas não consegue ver o amor do outro, reverso, de volta para ela. Eu já vi isso muito. Às vezes, numa sociedade, por exemplo, um dos só- cios percebe que o outro está sobrecarregado e quer fazer algo para ajudá-lo. No entanto, o outro sócio entende tudo errado, acha que o parceiro dele na empresa está querendo “jogá-lo para fora.” Quem aqui tem filhos? Algumas pessoas levantam a mão. 29 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! Para vocês que têm filhos, uma coisa é evidente. Eu pergunto: Existe algo que vocês amem mais que seus filhos? “Não”, respondem aqueles participantes que levantaram a mão. Quando nos referimos aos nossos filhos é fácil, não? Mas por que será que tantas pessoas julgam que seus pais não as amaram o bastante, que não fizeram o que era certo para elas? Será que os pais delas não têm o mesmo sentimento de amor por seus filhos? Silêncio... Essas pessoas não conseguem ver. E por isso mesmo, Hellinger descreveu esse movimento como sendo uma dinâmica de “amor cego”. Vocês vão perce- ber isso o tempo todo aqui. É muito comum as pessoas acharem que o amor delas pelo marido, pelo chefe, pelo pai, pela mãe..., é maior que o amor que elas mesmas recebem dessas pessoas. No entanto, nossa observação mostra que não, que isso não é assim e que, no amor cego, as pessoas vão à loucura para fazer certas coisas, pensando que, quanto mais se sacrificam pelo outro, melhor será o resultado. Mas, a verdade é que, quando fazem isso, elas criam aquele tipo de família unida que vocês viram aqui. É uma loucura, ninguém consegue encontrar uma boa solução, porque, no lugar de fazer bem a própria parte (confiando que o outro fará a sua bem também e que poderá ajudar somente quando for necessá- rio, quando o outro pedir ), a pessoa quer fazer o inverso, quer ensinar o outro a fazer a parte dele e, via de regra, essa pessoa vai fazer mal feito, porque não é a incumbência dela. E, no meio do caminho, a parte dessa pessoa fica mal feita também. Dessa forma, não sobra tempo para ninguém fazer bem feito a sua própria parte e vira tudo um caos. O pior é que as pessoas fazem tudo isso de consciência leve e, desse jeito, não conseguem enxergar que fazem parte do problema. Resultado: as relações se tornam um caos. E não adianta, você pode ser competente o tanto que for. Um bom médico, um bom professor ou engenheiro, mas não tem como viver bem quando suas relações estão bagunçadas nesse nível. Existe um estudo sobre a felicidade e a longevidade mundial que é o mais longo que se tem notícia. Esse estudo, elaborado em Harvard, já dura 79 anos e está na terceira geração de pessoas que estão sendo acompanhadaspela pesquisa. 30 Inteligência Sistêmica Inicialmente, ele foi sendo realizado somente com homens. Posteriormen- te, as mulheres foram incorporadas. Atualmente, já foram entrevistadas mais de 2.500 pessoas. Chama-se “Study of Adult Development” (originalmente, em inglês) e ainda está em curso. E as conclusões até agora são muito interessantes. A mais importante delas é que o nível de felicidade e longevidade de uma pessoa guarda relação com uma variável e, essa variável, praticamente, domina todo o cenário. Trata-se da qualidade das nossas relações mais próximas. Ou seja, quem tem boas re- lações vive mais e melhor e adoece menos também. Assim, acredito que lidarmos com as questões de cunho emocional não é uma coisa menor. Pelo contrário, talvez seja a coisa mais importante a ser feita primeiro, antes das outras. Lógico, temos que trabalhar, comprar alimentos..., mas, no bojo disso, se nós temos boas relações, tudo fica mais fácil. E se nós temos más relações, tudo fica mais difícil, a ponto de ser quase impossível viver bem. Para encerrarmos essa introdução, gostaria de dizer que estou em busca de um novo nome para esse trabalho, porque acho que “constelações familiares” já não define mais, exatamente, o que estamos fazendo nesses últimos anos. Nós modificamos muito, não os princípios e o método em si, mas a forma de transmitir esses princípios. Recentemente, dei um nome à forma como temos feito o que fazemos: “Inteligência Sistêmica”. Assim como nos aspectos de inteligência emocio- nal, precisamos também ser inteligentes em nossas relações pessoais, sejam elas familiares, afetivas, profissionais ou outras. E, muitas vezes, a forma usual de nos relacionarmos faz com que sejamos meio tolos na hora de conduzirmos nossas relações; e o efeito disso é um de- sastre, porque tudo recai sobre o jeito com que lidamos com nossos relaciona- mentos. Isso tem um impacto muito grande em nossa vida. Como o estudo de Harvard vem mostrando, afeta até mesmo a nossa longevidade. E são esses relacionamentos que vamos trabalhar aqui. Recapitulando, vo- cês vão se sentar ali naquela cadeira e vão me dar um tema. De posse desse tema, eu faço uma representação do seu sistema de relações. E, graças àquele fenômeno que já disse anteriormente, os representantes trazem à luz a dinâmi- ca profunda da postura das pessoas envolvidas. E, num dado momento, vai ficar mais claro para nós como é que, mudando a nossa postura, nós conseguimos mudar o andamento do que está ocorrendo naquele sistema de relações. É isso que a constelação oferece, uma prescrição; não sobre “o que fa- zer”, mas sobre “como fazer”, como se relacionar. Para que, no fim, possa- 31 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! mos reatar as nossas relações que estão rompidas, melhorar nosso nível de entrosamento e comunicação e, consequentemente, aperfeiçoar todo o resto. E a hora que chegamos nesse ponto, em que fica claro qual é a postura que leva à solução, começa o trabalho de vocês. E é lógico que essa abordagem pode ser aplicada em muitos âmbitos: em- presas, escolas, na vida dos profissionais de saúde, do Direito etc, enfim,se aplica em muitos âmbitos, porque, de fato, onde quer que existam pessoas, esse trabalho tem algum tipo de utilidade. 32 2 EDUCAÇÃO SISTÊMICA PARTE 1 A Abordagem Sistêmica aplicada a Educação Roseli Evangelista Ferreira Décio Fábio de Oliveira Júnior “Se você está lendo essas linhas é porque, um dia, uma professora te en- sinou a escrever e outra te ensinou a ler. Quase sempre nos esquecemos desse fato quando o tempo passa crescemos. Através do exercício diário desse tra- balho, o mundo evolui. Todos devemos muito às escolas, professores, pedago- gos, diretores, auxiliares de serviço, bedéis, e todas as pessoas que trabalham numa escola. Eles abriram para nós um universo.” Décio Fábio de Oliveira Júnior 33 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! O Convite a Desconfiar Antes mesmo de começar a falar da abordagem sistêmica dentro da es- cola, gostaríamos de pedir a você que nos dê um voto de desconfiança. Isso mesmo! Você não leu errado: desconfiança! Compartilharemos, ao longo dessas páginas, insights, percepções e prá- ticas baseadas em uma filosofia que, muitas vezes, desafia a maneira como as pessoas enxergam as coisas e a postura de desconfiança o ajudará a com- preender tudo de forma mais sólida; não acreditar cegamente e manter uma incredulidade saudável permitirá a você tomar o conhecimento adquirido aqui apenas como uma sugestão prática. É possível que, ao longo da leitura das próximas páginas, você acabe achando tudo uma grande loucura…Muitos dos que hoje estão à frente da expansão deste trabalho, no início, também achavam. Desconfiar nos leva a observar a realidade daquilo que acontece dentro da escola, da sala de aula e do ambiente familiar com um olhar mais cuidadoso da realidade e nos permite uma checagem contínua e atenta que nos ajuda a discernir se as sugestões que traremos aqui se aplicam ou não ao seu dia a dia. Se você descobrir que estamos enganados com relação a algum ponto, esqueça e “deixe para lá”. A experiência vivida depois de muitos anos traba- lhando com essa abordagem nos permitiu responder a seguinte pergunta: por que aquilo que fazemos, muitas vezes, não tem os resultados esperados? Após revisarmos sistematicamente a visão de como a realidade funcionava, colhe- mos bons frutos e percebemos que estamos todos inseridos em um contexto sistêmico que nos engloba de modo completo. Compreender as leis que gover- nam esse contexto e nos ajustarmos a elas nos permite acolher cada um - na sua forma única de ser - com amor e respeito. Mantenha-se, então, suficientemente desconfiado - daquilo que vai ler e das suas próprias convicções e, assim, se permita checar novamente a realida- de. Talvez possa encontrar novas soluções para velhos problemas que afetam a família, a escola e aquilo que diz respeito à relação entre essas duas entidades tão importantes. A História da Pedagogia Sistêmica Contexto histórico, antropológico e cultural Quando falamos da origem da Pedagogia Sistêmica, nos remetemos, entre outros, ao trabalho do filósofo e professor alemão Bert Hellinger. Nascido em uma família católica, no período entre as duas guerras mun- 34 Inteligência Sistêmica diais, diante de um contexto econômico e social muito difícil que levou ao surgimento do partido Nazista, Hellinger foi enviado, aos dez anos, para um Monastério Católico para estudar. Em 1942, foi para guerra e acabou prisio- neiro em um campo de concentração do qual conseguiu escapar e, retornando para Alemanha, entrou na ordem dos Jesuítas. Durante quase 20 anos, Hellinger atuou como missionário católico na África do Sul, lecionando em escolas para os zulus, durante o regime do Apar- theid. Foi nessa época que, ao participar de uma dinâmica de grupo ecumê- nica, promovida pelos padres anglicanos, Hellinger foi confrontado com a pergunta que, segundo ele, mudou sua vida: “Se você tiver que escolher entre as pessoas e os valores morais, com qual dos dois você fica?”. Sendo um missionário católico, Bert Hellinger sabia que, pelo menos em teoria, deveria escolher as pessoas. Porém, na prática, estava ciente de que, tanto ele como as pessoas que participavam da dinâmica, acabariam escolhen- do os valores morais e excluiriam as pessoas da equação. Suas experiências na 2ª Guerra Mundial e no convívio com a tribo Zulu o levaram a questionamentos do porquê algumas vezes os valores morais eram colocados acima dos valores pessoais em situações como o Nazismo e o Apar- theid. Os valores nazistas tinham destruído a Alemanha e quase toda a Europa e os valores do Apartheid estavam destruindo a África do Sul. Imbuído num movimento de profunda reflexão, passou a questionar o que existe por trás dos valores morais e o que leva uma pessoa a, por exemplo, se dispor a matar outra que não abraça omesmo conjunto de regras e valores seguidos por ela. Concluiu que o que atua por trás do valores morais é a consciência leve e a pesada; todos temos uma consciência pessoal a qual percebemos como “leve” (remetendo à inocência) ou “pesada” (remetendo à culpa) e sentimos que essa consciência avalia nossos atos. Quando alguém abraça o mesmo conjunto de valores que eu abraço, sinto que essa pessoa pertence ao mesmo grupo ao qual pertenço. Do mesmo modo, se passo a não abraçar o mesmo conjunto de valores das pessoas que estão à minha volta, não me sinto mais tão pertencente a esse grupo como antes. A in- vestigação da forma como cada um se sente, muitas vezes, inocente (de cons- ciência “leve”) mesmo cometendo atos agressivos que prejudicam a outros e a si levou Hellinger a perceber que a consciência pessoal se liga não somente ao princípio vinculador - que estabelece o pertencimento ao grupo - mas também a outros princípios atuantes: o de ordem ou hierarquia dentro do grupo e o de equilíbrio nas trocas (entre o dar e o receber). Notoriamente, existe nas pessoas uma necessidade de respeitar a ordem natural do grupo em que elas estão inseridas. Quando alguém desafia a hie- rarquia - quando, por exemplo, temos que chamar a atenção do pai, da mãe 35 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! ou do chefe, o fazemos com um certo peso na consciência. Por outro lado, ao chamar a atenção de uma pessoa subordinada - um filho, uma pessoa que está hierarquicamente abaixo no sistema, - mesmo que depois percebamos que estávamos enganados na questão, o fazemos de consciência mais leve. Ao receber um presente, imediatamente, o sentimento é de felicidade, mas, ao mesmo tempo, há uma pressão interna para retribuir. Da mesma for- ma, nos casos em que há subtração de algo do outro, existe um sentimento de culpa daquele que gerou prejuízo e a pessoa que foi prejudicada sente o direito de exigir uma compensação, portanto, sente-se inocente. Esses três princípios, - do pertencimento, da ordem e do equilíbrio nas trocas - segundo Hellinger, convergem para governar aquilo que acontece dentro da nossa consciência. Em suas reflexões e estudos, Hellinger apontou ainda a existência do que chamou de uma consciência grupal comum. Considerando o ponto de vista histórico, estudos antropológicos mostram que os seres humanos viviam na África Ocidental há cerca de 200 mil anos. A África abriga os maiores pre- dadores carnívoros do mundo: leopardos, leões, hienas, hipopótamos, entre tantos outros. Nesse contexto, como é que nossos antepassados conseguiram sobreviver? Viviam em grupo. Inicialmente, o pertencimento ao grupo era a questão mais relevante; se um daqueles seres humanos perdesse o pertencimento do grupo, por qual- quer razão, isso significaria uma sentença de morte imediata. Se ele dormisse afastado do grupo, provavelmente um animal o encontraria e o comeria. Por isso, até os dias atuais, é natural que o ser humano possua um senso de perten- cimento e aderência a um grupo grande. Isso é refletido na consciência pessoal até os dias atuais, pois qualquer coisa que ameace o pertencimento gera sentimentos de medo, angústia, culpa, etc. Na verdade, o sentimento é de consciência pesada. Por outro lado, o sen- timento de pertença nos remete à leveza, inocência, coesão, acolhimento, por isso se faz de tudo para poder pertencer ao grupo. Raciocinando historicamente, existia um mecanismo para manter todos dentro do grupo. A criança dentro desse grupo, desse clã original, se sentia altamente pressionada a fazer o que se faz no grupo e evitava fazer coisas que fugissem ao comportamento habitual. Esta era uma questão de sobrevivência, de vida ou morte. Para esta criança, se ela não conseguisse se ajustar rapida- mente ao comportamento do grupo, morreria. Estamos falando do contexto do mundo primitivo, um mundo muito duro, material, hostil. A criança não podia, por exemplo, ficar “pirraçando”. Outro ponto importante é que, para que houvesse grupo, era preciso coo- perar de uma maneira sincronizada. Se, por exemplo, na hora do ataque de um 36 Inteligência Sistêmica predador o líder dissesse: “Vamos para direita” e alguém retrucasse: “Nada a ver meu senhor! Questão de ordem, por favor, vamos fazer uma votação por- que eu não concordo com essa metodologia”. O que aconteceria aí é que uma decisão errada, rápida, poderia ser reformada, mas uma indecisão ou impasse levaria a uma descoordenação. Nesse mundo original, a liderança era questão de vida ou morte. A ordem hierárquica que controlava o comportamento coletivo e sincronizava as ações do grupo era questão crucial para a vida de todos os indivíduos e para a sobre- vivência do grupo. O pertencimento era benéfico para todos, vantagem tanto para um quan- to para o outro. Por esse motivo, tal comportamento foi, ou parece ter sido, fixado de maneira instintiva nos seres humanos. Todos o temos “instalado” internamente, como um comportamento quase inconsciente, que permite a atuação coordenada e o entendimento desses princípios como se fossem leis naturais. Está cravado fundo na alma humana, uma vez que foi essencial para sobrevivermos. Seguindo a mesma linha de pensamento, qual tipo de liderança ou hie- rarquia no mundo primitivo seria mais efetiva para a sobrevivência? Seria o homem? Seria a mulher? Seria o mais forte? Seria o mais bonito? Não. Neste caso, a pessoa que sobreviveu por mais tempo, pelo simples fato de ser mais velha e estar viva, exerceria liderança. É a hierarquia do mais velho. O mais velho, seguramente, conhecia mais estratégias sobre como permanecer vivo e já teria passado por mais experiências. Nessa época, não havia “Whatsapp”, internet, máquina de escrever, arquivo, HD, nuvem, “Icloud”, computador. Não havia escrita, nem mesmo um depositário de informações. Os conhe- cimentos eram transmitidos de boca a boca e o indivíduo deveria estar vivo para isso. Seguir o mais velho fazia mais sentido para a sobrevivência e isso implicava que a liderança fosse feita por ele. A obediência, nesse contexto, era importante para o grupo como um todo. Era muito mais provável que o mais velho estivesse certo e o mais novo esti- vesse enganado. Se houvesse um ataque de uma fera, por exemplo, o mais ve- lho era protegido e o mais novo era jogado na boca do leão. Assim, ganhava-se mais tempo para proteger o ancião, o líder. Esse líder era muito mais importan- te para a sobrevivência de todos do que o mais novo. Podemos, nos dias atuais, fazer muitas considerações éticas contra esse tipo de “crueldade”, porém, era um comportamento que fazia sentido, do ponto de vista da sobrevivência. É importante lembrar que as pesquisas antropológicas dessa era aponta- vam a média de longevidade em torno de 30 anos. Sendo assim, o que hoje é uma pessoa de 80 anos, nessa época, comparava-se a alguém que chegasse aos 30 anos. As pessoas morriam aproximadamente com 19, 20 anos, pois o ambiente era muito hostil. 37 Como ela pode te ajudar a ter mais sucesso e felicidade! Considerando o mesmo contexto primitivo, pensemos em um dia de caça, em que dois caçadores saíam para caçar e um corria mais. Graças ao seu es- forço pessoal, conseguia atingir um antílope e matá-lo. Depois de abatido, como seria a divisão dessa caça? Em partes iguais? Se fosse repartido em partes iguais, significaria que, da próxima vez, o caçador que tivesse corrido mais não teria o mesmo desempenho. Ele não teria energia/entusiasmo para correr mais, uma vez que foi retirada sua principal fonte de energia para ser mais ágil. Dar mais comida ao caçador que correu mais e matou o antílope não era uma questão de bondade,era uma questão de dar a ele a justa parte para que ele pudesse, na próxima vez, correr novamente. Voltando-nos para os tempos atuais, o que acaba acontecendo quando não há remuneração, premia- ção ao dar e o receber de maneira equilibrada? O comportamento então será de “desestímulo” dos
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