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364 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR NO TRAUMA, OITAVA EDIÇÃO Flexura hepática / \ \ / T Diafragma Baço Flexura esplênica ) Figura 13-1 Os órgãos dentro da cavidade peritoneal com frequência resultam em peritonite quando lesionados. Órgãos da cavidade peritoneal incluem órgãos sólidos (baço e fígado), órgãos ocos do trato gastrointestinal (estômago, intestino delgado e cólon) e os órgãos reprodutores. A parte mais inferior do abdômen está protegida em todos os lados pela pelve. Essa área contém o reto, urna parte do intestino delgado (principalmente quando o doente está em pé), a bexiga minária e, nas mulheres, os órgãos reprodutores. A hemorragia retroperitoneal associada a mna fratura de pelve é uma grande preocupação nessa região da cavidade abdominal. O abdômen entre a caixa torácica e a pelve está protegido somente pelos músculos abdominais e outros tecidos moles na porção anterior e lateral. Posteriormente, as vé1tebras lombares e os músculos J)ct.nivertebrnl e vsoas grossos e fmtes, localizados ao longo da coluna, dão maior proteção (Figura 13-4). Para fins de avaliação de doente, a supe1fície cio abdômen é dividida em quatro quadrantes. Esses quadrantes são formados ao se traçar duas linhas: uma no meio a prutir da ponta do apêndice xifoide até a súúise púbica, e urna perpendiculru· a essa linha do meio até o nível do umbigo (Figma 13-5). O conhecimento de pontos de referência ru1atômicos é in1po1tante devido à alta correlação de localização do órgão e resposta à dor. O quadrante superior direito inclui fígado e vesícula biliar, o quadrrulte superior esquerdo contém o baço e o estômago, e o quadrru1te infe1ior direito e o quadrru1te inferior esquerdo contêm principalmente os intestinos, os ureteres distais e, nas mulheres, os ovários. Uma prute do trato intestinal existe em todos os quatro quaclrru1tes. A bexiga urinária e o útero nas mulheres são a linha média entre os quaclrru1tes inferiores. Fisiopatologia Dividir os órgãos abdominais nos grupos oco, sólido e vascular (vaso sanguíneo) ajuda a explicar as manifestações de lesão a essas estruturas. Quando lesionados, órgãos sólidos (fígado, baço) e vasos sanguíneos (amta, veia cava) sru1gram, sendo que órgãos ocos (intestino, vesícula biliar, bexiga urináiia) prin1eirrunente deixrun cair seu conteúdo na cavidade pelitoneal ou no espaço retroperitoneal, embora também sangrem, mas geralmente não com a mesma velocidade cios órgãos sólidos. A perda ele sangue para dentro ela cavidade abdominal, independente ela sua origem, pode contribuir ou ser a causa plimáiia cio desenvolvimento de choque hemorrágico. A liberação de ácidos, enzimas digestivas e/ ou bactérias cio trato gastrointestinal pru·a dentro da cavidade peritoneal resulta em peritonite (inflanrnção cio peritônio ou cio revestimento da cavidade abdominal) e sepse (infecção sistêmica) se não reconhecida e prontrunente tratada com intervenção cirúrgica. Sendo a urina e a bile geralmente estéreis (não contêm bactérias) e não contendo enzimas digestivas, a perfuração da vesícula biliar ou da bexiga urinária não produz peritonite com a mesma rapidez que o material saído do intestino. Do mesmo modo, devido trunbém à falta ele ácidos, enzimas digestivas e bactérias, o sru1gue na cavidade peritoneal não causa peritonite por algwnas horas. Sangramento por lesão intestinal geralmente é pequeno, a menos que grandes Veia cava inferior Glândula adrenal direita Rim direito Veia cava inferior CAPÍTULO 13 Trauma abdominal Artéria ilíaca externa Veia ilíaca externa 365 Figura 13-2 O abdômen é dividido em dois espaços: cavidade peritoneal e espaço retroperitoneal. O espaço retroperitoneal inclui a parte do abdômen atrás do peritônio. Como os órgãos retroperitoneais não se encontram dentro da cavidade peritoneal, a lesão a essas estruturas geralmente não causa peritonite; no entanto, lesão nos grandes vasos sanguíneos e órgãos sólidos pode produzir rápida e intensa hemorragia. Inalação Expiração Diafragma A B Figura 13-3 Relação dos órgãos abdominais com o tórax em diferentes fases da respiração em um doente com ferimento por facada. A. Expiração. B. Inalação. 366 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR NO TRAUMA, OITAVA EDIÇÃO Cavidade peritoneal Omenlo Aorta Estômago menor abdominal Fígado Intestino Rim esquerdo Pâncreas Músculos paraespinhais Figura 13-4 Essa seção transversa da cavidade abdominal permite a visualização das posições dos órgãos na direção anteroposterior. Caixa torácica Processo Margem costal-{\~~:~~~~~t 'rl~~:~i!:_~ 1 ~ ilt~,- xifoide Fígado , Cólon ;::::c::;.'11J--Baço -~!51''7,f---Estômago Quadrante superior esquerdo Figura 13-5 Assim como com qualquer parte do corpo, quanto melhor a descrição de dor, sensibi lidade, defesa e outros sinais, mais exato o diagnóstico. O sistema mais comum de identificação divide o abdômen em quatro quadrantes: superior esquerdo, superior direito, inferior esquerdo e inferior direito. vasos sanguíneos no mesentério (as dobras do tecido peritoneal que conectam o intestino à parede posterior da cavidade abdominal) estejam lesionados. Lesões no abdômen podem ocorrer por trauma penetrante ou contusão por trauma fechado. O trauma penetrante, como ferimento causado por tiro ou facada, é mais rapidamente visível que o trauma por contusão por trauma fechado. Vá1ios órgãos podem ser lesados como resultado ele tramna penetrante, sendo mais comum ferimentos causados por tiro em relação a ferimentos causados por facada, visto a alta energia associada a essa lesão do tipo "míssil", e a relativa baixa energia e limitado comprimento ela mai01ia cios objetos usados para esfaquear uma pessoa. Uma visualização mental da possível trajetória cio objeto penetrante, como uma bala, ou o traçado ela lâmina ele uma faca, pode ajudar a identificar órgãos internos possivelmente lesionados. O diafragma se estende na porção superior até o qua1to espaço intercostal anterior, lateralmente até o sexto espaço intercostal e na pa1te posterior até o oitavo espaço intercostal clmante a expiração máxima (ver Figma 13-3). Doentes que sofrem uma lesão penetrante no tórax abaixo dessas localizações anatômicas também podem ter sofrido uma lesão abdominal. Fe1irnentos penetrantes nos flancos e nádegas tan1bém podem envolver órgãos da cavidade abdominal. Essas lesões penetrantes podem causar sangramento de um grande vaso ou de um órgão sólido, e a perfuração ele um segmento cio intestino, o órgão mais frequentemente lesionado em caso ele trauma penetrante. Lesões por trauma contuso quase sempre são mais desafiadores para se reconhecer que os causados por trauma penetrante. Essas lesões aos órgãos abdominais resultan1 ou de forças de compressão ou de cisalhamento. Nas lesões por compressão, os órgãos do abdômen ficam esmagados entre objetos sólidos, como entre o volante e a colw1a ve1tebral. Forças de cisalhamento geram mptma dos órgãos sólidos ou mptma de vasos sanguíneos na cavidade devido a forças de laceração exercidas contra os ligan1entos ele sustentação. O fígado e o baço podem facilmente cisalhar e sangrar, e a perda de sangue pode ocorrer com bastante rapidez. O aumento de pressão intra-abdominal produzida por compressão pode romper o diafragma, fazendo com que os órgãos abdominais se movam para cima em direção à cavidade pleural (ver o capítulo Cinemática do trauma e do trauma torácico). O conteúdo intra-abdominal forçado para dentro ela cavidade torácica pode comprometer a expansão cio pulmão e afetar a função respiratória e a ftmção cardíaca (Figura 13-6). Embora acredite-se que a mptma de cada metade cio diafragma ocorra igualmente, a mptma do hemicliafmgma (metade do diafragma) esquerdo é diagnosticado com mais frequência, visto que o fígado subjacente no lado esquerdo geralmente evita a hemiação cio conteúdo abdominal no tórax direito e tornando mais difícil o diagnóstico de uma lesão no diafragma no ladodireito. Fraturas pélvicas podem estar associadas à perda de grandes volumes de sangue causada por lesão nos muitos vasos sanguíneos menores adjacentes à pelve. Outras lesões associadas a fratmas pélvicas incluem dano à bexiga urinária e reto, e tan1bém lesões na uretra, nos homens, e na vagina, nas mulheres. Avaliação A avaliação de lesão abdominal pode ser difícil, principalmente com os recursos limitados de diagnóstico dispo1úveis no ambiente pré-hospitalar. Deve ser criado um alto índice de suspeita de lesão abdominal a partir de uma série de fontes de informação, incluindo cinemática, achados de exame físico e infonnações de doente ou pessoas que estavam no local. CAPÍTULO 13 Trauma abdominal 367 do que ferimentos na parede abdominal anterior. No geral, somente cerca de 15% dos doentes com ferimentos de facada no abdômen precisarão ele intervenção cirúrgica, sendo que cerca de 85% dos doentes com ferimentos à bala precisarão de cirurgia para tratan1ento definitivo de suas lesões abdominais. Ferimentos tangenciais por arma de fogo podem passar através ele tecidos subcutâneos, mas mmca entram na cavidade peritoneal. Dispositivos explosivos também podem arremessar fragmentos que penetram no peritônio e lesionam órgãos internos. IESIÔmago Trauma fechado Figura 13-6 Com aumento da pressão dentro do abdômen, o diafragma pode se romper, permitindo a herniação de órgãos intra- abdominais como o estômago ou o intestino delgado dentro do tórax. Cinemática Assim corno com outros tipos de tramna, o conhecimento do mecanismo de lesão, seja contundente ou penetrante, desempenha urna irnp01tante fm1ção ao formar o índice de suspeita do socorrista quanto ao trauma abdominal. Trauma penetrante A maioria dos traumas penetrantes em ambientes civis resulta de ferimentos de facadas e ferimentos causados por arma de fogo. Ocasionalmente, empalação com ou sobre um objeto ocorre quando, por exemplo, alguém cai por sobre um pedaço saliente de madeira ou metal. Essas forças de energia cinética de baixas a moderadas laceram ou cortam os órgãos abdominais ao longo do caminho da faca, do projétil ou do objeto penetrante. Lesões de alta velocidade, corno as criadas por rifles, fuzis e armas automáticas tendem a c1iar mais lesões sérias devido aos espaços temporários maiores criados conforme os projéteis se movirnentan1 através da cavidade pelitoneal. Projéteis podem atingir ossos ( costelas, coluna ou pelve), resultando em fragmentos que podem perfurar órgãos internos. Ferimentos por facada têm menor probabilidade de penetrar na cavidade peritoneal do que projéteis disparados de um revólver, rifle ou escopeta. Quando o peritônio é penetrado, as facadas têm mais probabilidade de lesionar o fígado (40%), intestino delgado (30%), diafragma (20%) e cólon (15%), sendo que em lesões por arma de fogo é mais comtm1 causar danos ao intestino delgado (50%), cólon ( 40%), fígado (30%) e vasos abdominais (25%). 1 Devido à musculatura mais densa das costas, o tratmm penetrante nas costas tem menor probabilidade de resultar em lesões nas estruturas intraperitoneais Diversos mecanismos levam a forças de compressão e cisalhamento que podem lesionar os órgãos abdominais. Um doente pode passar por consideráveis forças de desaceleração e compressão quando se envolve em colisões de carro ou motocicleta, quando é atingido ou atropelado por um veículo, ou após urna queda de uma altura significativa. Embora os órgãos abdominais sejam lesionados com mais frequência em eventos associados à significativa lesão cinética, como a causada por rápida desaceleração ou intensa compressão, lesões abdominais podem resultar de mecanismos de aparência mais inofensiva, como agressões, quedas de escada e atividades esp01tivas (p.ex., ser obstruído no jogo de futebol americano). Qualquer dispositivo ou vestimenta ele proteção usados pelo doente devem ser observados, incluindo cinto ele segurança, ail0 bag ou protetores espo1tivos. A compressão de um órgão sólido pode resultar em cisão de sua estrutura (p.ex., laceração hepática); sendo que tais forças aplicadas a uma estrntm·a oca, como mna alça do intestino ou a bexiga, pode fazer com que a estrntura se abra à força ("ruptura"), derran1ando o conteúdo para dentro cio abdômen. Forças de cisalhan1ento podem resultar em rasgos de estruturas nos locais de acesso a outras estrnturas, tais como o ponto onde o intestino delgado mais móvel se junta ao cólon ascendente, o qual está fixado ao retroperitônio. Os órgãos mais c01mm1ente lesionados após um trauma por contusão no abdômen são o baço ( 40-55%), fígado (35-45%) e intestino delgado (5-10%). Nem todas as lesões em órgãos sólidos exigem intervenção cilúrgica (Figura 13-7). Muitos desses tipos de lesões em órgãos sólidos já são observados com cuidado no hospital, já que costmnam parar de sangrar por si só. Histórico O histórico pode ser obtido do doente, ela fanu1ia ou por alguém que estava por peito, e deve ser documentado no relatótio de atendimento ao doente e repassado à unidade de destino. Além dos componentes do EXEMPLO de histórico (sintomas, alergias e idade, medicações, antecedentes clínicos/cin'.u·gicos, última refeição, eventos que precederam a lesão), pergtmtas devem ser adaptadas ao tipo de lesão e a presença de condições de comorbidade que potencialmente atm1entarão a mo1talidade ou morbidade. Por exemplo, no caso de uma colisão de veículo, podem ser feitas perguntas para determinar o seguillte: • Tipo de colisão, posição do doente no veículo ou ejeção do veículo • Velocidade estilnada do veículo no momento ela colisão 368 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR NO TRAUMA, OITAVA EDIÇÃO Figura 13-7 Suspeita de lesões no baço, fígado ou rim não mais exigem exploração cirúrgica em centros de trauma modernos. A experiência tem mostrado que muitas dessas lesões interrompem o sangramento antes do desenvolvimento de choque e se curam sem reparo cirúrgico. Pesquisas nos últimos 20 anos demonstraram que até mesmo significativas lesões de órgãos sólidos podem ser observadas com segurança, desde que o doente não apresente choque hipovolêmico ou peritonite. Doentes são internados para cuidadoso monitoramento de seus sinais vitais, contagem sanguínea e exame abdominal, inicialmente na unidade de tratamento intensivo. A vantagem dessa abordagem é evitar que o doente se submeta a uma operação potencialmente desnecessária. Visto que o baço desempenha uma importante função combatendo infecções, a remoção do baço (esplenectomia) predispõe doentes (principalmente crianças) a determinadas infecções bacterianas. O tratamento não cirúrgico bem sucedido dessas lesões foi relatado primeiro para lesões esplênicas em crianças, mas essa abordagem agora é aplicada com mais frequência a doentes adultos e também doentes que sofreram lesões no fígado e nos rins. Seguinte ao trauma por contusão, dados recentes indicam que cerca de 50% das lesões esplênicas e cerca de 67% das lesões no fígado podem ser tratadas dessa maneira, com relato de taxas de sucesso variando de 70% a mais de 90% .2 O risco de falha dessa técnica (novo sangramento, com o desenvolvimento de choque exigindo intervenção cirúrgica) é maior nos primeiros 7 a 1 O dias após a lesão. Socorristas devem estar cientes dessa abordagem, já que podem responder a doentes que passaram por novo sangramento após terem alta do hospital. • • Extensão do dano ao veículo, incluindo invasão no compaitimento do passageiro, defornúdade do volante, dano ao para-brisa, e necessidade de retirada prolongada Uso de dispositivos de segurança, como cinto de segurança, air-bag e presença de cadeiras de segurança pai·a criança • Distância da qual o doente foi baleado • Quantidade de sangue na cena (embora a estimativa exata seja quase sempre difícil) Exame físico Avaliação primária A maioria das lesões abdonúnais graves se apresentan1 como anormalidadesidentificadas na avaliação prin1ária, p1incipalmente na avaliação da respiração e da circulação. A menos que existan1 lesões associadas, doentes com trauma abdominal geralmente apresentrun un1a via área pérvia As alterações encontradas nas avaliações de respiração, circulação e incapacidade em geral correspondem ao grau de choque presente. Doentes com choque inicial compensado pode ter um leve aun1ento na frequência ventilatória, sendo que aqueles com choque hemorrágico grave demonstran1 acentuada taquipneia. A rnptura do henúdiafragma em geral compromete a função respiratória quando o conteúdo abdonúnal fica herniado dentro do tórax no lado afetado, e podem ser ouvidos sons do intestino por cin1a do tórax ao serem auscultados os sons de respiração. Do mesmo modo, choque causado por hemorragia intra-abdominal pode variar de leve taquicardia, com alguns outros achados, à taquicai·dia grave, acentuada hipotensão, e pele pálida, fria e pegajosa. O ·i:ndicador 11w.is confiável de sangrmnento intra-abdominal é a. vresença ele choque hivovolêmico ele origem não e..1,plicada. 1 Ao avaliai· incapacidade, o socorrista pode observai· somente sinais sutis, como leve ansiedade ou agitação, no doente com choque compensado devido a traun1a abdominal, sendo que doentes com hemorragia de risco à vida pode ter sé1ia depressão de seu estado mental. Ao se encontrai· anormalidades na avaliação desses sistemas e ao se prepai·ai· pai·a transpmte imediato, o abdômen deve ser exposto e exanúnado quanto à evidência de traun1a, como contusões ou ferin1entos penetrantes. Avaliação secundária Durante a avaliação secundá1ia, o abdômen é exan1inado detalhadan1ente. Esse exame envolve primeiran1ente inspeção e palpação do abdômen e deve ser introduzida sistematican1ente. Inspeção O abdômen é exanúnado quanto a lesões do tecido mole e distensão. Pode-se suspeitar de lesão intra-abdominal quando se nota traun1a de tecido mole sobre o abdômen, flancos ou costas. Tais lesões podem incluir contusões, abrasões, ferimentos por tiro ou facada, sangramento evidente e achados incomuns, como evisceração, objetos empalados ou mai·cas de pneu. O "sinal do cinto de segurança" ( equimose ou abrasão atravessando o abdômen resultante de compressão da pai·ede abdominal contra a tira do cinto que passa pelo ombro ou cinto de segurança abdonúnal) indica No caso de lesão penetrante, podem ser feitas perguntas pai·a que força significativa foi aplicada ao abdômen como resultado deternúnai· o seguinte: de desaceleração repentina (Figura 13-8). Embora a incidência de • • Tipo de arma (revólver ou rifle, calibre, comprin1ento da faca) Número de vezes que o doente foi baleado ou esfaqueado lesões intra-abdonúnais em doentes adultos com sinais de cinto de segurança seja cerca de 20%, a incidência pode chegai· a 50% nas crianças. As lesões associadas a restrições normalmente são no intestino e no mesenté1io, que ficam comprinúdos e esmagados entre o cinto de segurança e a parede abdominal anterior e a coluna vertebral na parte posterior, e quase sempre presentes ele modo retardado. Sinal ele Grey-Tnrner ( equimose envolvendo os flancos) e sinal ele Cullen ( equimose em volta do umbigo) indicam sangramento retroperitoneal; no entanto, esses sinais são comumente protelados e podem não ser vistos nas primeiras horas após a lesão. O contorno do abdômen deve ser observado, avaliando se está liso ou distendido. Uma distensão do abdômen pode indicar hemonagia interna significativa; no entanto, a cavidade pelitoneal em um adulto pode acumular até 1,5 litro de fluidos antes de mostrar sinais óbvios de distensão. Distensão abdominal também pode ser o resultado de um estômago cheio de ar, que pode ocorrer dmante ventilação aitificial com dispositivo tipo balão-máscai·a. Embora esses sinais possan1 indicar lesão intra-abdominal, alguns doentes com lesão interna substancial podem não ter esses achados. Palpação A palpação do abdômen é feita pai·a identificai· áreas ele sensibilidade. De preferência, a palpação começa em uma área na qual o doente não se queixa de dor. Depois, é palpado cada quadrante abdominal. Ao palpar a área sensível, o socorrista pode observar que o doente "tensiona" os músculos abdominais nessa área. Essa reação chamada defesa voluntária, protege o doente ela dor resultante da palpação. Defesa involuntária representa rigidez ou espasmos cios músculos da parede abdominal em resposta à peritonite. Figura 13-9 relaciona achados físicos compatíveis com a presença de peritonite. Diferente da defesa voluntária, a defesa involwltátia permanece quando o doente se distrai (p.ex., com a conversa) ou o abdômen é discretamente palpado (p.ex., com pressão do estetoscópio enquanto parece auscultai· os sons do intestino). Embora a presença de sensibilidade rebote tenha sido por muito tempo considerada um impo1tante achado indicador de peritonite, muitos cirurgiões agora acreditam que esta manobra - pressionar proftmdamente Figura 13-8 Um "sinal de cinto de segurança" abdominal resultante da desaceleração do doente em relação ao cinto de segurança abdominal. Fonte: Cortesia de Peter T. Pons, MD, FACEP. CAPÍTULO 13 Trauma abdominal 369 o abdômen e depois rapidamente liberar a pressão - causa dor excessiva. Se houver sensibilidade de rebote, o doente sentirá dor mais intensa quando cessai· a pressão abdominal. A palpação profunda ou agressiva ele tm1 abdômen obviamente lesionado eleve ser evitada porque, além da dor que causa, a palpação pode deslocai· coágulos sanguíneos e reiniciai· uma hemorragia, e pode derrainai· conteúdo do trato gastrintestinal se houver perfurações. Tan1bém deve haver muito cuidado na palpação se existir um objeto empalado no abdômen. Na verdade, há pouca informação útil adicional a ser obtida com a palpação do abdômen de um doente com um objeto empalado. Embora sensibilidade seja um imp01tante indicador de lesão intra.abdominal, vátfos fatores podem confundir a avaliação ele sensibilidade. Doentes com estado mental alterado, como aqueles com lesão cerebral tratm1ática (LCT) ou doentes sob a influência de drogas ou álcool, podem ter um exame não confiável; ou seja, o doente pode não relatai· sensibilidade nem responder à palpação até mesmo se houver significativas lesões internas. Doentes pediátlicos ou geriátricos têm maior probabilidade de exan1es abdominais não confiáveis devido a respostas à dor comprometidas. De modo contrário, doentes com fraturas elas costelas inferiores ou uma fratura pélvica podem ter un1a avaliação cluviclosa. (an1bígua), com sensibilidade resultante ou das fraturas ou elas lesões internas associadas. Se o doente tem dor que desvie a atenção das lesões, como fratmas ele extremidades ou da coluna ve1tebral, pode-se não referir dor abdominal na palpação. Palpação da pelve no ambiente pré-hospitalai· dá poucas informações que possam alterai· o tratan1ento do doente. Se há tempo para realizar esse exame, isto é feito somente uma vez, já que algtm1 coágulo que tenha se fo1mado no local de un1a fratura instável pode se romper, e assim exacerbar a hemorragia. Dmante esse exan1e, a pelve é gentilmente palpada quanto à instabilidade e sensibilidade. Essa avaliação envolve três etapas: l. Pressionar as cristas ilíacas para dentro 2. Pressionai· as cristas ilíacas para fora 3. Pressionai· a sínfise púbica para trás Se for notada instabilidade em algwna etapa do exan1e, não deve mais haver palpação da pelve. Figura 13-9 • Sensibilidade abdominal significativa na palpação ou ao tossir (localizada ou generalizada) • Defesa involuntária • Sensibi lidade na percussão • Sons do intestino reduzidos ou ausentes 370 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR NO TRAUMA, OITAVA EDIÇÃO Auscul tação Hemorragia e derramamento de conteúdo intestinal na cavidade peritoneal pode resultar em íleo, quadro no qual a peristalse cio intestino cessa. Isso resulta em um abdômen "quieto", já que os sonsdo intestino estão reduzidos ou ausentes. A auscultação dos sons do intestino de modo geral não é w11a ferramenta útil ele avaliação pré-hospitalar. Não se deve perder tempo tentando determinar a sua presença ou ausência porque esse sinal diagnóstico não vai alterar o tratamento pré-hospitalar do doente. No entanto, se forem ouvidos sons cio intestino sobre o tórax durante a auscultação de sons de respiração, pode-se considerar mna ruptura diafragmática. Percussão Embora a percussão do abdômen possa revelar sons timpânicos ou abafados, essa informação não altera o tratamento pré-hospitalar cio doente de trauma, e somente se desperdiça tempo valioso; pmtanto, não é recomendada como ferran1enta de avaliação pré-hospitalar. Sensibilidade significativa na percussão ou dor quando se pede para o doente tossir representa um in1p01tante achado de petitonite. Sinais peritoneais estão resumidos na Figura 13-9. Exames especiais e indicadores principais A avaliação citúrgica e, em muitos casos, intervenção permanecem as principais necessidades para a maioria dos doentes que sofreran1 lesões abdominais; não se deve perder tempo em tentar determinar os detalhes exatos da lesão. Em muitos doentes, a identificação de lesão de um órgão específico não será revelada até que o abdômen seja também avaliado por tomografia computadorizada (TC) ou exploração cüúrgica. No setor de emergência, o ultrassom se tornou a principal modalidade à beit'a leito usada para avaliar wn doente ele trauma quanto a hemorragia intra-abdominal. i .:i.5 A avaliação direcionada com ultrassonografia para doentes de trauma (focused assessment with sonography for trauma, FAST) envolve três visões da cavidade petitoneal e uma quaita visão do pericárdio pai·a avaliai· a presença ele fluidos, presumivelmente sangue, em volta do coração (Figura 13-10). Já que fluidos não refletem as ondas do ultrassom no dispositivo, esses fluidos apai·ecem anecoicos (inrngem sonografican1ente escura). A presença de fluidos em W11a ou mais áreas é preocupante; no entai1to, a ultrassonografia não consegue diferenciar sangue de outros tipos de fluidos (ascite, urina de Wlla bexiga rompida, etc.). Em comparação com outras técnicas usadas pai·a avaliai· a cavidade peritoneal, FAST pode ser rapidan1ente realizado ao leito do doente, não inte1fere na ressuscitação, é não invasivo, e muito menos dispendioso que um exaine por TC. A desvantagem principal de FAST é não dai· um diagnóstico definitivo da lesão, mas somente indicar a presença de fluidos que podem representai· sangue. Outras desvantagens do exaine FAST são as imagens dependentes da habilidade e experiência do operador, e utilidade comprometida em doentes obesos, com ar subcutâneo, e que tenham passado por cirurgia anterior. Talvez o mais in1p01tante é o fato de que um exan1e FAST negativo não desca1ta a presença de uma lesão, inclusive a que pode exigir intervenção cit'úrgica. Um exame FAST negativo significa somente que, no momento em que o exame foi realizado, não foram visualizados fluidos no abdômen. Esse resultado pode ser por não haver lesão ou porque não havia sangue suficiente acumulado no abdômen que pudesse ser visto ( o que é uma real possibilidade considerando a rápida resposta do atendimento médico de emergência [AME] na cena do incidente de trauma). Devido à facilidade de uso e aprin10rada tecnologia de ultrassom, alguns sistemas AME e equipes militai·es em terra e ai· explorai·an1 o uso de FAST no an1biente pré-hospitalai·. O exan1e FAST tem demonstrado ser confiável em cainpo, mas não há dados publicados que mostrem que o uso dessa tecnologia leva a melhores resultados para doentes com trauma abdorninal. 7· 13 FAST pode ter utilidade em Wll an1biente estrito ou em situação de perda de vidas em massa. No entanto, o uso de FAST não é recomendado pelo Atendimento Pré-hospitalar no Trawna corno rotina no cuidado pré-hospitalar, principalmente porque pode atrasar o transpo1te pai·a a Wlidade de destino, ou pode passar a falsa segurança quanto à verdadeira condição do doente. Apesar de todos esses componentes distintos, a avaliação da lesão abdominal pode ser difícil. Os seguintes são os indicadores principais para se determinai· o índice de suspeita pai·a lesão abdominal: • Sinais evidentes de trauma (p.ex., lesões cio tecido mole, ferimento à bala) • Presença de choque hipovolêrnico sem outra causa óbvia • Grau de choque maior do que o que pode ser explicado por outras lesões (p.ex., fraturas, hemorragia externa) • Presença de sinais peritoneais Tratamento Os principais aspectos do tratamento pré-hospitalar de doentes com traW11a abdominal são reconhecer a presença de possível lesão e iniciar rápido transpmte, conforme adequado, à wlidade apropriada mais próxin1a que seja capaz de tratai· o doente. An01n1alidades nas funções vitais identificadas na avaliação prima.na são confirmadas durante o transpmte. Oxigênio suplementai· é adrnmistrado pai·a manter saturação em 95% ou mais, e a ventilação é assistida conforme necessário. Hemorragia externa é controlada com pressão direta ou cmativo com pressão. Se o doente sofreu traW11a por contusão e que tan1bérn pode ter causado lesão da coluna ve1tebral, a in1obilização da colW1a é realizada conforme adequado (ver capítulo Trauma da colW1a ve1tebral). Vítimas de trauma penetrante no torso não precisam de ünobilização da coluna ve1tebral. O doente é rapidan1ente imobilizado e iniciado o transporte. Doentes com traW11a abdominal quase sempre precisam de transfusão e intervenção cüúrgica para controlai· hemorragia interna e repai·ai· lesões; desse modo, doentes devem ser transferidos para Wlidades que tenhan1 capacidade citúrgica ünediata, como Wll centro de trauma, se disponível, quando os seguintes achados forem observados: evidência de trauma abdominal associado com hipotensão ou sinais peritoneais, ou a presença de evisceração ou objeto transpassado. Levai· um doente com lesões intra-abdominais pai·a uma unidade que não tem uma sala de operações e equipe Figura 13-10 -----~,,, _____ .,._,,.-- A A. Quatro visualizações constituem o exame FAST. C. Visualização normal do quadrante superior direito. Fonte: Cortesia da foto de John Kendall, MD. E. Visua lização normal do quadrante superior esquerdo. Fonte: Cortesia da foto de John Kendall, MD. CAPÍTULO 13 Trauma abdomina l 371 Sonda de ultrassom Diafragma B. Visualização esplenorrenal normal de identificação de órgãos. D. Visual ização anormal do quadrante superior direito demonstrando a presença de fluido (sangue). Fonte: Cortesia da foto de John Kendall, MD. F. Visua lização anorma l do quadrante superior esquerdo demonstrando a presença de fluido (sangue). Fonte: Cortesia da foto de John Kendall, MD. (Continua na próxima página) 372 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR NO TRAUMA, OITAVA EDIÇÃO Figura 13-10 O exame FAST tem valor no doente de trauma porque as lesões intra-abdominais mais significativas estão associadas a hemorragia na cavidade peritoneal. Embora o ultrassom não possa diferenciar o tipo de fluido presente, presume-se que todo fluido no doente de trauma seja sangue. Técnica • São obtidas imagens de quatro janelas acústicas (visualizações), três das quais avaliam a cavidade peritoneal: 1. Pericárdica 2. Peri-hepática (espaço de Morrison) 3. Periesplênica 4 . Pélvica • Fluido acumulado aparece anecoico (sonograficamente escuro). *FAST tem sido estudado em diversos sistemas pré-hospitalares.'·" cirúrgica disponíveis anula o objetivo do rápido transpo1te. Em um an1biente rnral onde não há hospital com cirnrgiões gerais na equipe, deve ser considerada a transferência direta para um centro de trauma, seja por terra ou por ar. Urna inte1venção cirúrgica precoce é a chave para a sobrevivência de wn doente instável com trauma abdominal. É obtido o acesso intravenoso (IV) durante o transp01te. A decisão de administrar substituiçãode fluidos cristaloides no trajeto depende da situação clínica do doente. O trauma abdominal representa uma das principais situações na qual é indicada a ressuscitação equilibrada. Conforn1e discutido no capítulo Choque, a administração agressiva de fluido IV pode elevar a pressão aiterial do doente a níveis que podem romper algum coágulo que tenha se formado, resultai1do em recorrência de sangrarnento que havia cessado devido à coagulação sanguínea e hipotensão. Desse modo, socorristas têm que conseguir um delicado equilíbrio: manutenção da pressão arterial que permita pe1fusão a órgãos vitais sem retornar a pressão aitelial ao nonnal ( o que pode reiniciai· locais de sangrarnento no abdômen). Na ausência de LCT, a pressão aiterial sistólica desejada é de 80 a 90 rnrnHg (pressão aiterial média de 60 a 65 mrnHg). Doentes com suspeita de sangran1ento intra-abdominal e urna LCT devem ser mantidos com pressão aiterial sistólica de, no mínimo, 90 nunHg. Considerações especia is Objetos empalados Devido ao trauma adicional que pode causar a remoção de um objeto empalado, e devido ao fato de que a extremidade distal do objeto pode estai· controlando ativamente (tamponmnento) . - • Presença de fluido em uma ou mais áreas indica um exame positivo. Vantagens • Pode ser rapidamente realizado • Pode ser feito ao leito do doente • Não interfere na ressuscitação • É não invasivo • Menos dispendioso que a TC Desvantagens • Resultados comprometidos em doentes obesos, com ar subcutâneo, ou que tenham passado por cirurgia anterior. • Obtenção de imagem depende da habilidade do operador. o sangrarnento, a remoção de um objeto empalado em an1biente pré-hospitalai· é contraindicado (Figura 13-11). O socorrista não deve mover nem remover um objeto empalado no abdômen de um doente. Nos hospital esses objetos não são retirados até que seu formato e localização tenhan1 sido identificados por avaliação radiográfica, e até que a reposição de sangue e equipe cüúrgica estejan1 presentes e prontos. Geralmente esses objetos são retirados na sala de operações. O socorrista pode estabilizai· o objeto empalado, manual ou mecanicamente, pai·a evitai· qualquer outro movünento em can1po e durante o transpo1te. Em algumas circunstâncias pode ser necessário cortar o objeto empalado pai·a livrai· o doente e perrnitÜ' transpo1te pai·a o centro de traun1a. Se houver sangrainento em volta, deve ser aplicada pressão direta com a palma da mão em volta do objeto no felirnento. É imp01tante o apoio psicológico do doente, principalmente se o objeto empalado estiver visível ao doente. Não deve ser feita palpação nem percussão no abdômen desses doentes porque essas ações podem produzir outra lesão de órgão da extremidade distal do objeto. São desnecessá1ios mais exan1es porque a presença de objetos empalados mostra a necessidade de tratamento por um cfrurgião. Evisceração Em un1a evisceração abdominal, uma paite do intestino ou outro órgão abdornü1al é deslocado através de un1 fe1irnento abe1to e se projeta pai·a fora da cavidade abdominal (Figura 13-12). O tecido visualizado geralmente mais visualizado é o omento gorduroso que fica sobre os intestinos. Não devem ser feitas tentativas pai·a se recolocai· o tecido eviscerado na cavidade abdominal. As vísceras devem ser deixadas na superfície do abdômen ou salientes conforme encontradas. Figura 13-11 Faca encravada no abdômen. Fonte: Cortesia de Lance Stuke, MD, MPH. Esforços de tratamento devem se concentrar na proteção contra mais danos do segmento protuberante do intestino ou de outro órgão. A maior paite do conteúdo abdominal exige um ambiente (unido. Se o intestino ou algmn dos outros órgãos abdominais ficai·em seco, ocorrerá 11101te celular. P01tanto, o conteúdo abdominal eviscerado deve ser cobe1to com mn curativo limpo ou estéril que tenha sido umedecido com solução salina (pode ser usada solução salina normal IV). Esses curativos devem ser periodicamente mnedecidos com solução salina para evitm ressecamento. Curativos (unidos podem ser cobettos com 1m1 curativo grai1de, seco ou oclusivo de modo a mailter o doente aquecido. O apoio psicológico é extremainente impmtailte pai·a os doentes com evisceração abdominal, e deve-se ter cuidado pai·a mailter o doente calmo. Toda pressão que munente a pressão dentro do abdômen, como choro, gritos ou tosse, pode forçai· os órgãos ainda mais pai·a fora. Esses doentes devem ser imediatainente trai1spo1tados para uma tmidade com centro cirúrgico. Trauma na doente obstétrica Alterações anatômicas e fisiológicas A gestação causa alterações ai1atônúcas e fisiológicas aos sistemas do organismo. Essas alterações podem afetar os padrões de lesões observadas e tornar a avaliação de tuna doente grávida especialmente desafiadora. O socorrista está lidando com dois ou mais doentes e precisa ter consciência das alterações que ocorreram na anatonúa e fisiologia da mulher ao longo da gravidez. A gestação hmnana normalmente é de 40 semanas, da concepção ao nascimento, e este período gestacional é dividido em três seções, ou trimestres. O primeiro trimestre termina peito da 12" semai1a de gestação e o segm1do trimestre é mn pouco mais longo que os outros dois, ternúnando por volta da semana 28. Após a concepção e implailtação do feto, o útero continua a aumentar até a 38ª semai1a de gestação. Até próximo da 12" semai1a, o útero em crescimento permanece protegido pela pelve óssea. Na 20" semai1a de gestação, a paite superior do útero (ftmdo) está no umbigo, e o fundo se aproxima do processo xifoide na 38ª semana. Essa alteração anatônúca torna o útero e seu conteúdo mais CAPÍTULO 13 Trauma abdominal 373 Figura 13-12 Intestinos eviscerados através de ferimento na parede abdominal. Fonte: Cortesia de Lance Stuke, MD, MPH. suscetíveis a lesão por contusão e lesão penetrante (Figura 13-13). Lesão no útero pode incluir ruptura, penetração, abrn.ptio placentae (quando uma paite da placenta se descola da parede uterina), e ruptura prematura das membranas (Figura 13-14). A placenta e o útero gravídico são altamente vascularizados; lesões a essas estrutmas podem resultar em hemorragia proftmda. A hemorragia também pode ficar oculta dentro do útero e da cavidade peritoneal, e assim não estai· externainente visível. Embora seja evidente wna acentuada protuberância na gestação avai1çada, o resto dos órgãos abdominais permanecem basicamente inalterados, com a exceção do útero. Os intestinos que ficain deslocados superionnente são protegidos pelo útero nos dois últimos trimestres da gestação. O aumento ele tainai1ho e peso elo útero altera o centro ele gravidade da doente e awnenta o risco de quedas. Devido à sua protuberância, o abdômen gravídico quase sempre é lesionado em uma queda. Além dessas alterações anatônúcas, também ocorrem alterações fisiológicas ao longo da gestação. A frequência cai·clíaca ela mulher normalmente aumenta ao longo ela gestação em 15 a 20 batimentos/núnuto acima do nonnal por volta do terceiro trimestre. 14 Isso dificulta a interpretação de taquicai·clia. A pressão aiterial sistólica e cliastólica normalmente cai de 5 a 15 mmHg durante o seg1mdo trimestre, mas geralmente volta ao nonnal com a gestante a termo. 1·1 Na 10ª semairn de gestação, o débito cai·díaco ela mulher amnenta de 1 a 1,5 litro/minuto. Até o pa1to a termo, o volwne de sai1gue da gestailte terá aumentado em cerca de 50%. Deviclo ct 374 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR NO TRAUMA, OITAVA EDIÇÃO esses aumentos no débito ca.rclíaco e volume sanguíneo, a doente grávida pode perder ele 30% a 35% ele seu volume sanguíneo antes que se to1'nem a:pa:rentes sina.is e sintomas ele hipovoleniia. 14 O choque hipovolêmico pode induzir ao paito prematuro em doentes no terceiro trimestre. A oxitocina, liberada jwlto com o hormônio anti.diurético em resposta à perda de volume de sangue circulante, estimula as contrações uterinas. Algumasmulheres podem ter hipotensão significativa quando em posição supina. Esta hipotensão supina da gestação normalmente ocorre no terceiro trimestre e tem como causa a compressão da veia cava pelo útero aumentado. 14 Isso reduz acentuadan1ente o retorno venoso para o coração, e havendo menos enchimento, o débito cai·díaco e a pressão aiterial cleclinan1 (Figura 13-15). As manobras a seguir podem ser usadas pai·a aliviai· a hipotensão supina: Figura 13-13 Altura uterina. A 1. A mulher pode ser colocada no seu lado esquerdo ú)osição ele decúbito lateral esquerdo) ou, se for inclicacla a in10bilização ela coluna ve1tebral, eleve ser colocado 10 a 15 cm ele acolchoamento sob o lado direito da prancha longa (Figura 13-16). 2. Se a doente não puder ser virada ele lado, a perna direita eleve ficar elevada pai·a trazer o útero pai·a a esquerda. 3. O útero pode ser manualmente deslocado para o lado esquerdo ela doente. Essas três manobras diminuem a compressão sobre a veia cava, aumentando o retorno venoso para o coração e aumentando o débito cardíaco. Durante o terceiro trimestre, o diafragma está elevado e pode ser associado a uma clispneia leve, p1incipalmente com a doente em posição supina. A peristalse (movimentos musculares propulsores cio intestino) é mais lenta durante a gestação, podendo restar alin1ento no estômago muitas horas após a refeição. Assin1, a doente grávida tem maior risco ele vômito e aspiração subsequente. Toxemia ele gestação (também conhecida como eclampsia) é uma complicação tarclia ela gestação. Visto que pré-eclmnpsia é cai·acterizada por edema e hipe1tensão, eclampsia é caracterizada por alterações no estado mental e convulsões, assim imitando sintomas ele LCT. Uma cuidadosa avaliação neurológica e perguntas sobre potenciais complicações ela gestação e outras condições clínicas como cliabete conhecido ou histórico ele convulsão são importantes. 11 •12 Avaliação Normalmente, a gravidez não altera as vias aéreas ela mulher, mas pode ocorrer significativa angústia respiratória quando a doente no terceiro trimestre é colocada na posição supina em cima da prai1cha longa. A diminuição ela peristalse cio trato gastrointestinal amnenta a probabilidade ele vômito e aspiração. São avaliadas a clesobstrnção elas vias aéreas e a função pulmonai·, incluindo auscultação ele sons ele respiração e monitoramento ele oximetria ele pulso. e Figura 13-14 Diagrama de trauma uterino. A. Descolamento prematuro da placenta (abruptio placentae). B. Ferimento por arma de fogo no útero. C. útero rompido. Veia cava inferior Figura 13-15 útero a termo comprimindo a veia cava. Figura 13-16 Foto de doente grávida virada de lado. Assim como o hemoperitônio devido a outras fontes, o sangramento intra-abdominal associado à lesão ute1ina pode não causar peritonite durante horas. O mais provável é que a perda de sangue de urna lesão possa ser mascarada pelo aumento de débito cardíaco e volume de sangue da doente grávida. Assim, um alto índice ele suspeita e avaliação para alterações sutis (p.ex. , cor ela pele) podem resultar em in1p01tantes sinais. No geral, a condição do feto quase sempre depende da condição da mãe; no entanto, o feto pode estar em perigo embora a condição da mãe e sinais vitais pareçan1 estar hernodinarnicarnente nonnais. CAPÍTULO 13 Trauma abdominal 375 Isso ocorre porque o organismo desvia o sangue para longe do útero ( e do feto) para os órgãos vitais. Alterações neurológicas devem ser observadas e docmnentadas, embora a etiologia exata possa não ser identificável no an1biente pré-hospitalar. Assim como com urna doente não grávida, a auscultação dos sons do intestino de modo geral não é útil no an1biente pré-hospitalar. Do mesmo modo, desperdiçar minutos valiosos procurando por sons do coração do feto na cena não é prático; a presença ou ausência desses sons não altera o tratamento pré-hospitalar. A genitália externa deve ser verificada quanto à presença de sangran1ento vaginal e eleve-se perguntar à doente se ela sente contrações e movimento cio feto. Contrações podem indicar o início de um paito prematuro, sendo que urna diminuição no movimento fetal pode ser um sinal fatídico de profunda angústia fetal . A palpação do abdômen pode revelai· sensibilidade. Um útero firme, rígido e sensível é sugestivo de descolan1ento prematuro ela placenta, que está associado a sai1gramento vaginal visível em cerca de 70% dos casos. 14 Tratamento Em se tratando de doente grávida lesionada, a sobrevivência do feto pode ser melhor assegurada ao se concentrai· na condição da mãe. Essencialmente, pai·a o feto sobreviver, geralmente a mãe precisa sobreviver. A p1ioridade é garantir uma via aérea adequada acessível e auxiliar a função ventilatória. Deve ser administrado oxigênio suficiente pai·a manter a leitura de oximetria de pulso em 95% ou mais. Pode ser necessária a ajuda com a ventilação, principalmente nos estágios finais da gestação. É prudente esperai· o vômito e ter ferramenta de sucção por peito. Os objetivos do controle do choque são basican1ente os mesmos para todo doente e inclui criteriosa administração de fluido IV, em especial se houver evidência de choque descompensado. Qualquer evidência de sangramento vaginal ou abdômen rígido e duro com sangrainento externo no último trimestre de gravidez pode indicai· descolan1ento prematuro de placenta ou um útero rompido. Essas condições an1eaçam não somente a vida do feto, mas tan1bém a da mãe, pois a hemorragia fatal pode ocorrer rapidan1ente. Não há dados exatos para definir a melhor pressão aiterial pretendida pai·a urna doente grávida lesionada. No entanto, a restauração da pressão aitelial sistólica e média provavelmente resultará em melhor pe1fusão fetal, apesai· do risco ele favorecer outra hemorragia interna na mulher. O transp01te de doente de trauma grávida não deve demorai·. Toda doente de traun1a grávida deve ser rapidamente transp01tada - mesmo aqueles que aparentain ter pequenas lesões - à unidade adequada mais próxima. Uma unidade ideal seria aquela com recursos ci1úrgicos e obstét1icos in1ediatan1ente disponíveis. A devida ressuscitação da doente é a chave para a sobrevivência da mãe e do feto. Lesões geniturinárias Lesões nos rins, ureter e bexiga ocorrem mais frequentemente com hema.tú1'ici (sangue na urina). Este sinal não será notado até que 376 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR NO TRAUMA, OITAVA EDIÇÃO seja inserido um cateter urinário no doente. Como os rins recebem uma significativa paite cio débito cai·clíaco, lesões penetrai1tes ou por contusão a esses órgãos podem resultai· em hemorragia retropelitoneal ele risco à vicia. nesses órgãos, tais lesões estão associadas a uma dor significativa e envolvimento psicológico. Esses órgãos também contêm numerosos vasos sffilgtúneos, e quai1tidades de sangue copiosas podem ser observadas. No geral, tal sangran1ento pode ser controlado com pressão direta ou curativo com pressão. Não devem ser inse1idos curativos na vagina ou na uretra pai·a controlai· o sffilgrainento, principalmente em mulheres grávidas. Se não for necessária a pressão direta pai·a controlai· a hemorragia, essas lesões devem ser cobe1tas com gaze (muda, lin1pa e embebida em solução salina. Qualquer paite an1putada deve ser tratada conforme descrito no capítulo Trauma musculoesquelético. Outras avaliações de todas as lesões genitais devem ocorrer no hospital. Fraturas pélvicas podem estai· associadas a lacerações ela bexiga urinária e das paredes da vagina ou cio reto. Fraturas pélvicas abe1tas, tais como as com profundas lacerações na virilha ou períneo, podem resultar em hemorragia externa grave. O trauma à genitália externa pode ocorrer devido a vários mecffilÍsmos, embora predominem lesões resultantes de ejeção ele mna moto ou um veículo, um acidente industlial, mecanismos do tipo em que se monta em urna sela, ferimento de ain1a ele fogo ou agressão sexual.Devido às numerosas extremidades nervosas • Lesões intra-abdominais em geral são de risco à vida devido à hemorragia interna e cle1Tan1an1ento de conteúdo gastrointestinal na cavidade peritoneal. • A extensão das lesões internas não é identificável no ainbiente pré-hospitalai·; desse modo, o mecaI1ismo de lesão em combinação com sinais de trauma abdonlÍllal deve aumentar o índice de suspeita do socorrista. • O tratan1ento do doente com tramna abdominal inclui oxigenação, controle da hemorragia e rápida imobilização pai·a u·ai1sporte. A imobilização ela coluna vertebral não é necessária pai·a u·auma penetrante do tórax. • A ressuscitação equilibrada com soluções ctistaloicles pernúte a perfusão ele órgãos vitais enquai1to potencialmente núnimiza o risco ele agravainento de hemorragia interna. • Já que a inte1venção cirúrgica de emergência pode salvai· tm1a vida, um doente com u·auma abdonlÍllal deve ser transpmtado pai-a mna unidade com recurso cirúrgico in1ediato. • As alterações anatômicas e fisiológicas da gestação têm in1plicações quanto ao padrão ele lesão, apresentação ele sinais e sintomas ele trauma, e u·atainento ela doente ele trauma grávida. • O tratainento de comprometimento fetal causado por tramna potencial é obtido com a ressuscitação eficaz da doente.
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