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SUMÁRIO 1, Introdução ..................................................................... 4 2. Bases da cinemática do trauma ........................... 6 3. Fatores que influenciam o prognóstico da vítima do trauma ..............8 4. Trauma penetrante X trauma contuso ............... 8 5. Acidentes de automóvel ......................................... 9 6. Acidentes de motocicleta .....................................11 7. Atropelamentos ........................................................12 8. Quedas .........................................................................12 9. Explosões ....................................................................12 Referências Bibliográficas .........................................14 3CINEMÁTICA DO TRAUMA 1, INTRODUÇÃO Compreende-se como trauma qual- quer força externa que resulte em le- são que cause alteração estrutural e/ ou fisiológica no organismo. Constitui assim, um problema de saúde públi- ca, já que é a primeira causa de morte entre jovens e, quando não gera mor- te, deixa muitas sequelas às suas ví- timas. A mortalidade é bastante alta e apre- senta uma distribuição trimodal: • Mortes imediatas – aquelas que ocorrem nos primeiros minutos após o trauma, como consequên- cia de lesões extremamente le- tais. A forma de evitar esse tipo de morte é prevenindo o trauma, prin- cipalmente através de políticas de prevenção de acidentes. • Mortes precoces – aquelas que ocorrem nas primeiras horas que se seguem ao trauma. A maior arma para evitar esse tipo de mor- te é o atendimento inicial rápido e eficiente. • Mortes tardias – aquelas que ocor- rem dias após o trauma, como consequência de complicações do acidente ou do tratamento, como cirurgias. Evita-se esse tipo de morte com atendimento inicial e atendimento intra-hospitalar efi- cientes. Figura 1. Curva trimodal de morte no trauma. Fonte: ATLS, 10ª edição. 4CINEMÁTICA DO TRAUMA A cinemática do trauma é o proces- so de avaliação da cena do acidente para que, por meio dela, seja possível determinar as lesões resultantes das forças e movimentos envolvidos, bem como estimar a gravidade das mes- mas. Para isso pode-se analisar: • Danos no veículo - quanto maior o dano, maior a gravidade das le- sões; • Distância de frenagem - quanto maior, menor foi o impacto da bati- da e menor a gravidade das lesões; • Posição das vítimas - vítima eje- tada tem lesão mais grave que aquela que permanece dentro do veículo, por exemplo; • Uso de cinto de segurança – víti- ma que não fazia uso do cinto no momento do acidente tende a ter mais lesões e mais graves; MAPA MENTAL - EPIDEMIOLOGIA DO TRAUMA TRAUMA MORTES Causa importante de morbidades 1ª causa de morte entre jovens Imediatas Precoces Tardias Prevenção / Conscientização Atendimento inicial rápido e eficiente Atendimento inicial e intra-hospitalar eficientes 5CINEMÁTICA DO TRAUMA Dessa forma, a cinemática do trau- ma é importante para sugerir lesões que não são aparentes, fazendo com que a investigação destas seja feita de forma mais rápida, bem como as intervenções pertinentes, de maneira que o atendimento inicial seja o mais eficiente possível e, assim, a vítima tenha um melhor prognóstico. 2. BASES DA CINEMÁTICA DO TRAUMA Algumas leis e fundamentos da físi- ca embasam a cinemática do trauma. Entenda a seguir: Primeira lei de Newton “Todo corpo em movimento ou em re- pouso tende a permanecer neste esta- do, a não ser que uma força externa haja sobre o mesmo.” Imagine a seguinte situação: Marcos, depois do seu plantão de 24 horas no hospital em que trabalha, dirige rumo a sua casa. Por descuido, cochila, per- de o controle da direção e se choca contra um poste, mesmo após frear bruscamente. Ao bater no poste, o carro para, mas, pela 1ª lei de Newton, o corpo de Mar- cos (que estava em movimento) con- tinua em movimento e só para quan- do colide com algo dentro do carro (painel ou volante). Por sua vez, os órgãos de Marcos continuam em mo- vimento e também só param quando se chocam com alguma estrutura ad- jacente. Dessa forma, o cérebro se choca com a calota craniana e pode sofrer con- cussão ou ruptura de algum vaso. Co- ração e pulmão podem sofrer contu- são pelo mesmo mecanismo. Lei de conservação da energia Marisa estava passando por ali no momento do acidente e percebeu que as rodas traseiras do carro che- gavam a liberar fumaça e a parte an- terior do carro estava completamente amassada. Nenhuma energia se perde, ela é transformada. A energia armazena- da pelo carro em velocidade (energia cinética), na situação analisada, se transformou em energia térmica (libe- rada pela frenagem do carro) e ener- gia mecânica (traduzida pelo dano causado na parte anterior do carro). Dano este que também é transmitido para Marcos, passageiro do carro. Sendo assim: Energia cinética = energia térmica (calor liberado pelos pneus) + energia mecânica (estrago, dano). Efeito de cavitação Marisa se aproxima, conversa com Marcos e verifica que, aparente e fe- lizmente, não houve nada de grave 6CINEMÁTICA DO TRAUMA com ele. Ela é estudante de Medicina e aprendeu o atendimento inicial à ví- tima de trauma no Sanar Flix e, assim, aplicou o ABCDE com excelência. Nenhuma alteração relevante foi no- tada. Na história SIMPLES (SAMPLE), Marcos relatou dor leve em epigástrio. Marisa logo imaginou que poderia ser pelo efeito de cavitação, já que prova- velmente ele chocou essa região no volante. Quando um objeto em movimento colide contra o corpo ou quando este é lançado contra um objeto parado, há transferência de energia e assim, os tecidos são deslocados, criando uma cavidade. Esta pode ser tempo- rária (soco) ou definitiva (projétil de arma de fogo - PAF, arma branca - faca). Provavelmente você já visuali- zou este efeito em vídeos com super câmera lenta. MAPA MENTAL - BASES DA CINEMÁTICA DO TRAUMA CINEMÁTICA DO TRAUMA Tipo de colisão Variáveis analisadas Conceito Teorias que embasam a cinemática Danos ao veículo Distância de frenagem Posição das vítimas Uso de cinto de segurança Processo de avaliação da cena do acidente para que, por meio dela, seja possível determinar as lesões resultantes das forças e movimentos envolvidos, bem como estimar a gravidade das mesmas 1ª Lei de Newton “Todo corpo em movimento ou em repouso tende a permanecer neste estado, a não ser que uma força externa haja sobre o mesmo.” Lei de conservação da energia Energia cinética = energia térmica (calor liberado) + energia mecânica (dano) Efeito de cavitação Quando um objeto em movimento colide contra o corpo ou quando este é lançado contra um objeto parado, há transferência de energia e, assim, os tecidos são deslocados, criando uma cavidade (podendo ser temporária ou definitiva) 7CINEMÁTICA DO TRAUMA 3. FATORES QUE INFLUENCIAM O PROGNÓSTICO DA VÍTIMA DO TRAUMA Fatores pré-colisão • Ingestão de álcool ou outras drogas; • Doenças preexistentes; • Condições ambientais (chuva, ou- tros acidentes em volta); • Idade da vítima. Fatores da colisão • Direção da variação de energia (co- lisão frontal possui energia maior que colisão traseira); • Quantidade de energia transmitida; • Forma como as forças afetaram a vítima. Fatores pós-colisão • Consequências da colisão; • Atendimento rápido e eficiente. 4. TRAUMA PENETRANTE X TRAUMA CONTUSO Um trauma penetrante (ou perfuran- te) é aquele em que é usado um ob- jeto pontiagudo, que concentra toda sua energia em uma ponta e, assim, causa a ruptura da pele. A arma bran- ca (faca) é um exemplo de objeto que pode causar este tipo de trauma. Neste tipo de trauma (com arma bran- ca), é importante saber se o agressor é homem ou mulher. Já que, geralmen- te, homens têm mais força e fazem o movimento de baixo para cima, en- quanto mulheres têm menos força e fazem o movimento de cima para bai- xo. Esse conhecimento prévio ajuda a investigaras estruturas atingidas. Por exemplo, se um homem desferiu uma facada na região superior do abdome de outra pessoa, a faca pode ter atin- gido estruturas também do tórax, já que o movimento provavelmente foi de baixo para cima. Já no trauma contuso, o objeto usa- do geralmente possui grande área e a energia se encontra distribuída por toda a sua superfície e, assim, a lesão ocorre em consequência da pressão que este objeto exerce sobre o corpo. Um exemplo deste tipo de trauma é o choque do tórax ou abdome contra o volante do carro. HORA DA REVISÃO! É essencial relembrar alguns conceitos da Medicina Legal. Objeto é diferente de instrumento. Objeto é o meio utilizado para gerar a lesão: faca, PAF, machado, tesoura, entre outros. Já instrumento é a forma de ação do objeto sobre o corpo, podendo ser perfurante, cortante, con- tundente, perfurocortante, perfuro con- tundente e corto-contuso. Dessa forma, a faca (um objeto) pode se caracterizar como um instrumento cor- tante, perfurante ou perfurocortante a depender da forma com que ela é usada para causar a lesão. 8CINEMÁTICA DO TRAUMA 5. ACIDENTES DE AUTOMÓVEL O acidente entre carros pode ocor- rer de diferentes formas e cada uma pode gerar diferentes lesões aos seus passageiros. Entenda a seguir: Colisão frontal – neste caso, geral- mente a vítima pode se mover para cima e para a frente ou para baixo e para frente. Na primeira hipótese, po- dem ocorrer lesões na cabeça, pes- coço, tórax, abdome, pelve e mem- bros inferiores (MMII). Enquanto que na segunda hipótese, são mais pro- váveis lesões em joelho, coluna ver- tebral, fraturas de fêmur, tíbia, fíbula e pelve, além de lesões em abdome (ruptura de intestino delgado), por cinto de segurança mal posicionado, quando geralmente fica aquela marca característica do cinto na região. • Colisão traseira – a vítima é movi- mentada para frente e para trás, movimento que, sobre o pesco- ço, é conhecido como “chicote” e causa ruptura de partes moles, lu- xação de vértebras e outras lesões cervicais; ademais, pode haver contusão torácica – tanto de cora- ção, quanto de pulmão; fratura de MMII, mas esta não é tão comum quanto na batida frontal. Figura 2. Movimento de chicote durante colisão traseira • Colisão lateral – neste caso, há três mecanismos que podem gerar le- sões: pelo impacto da própria ba- tida, pela porta (que pode aden- trar o carro), pelo choque entre os passageiros. Geralmente a colisão lateral causa: lesão de cervical la- teral (ruptura de partes moles, lu- xação de vértebras), fratura de cla- vícula, ruptura de fígado ou baço (a depender do lado da colisão), lesão de membro inferior (MI) ipsilateral ao choque. • Capotamento – as lesões são di- versas e, geralmente, mais graves, uma vez que a energia é dispersa- da em várias direções, principal- mente quando há várias pessoas no carro e sem cinto de segurança. 9CINEMÁTICA DO TRAUMA MAPA MENTAL - ACIDENTES DE AUTOMÓVEL ACIDENTES DE AUTOMÓVEL Colisão frontal Capotamento Colisão traseiraColisão lateral Movimento para cima e para frente Movimento para baixo e para frente Membros inferiores (MMII) Pelve Abdome Tórax Pescoço Cabeça Joelho Coluna vertebral Fraturas de MMII (fêmur, tíbia, fíbula) Abdome Pelve Região cervical lateral Ruptura de baço ou fígado Fratura de clavícula Membro inferior ipsilateral Múltiplas lesões Pescoço (efeito chicote): luxação de vértebras, ruptura de partes moles Contusão torácica Fraturas em MMII (menos comuns) 10CINEMÁTICA DO TRAUMA 6. ACIDENTES DE MOTOCICLETA Os acidentes com motocicletas pos- suem alto índice de mortalidade e morbidade, uma vez que muitas ví- timas ficam com sequelas, principal- mente por conta do traumatismo cra- nioencefálico (TCE). Tipos de colisão e suas respectivas lesões mais comuns: • Colisão frontal – geralmente o mo- tociclista é ejetado e sofre TCE, principalmente quando se encon- tra sem capacete. Quando não é ejetado, a vítima fica com os pés presos no pedal e sofre fratura de fêmur bilateralmente. • Colisão lateral – a lesão mais co- mum neste caso é o esmagamento de partes moles e estruturas ósse- as de MMII, que pode evoluir para a necessidade de amputação. MAPA MENTAL - ACIDENTES DE MOTOCICLETA ACIDENTES DE MOTOCICLETA Colisão frontal Ejeção Colisão lateral Pés presos nos pedais Traumatismo cranioencefálico (TCE) Fratura bilateral de fêmur Alta morbimortalidade Esmagamento de partes moles e estruturas ósseas de membros inferiores (MMII) Risco de amputação 11CINEMÁTICA DO TRAUMA 7. ATROPELAMENTOS As lesões resultantes de atropela- mentos são diferentes a depender se a vítima é adulta ou criança. O adul- to, geralmente, se vira de costas, so- fre lesões em MMII e é ejetado para cima do capô do carro. Já as crianças costumam receber o impacto de fren- te (por não se virarem), sofrem lesões em abdome, tórax e pelve (por conta da sua altura) e geralmente são proje- tadas para baixo do carro. 8. QUEDAS Alguns fatores influenciam na gravi- dade das lesões causadas por que- das: • Altura: uma queda costuma apre- sentar lesões significativas quando ocorreu de uma altura correspon- dente a 3 vezes ou mais a altura do próprio corpo da vítima. A ex- ceção a isso se aplica a idosos, em que bastam quedas da própria al- tura para causar fraturas ou lesões mais graves, por conta da fragili- dade óssea. • Maneira como caiu: a primeira par- te do corpo que entra em contato com o chão é a que sofre maior im- pacto. Assim, uma pessoa que cai colidindo primeiro com a cabeça no chão tem prognóstico diferente de uma que cai com os calcâneos. • Material do chão: o impacto quan- do a pessoa cai sobre cimento ou pavimento é maior que quando cai sobre areia, por exemplo. 9. EXPLOSÕES A gravidade de uma explosão é men- surada pelo tipo de explosivo (seu poder lesivo depende da energia li- berada) e pelo ambiente em que a explosão ocorreu, já que quanto mais confinado, maiores são as lesões. Entre os mecanismos de lesão se en- contram: o deslocamento de ar (onda de energia), que podem levar à lesão de estruturas ocas (pneumotórax, perfuração de tímpano); estilhaços arremessados (lesões penetrantes ou contusas); queda (arremesso pela energia liberada). 12CINEMÁTICA DO TRAUMA MAPA MENTAL - ATROPELAMENTOS, QUEDAS E EXPLOSÕES TRAUMA Adultos Atropelamentos Quedas Explosões Crianças Arremessados para cima do capô Lesões em membros inferiores Lesões em tórax, abdome e pelve Projetadas para baixo do carro Altura Maneira como caiu Material do chão Gravidade Mecanismos de lesão Deslocamento de ar Estilhaços Tipo de explosivo Ambiente Queda 13CINEMÁTICA DO TRAUMA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS OLIVEIRA, BFM; PAROLIN, MKF; TEIXEIRA, EVJ. Trauma – Atendimento pré-hospitalar. 3ª edição. Ed.: Atheneu, 2014. 14CINEMÁTICA DO TRAUMA SUMÁRIO 1. Introdução e epidemiologia do trauma .............. 3 2. Atendimento inicial ao politraumatizado .......... 4 3. Medidas auxiliares à avaliação primária .........16 4. Considerar transferência .......................................17 5. Avaliação secundária .............................................17 6. Reavaliação ...............................................................17 Referências Bibliográficas .........................................19 3ATLS 1. INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA DO TRAUMA Ao pensar em Trauma, a principal re- ferência é o ATLS (Advanced Trauma Life Support), um manual que siste- matiza a sequência de atendimen- to ao paciente politraumatizado para propor medidas durante a chamada hora de ouro. Breve histórico Em 1976, Dr. James K. Styner, cirur- gião ortopédico e piloto amador, en- volveu-se em um acidente de avião durante um vôo na região de Ne- braska - EUA. O acidente resultou na morte da sua esposa, deixando-o com seus quatro filhos, dos quais três estavam gravemente feridos. Quan- do a equipe de trauma chegou ao local pararealizar o atendimento, Dr. Styner percebeu que a equipe esta- va despreparada e as condutas não obedeciam um padrão adequado. De volta ao trabalho, Dr. Styner fundou o ATLS. Em 1980, o curso foi aprova- do pelo Comitê de Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões e adotado como modelo de atendimento para todo paciente politraumatizado. Distribuição trimodal das mortes no trauma Figura 1: ATLS, 10ª edição. 1º período: Mortes imediatas; Esse período compreende as mortes que acontecem na cena, ou seja, a forma de preveni-la é evitar o próprio acidente, compreendendo medidas de políticas públicas e educação. A principal causa de morte é a apneia, seja decorrente de lesões cerebrais, medulares ou de grandes vasos. 2º período: Mortes precoces (Hora de ouro) São as mortes que ocorrem de mi- nutos a horas após o trauma e onde o médico preparado é capaz de in- 4ATLS tervir priorizando as lesões que ma- tam mais rápido. A principal causa de morte deste período são as perdas sanguíneas (visceral, hemopneumo- tórax, hematomas epi/subdural). 3º período: Mortes tardias Por fim, são as que ocorrem dias ou meses após o trauma, geralmente por um quadro de sepse ou falência de múltiplos órgãos- ou seja, o que pode interferir no prognóstico aqui é a qualidade dos grandes centros de referência. Epidemiologia O trauma mata, em média, 9 pessoas por minuto e até 5,8 milhões por ano, geralmente dos 1 a 44 anos- o que faz com que cerca de 12% dos gas- tos em saúde no mundo sejam volta- dos para o Trauma, excedendo 500 bilhões por ano. Figura 2: ATLS, 10ª edição. 2. ATENDIMENTO INICIAL AO POLITRAUMATIZADO O objetivo do atendimento é prestar suporte médico às vítimas, no intui- to de preservar sua vida. Portanto, o atendimento precisa ser ágil, e por isso, é sistematizado na seguinte se- quência: Fluxograma – Atendimento ao politraumatizado Preparação Triagem Avaliação Primária Reanimação Medidas auxiliares à avaliação 1ª Transferência (se necessário) Avaliação Secundária Medidas auxiliares à avaliação 2ª Reavaliação e Monitorização Tratamento definitivo *Lembrando que as avaliações primária e secundária de- vem ser refeitas frequentemente para garantir a identifi- cação e manejo adequado de todas as lesões da vítima. Preparação Fase pré-hospitalar: Envolve condutas que seguem um protocolo específico (o PHTLS). Essa fase requer que os socorristas abre- viem o máximo a permanência da vítima na cena do trauma e notifi- que o hospital de destino antes de iniciar o transporte, para que os mé- dicos se preparem. 5ATLS SE LIGA! Nesse momento, é importante que o socorrista esteja a par de algumas informações da vítima, como: documen- tação, história do trauma, horário e me- canismo, e eventos relacionados. Fase intra-hospitalar Ela se inicia a partir do momento da notificação dos socorristas, pois con- siste num planejamento antecipado à chegada do paciente por parte da equipe e seu líder. Compreende: 1. Desligar o ar-condicionado da sala de trauma; 2. Promover a proteção da equipe, com máscaras, óculos, luvas e avental impermeável; 3. Área de reanimação; 4. Equipamentos de via aérea (testar todos); 5. Soluções de cristaloides aquecidas; 6. Equipamento para monitorização; 7. Protocolo Onda vermelha Sistema de alarmes localizado na sala de Trauma e, ao ser acionado, emite sinais nos corredores, centro cirúrgi- co, laboratório e radiologia para que o politrauma se torne prioridade em to- dos os setores envolvidos. Triagem Importante quando há mais de uma vítima para classificá-las de acordo com o tratamento necessário e recur- sos disponíveis e, assim, obter uma ordem de prioridade estabelecida. Há 2 tipos de situações de triagem: Múltiplas vítimas Quando os recursos presentes são suficientes para atender a quantida- de total de vítimas e manejar a gra- vidade das lesões. Nesses casos, a prioridade de atendimento são pa- cientes com risco de vida iminente ou traumatismos multissistêmicos. Vítimas em massa O número de vítimas e a gravidade das lesões excedem a capacidade de atendimento. Portanto, têm prio- ridade de atendimento aqueles com maior chance de sobrevida. SAIBA MAIS! Existem alguns protocolos para auxiliar o profissional de saúde a realizar a triagem em situação com diversas vítimas. O protocolo START é um fluxo a se seguir para realizar de maneira rápida e fácil no atendimento pré-hospitalar. 6ATLS PROTOCOLO START Verde Óbito Vermelho > 30 < 30 > 2 < 2 NãoNão Não SimSim Sim Amarelo Vermelho Vermelho Vermelho Enchimento capilar Responde ordens simples Posicionar Via Aérea Respira? Pequenas lesões Deambulam Respira 7ATLS Essa abordagem beseia-se no lema “tratar primeiro o que representa maior ameaça à vida”. Dessa forma, a avaliação inicial prioriza a aborda- gem e tratamento de sistemas numa ordem: ABCDE. Airway + Cervical Spine (Vias aéreas e restrição da coluna cervical) Breathing (Respiração) Circulation (Circulação) Disability/neurological status (Déficit neurológico) Exposure (Exposição) A B C D E ABCDE do Politrauma SE LIGA! E é importante saber que a ordem de prioridade não se baseia no que mais mata, e sim no que mata mais rápido! Outra observação importante é que, apesar dessa segmentação, esse atendimento costuma ser realizado por uma equipe, o que permite que várias etapas sejam avaliadas simul- taneamente. Abordagem inicial A apresentação inicial do médico ao paciente já traz informações im- portantes sobre o estado clínico. Pergunta-se: “Olá, sou médico (a) e estou aqui para te ajudar. O que aconteceu?”. Uma resposta apropriada para esta pergunta já nos traz as informa- ções: a) Não há comprometimento de vias aéreas (A), pois, como ele respondeu, estão pérvias; b) Não há comprometimento da ven- tilação (B), pois, o ar teve que passar para formar a voz; c) Há perfusão suficiente para racio- cinar (C); d) E, por fim, não há diminuição do sensório (D); Agora sim, com essa visão do estado geral do paciente, iniciamos a avalia- ção primária propriamente dita. Letra A - Vias aéreas + restrição da mobilidade cervical Lembra que já falamos que o que mata mais rápido é a apneia? Então vamos entender como checar a per- meabilidade das VA; 8ATLS No paciente consciente: solicita que o paciente abra a boca; No paciente desacordado: realiza manobra de abertura de VA, como o Jaw Thrust (preferencial) ou Chin Lift, sempre mantendo a coluna cervical estabilizada; Figura 3: Jaw Thrust Figura 4: Chin Lift Caso haja de fato obstruindo, qual a conduta? Corpo estranho (CE): retirar com dedo em garra; Sangue/secreções: aspirador de ponta rígida; Não esquecer: todo paciente poli- traumatizado merece receber oxigê- nio suplementar ofertado com más- cara não reinalante, com 12-15L de O2/min. Caso o paciente não tenha capacida- de de manter a via aérea pérvia, uma via aérea definitiva deve ser consi- derada. E como sei quando indicar uma VA definitiva? GCS<9 Risco de obstrução de VA Queimaduras faciais Potenciais inalações Trauma maxilofacial Trauma laríngeo A forma mais fácil de promovê-la é re- alizando uma intubação orotraqueal (IOT). Caso não seja possível, pode- mos optar por uma cricotireoidosto- mia (por punção ou cirúrgica) ou ain- da uma traqueostomia - o importante é não sair da letra A sem resolvê-la! Lesão de árvore traqueobrônquica Apesar de obstrução ser o principal problema que nos deparamos no A, 9ATLS a lesão de árvore traqueobrônquica merece um espaço aqui, pois, ape- sar de mais rara, é potencialmente fatal. Os pacientes que sobrevivem apresentam sinais clássicos ao exa- me físico: hemoptise, enfisema sub- cutâneo, fratura palpável em região cervical e expansibilidade diminu- ída- e o paciente ainda pode acabar entrando num quadro de pneumotó- rax hipertensivo! Diante desse qua- dro, nossa conduta se pauta na ob- tenção de uma VA definitiva, e o paciente deve ser encaminhado ime-diatamente para a cirurgia. Após a avaliação da via aérea, segui- mos com a avaliação do pescoço e restringir o movimento da coluna cer- vical. No pescoço, buscamos os se- guintes sinais: Estase de jugular Enfisema subcutâneo Desvio de traqueia Fratura palpável cervical A melhor forma de restringir o movi- mento cervical é instalando um colar cervical. Porém, você precisa saber quais pacientes realmente precisam SE LIGA! Ao final do A, devemos reali- zar a monitorização do paciente e ofere- cer oxigênio a 100% por meio de uma máscara não reinalante. Envolve: mo- nitorização cardioscópica, oxímetro de pulso e PA não invasiva LETRA B - Ventilação Se passamos pelo A, garantimos que o ar está chegando nos pulmões da vítima. Mas isso não garante a efici- ência das trocas gasosas, e é justa- mente essa oxigenação que avalia- mos no B. • Inspeção: a expansão está simé- trica? • Palpação: há fratura palpável? Crepitação ou dor à palpação? • Ausculta: MV bem distribuído e simétrico? (abolido/reduzido pode indicar pneumotórax/ hemotórax)- • Percussão: se, ao invés do som claro pulmonar (timpânico), estiver maciço pode indicar hemotórax/ hipertimpânico pode indicar pneu- motórax; Podemos, então, juntar essas infor- mações semiológicas com os acha- dos do P e tentar identificar possíveis lesões que prejudicam a ventilação: Pneumotórax hipertensivo Pra começar, pneumotórax significa ar na cavidade pleural. E ele é dito hipertensivo pois cursa com reper- cussão hemodinâmica e seu meca- nismo cria uma válvula unidirecio- nal, que permite apenas a entrada de ar, e não a sua saída. 10ATLS Figura 5: Fonte: ATLS 10 Assim, o grande volume de ar acu- mulado aumenta a pressão torácica, o que reduz o retorno venoso e cau- sa a estase de jugular. E, como tam- bém acaba comprimindo o mediasti- no para o lado contralateral, leva ao desvio de traqueia. Com isso, encontramos timpanismo à percussão e abolição de murmúrios vesiculares na ausculta. Esse conjunto de fatores apresenta- -se em um paciente com dispneia intensa e dor torácica. E nossa con- duta é simples: drenar o conteúdo ga- soso. Fazemos isso através de 2 procedi- mentos: punção de alívio e drenagem torácica. A punção de alívio pode ser realizada com a inserção de uma agulha no quinto espaço intercostal, visando diminuir o acúmulo de ar no espaço pleural para melhorar a venti- lação do paciente. Não é a terapia de- finitiva, posteriormente deve-se reali- zar drenagem torácica. Referencial (para ambos os procedi- mentos): 5º EIC, entre linhas axilares anterior e média; Pneumotórax aberto É aquele provocado por ferimento aberto na parede torácica, que cor- responde a mais de 2/3 do diâmetro da traqueia. O paciente também se apresenta com dispneia e dor torá- cica, mas como o volume de ar costu- ma ser menor, ao exame físico só en- contramos timpanismo à percussão e MV abolidos a ausculta. Figura 6: Fonte: ATLS 10 Quanto a conduta, nesses casos não é indicada a punção de alívio, até por- que já existe uma comunicação entre a cavidade pleural e o meio externo- então realizamos o curativo de três pontas. Ele consiste em um material 11ATLS estéril e retangular que envolva a le- são e seja fixado em 3 dos 4 lados- possibilitando que o ar sob pressão saia pelo lado aberto e, na fase em que o ar deveria entrar na cavidade pleural, o curativo oclui o orifício. Basicamente, nós criamos uma vál- vula unidirecional! Depois, então, o paciente precisa de uma drenagem torácica. Hemotórax maciço Só pela etimologia sabemos que se trata de sangue na cavidade pleu- ral. Considera-se maciço quando o volume é maior que 1,5L. Asseme- lha-se ao pneumotórax hipertensivo, logo, o paciente também se mostra com dor torácica, dispneia, possí- vel desvio de traqueia, macicez (e não timpanismo!) a percussão e abo- lição dos MV, pelos motivos que já falamos acima. É importante ressaltar que a estase de jugular pode estar presente (por conta do aumento da pressão toráci- ca), no entanto pode não estar, afinal, o paciente perdeu muito sangue. E, justamente por essa perda, o pacien- te apresenta sinais de choque. O tratamento também consiste em drenagem torácica, porém, conside- rando o choque associado, realiza-se reposição volêmica. Tamponamento cardíaco É o acúmulo de líquido na cavida- de pericárdica e, como o pericárdio fibroso é pouco elástico, o líquido comprime o coração e limita seu movimento- causando um choque restritivo. Figura 7: Fonte: ATLS 10 Nós identificamos essa condição através do exame físico, pela Tríade de Beck, que é composta por: TRÍADE DE BECK Hipotensão Estase de jugular Abafamento de bulhas cardíacas Mas por quê? Vamos lá: o coração está comprimido, logo seu volume in- terno está reduzido. Isso explica os 2 primeiros sinais: com o volume redu- zido, menos sangue é ejetado, e gera hipotensão. Por outro lado, se menos sangue consegue entrar no coração, 12ATLS há um congestionamento venoso, que fica evidente nas veias jugulares, por serem mais superficiais. Já o abafamento das bulhas ocorre porque a presença do líquido impede a transmissão do som pela parede to- rácica. Estase de jugular Hipotensão Abafamento de bulhas Compressão do coração Reduz retorno venoso Redução fração de ejeçaoLíquido saco pericárdico impede transmissão sonora Tamponamento Volume interno reduzido Para tratarmos essa condição, o ideal seria uma toracotomia de emergên- cia, mas, caso não haja tempo hábil ou profissional capacitado, realiza-se uma pericardiocentese (que é uma medi- da de alívio, ou seja, depois o paciente precisará de uma toracotomia). SE LIGA! Referencial da pericardiocen- tese: 2 cm abaixo e à esquerda do apên- dice xifoide, 45º com a pele e apontando para o mamilo esquerdo. Circulação Na letra B, deixamos a ausculta car- díaca para o final e investigamos a presença de sinais de Choque. Hemorragia O principal objetivo do C é identi- ficar e tratar hemorragias (principal causa de morte pós-traumática evitá- vel)! O ATLS inclusive prega que, uma vez afastado o pneumotórax hiperten- sivo, todo choque no trauma é hi- povolêmico até que se prove o con- trário. Quais sinais indicam que o paciente está em choque? 3Ps: pele, pulso, perfusão. • Pele: pálida e fria. • Pulso: acelerado (taquicárdico) 13ATLS • Perfusão: pelo tempo de enchi- mento capilar, que está alterado se >3s. Outros fatores que também nos aju- dam a identificar um possível choque são: • Hipotensão • Rebaixamento do nível de consci- ência • Débito urinário reduzido OBS: devemos ter uma atenção es- pecial com: • Idosos: possuem capacidade li- mitada de aumentar sua FC em resposta à perda sanguínea, logo podem apresentar choque sem ta- quicardia. • Crianças: possuem uma reser- va fisiológica muito grande e cos- tumam não apresentar sinais de choque; mas, quando descompen- sam, acontece de forma rápida e catastrófica. • Atletas: também possuem meca- nismos de compensação seme- lhantes aos das crianças, e podem inclusive apresentar bradicardia relativa. Resumindo: vamos sempre descon- fiar do estado hemodinâmico normal do paciente! Ao identificar o choque, o que fazer? Obtém-se um acesso venoso peri- férico uni/bilateral calibroso, para, a partir daí, iniciar reposição volêmi- ca com 1L de Ringer Lactato ou SF 0,9% aquecidos e, então, reavaliar a necessidade de continuar a reposição de acordo com a resposta do paciente. OBS. Lembra daquilo que falamos, que todo choque é hipovolêmico/he- morrágico até que se prove o contrá- rio? Logo, sempre repomos volume. Ainda que seja realizada a reposição volêmica, em um paciente chocado, é mandatório investigar a fonte de sangramento. Através de inspeção e/ ou exames de imagem, conseguimos identificar se a hemorragia é externa ou interna. Nos casos de hemorragia externa, fazemos compressão dire- ta e, caso a compressão direta seja ineficaz, pode-se avaliar a necessida- de de realizarum torniquete. Em contrapartida, nos casos de he- morragia interna (que normalmente acomete tórax, abdome, pelve, retro- peritônio e ossos longos), os trata- mentos variam. 14ATLS Essa tabela do ATLS nos mostra a perda estimada de sangue baseada na condição inicial do doente, e o que devemos tirar dela é que a diurese constitui o parâmetro principal para a reposição volêmica adequada- daí a necessidade de fazer uma sondagem vesical. • Classes I e II, não complicadas (perda sanguínea de no máximo 1500ml), costumam estabilizar apenas com infusão de cristaloide., sendo que o de escolha é o Rin- ger Lactato aquecido a 39º- pode usar SF, mas atentar-se à acidose hiperclorêmica, principalmente se disfunção renal associada. • Classe III e IV, com perda sanguí- nea maior que 1500ml, são mar- cadas pela hipotensão, e, portan- to, são candidatos à transfusão e uso precoce de ácido tranexâmico. Contudo, a prioridade é sempre in- terromper o sangramento, por ci- rurgia ou embolização, Disfunção neurológica Aqui avaliamos o sistema nervoso do paciente, o que inclui: • Reatividade das pupilas → bilate- ral; estão isofotorreagentes? • Pesquisar sinais de lateralização → bi hemi/para/tetraplegia? CLASSE I CLASSE II CLASSE III CLASSE IV Perda sanguínea (% da volemia) < 15% até 750 ml 15-30% 1.000- 1500ml ↓ ↑ 30-40% 1.500- 2.000ml > 40% 2.000-3.000ml Pressão sanguínea ↔ ↔ ↔/↓ ↓ Pulso (bpm) ↔ ↔/↑ ↑ ↑/↑↑ Pressão de pulso ↔ ↓ ↓ ↓ Freq. Respiratória (ipm) ↔ ↔ ↔/↑ ↑ Fluxo urinário (ml/h) ↔ ↔ ↓ ↓↓ Glasgow ↔ ↔ ↓ ↓ Necessidade de hemoderivados Monitorar Possível Sim Transfusão maciça Tabela 1: Classificação do Choque hemorrágico 15ATLS • Nível de consciência → bi pode ser causado por trauma no SNC ou por hipoperfusão; logo, ao detectar rebaixamento, é mandatório rea- valiação imediata das VA. E como avaliamos esse nível de cons- ciência? Através da Escala de coma de Glasgow (GCS, em inglês). CRITÉRIO CLASSIFICAÇÃO PONTUAÇÃO Abertura ocular Olhos abertos previamente à estimulação Espontânea 4 Abertura ocular após ordem em tom de voz normal ou em voz alta Ao som 3 Abertura ocular após estimulação da extremidade dos dedos À pressão 2 Ausência persistente de abertura ocular, sem fatores de interferência Ausente 1 Olhos fechados devido a fator local Não testável NT Resposta Verbal Resposta adequada relativamente ao nome, local e data Orientada 5 Resposta não orientada mas comunica- ção coerente Confusa 4 Palavras isoladas inteligíveis Palavras 3 Apenas gemidos Sons 2 Ausência de resposta audível, sem fatores de interferência Ausente 1 Fator que interfere com a comunicação Não testável NT Melhor resposta motora Cumprimento de ordens com duas ações Às ordens 6 Elevação da mão acima do nível da claví- cula ao estímulo na cabeça ou pescoço Localizadora 5 Flexão rápida do membro superior ao nível do cotovelo, padrão predominante não anormal Flexão normal 4 Flexão do membro superior ao nível do cotovelo, padrão claramente anormal Flexão anormal 3 Extensão do membro superior ao nível do cotovelo Extensão 2 Ausência de movimentos dos membros superiores/inferires sem fatores de inter- ferência Ausente 1 Fator que limita resposta motora Não testável NT Tabela 2: Escala de Coma de Glasgow 16ATLS SE LIGA! Pesquisa-se resposta mo- tora “beliscando” o trapézio ou pres- sionando o leito ungueal ou a região supraorbital. O uso de drogas também pode rebaixar a consciência, porém, no trauma, toda alteração de consciência deve ser considerada de lesão no SNC até que se prove o contrário, tá? Quanto à conduta, o que precisamos aqui é evitar lesões secundárias e garantir perfusão adequada ao cé- rebro. No entanto, caso seja nota- do comprometimento nervoso, page neuro! Exposição Para finalizar a avaliação primaria, temos que despir completamente o paciente (cortando as roupas) para procurar lesões externas- e não es- quecer de rotacioná-lo (em monoblo- co) para avaliar o dorso! Nessa etapa é fundamental a atenção a hipoter- mia (o AC já deve estar desligado, como falamos na preparação, mas, se necessário, deve-se cobrir o paciente com mantas térmicas). Figura 8: Fonte: https://www.glasgowcomascale.org/ E agora, nesse momento de mais “calmaria” no atendimento é que se deve realizar os exames de imagem indicados para o quadro do paciente. 3. MEDIDAS AUXILIARES À AVALIAÇÃO PRIMÁRIA Aqui estamos falando de exames e procedimentos que auxiliam na moni- torização do paciente, sendo que na maioria das vezes são realizadas si- multaneamente a avaliação primária; ECG Oxímetro de Pulso Sondagem gástrica Capnógrafo Sondagem vesical Frequência cardíaca Pressão arterial Gasometria arterial Radiografia (série trauma): AP de Tórax e Pelve Tabela 3: Medidas auxiliares à avaliação primária • Sondagem gástrica para esvaziar o estomago e evitar vômitos e bron- coaspiração; • Sondagem vesical para controle do débito urinário; 17ATLS SE LIGA! Também podemos incluir aqui o USG Fast e o LPD, caso haja indicação de pesquisa de sangramento oculto in- tra-abdominal e estejam disponíveis. 4. CONSIDERAR TRANSFERÊNCIA Uma vez acabado o atendimento ini- cial, já colhemos a história e cabe a nós decidir se ele merece transferência para um serviço mais especializado- lembrando que NUNCA devemos transferir um paciente instável. No entanto, havendo necessidade, essa transferência não deve ser atrasada (exceto quando estão realizando me- didas de ressuscitação para estabili- zar o paciente ou para garantir uma transferência segura). 5. AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA Terminado o ABCDE, agora vamos para a avaliação secundária, que con- siste em examinar o paciente de for- ma integral, o que significa realizar o exame físico de todos os sistemas e fazer a anamnese do trauma, que in- clui a história AMPLA: Alergias Medicamentos em uso Passado médico/ prenhez Líquidos e alimentos ingeridos recen- temente Ambiente e eventos do trauma (nes- sa parte é importante colher informa- ção do mecanismo envolvido). OBS. Lembrar que, no trauma, coloca- -se “dedos e sondas em todos os orifí- cios”, logo, não podemos esquecer de realizar o toque vaginal e/ou retal. Medidas auxiliares ao exame secundário Aqui estamos falando de exames diagnósticos mais especializados, com o objetivo de identificar lesões especificas, como TC, ecocardiogra- ma ou broncoscopia, por exemplo. 6. REAVALIAÇÃO Quando chegamos aqui é porque já terminamos o atendimento, mas de- vemos lembrar que esse paciente deve ser reavaliado constantemen- te, para garantir que nenhuma lesão passe despercebida (essencial a ma- nutenção continuada dos dados vitais e diurese horária!). 18ATLS ATLS Desvio de traqueia? Estase de jugular? Enfisema subcutâneo? Colar cervical, se indicado Procurar sinais de obstrução Fratura de laringe Fratura de traqueia Corpo estranho Secreção Via aérea impérvia Manobras Cânula de Guedel Aspiração de VVAA VVAA Avançada Perviedade das vias aéreas Restrição de movimento da cervical Avaliação do pescoço A Buscar lesões com risco imediato à vida Pneumotórax hipertensivo Pneumotórax aberto Hemotórax Maciço Tamponamento cardíaco Lesão de árvore traqueobrônquica Inspeção do tórax Palpação do tórax Ausculta pulmonar e cardíaca Percussão do tórax B Fria? Pálida? Sudoreica? > 3s? Rítmico? Cheio? Filiforme? Tórax, Abdome, Pelve, Ossos longos, Sangramento externo Aspecto da pele Tempo de enchimento capilar Qualidade do pulso Hemorragias C Escala de coma de Glasgow Sinais de lateralização Avaliação das pupilasD Expor completamente Prevenir hipotermia Avaliação do dorsoE MAPA MENTAL: ATLS 19ATLS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Pasha, S. M. How one plane crash changed the way we work. The Netherlands Journal of Medicine. 2017. American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support (ATLS). 9ª ed. Chicago -IL: 2012. American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support (ATLS). 10ª ed. Chicago -IL:2018. 20ATLS SUMÁRIO 1. Trauma Torácico ......................................................... 3 2. Avaliação primária ..................................................... 3 3. Avaliação secundária .............................................15 Referências Bibliográficas ........................................22 3TRAUMA TORÁCICO 1. TRAUMA TORÁCICO As lesões torácicas são uma das mais frequentes no departamento de emergência. Possuem elevado po- tencial de gravidade e alta mortalida- de – variando entre 8,4% e 47,5%, a depender do tipo de trauma. O Trauma torácico é uma das princi- pais causas de morte entre os pacien- tes que chegam com vida ao hospital, no entanto, boa parte dessas mortes poderiam ser prevenidas se houvesse diagnóstico e tratamento adequados. Os principais sintomas relacionados a esse tipo de Trauma são: hipóxia, hipercapnia e acidose, em que a sua avaliação segue o fluxo do atendi- mento inicial ao politraumatizado. SE LIGA! boa parte dos traumatismos de tórax podem ser manejados através de procedimentos simples. Em média, só 10% dos traumas contusos e 15- 30% dos penetrantes requerem abor- dagem cirúrgica. O atendimento inicial do pacien- te com trauma torácico consiste em avaliação primária, estabilização dos sinais vitais – visando principalmente a correção da hipoxemia –, avaliação secundária minuciosa e tratamento definitivo. As lesões ameaçadoras à vida são tra- tadas da forma mais rápida e mais sim- ples possível e a avaliação secundária é orientada pela história e alto indice de suspeita da presença de uma le- são específica. 2. AVALIAÇÃO PRIMÁRIA Vias Aéreas Obstrução de VA A obstrução é um dos principais me- canismos que afetam a VA de um paciente e ela é frequentemente cau- sada por edema, sangramento ou broncoaspiração. Sua avaliação na parte torácica con- siste no próprio exame semiológico: a) Inspecionar a cavidade oral, a fa- ringe e também o tórax para ver se há esforço respiratório; b) Palpar o pescoço e o tórax; c) Auscultar a respiração em busca de creptos ou estertores. Caso seja identificado alguma obs- trução, nossa conduta será remover o conteúdo por aspiração (se for líqui- do) ou com dedo em garra (sólido) e avaliar a necessidade VA definitiva. Lesão Traqueobronquial As lesões na árvore traqueobronquial são raras e potencialmente fatais, in- clusive, a grande maioria dos pacien- tes morre ainda em cena. No entanto, aqueles que conseguem chegar com 4TRAUMA TORÁCICO vida, normalmente se apresentam com o seguintes sintomas: SINTOMAS DE LESÃO NA ÁRVORE TRAQUEOBRONQUIAL Hemoptise Enfisema subcutâneo Pneumotórax Hipertensivo Cianose No final das contas, caso se suspei- te de lesão traqueobronquial, nossa conduta deve ser acionar imediata- mente um cirurgião e promover uma via aérea definitiva no paciente. Ventilação Pneumotórax Hipertensivo O pneumotórax hipertensivo se de- senvolve quando o ar consegue en- trar na cavidade pleural através de um mecanismo de válvula unidirecional, ou seja: o ar entra mas não sai. Dessa forma, o ar começa a se acu- mular, comprimindo o pulmão e em- purrando o mediastino para o lado contralateral. Com toda essa com- pressão, então, o paciente sofre uma redução do retorno venoso e, con- sequentemente, do débito cardíaco, levando a um quadro de choque do tipo obstrutivo. Figura 1. Representação esquemática do Pneumotórax Hipertensivo. Disponível em: ATLS, 9ª edição. 5TRAUMA TORÁCICO Por conta desse grande comprome- timento, o pneumotórax hipertensivo deve ser manejado de forma rápida e, para isso, o primeiro passo será iden- tificá-lo. Como? Através da clínica e, no máximo, uma Ultrassonografia (USG) Fast. Visto isso, os sintomas costumam ser: SINAIS E SINTOMAS DE PNEUMOTÓRAX HIPERTENSIVO Dor Torácica Desvio de traqueia Taquipneia MV abolido Dispneia Tórax elevado (s/ resp.) Desconforto respirató- rio Estase de jugular Hipotensão Cianose (tardio) Uma vez identificado, nossa conduta será O pneumotórax hipertensivo re- quer descompressão imediata e pode ser gerenciado inicialmente por uma Punção de Alívio no espaço pleural. Devido à espessura variável do tórax parede, torção do cateter e outros pro- cedimentos técnicos ou complicações anatômicas, a descompressão da agulha pode não ser bem sucedido. Nesse caso, a “Toracostomia por dedo” (do inglês, Finger Decompres- sion) é uma abordagem alternativa, que quando bem sucedida converte um pneumotórax hipertensivo em um pneumotórax simples. Figura 2. Procedimento de Finger Decompression. Disponível em: ATLS, 10ª edição 6TRAUMA TORÁCICO Murmúrio vesicular diminuído/abolido Hipertimpanismo à percussão Possíveis Tratamentos Iniciais Punção de Alívio no 4/5º EIC ipsilateral Finger Decompression Tratamento Definitivo Toracostomia com drenagem em selo d’água PNEUMOTÓRAX HIPERTENSIVO SAIBA MAIS: PUNÇÃO DE ALÍVIO Avalie o estado respiratório e torácico do paciente. Administre oxigênio de alto fluxo e ventile como necessário. Prepare cirurgicamente o local escolhido para inserção. (Para pacientes pediátricos, o 2º EIC, na linha hemiclavicular é apropriado.) Para adultos - especialmente com subcutâneo mais espesso -, use o 4º ou 5º EIC anterior à linha axilar média, ipsilateral ao lado acometido. Anestesie a área se tempo e fisiologia permitir. Insira um cateter com agulha superior a 5 cm para adultos menores; 8 cm para adultos grandes) com uma seringa acoplada. Direcione a agulha logo acima da costela no EIC, aspi- rando a seringa enquanto avança. (A adição de de solução salina na seringa pode auxiliar na identificação do ar aspirado). Perfure a pleura. Remova a seringa e ouça o escape de ar quando a agulha entra no espaço pleural para indicar alívio da tensão pneumotórax. Avance o cateter para o espaço pleural. Estabilize o cateter e prepare-se para a inserção do tubo no tórax. Pneumotórax Aberto O mecanismo do pneumotórax aberto é um pouco diferente do hipertensivo. Aqui, basicamente, vai haver uma le- são na parede torácica (normalmente ≥ 2/3 do diâmetro da traqueia) co- municando o espaço pleural com o meio externo, o que acaba fazendo com que a pressão intrapleural se iguale com a atmosférica. No entanto, após amabos os proce- dimentos, é mandatório realizar uma Drenagem Torácica no paciente. Sendo que tanto a descompressão com dedo quanto a drenagem tórácica devem ser realizados no mesmo local que a punção de alívio em adultos: 4º ou 5º espaço intercostal (EIC) ante- rior à linha axilar média. 7TRAUMA TORÁCICO Dessa forma, vai haver uma com- pressão do pulmão (e consequente prejuízo para a respiração), mas como o ar vai conseguir entrar e sair, acaba não acontecendo um acúmulo muito grande, que é o que justifica não en- contrarmos aqui o desvio do medias- tino e a congestão venosa, por exem- plo. Mas, então, quais são os sinais dessa condição? SINAIS E SINTOMAS DO PNEUMOTÓRAX ABERTO Dor torácica Taquipneia Dispneia MV abolido Figura 3. Representação esquemática do Pneumotórax Aberto. Disponível em: ATLS, 9ª edição. Então, vamos lá para o manejo! O pri- meiro passo é fechar a lesão que está permitindo a entrada de ar, no entan- to, a gente tem que lembrar que tam- bém é ela que permite a sua saída. Dessa forma, nossa conduta inicial deve ser realizar o chamado Curativo de 3 pontas: colocar um material es- téril sobre a lesão e fixá-lo em apenas 3 dos seus lados, deixando um livre. Por que isso? Porque dessa forma, durante a inspiração o material é su- gado e oclui a entrada do ar, porém, na fase de expiração, o ar empurra o material para fora e consegue sair pelo lado não fixado do curativo. 8TRAUMA TORÁCICO Na sequência, também é mandatório realizar uma Drenagem Torácica no paciente e frequentemente é também necessário o fechamento da lesão do tórax. Hemotórax Maciço Hemotórax corresponde a presença de sangue na cavidade pleural e a gente o classifica como maciço quan- do esse volume de sangue é maiordo que 1500mL ou maior do 2/3 do volume total. A partir daí, o sangue vai se comportar como o ar e compri- mir o pulmão, atrapalhando, assim, o processo respiratório. Figua 4. Indivíduo com pneumotórax aberto e curativo de 3 pontos. Murmúrio vesicular diminuído/abolido Ferida Aspirativa Tratamento Inicial Curativo de 3 pontas Tratamento Definitivo Toracostomia com drenagem em selo d’água Fechamento da Ferida PNEUMOTÓRAX ABERTO 9TRAUMA TORÁCICO Mas aí você pode estar se pergun- tando uma coisa: como é que vamos saber que lá no espaço pleural tem mais de 1,5L de sangue? Bem…real- mente não teremos como saber isso para podermos definir se é ou não um hemotórax maciço, então na prática o que a gente faz é suspeitar e tra- tar essa condição quando o pacien- te apresentar sinais de hemotórax e sinais de choque - afinal de contas, o paciente está perdendo sangue! Então vamos entender um pouco mais dessa condição na letra C! Circulação Hemotórax Maciço Até já entendemos do que se trata o hemotórax maciço, então agora va- mos aprender a reconhecê-lo. A primeira coisa que precisamos ter em mente é que o volume de sangue que vaza para a cavidade pleural difi- cilmente será parecido com o volume de ar em um pneumotórax hiperten- sivo, por exemplo. Ou seja, na maioria das vezes não haverá um desvio de mediastino significativo a ponto de provocar desvio de traqueia e muito menos estase de jugular. SE LIGA! por conta da perda de sangue, a presença de estase de jugular é muito difícil e ela, inclusive, costuma estar co- lapsada. Mas caso haja um hemotórax com esse achado, fique atento pois o paciente pode ter um pneumotórax hi- pertensivo associado! Então só para deixar claro: esses dois sinais podem aparecer, mas não é o comum. Mas o que é clássico, então? Figura 5. Representação esquemática do Hemotórax Maciço. Disponível em: ATLS, 9ª edição. 10TRAUMA TORÁCICO A macicez à percussão e os mur- múrios vesiculares (MV) abolidos, ambos justificados pelo fato de haver líquido no local onde deveria estar o parênquima pulmonar. PNEUMOTÓRAX HIPERTENSIVO HEMOTÓRAX MACIÇO Ausculta Percussão Hipertimpânico Maciço Traqueia Desviada Colapsada Jugular Distendida Colapsada Tórax Expandido e imóvel Móvel Diferencial ente Pneumotórax hipertensivo e Hemotórax maciço Chegado até aqui, então, nos resta agora aprender a manejar essa con- dição. Logo de cara a gente já pen- sa: Drenagem Torácica! Sim…vai ser preciso descomprimir o tórax do paciente. No entanto, não podemos perder de vista que o hemotórax ma- ciço envolver uma perda significativa de sangue e por isso que o indicado é realizar reposição volêmica SIMUL- TANEAMENTE - usando primeiro cristalóides e, logo depois, transfusão sanguínea. SE LIGA! A drenagem imediata de 1,5 ml ou a uma velocidade > 200mL/h por 2-4 horas indicação de Toracotomia Cirúrgica. Se tratando de um trauma penetran- te medialmente a escápula, já liga um alerta: possivelmente houve lesão de estruturas importantes como os gran- des vasos, a região hilar ou mesmo o coração, e tudo isso levaria à toraco- tomia. Murmúrio vesicular abolido Choque Macicez à percussão Tratamento Toracocentese com drenagem em selo d’água HEMOTÓRAX MACIÇO Tamponamento Cardíaco O mecanismo por trás do tampona- mento cardíaco é bem parecido com do hemotórax e do pneumotórax: ba- sicamente vai haver um acúmulo de fluido dentro do saco pericárdico e isso vai comprimir o coração, compro- metendo o seu enchimento e, por ta- bela, o débito cardíaco (ou seja: cho- que restritivo). 11TRAUMA TORÁCICO Figura 6. Representação esquemática de Tampona- mento Cardíaco. Disponível em: ATLS, 9ª edição. Para identificar essa condição, nós vamos procurar pela famosa Tríade de Beck, que consiste em: TRÍADE DE BECK Hipotensão Estase de Jugular Abafamento de bulhas No entanto, a estase de jugular pode não estar presente, por conta da hipo- volemia do paciente, e o abafamento das bulhas cardíacas pode ficar invi- ável de ser identificada no barulho da sala de emergência. É por isso que a gente precisa se atentar para outros sinais de tamponamento que são: OUROS SINAIS DE TAMPONAMENTO CARDÍACO Sinal de Kussmaul Ritmo AESP Aumento da pressão venosa durante inspi- ração Atividade Elétrica Sem Pulso Pode acontecer de confundirmos um tamponamento com um pneumotórax hipertensivo (especialmente se for do lado esquerdo). A grande diferença a gente encontra em dois fatores: a) percussão, em que o pneumotórax se mostrará hipertimpânico; b) ausculta, na qual os MVs estarão presentes bilateralmente se for tam- ponamento. VOCÊ SABIA? A Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP) é um ritmo cardíaco identificado através do ECG que, como o nome já deixa bem claro, se caracteriza pela detecção de atividade elétrica no coração, embora não seja identificado pulso. Essa condição costuma ocorrer em quadros de tamponamento cardíaco, pneumotórax hi- pertensivo, hipovolemia severa e também em rupturas cardíacas. 12TRAUMA TORÁCICO Somado isso tudo, temos que a con- firmação do diagnóstico pode ser fei- ta por meio de uma USG Fast, exame capaz de identificar entre 90 e 99% dos casos. Inclusive: o tamponamen- to pode se desenvolver a qualquer momento, então repetir esse exame é essencial! Enfim…no final das contas, se a gente concluir que o paciente está com um tamponamento, devemos indicá-lo para uma Toracotomia/Esternoto- mia de Emergência e é interessan- te infundir fluido para aumentar um pouco sua pressão venosa e seu dé- bito cardíaco enquanto aguarda a ci- rurgia. Agora, se não houver cirurgião dis- ponível para realizar o procedimento, deve-se optar por realizar uma des- compressão através do procedimen- to de Pericardiocentese, mas aí de- veremos nos atentar para 2 questões: a) a inserção as cegas está muito as- sociada com complicações e por isso é indicado realizar o procedimento guiado por USG; b) esse tratamento não é definitivo e o paciente precisa passar por uma abordagem cirúrgica o quanto antes! São métodos adicionais de diagnós- tico: ecocardiograma e janela peri- cárdica. PCR Traumática A parada cardiorrespiratória prove- niente do Trauma é identificada pela junção de 2 sinais: inconsciência e ausência de pulso. Sendo que no ECG ela costuma se apresentar como AESP, fibrilação ventricular e assistolia. No entanto, vale frisar que uma vez identificada a PCR, não se deve atrasar o mane- jo para obter ECG ou ecocardiogra- ma. Qual deve ser a nossa conduta, então? Iniciar o protocolo de Suporte Avançado de Vida em Cardiologia (ACLS). A sistematização do ACLS para o manejo da PCR traumática consiste em iniciar imediatamente a reanima- ção cardiopulmonar (RCP) e, conco- mitantemente, seguir uma sequência de prioridades muito parecida com a do ATLS, que é o ABCD: ABCD DO ACLS A Via aérea Intubação Orotraqueal B Ventilação Oximetro de pulso e Capnográfo C Circulação ECG, AVP e Epinefrina (1mg) D Diagnóstico 5 Hs e 5 Ts 13TRAUMA TORÁCICO Tendo visto, então, temos que o flu- xograma da abordagem desses pa- cientes se inicia com a RCP fechada associada ao ABCD pregado pelo ACLS. Se isso já for bem sucedido e fizer o paciente voltar à circulação normal, a gente segue o atendimento normal. Caso contrário, está indicado a reali- zação de descompressão torácica bilateral. Isso pode ou não resolver a parada do paciente. Caso resolva, devemos realizar Drenagem Torácica e seguir o atendimento normal. No entanto, se não resolver, o indicado é seguir para uma abordagem cirúrgica, com a re- alização de uma Toracotomia (Ante- roposterior ou de Clamshell) com Pe- ricardiotomia. Dessa forma, poderemos determinar se a causa da parada foi uma lesão cardíaca ou uma hipovolemia severa e aí, a depender do que definir- mos, seguiremos por vias diferen- tes. Havendo lesão cardíaca, a conduta deve ser reparar o coração, o que já é suficiente para acabar com a parada. Porém, pode acontecer do pacientecontinuar em PCR e aí nossa última tentativa é realizar massagem cardí- aca interna e/ou aplicar choque elétri- co internamente. Se mesmo assim o paciente não voltar em até 30min de ressuscitação, devemos considerá-lo morto. Por outro lado, se a questão toda for uma hipovolemia severa, nos- sa abordagem envolverá o clampea- mento de vasos envolvidos e a repo- sição através do acesso venoso. Caso o paciente continue em parada: massagem interna e/ou choque elé- trico internamente. Se ele não voltar em até 30min, deve ser considerado morto. 14TRAUMA TORÁCICO MANEJO DE PCR TRAUMÁTICA PCR PCR PCR PCR PCR RCE RCE Descompressão bilateral de tórax Manejo normal Hemostase (clam, loop) Manejo normal Clampear Aorta descendente Drenagem Torácica RCP Fechada (via aérea, massagem cardíaca externa, IOT, oxigênio 100%, acesso venoso, fluidos, Epinefrina) Toracotomia (anteroposterior ou Clamshell) e Pericardiotomia vertical (corrige tamponamento se tiver) Lesão Cardíaca Controle da lesão cardíaca (cardiotomia) e reparo do coração Hipovolemia Severa Continuar reposição pelo acesso venoso Continuar reposição pelo acesso venoso Morte depois de 30 min de ressuscitação e T> 33°C Lesão Cardíaca Abdome 15TRAUMA TORÁCICO 3. AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA Ao longo de toda a avaliação primá- ria, nós só estávamos nos preocupan- do com as lesões de risco iminente à vida e que, portanto, precisavam ser manejadas imediatamente. Ao chegar na avaliação secundária, no entanto, nós mudamos um pouco o foco e agora vamos nos preocupar em diagnosticar as lesões potencial mente ameaçadoras à vida. E para diagnosticá-las, precisamos monito- rar o paciente: • Contusão Cardíaca • Ruptura Aórtica • Ruptura Diafragmática • Ruptura Esofágica por Trauma Contuso Pneumotórax Simples O pneumotórax simples resulta da entrada de ar no espaço pleural e, na maioria das vezes, isso devera de uma lesão no pulmão que permite a passagem do ar para esse espaço. Contudo, é importante a gente se atentar de que a quantidade de ar aqui não é tão grande, então tem uma compressão do pulmão, mas não cos- tuma ser suficiente para deslocar me- diastino, por exemplo. A partir disso, a identificação des- sa condição é feita por meio da per- cussão hipertimpânica, da ausculta com MV abolidos e também pela identificação de um tórax elevado e sem movimentos respiratórios. E para tratar? Drenagem Torácica com posterior radiografia de tórax para confirmar o posicionamento do tubo. SE LIGA! Atenção! O que não fazer an- tes da drenagem: anestesia geral, ven- tilação com p + e transporte aéreo. AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA Exame Físico Exames Radiológicos ECG Oximetria de Pulso Gasometria Arterial Radiografia de tórax USG fast Tomografia Computadorizada Visto isso, então, temos que são 8 as principais condições para as quais devemos nos atentar: • Pneumotórax Simples • Hemotórax • Tórax Instável • Contusão Pulmonar 16TRAUMA TORÁCICO Hemotórax O hemotórax (não maciço) consiste no acúmulo de menos do que 1,5L de sangue no espaço pleural. As principais causas para essa condição são as la- cerações de pulmão, de grandes vasos, de vasos intercostais, entre outros. Contudo, no final das contas esses sangramentos tendem a ser autolimi- tados, de modo que o paciente pode apresentar percussão maciça, aus- culta com MV abolidos e também sinal de trauma penetrante. Uma vez identificados tais sinais, de- ve-se solicitar radiografia de tórax e a conduta será a Drenagem Torácica com tubo de 28-32 French. Tórax Instável e Contusão Pulmonar Tórax instável e contusão pulmonar são 2 condições diferentes e que podem aparecer de forma indepen- dente. E por que estamos juntando as duas aqui? Por nosso manejo será praticamente igual! Então primeiro vamos entender do que cada uma delas se trata. Bem…o tórax instável, também co- nhecido retalho costal móvel, advém de fraturas em 2 pontos da costela e em duas ou mais costelas adjacentes, ou então pode ser decorrente de uma luxação de articulações costocondrais. Esse tipo de lesão acaba criando um retalho na parede torácica, que se move de forma independente e opos- ta ao restante da caixa óssea (então enquanto a parede torácica se expan- de, o retalho se retrai e vice-versa). Figura 7. Representação esquemática de Tórax Instável. Disponível em: ATLS, 9ª edição. 17TRAUMA TORÁCICO Já a contusão pulmonar, por sua vez, é como se fosse um hematoma dentro do pulmão. Normalmente de- pois de um trauma contuso, sangue e outros fluidos se acumulam no tecido pulmonar, interferindo na respiração e causando hipóxia no paciente. Para identificar essas condições a gente deve buscar por hipóxia, es- forço respiratório e também fazer uma radiografia de tórax. SE LIGA! Cuidado: a radiografia pode não ser útil na identificação de retalho costal móvel por luxação da articulação costocondral. Por fim, nossa conduta será adminis- trar oxigênio umidificado, adequar a ventilação, iniciar reposição volê- mica e anestesiar o paciente. Mas atenção com 2 coisas: a) Antes de começar a reposição é importante avaliar se o paciente tem sinais de hipotensão, caso ele não te- nha, essa reposição deve ser com cui- dado, controlando para não infundir muito volume e acabar atrapalhando ainda mais o processo de respiração; b) A anestesia pode ser feita com narcóticos por via intravenosa ou de forma localizada por bloqueio de nervo (que é a mais indicada pois os narcóticos podem deprimir o sistema respiratório). Contusão Cardíaca Cerca de 50% das contusões cardí- acas ocorrem por conta de acidente de carro, atropelamento, acidente de moto ou queda de mais de 6m, sendo que as principais repercussões desse tipo de Trauma são: • Contusão do músculo cardíaco • Ruptura cardíaca • Dissecção de artéria coronária • Lesão valvar Dessa forma, o paciente costuma se apresentar com hipotensão e des- conforto torácico. No entanto, o diagnóstico preciso é feito através do ECG com disritmia e do ecocardio- grama alterado. SE LIGA! A disritmia pode ocorrer de forma súbita e por isso é preciso moni- torar o paciente nas primeiras 24h. Respiração Paradoxal Dispneia Dor ventilatório-dependente Hipoxemia Tratamento Oxigenoterapia Analgesia Reposição Volêmica TÓRAX INSTÁVEL 18TRAUMA TORÁCICO Ruptura Aórtica A ruptura de aorta é uma lesão normal- mente causada por acidente automo- bilístico e na grande maioria das vezes ela leva à morte de forma imediata. Figura 8. Representação esquemática de Ruptura Aór- tica. Disponível em: ATLS, 9ª edição. No entanto, alguns pacientes podem ter uma ruptura incompleta da aorta ou o sangramento vazar apenas para dentro do mediastino, o que permite a formação de um hematoma que o contenha. Como vamos identificar essa condi- ção? Esse é o problema. A ruptura de aorta não apresenta sinais e sintomas específicos, então a gente acaba li- gando o alerta apenas com a história de desaceleração. Dessa forma, o seu diagnóstico é fei- to com base nos achados radiológi- cos, sendo que os exames solicitados podem ser 2: a TC e a radiografia de tórax. A TC é o melhor exame nesse caso, mas é importante a gente atentar de que ela é contraindicada caso o pa- ciente esteja hemodinamicamente instável e é justamente aí que entra a radiografia, que pode se apresentar com uma série de sinais: SINAIS DE RUPTURA DE AORTA Mediastino Alargado Obliteração do cajado Desvio de traqueia (p/ D) Desvio de esôfago (p/ D) Brônquio-fonte E baixo Brônquio-fonte D elevado Hemotórax à esquerda Obliteração do espaço entre A. Pulmonar e Aorta Derrame extrapleural apical Fratura de escápula ou primeiros arcos costais Alargamento de faixa paratraqueal Alargamento das inter- faces para espinhais Uma vez tendo sido feito o diagnós- tico, o tratamento dessa condição é com o cirurgião e consiste na sutura da lesão, ou então na colocação de enxerto. 19TRAUMA TORÁCICO Ruptura Diafragmática A ruptura diafragmáticapode ser gerada tanto por um trauma pene- trante quanto por um trauma contu- so, sendo que ela é mais facilmente identificada quando ocorre do lado esquerdo, até porque o fígado acaba dificultando o acesso a esse músculo pelo lado direito. Figura 9. Representação esquemática de Ruptura Diafragmática. Disponível em: ATLS, 9ª edição. Normalmente, o principal achado que fala a favor dessa condição é a elevação da cúpula diafragmática e isso a gente pode confirmar através de uma radiografia ou de uma TC. Caso nenhum desses exames consi- gam identificar a ruptura, aí pode ser necessário solicitar um radiografia contrastada. Métodos diagnósticos minimamente invasivos também podem ser úteis aqui, como é o caso da laparoscopia e da toracoscopia SE LIGA! Caso se suspeite de uma ruptura diafragmática do lado esquer- do, é indicado realizar uma sondagem gástrica no paciente e checar se o tubo aparece no tórax. Se aparecer, pode- mos confirmar a presença da ruptura e não será necessário expor o paciente ao contraste. 20TRAUMA TORÁCICO Por fim, o tratamento dessa condição é o reparo direto do tecido muscular. Ruptura Esofágica por Trauma Contuso O trauma mais comum a acometer o esôfago é o penetrante. Contudo, mesmo sendo raro, o contuso tam- bém pode acontecer e ele é poten- cialmente fatal se não for reconheci- do. Normalmente esse tipo de lesão ocorre quando o paciente sofre uma expulsão forçada do conteúdo gástri- co pelo esôfago. Toda a força envolvida nesse meca- nismo acaba provocando lesões li- neares na musculatura esofágica, permitindo que o conteúdo caia no mediastino e/ou no espaço pleural, causando, respectivamente, medias- tinite e empiema. O diagnóstico é suspeitado quando se encontra ar no mediastino e pode ser confirmado por meio de uma ra- diografia contrastada. Já o tratamento, por sua vez, consiste na drenagem do conteúdo perdido e no reparo direto da lesão. 21TRAUMA TORÁCICO MAPA MENTAL RESUMO Cirúrgico Drenagem Curativo de 3 pontas PNEUMOTÓRAX HIPERTENSIVO TRAUMA TORÁCICO TÓRAX INSTÁVELHEMOTÓRAX MACIÇO TAMPONAMENTO CARDÍACO PNEUMOTÓRAX ABERTO TratamentoSintomas Desvio de Traqueia Estase de Jugular Hipotensão Dispneia Expansibilidade Simétrica Drenagem de Tórax Punção de alívio Definitivo Imediato Sintomas Tratamento Retalho costal móvel Dor Intensa Analgesia SintomasTratamento Pericardiocentese Hipotensão Bulhas abafadas Estase de Jugular Tríade de Beck SintomasTratamento Dispneia Ferida “aspirante” Sintomas Tratamento Sinais de Choque hipovolêmico Hemotransfusão Cirúrgico 22TRAUMA TORÁCICO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support (ATLS). 9ª ed. Chicago - IL: 2012. American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support (ATLS). 10ª ed. Chicago - IL: 2018 23TRAUMA TORÁCICO SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Mecanismo do trauma ............................................. 5 3. Avaliação no trauma abdominal ........................18 4. Diagnósticos específicos.......................................19 Referências bibliográficas .........................................24 3TRAUMA ABDOMINAL 1. INTRODUÇÃO O trauma abdominal é o traumatismo causado diretamente na região ab- dominal ou que repercuta em lesões de estruturas abdominais. O abdome é limitado superiormente pela região inferior do tórax; anteriormente, pe- los arcos costais; lateralmente, pelas linhas axilares anteriores e, inferior- mente, pelos ligamentos inguinais e sínfise púbica. Lesões abdominais e pélvicas não diagnosticadas continuam sendo causa importante de mortalidade no contexto do trauma, sendo ainda considerada uma causa evitável. Por esse motivo, é indispensável saber reconhecer e avaliar um paciente po- litraumatizado para o reconhecimen- to de possíveis lesões abdominais ou pélvicas. SE LIGA! Qualquer paciente que sofreu trauma no tronco, por impacto direto, desaceleração brusca ou por ferimentos penetrantes no tronco, deve ser consi- derado portador de lesão vascular, de víscera abdominal ou víscera pélvica até que se prove o contrário. CONCEITO! O trauma abdominal é o traumatismo causado diretamente na região abdominal ou que repercuta em lesões de estruturas abdominais. Nesse contexto, o mecanismo de trauma, forças de lesão, local do fe- rimento e a condição hemodinâmi- ca determinam a prioridade e guiam os métodos de avaliação abdomino- -pélvicas. Antes de explorarmos a avaliação ao paciente com possível trauma abdo- mino-pélvico, vamos relembrar con- ceitos da anatomia do abdome essen- ciais para o entendimento desse tema. O abdome é parcialmente delimita- do superiormente pela parte infe- rior do tórax. O abdome anterior é delimitado pelos arcos costais, supe- riormente, e lingamentos inguinais e sínfise púbica inferiomente. Lateral- mente, é delimitado pelas linhas axi- lares anteriores. A maioria das vísceras ocas podem ser atingidas diante de um trauma na região abdominal anterior. A transição toracoabdominal se lo- caliza abaixo da linha transmamilar, anteriormente; linha infraescapular, posteriormente; e arcos costais, su- periormente. Embora essa área tenha proteção pelo ossos do tórax, ela in- clui o fígado, o baço, o diafragma e o estômago. Na expiração completa, o diafragma se eleva ao 4ºespaço intercostal (EIC). Assim, fraturas dos arcos costais ou traumas penetrantes abaixo dos ma- milos podem causar lesões a órgãos abdominais. O flanco se localiza entre as linhas axilares anterior e posterior, infe- 4TRAUMA ABDOMINAL riormente ao 6º EIC e superiormente à crista ilíaca. A parede abdominal dessa região tem uma musculatura mais forte, que dificulta lesões pene- trantes. Já o dorso é a área localizada entre as linhas axilares posteriores, infe- riormente às pontas das escápulas e superiormente à crista ilíaca. Tam- bém é protegida por músculos que atuam como barreira para lesões pe- netrantes. O flanco e o dorso contém órgãos retroperitoneais – o retroperitôneo é o espaço posterior ao revestimento peritoneal abdominal – e nele se lo- calizam estruturas como veia cava inferior, parte do duodeno, pâncreas, rins, ureteres e segmento posterior dos cólons ascentente e descenten- de, além dos órgãos retroperitoneis da cavidade pélvica. Lesões nestes órgãos frequentemen- te são de difícil identificação, devido ao exame físico difícil nessa região. Tam- bém, nas fases iniciais, essas lesões podem cursar sem sinais ou sintoma de peritonite. Por fim, outra dificulda- de é que a LPD (lavagem peritoneal diagnóstica) e o ultrassom FAST não avaliam tão bem essa região devido às suas particularidades anatômicas. Por mim, a cavidade pélvica é limi- tada pelos ossos pélvicos, consistin- do na parte inferior dos espaços in- tra e retroperitoneais. Nessa região, encontramos a bexiga, o reto, vasos ilíacos e, nas mulheres, os órgãos do trato genital superior. Figura 1. Anatomia do abdome – ATLS, 9ª edição. 5TRAUMA ABDOMINAL 2. MECANISMO DO TRAUMA A compreensão do mecanismo do trauma facilita a identificação e o tra- tamento das lesões. Logo, convém perguntar ao paciente ou, se não for possível, aos acompanhantes, pa- ramédicos ou pessoas presentes na cena sobre como ocorreu o trauma. Trauma fechado O trauma fechado ocorre sem que haja penetração ou abertura da parte do corpo envolvida no trauma. Pode causar esmagamento ou compressão de vísceras abdominais e pélvicas, com eventual deformação dos órgãos e ruptura – causando hemorragias, e contaminação com conteúdo intesti- nal – gerando peritonite. No trauma fechado, os órgãos mais acometidos são o baço (40% a 55%), o fígado (35% a 45%) e o intestino delgado (5 a 10%). Em 15%, há he- matoma retroperitoneal. O cisalhamento é um tipo de esma- gamento causada quando um dispo- MAPA MENTAL ANATOMIA ABDOMINAL Abdome anterior Cavidade pélvicaTransição toracoabdominalDorsoFlanco ANATOMIA PÉLVICO- ABDOMINAL Linha axilar anterior Ligamentos inguinais e sínfise púbica Arcos costais Ossos pélvicos Cristas ilíacas Pontas das escápulas Linhas axilares posteriores 6º EIC Linha axilar anterior Linha axilar posterior Crista ilíaca Linha transmamilar Linha infraescapular Arcos costais 6TRAUMA ABDOMINAL sitivo de segurança é usado inade- quadamente, causando estiramento de estruturas orgânicas. Há ainda as lesões decorrentes das forças cau- sadas por desaceleração brusca, gerando movimentos em sentidos opostos de vísceras. Na prática, ocor- rem em quedas de alturas significati- vas, batidas de carro, acidentes com moto, bicicletas, e nos quais há ejeção da vítima do carro NA PRÁTICA! Paciente LMO, 28 anos. Encontrado in- consciente, preso nas ferragens do car- ro após colisão frontal com poste. Após estabilização inicial no hospital, foi rea- lizado tomografia computadorizada que evidenciou edema cerebral importantes, com lesão axonal difusa e he- morragia subaracnoidea. No Brasil, existe alta mo- bimortalidade associada a acidentes de trânsito, e é comum a ocorrência de traumas fechados nes- sas situações. Acidentes em que há desaceleração brusca, como em batidas, podem gerar trauma cau- sado pelo cinto de segu- rança. Ainda, principalmen- te quando o cinto não está em uso, há a possibilidade de a vítima ser arremessa- da para fora do carro, cau- sando uma forte ejeção. Figura 2. Sinal do cinto de segurança. Fonte: dispo- nível em http://www.saudedireta.com.br/docsuploa- d/1332281789cap_16_trauma_abdome.pdf. Último acesso em 17 fev. 2020. Trauma penetrante O trauma penetrante é causado quando há corte e laceração da pele e tecidos subjacentes. Ferimentos por arma branca e projéteis de arma de fogo (PAF) são exemplos principais. 7TRAUMA ABDOMINAL Em lesões por arma branca, as es- truturas mais atingidas são o fígado (40%), intestino delgado (30%), o diafragma (20%) e o cólon (15%). Já ferimentos por PAF mais frequen- temente atingem o intestino delga- do (50%), o cólon (40%), o fígado (30%) e vasos abdominais (25%). Já as explosões podem causar trauma por diferentes mecanismos, tanto por fragmentos que penetram a vítima como por lesões contusas resultantes do impacto ou da ejeção. Ainda po- dem apresentar lesões pulmonares ou de vísceras ocas devido à onda de choque. Por esses motivos, pacientes vítimas de explosão devem manter o médico alerta para traumas contusos e penetrantes. SAIBA MAIS! Projéteis de arma de fogo vão aumentando o nível de lesão à medida que penetram o tecido. Parece contraintuitivo, afinal ele está “diminuindo sua velocidade até se alojar em algum te- cido”, mas o efeito da cavitação e a possível fragmentação do projétil devem ser levados em consideração. SAIBA MAIS! Em 6 de setembro de 2018, o então candidato às eleições presidenciais, Jair Bolsonaro, fazia cam- panha eleitoral em Juiz de Fora (MG) quando so- freu um golpe à facada na região do abdome. Você com certeza deve se lembrar disso. O então candidato foi levado para a Santa Casa da Misericórdia de Juiz de Fora, onde foi realiza- da uma laparotomia, chegando a entrar em cho- que hipovolêmico e sendo necessária internação na UTI - tendo havido uma perda de 2,5 litros de sangue. Inicialmente, suspeitava-se de lesão he- pática; posteriormente, no entanto, constatou-se lesão no cólon transverso. Foi ainda necessária uma colostomia temporária, para que o intestino pudesse cicatrizar e evitar possíveis infecções. Figura 3: Fonte: “6 de setembro de 2018: um dia para entrar na história”, revista Veja. Disponível em: https:// veja.abril.com.br/politica/facada-bolsonaro-um-ano/. Acesso em 18 dez 2020. 8TRAUMA ABDOMINAL Agora vamos a uma situação hipoté- tica de um politraumatizado em cho- que. Como sabemos que a lesão é causada por trauma abdominal ou pélvico? A história e o exame físico dão as pistas para esse diagnóstico e, quan- do for recorrer a exames comple- mentares, estes precisam ser rápi- dos devido à instabilidade do doente. Se o paciente estiver estável e sem peritonite, pode-se lançar mão de exames complementares repetidos para identificação mais precisa das lesões. História A história deve incluir relatos que ajudem a identificar o mecanismo do trauma. Em acidentes de trânsito, a velocidade, a forma da colisão dos veículos envolvidos, a intrusão de partes do veículo no compartimen- to dos passageiros, os dispositivos de contenção, acionamento de air- bags, a posição do doente no veícu- lo e suas condições são informações que contribuem para a compreensão do mecanismo do trauma ocorrido. Se o paciente tiver sofrido uma queda, a altura é uma ótima informação para estimar a velocidade de desacelera- ção. Sinais vitais, lesões aparentes e resposta ao tratamento pré-hos- pitalar também podem ser forneci- das pela equipe de resgate. Em caso de trauma penetrante, a distância entre a vítima e o agres- sor, o tipo de arma, o tempo decor- rido, número de facadas ou tiros e a quantidade de sangue perdida são pontos importantes a serem explo- rados na história. Semelhantemen- te, quando a lesão foi causada por explosão, a distância da vítima ao local à explosão prediz a intensidade do dano causado e idealmente deve constar na história do paciente. 9TRAUMA ABDOMINAL Exame físico O exame físico abdominal deve ser minucioso e bastante detalhado, se- guido de forma sistemática em inspe- ção, ausculta, percussão e palpação – nesta ordem. Seguidamente, analisar estruturas pélvicas como a estabilida- de pélvica, bem como examinar a ure- tra, períneo, reto, vagina ou glúteos. • Inspeção: o doente deve estar, em condições ideais, totalmente des- pido. Inspecionar o tronco e o períneo em busca de contusões e abrasões causados por disposi- tivos de conteção – como o cinto de segurança. Lacerações, feridas penetrantes ou corpos estranhos empalados, eviscerações e se há evidência de gravidez. O flanco, perineo e escroto devem ser exa- minados à procura de sangue no meato uretral, edemas, hemato- mas ou lacerações, que sugerem fratura pélvica exposta. Após a inspeção, cobrir o paciente com cobertores para evitar a hipo- termia, que contribui para coagulo- patia e hemorragia. • Ausculta: buscar minuciosamente os ruídos hidroaéreos, que podem estar ausentes quando há sangue ou conteúdo gastrintestinais livre intraperitoneais. No entanto, esse significado não é específico, e é mais útil quando está ausente no início e se torna presente quando se examina outra vez posterior- mente. MAPA MENTAL HISTÓRIA Acidente de trânsito Queda Sinais vitais Lesões aparentes Condições do paciente Comorbidades Intrusão do veículo Acionamento de airbags Posição da vítimaVelocidade Forma de colisão Intrusão do veículo Forma de impactoAltura HISTÓRIA 10TRAUMA ABDOMINAL • Percussão e palpação: a percus- são abdominal pode demonstrar sinais de irritação peritoneal, por gerar movimento no peritôneo. Mas o importante é: se houver sinal de irritação peritoneal, ne- nhuma outra manobra para iden- tificar irritação deve ser executa- da, para evitar dor desnecessária. A defesa abdominal involuntária pode dificultar o exame, mas é um sinal confiável de irritação peri- toneal. A palpação auxilia a diferenciar dor superficial da dor profunda. Além disso, pode identificar presença de útero gravídico e estimar a idade ges- tacional. Em homens, é de extrema importân- cia fazer a palpação da próstata. O deslocamento cranial dessa sinaliza uma fratura pélvica importante! • Avaliação da estabilidade da pel- ve: pelo fato de a hemorragia pél- vica grave ocorrer rapidamente, sua identificação precoce é muito importante para o desfecho. Hipo- tensão inexplicável pode ocorrer como único sinal de ruptura grave de pelve, com instabilidade pélvi- ca no complexo posterior dos liga- mentos. A instabilidade do anel pélvico deve ser considerada em caso de vítimascom fratura pél- vica e hipotensão, se não hou- ver outra fonte de sangramento explicável. Ao exame físico, os achados que indicam fratura pél- vica incluem evidência de ruptura da uretra (sangue no meato ure- tral, hematoma escrotal e desloca- mento cranial da próstata), de dis- crepância entre o comprimento dos membros inferiores, ou de- formidade rotacional da perna sem fratura óssea. Nesses do- entes, manipular manualmente a pelve pode ser prejudicial e desen- cadear o desprendimento de um coágulo, ocasionando hemorragia adicional. Caso haja necessidade, pode-se manipular a pelve apenas uma vez no exame físico. Mas fique atento, não faremos essa manobra no caso de hipotensão, choque ou fratura exposta óbvia. A hemipél- ve instável migra cranialmente e apresenta rotação externa, devi- do às forças da musculatura e ao efeito da gravidade. Nesses casos, o bom senso é sempre necessário. Figura 4. avaliação da estabilidade pélvica. Fonte: ATLS, 9ª ed. Ao manipular, observamos se as cris- tas ilíacas são pegas e a hemipelve instável é rotacionada para dentro (in- 11TRAUMA ABDOMINAL ternamente) e, posteriormente, para fora (externamente). Essa é a ma- nobra de distração e compressão. Se há rompimento de ligamentos posteriores, a hemipelve também pode ser empurrada cranialmente ou puxada caudalmente. Por fim, anormalidades neurológicas ou feri- das abertas no flanco, no períneo e no reto podem evidenciar instabili- dade do anel pélvico. Se apropriado, é bom valer-se de uma radiografia na incidência antero-posterior (AP). • Exame da uretra, do períneo e do reto: sangue no meato uretral, equimose ou hematoma no es- croto e períneo sugerem forte- mente uma lesão na uretra. No trauma fechado, avaliamos o tô- nus esfincteriano e a integridade da mucosa retal, determinamos a localização da próstata (seu des- locamento cranial sugere ruptu- ra uretral) e identificamos fraturas nos ossos pélvicos. No trauma pe- netrante, o exame retal avalia o tô- nus esfincteriano retal e busca le- sões penetrantes no intestino. • Exame vaginal: lacerações podem ocorrer tanto por ferimentos cau- sados por ossos fraturados como por traumas penetrantes. O exame só deve ser realizado na suspeita de lesão. • Exame dos glúteos: essa região se estende da crista ilíaca às pre- gas glúteas. Lesões penetrantes nessa região se associam a lesões intra-abdominais importantes em até 50% dos casos. Ferimentos por arma branca ou PAF se asso- ciam a ferimentos intra-abdomi- nais, os quais devem ser buscados e reconhecidos. 12TRAUMA ABDOMINAL MAPA MENTAL EXAME FÍSICO Ausculta Palpação PercussãoInspeção Contusão Abrasões Laceração Feridas penetrantes Corpos estranhos Fratura pélvica Eviscerações Sangue no meato uretral Edema Hematoma Laceração Deformidade rotacional Discrepância de comprimento entre MMII Flanco, períneo, escroto Ruídos hidroaéreos Dor superficial x dor profunda Homens: palpar próstata Buscar sinais de irritação peritoneal Exame físico 13TRAUMA ABDOMINAL Medidas auxiliares no exame físico Sondas gástricas e urinárias fre- quentemente são inseridas na avalia- ção inicial. Devendo atentar-se para não inserir sonda de Foley em caso de hematoma perineal e deslocamento cranial da prostata. Evitar também in- serir sonda nasogástrica em doentes com fratura na porção média da face, preferir a orogástrica. A sondagem vesical alivia a retenção urinária, auxilia na descompressão da bexiga para realizar o LPD e é usa- da para monitorar o débito urinário como um índice de perfusão tecidu- al. Hematúria macroscópica sinaliza trauma no trato urinário ou genital e de órgãos intra-abdominais não re- nais. Contudo, a ausência de hema- túria não descarta a existência dessa lesão. Logo, incapacidade de micção espontânea, fratura pélvica instável presente, sangue no meatro uretral, hematoma escrotal, equimose peri- toneal ou próstata deslocada cranial- mente obrigam o médico a realizar um uretrograma retrógado para confirmar a integridade da uretra antes da inserção da sonda. Outros estudos USG FAST e LPD: Pacientes hemo- dinamicamente instáveis devem ser rapidamente avaliados, e isso pode ser feito ou pelo ultrassom FAST ou pelo LPD. A única coisa que contrain- dica realizar esses exames é se o pa- ciente já for realizar uma laparotomia. O FAST é um dos dois exames diag- nósticos mais rápidos para identificar hemorragia. No FAST, detecta-se a presença de hemoperitônio. O USG tem especificidade, sensibilidade e acurácia na detecção de líquido in- tra-abdominal comparável à LPD. Assim, o ultrassom é rápido, não-in- vasivo, preciso e barato para diag- nosticar essa condição, podendo ain- da ser repetido. As indicações do FAST são as mes- mas do LPD. As imagens devem se obtidas do: 1. Saco pericardial, 2. Espaço hepa- torrenal, 3. Espaço esplenorrenal e 4. Da pelve ou do fundo de saco de Douglas. Figura 5: Ultassom FAST. Em 1, avalia-se o saco pe- ricárdico; em 2, o espaço hepatorrenal; no 3, o espaço esplenorrenal e, o 4, a pelve ou o fundo de saco de Douglas. Fonte: ATLS, 9ª ed. Uma vez realizado o primeiro exame, pode-se repetir novamente em 30 14TRAUMA ABDOMINAL minutos, o que permite detectar he- moperitônio progressivo. A obesidade, presença de enfisema subcutâneo e cirurgias abdominais prévias dificultam a visualização. Já a Lavagem Peritoneal Diagnósti- ca também é rápida em identificar a hemorragia. Apesar de invasiva, pode diagnosticar eventual lesão em vísce- ra oca. Tem sensibilidade alta para detec- ção de sangue intraperitoneal. Em relação às indicações da USG FAST e do LPD, deves ser realiza- dos no doente com instabilidade hemodinâmica e trauma fechado, podendo ainda ser útil no trauma pe- netrante. O LPD também é indicado no hemodinamicamente estável com trauma fechado quando a To- mografia Computadorizada (TC) e o FAST não estiverem disponíveis. Caso um destes esteja disponível, ra- ramente utilizaremos a LPD nesses casos, por ser mais invasiva. Contraindicações relativas incluem cirurgias abdominais prévias, obe- sidade mórbida, cirrose avançada e coagulopatia pré-existente. Já pacientes hemodinamicamente estáveis requerem exames comple- mentares na presença de quais- quer dos seguintes sinais: altera- ção do sensório (potencial de lesão cerebral, intoxicação alcoolica ou uso de drogas ilícitas); mudança na sen- sibilidade (lesão potencial da coluna vertebral); lesão de estruturas adja- centes; exame físico duvidoso; previ- são de perda prolongada de contato com o paciente, como anestesia geral ou exames de imagem ou com sinal do cinto de segurança (contusão da parede abdominal) com suspeita de lesão intestinal. Radiografias para trauma abdomi- nal: radiografia AP do tórax é reco- mendada em todo doente com trau- ma fechado multissistêmico. Casos hemodinamicamente instáveis com trauma penetrante não necessitam de triagem radiográfica na sala de emergência. Já o doente hemodina- micamente estável com trauma pe- netrante acima da cicatriz umbilical ou lesão toracoabdominal suspeita, o raio-X de tórax pode ajudar a des- cartar hemotórax, pneumotórax ou ainda, pneumoperitôneo. Pacientes estáveis com trauma pe- netrante podem ter seus orifícios de entrada e saída marcados com objetos metálicos, para que a ra- diografia de abdome em posição supina permita visualizar o trajeto do objeto ou a presença de pneumope- ritôneo. Radiografia AP pélvica: pode escla- recer a origem da perda de sangue em doentes instáveis e naqueles com dor pélvica. O doente desper- to, alerta e sem dor não precisa de radiografia pélvica. 15TRAUMA ABDOMINAL A fácil aspiração de sangue, conteú- do gastrointestinal, fibras vegetais ou bile através do cateter em doen- tes hemodinamicamente instáveis indica laparotomia. Se não houver grande quantidade de sangue (< 10 mL) ou conteúdo gastrintestinal aspirados, faz-se uma lavagem com 1000 mL de so- lução cristaloide isotônica aquecida.Faz-se uma mistura adequada do conteúdo peritoneal com a solução, movimentando o paciente, e colhe- -se o líquido e envia para análise. O teste é considerado positivo se vier mais de 100.000 glóbulos verme- lhos por mm³, 500 ou mais glóbu- los brancos por mm³ ou detecção de bactérias pelo método de gram. Se positivo, a laparotomia é indicada. Quanto à tomografia computadori- zada, há necessidade de transporte do doente. É necessário contraste en- dovenoso e requer o exame do abdo- me superior e inferior, além do tórax in- ferior e da pelve. Como leva um tempo, é necessária a estabilidade hemodi- nâmica do paciente e que não haja in- dicação de laparotomia de urgência. A TC evidencia lesões de órgãos es- pecíficos e sua extensão. Detecta le- sões de órgãos retroperitoneais e pél- vicos, cuja avaliação por exame físico, FAST ou LPD é díficil. Contraindicações relativas incluem de- mora para obter tomógrafo, doente pouco colaborativo e que não pode ser sedado com segurança e aqueles alérgicos a contraste iodado, se con- traste iônico não estiver disponível. Pode deixar passar certas lesões gas- trintestinais, diafragmáticas e pan- creáticas. Logo, exame com norma- lidade nessas estruturas mas com líquido livre na cavidade abdominal sugere presença de lesões do trato gastrintestinal ou mesentério. Mui- tos consideram indicação de laparo- tomia. Figura 6: Tipos de fraturas da pelve. Fonte: ATLS – 9ª ed. 16TRAUMA ABDOMINAL Alguns exames contrastados podem também auxiliar no diagnóstico se houver suspeita de lesões específicas, mas não podem atrasar o tratamento de doentes hemodinamicamente ins- táveis. São eles: uretrografia, cisto- grafia, uografia excretora e estudo contrastado do tubo digestivo. A uretrografia deve ser realizada an- tes de inserir a sonda vesical em doentes com suspeita de ruptura uretral. Já a ruptura de bexiga in- tra ou extraperitoneal se avalia me- lhor por cistografia ou cistografia na TC. Lesões suspeitas no sistema urinário são melhor avaliadas por TC com contraste e, se não disponível, urografia excretora. A visualização radiográfica dos cálices deve ocorrer após 2 minutos da infusão de con- traste e o não funcionamento unila- teral indica ausência de rins, trombo- se, avulsão da artéria renal ou grave comprometimento do parênquima re- nal. Assim, perante a ausência de um dos cálices, realizar uma TC, arterio- grafia ou mesmo cirurgia. Lesões retroperitoneais isoladas de órgãos gastrintestinais podem não cursar com peritonite e não serem detectadas pelo LPD. TC com con- traste, exames contrastados do trato gastrintestinal ou exames de avaliação biliopancreática devem ser realizados na suspeita de lesão em algum desses órgãos. MAPA MENTAL ESTRUTURAS MAIS ATINGIDAS ESTRUTURAS MAIS ENVOLVIDAS Trauma fechado Trauma penetrante Fígado Intestino delgado Baço Arma branca PAF Intestino delgado Fígado Cólon Intestino delgado Vasos abdominais Diafragma 17TRAUMA ABDOMINAL LPD FAST TC Vantagens Diagnóstico precoce Realização rápida Sensibilidade = 98% Detecta lesão intestinal Dispensa transporte Diagnóstico precoce Não invasivo Realização rápida Pode ser repetido Sensibilidade: 86-97% xwDispensa transporte O mais específico para definir a lesão Sensibilidade 92-98% Não é invasivo Desvantagens Invasivo Pouco específico Não diagnostica lesões no diafragma e peritô- neo Operador-dependente Gases intestinais e enfise- ma subcutâneo atrapalha imagens Pode não diagnosticar le- sões do diafragma, intesti- no e pâncreas Alto custo Realização demorada Pode não identificar lesões do dia- fragma, intestino e algumas lesões pancreáticas Necessário transporte Indicações Trauma fechado instável Trauma penetrante Trauma fechado instável Trauma fechado estável Traumas penetrantes de dorso e flanco MAPA MENTAL EXAMES PRINCIPAIS Aberto Instável Estável LPD/FAST Laparotomia Dispensa RX FAST TC RX Abdominal Tórax se acima do umbigo ou toracoabdominal Instável Estável LPD/FAST Laparotomia FAST ou TC LPD se não disponíveis FECHADO 18TRAUMA ABDOMINAL 3. AVALIAÇÃO NO TRAUMA ABDOMINAL A avaliação inicial do trauma abdomi- nal não visa essencialmente identifi- car o órgão acometido, mas sim se há indicação de laparotomia. De maneira geral, a indicação para laparotomia em doentes com trau- ma abdominal incluem: • Trauma abdominal fechado com hipotensão e FAST positivo, ou evidência clínica de hemorragia in- traperitoneal; • Trauma abdominal fechado ou pe- netrante com LPD positiva; • Hipotensão associada a ferimento abdominal penetrante; • Ferimentos por PAF que atraves- sam a cavidade peritoneal ou o compartimento visceral/vascular do retroperitônio; • Evisceração; • Hemorragia do estômago, reto ou trato genitourinário por ferimento penetrante; • Peritonite; • Ar livre, ar peritoneal ou ruptura do hemidiafragma; • TC com contraste evidenciando le- são do TGI, lesão intraperitoneal da bexiga, lesão do pedículo renal ou lesão parenquimatosa grave após trauma contuso ou penetrante. Caso o paciente com trauma não se enquadre nesses critérios, as opções incluem exame físico seriado e LPD se for ferimento toracoabdominal e da parede anterior. Ferimentos toracoabdominais assintomáticos, com possíveis lesões diafragmáticas e de vísceras superiores podem ser tratados com exame físico seriado, LPD, toracoscopia, laparoscopia e TC. Em ferimentos no flanco e no dor- so, TC com duplo ou triplo contras- te é útil. Vale lembrar que ferimentos tangen- ciais por PAF frequentemente não são tangenciais de verdade. Além disso, concussão ou explosão podem gerar ferimento intraperitoneal mesmo sem penetração. Para doentes relativamente assin- tomáticos, as opções diagnósticas incluem exame físico seriado por 24 horas, LPD ou laparoscopia diag- nóstica. Apesar de o FAST positivo ser útil, o FAST negativo não exclui a possibilidade de lesões com produ- ção de líquido livre intraperitoneal mí- ninimo. O exame físico acurado é tra- balhoso, mas tem 94% de acurácia. Já a LPD pode dar diagnóstico preco- ce em pacientes sem sintomas, e tem acurácia de 96% quando positivo. Em ferimentos do flanco e do dor- so, a espessura protege os órgãos dos ferimentos por PAF, e menos dos causados por arma branca. Embora a laparotomia seja uma opção razoável 19TRAUMA ABDOMINAL para todos estes doentes, exame físi- co seriado, LPD e TC com duplo ou triplo contraste são opções menos invasivas. Naqueles com ferimen- to posterior à linha axilar anterior, que começam assintomático e cur- sam com sintomas, o exame físico seriado é muito preciso em identificar lesões retro e intraperitoneais. Em casos raros, lesões retroperito- neais são deixadas passar por exa- me físico seriado e TC. Por isso, após 24h de observação, deve-se fazer um acompanhamento ambulatorial precoce. Se houver evidência de que o doente vai ser transferido para outra unidade, exames demorados – incluindo a TC – não devem ser realizados. MAPA MENTAL EXAMES PRINCIPAIS Indica laparotomia? TRAUMA ABDOMINAL Toracoabdominal Toracoabdominal ou parede anterior Flanco e dorso Exame físico seriado, LPD, toracospcopia, laparoscopia ou TC. Exame físico seriado ou LPD Exame físico seriado, TC com duplo ou triplo contraste 4. DIAGNÓSTICOS ESPECÍFICOS Lesões diafragmáticas: o hemidia- fragma esquerdo é o mais comu- mente atingido, tipicamente a região posterolateral. O diagnóstico deve ser suspeitado em qualquer feri- mento toracoabdominal e avalia- do pela radiografia inicial do tórax, podendo ser confirmado com lapa- roscopia, laparotomia e toracoscopia. Anormalidades no raio-x inicial in- cluem elevação ou borramento do hemidiafragma, hemotórax, apa- gamento da imagem do diafragma por substância gasosa ou presen- ça de sombra gástrica no tórax. Em uma parcela pequena, no entanto, o raio x pode estar normal. Lesões duodenais: classicamente a ruptura duodenal é encontrada em pacientessem cinto de segurança que sofreram lesão frontal, ou golpe direto no abdome – como guidom de bicicleta. Sangue no aspirado gás- trico ou de ar retroperitoneal na ra- diografia ou na TC abdominal deve levantar a suspeita. Se o paciente for de alto risco para essa lesão, estudo com exames do sistema digestivo 20TRAUMA ABDOMINAL são necessários: estudo radiográfi- co contrastado do tubo digestivo alto ou TC com duplo contraste. Lesões pancreáticas: resultam geral- mente de golpe direto no epigástrio, que comprime o pâncreas contra a co- luna vertebral. A amilase sérica pode não estar aumentada, assim como amilase elevada pode traduzir lesão extra-pancreática. No entanto, amila- se sérica seriada que aumenta pro- gressivamente deve gerar investiga- ção adicional. O TC duplo contraste pode ser usado mas pode não identifi- car o trauma imediatamente – nas pri- meiras 8h, portanto, deve ser repetido posteriormente se houver suspeita de lesão pancreática. Em caso de dú- vida, indica-se laparotomia. Lesões genitourinárias: a avaliação do trato urinário com TC deve ser re- alizada em casos de trauma no dorso ou flancos que cursem com equimo- se ou hematoma, e em casos de he- matúria macro ou microscópica em doentes com: trauma abdominal pe- netrante, trauma abdominal fechado com episódio de hipotensão e lesões intra-abdominais associadas em pa- ciente com trauma abdominal fecha- do. Hematúria micro e macroscópica com episódio de choque sugerem trauma abdominal não-renal. TC com contraste endovenoso pode identificar e documentar a extensão da lesão re- nal por trauma fechado. Trombose de artéria renal ou ruptura do pedículo se- cundária a desaceleração brusca são raras, nas quais a hematúria pode estar ausente e o paciente apresentar inten- sa dor abdominal. A urografia excreto- ra, TC e arteriografia renal pode auxiliar no diagnóstico de ambas. Uma fratura pélvica anterior geralmente está pre- sente quando há lesão na uretra. Em relação a esta, sua ruptura pode ser su- perior (posterior) ou inferior (anterior). Lesões na uretra posterior se associa a traumas multi-sistêmicos, já em re- lação à uretra anterior, pode ocorrer isoladamente. Lesão de vísceras ocas: lesões contusas de intestino acontecem geralmente com desaceleração brusca, especialmente nos casos de uso incorreto do cinto de segurança. Deve-se suspeitar dessas lesões quando houver hematomas ou equimoses lineares ou transversos (si- nal do sinto de segurança) ou uma fra- tura lombar com desvio detectada na radiografia (fratura de Chance). Pode haver queixa de dor abdominal, mas em alguns casos o diagnóstico é difícil, espe- cialmente porque tais ferimentos intesti- nais podem gerar hemorragia interna. Lesões de órgãos sólidos: lesões no fígado, rins e baços que cursem com choque, instabilidade hemo- dinâmica ou evidência de hemor- ragia ativa indicam laparotomia de urgência. Se o paciente estiver he- modinamicamente bem, pode ser tratado clinicamente. Internam-se esses doentes para avaliação por ci- rugião e observação. Fraturas pélvicas e lesões associadas: fraturas pélvicas acompanhadas de 21TRAUMA ABDOMINAL hemorragia sugerem ruptura dos li- gamentos ósseos posteriores por fra- tura e/ou luxação sacral. A ruptura do anel pélvico pode romper o plexo venoso pélvico e ramos da artéria ilíaca interna. Além disso, o deslocamento vertical da sacroilíaca pode também romper a vas- cularização ilíaca e causar sangramen- to extenso. A mortalidade de pacientes com fratura de anel pélvico chega a 1 em cada 6 pessoas, logo essas lesões precisam ser rapidamente identificadas e tratadas. Em fraturas pélvicas abertas, a mortalidade atinge 50%. Ainda em relação às fraturas pélvicas, os quatro padrões de força são: com- pressão anteroposterior, compres- são lateral, cisalhamento vertical ou uma combinação destes. Compres- são anteroposterior pode ser causada por colisões de moto, atropelamento, esmagamento direto e queda de al- turas superiores a 3,6 metros. Além do “descolamento” da sínfise púbica, rompem-se ligamentos ósseos poste- riores, causando fratura e/ou luxação sacroilíaca ou fratura sacral. A aber- tura do anel pélvico pode causar san- gramento pelo complexo venoso pél- vico posterior. Já lesões traumáticas por compressão lateral ocorrem geral- mente em acidentes automobilísticos causando rotação interna da pelve e comprimindo o volume pélvico. Ge- ralmente não ameaçam a vida. Já um cisalhamento vertical pode romper li- gamentos sacroespinhosos e sacrotu- berosos, causando instabilidade pélvi- ca. Ocorrem muito em quedas. O tratamento da fratura pélvica grave com hemorragia deve incluir o con- trole da hemorragia e a reanimação com líquidos. O controle hemorrági- co pode ser feito através da estabili- zação mecânica com anel pélvico, o que não requer muitos recursos e pode ser feito mesmo em hospitais mais simples, devendo preceder a eventual transferência do paciente. A tração longitudinal é considerada um método de primeira linha. A rotação in- terna de membros inferiores também ajuda podendo reduzir o volume pél- vico, já que nessas lesões há rotação externa da hemipelve. Um lençol, cinta pélvica ou outros dispositivos podem ser utilizados e aplicados no nível dos trocânteres maiores dos fêmures para estabilização pélvica. Atentar para dis- positivos muito apertados, que podem causar lesões na pele e úlceras em proeminências ósseas. Para o tratamento definitivo do do- ente com alterações hemodinâmicas, é necessário cirurgiões do trauma e ortopédicos, além de um radiologista intervencionista. A embolização ra- diográfica é a melhor opção na he- morragia ativa secundária a fraturas pélvicas. Por fim, como para o tratamento des- ses doentes são necessários muitos recursos, é necessária a transferência para um centro de trauma. 22TRAUMA ABDOMINAL MAPA MENTAL LESÕES ESPECÍFICAS Pancreáticas LESÕES ESPECÍFICAS GenitourináriasDuodenais Lesões de vísceras ocasDiafragmáticas Fraturas pélvicas Lesões de órgãos sólidos TC duplo contraste Aumento progressivo da amilase sérica Uretra anterior = pode ser isolado Uretra posterior -> trauma multi-sistêmico Desaceleração brusca Sinal do cinto de segurança ou Fratura de Chance Instabilidade indica laparotomia de urgência Reanimação Controle da hemorragia - estabilização Embolização radiográfica Suspeitar em trauma toracoabdominal Hemidiafragma E Raio-x = exame inicial Sangue no aspirado gástrico Ar retroperitoneal (TC ou RX) 23TRAUMA ABDOMINAL Trauma fechado TRAUMA ABDOMINAL História Penetrante Exame físico Anatomia abdominopélvica Principais exames Fígado Intestino delgadoBaço Arma branca PAF Intestino delgado Fígado Inspeção -> Ausculta -> Percussão -> Palpação Homens: palpar próstata Atentar para fratura pélvica Vasos abdominais Diafragma Intestino delgado CólonMecanismo do trauma Esmagamento AtropelamentoAltura da queda Desaceleração TC Laparotomia FAST LPD RX Abdome anterior Dorso Pelve Transição toracoabdominal MAPA MENTAL RESUMO 24TRAUMA ABDOMINAL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Advanced Trauma Life Support – ATLS. 9ª edição, 2012. MOORE C., COPEL J., “Point-of-care Ultrasonography”, N Engl J Med 364;8. 2011. Vladimir Platonov. Agência Brasil, disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noti- cia/2018-09/medica-diz-que-bolsonaro-perdeu-25-litros-de-sangue-apos-facada. Aces- so em 18 fev 2020. “6 de setembro de 2018: um dia para entrar na história”, revista Veja. Disponível em: https:// veja.abril.com.br/politica/facada-bolsonaro-um-ano/. Acesso em 18 dez 2020. 25TRAUMA ABDOMINAL SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Fisiopatologia .............................................................. 3 3. Classificação ................................................................ 6 4. Morfologia .....................................................................8 5. Atendimento ..............................................................10 6. Manejo..........................................................................14 7. Terapia ..........................................................................20 8. Morte encefálica .......................................................23 Referências bibliográficas .........................................26 3TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO 1. INTRODUÇÃO O Trauma Cranioencefálico, famoso TCE, é o tipo mais comum de Trau- ma e, na grande maioria dos casos, o paciente acaba morrendo antes mes- mo de chegar ao hospital - aliás, cer- ca de 90% das mortes em ambien- te pré-hospitalar se devem a lesões cerebrais. Por outro lado, entre aqueles pacientes que sobrevivem, uma alta taxa acaba ficando com sequelas, que afetam suas atividades sociais e profissionais. Juntando tudo isso, então, o TCE aca- ba tendo um grande impacto sobre a saúde pública e é justamente por isso que precisamos compreendê-lo. 2. FISIOPATOLOGIA Para entendermos a fisiopatologia envolvida por trás de um TCE, nós precisamos trabalhar 2 pontos: • Pressão Intracraniana (PIC) • Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC) Pressão Intracraniana (PIC) A primeira coisa que precisamos ter em mente é de que o crânio é como uma caixa óssea e, portanto, inca- paz de se expandir. A partir disso, o volume de conteúdo no seu interior acaba determinando o valor da PIC - que, quando normal, fica em torno de 10mmHg. Em cima disso daí, podemos supor que caso o volume de conteúdo au- mente, a PIC também irá aumentar. E esse raciocínio está certo, no entanto, existe um mecanismo compensató- rio que precisa ser “vencido” antes de notarmos qualquer alteração na PIC. Então vamos entender qual é ele. Bem…esse mecanismo é explicado através da Doutrina Monro-Kellie, que distribui o conteúdo intracrania- no em 4 categorias: sangue veno- so, sangue arterial, cérebro e LCR (Líquido Cefalorraquidiano). Então, a partir do momento em que alguma coisa começa a aumentar o volume dentro do crânio, a compensação é feita comprimindo o sangue venoso e o LCR para fora, de modo a manter o volume constante e a PIC normal. 4TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO Figura 1. Doutrina Monro-Kellie. Disponível em: ATLS, 9ª edição. Se o volume extra continuar crescen- do, no entanto, haverá um momento em que esse mecanismo já não será mais suficiente e a PIC começará a aumentar vertiginosamente podendo levar, inclusive, a herniação da mas- sa encefálica. A partir daí, o paciente começa a apre- sentar um quadro de hipertensão in- tracraniana (HIC) que pode progredir e se tornar grave, a partir de quando ele costuma se apresentar através da chamada Tríade de Cushing: Figura 2. Representação do “efeito chicote” em contra- golpes. Disponível em: https://bit.ly/2TuCxZr. TRÍADE DE CUSHING Bradicardia Hipertensão Arterial Alteração de Ritmo Respiratório 5TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC) A outra questão com relação à fisio- patologia do TCE é o fluxo sanguíneo cerebral (FSC), que pode sofrer redu- ções por conta do trauma, podendo até mesmo levar o paciente a um es- tado de coma. No final das contas, o importante é termos em mente que baixos níveis de fluxo sanguíneo cerebral podem não ser adequados para suprir as de- mandas metabólicas do cérebro e aí isso vai ter uma série de repercussões sobre o paciente. Mas será que também não há um mecanismo compensatório aqui? Até tem, mas agora a compensação é fei- ta pelos capilares, que são capazes de fazer vasoconstrição e vasodilata- ção de acordo com o valor da PAM. SAIBA MAIS! Uma pausa só para lembrarmos que a pressão de perfusão cerebral (PPC) pode ser encon- trada usando a seguinte fórmula: PPC = PAM - PIC Sendo que a PAM se autorregula entre 50 e 150mmHg para manter o FSC constante. No entanto, pode acontecer de a le- são ser tão grave que acaba impossi- bilitando esse mecanismos compen- satório e aí, nesses casos, a dinâmica será diferente: • PAM elevada = Aumento da PIC • PAM diminuída = Infarto/Isquemia Com base nisso, o nosso grande ob- jetivo no atendimento inicial de um paciente com TCE é aumentar o FSC pela redução da PIC elevada, man- tendo uma PAM normal, uma oxi- genação normal e a normocapnia. Para que? Para dessa forma conse- guirmos evitar a ocorrência de lesões cerebrais secundárias (normalmente decorrentes de hipotensão, hipóxia ou hiper/ hipocapnia). Ainda relacionado a sua fisiopatolo- gia, é importante saber que os trau- matismos cranioencefálicos podem ser provocados por diversos meca- nismos, se destacando os acidentes de variados tipos: de trânsito, de tra- balho, desportivos, domésticos, entre outros. Contudo, a maioria dos casos graves é provocada por acidentes de trân- sito, em que o TCE constitui uma das principais causas de morte. Existem vários mecanismos que po- dem provocar lesões encefálicas. O 6TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO mais comum corresponde a um gol- pe direto sobre o crânio, provocando, independentemente da eventual fra- tura óssea, o choque das estruturas nervosas subjacentes contra o osso no ponto de impacto ou no lado opos- to. Para além disso, um golpe forte so- bre uma outra parte do corpo, uma queda de uma grande altura sobre os pés ou nádegas, a onda expansiva de uma explosão ou uma outra causa indireta também podem provocar a deslocação das estruturas encefálicas no interior do crânio e o consequente choque violento contra as suas pare- des. É por isso que os contragolpes (o denominado “efeito chicote”) nos acidentes de trânsito, quando não se leva o cinto de segurança, são tão pe- rigosos. 3. CLASSIFICAÇÃO Os TCEs costumam ser classificados de acordo com a gravidade da lesão e para isso é adotado como parâme- tro a Escala de Coma de Glasgow (GCS, em inglês). A partir daí, o paciente pode ser en- qua- drado em 3 categorias de gra- vidade: • Leve (13-15) • Moderado (9-12) • Grave (3-8) Figura 3. Escala de Coma Glasgow SE LIGA! Durante o cálculo do Glas- gow do paciente, podem haver respos- tas diferentes em diferentes membros. Nesses casos, nós devemos sempre adotar a melhor das respostas apre- sentadas para concluir sobre o estado do paciente. 7TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO SAIBA MAIS! Na 10ª edição do ATLS algumas mudanças foram propostas na Escala de Coma de Glas- gow, entre elas temos: REATIVIDADE PUPILAR Na antiga versão da escala, os únicos critérios avaliados eram: abertura ocular, resposta verbal e resposta motora. Agora, na nova versão, foi incluída a Reatividade Pupilar, ou seja, a reatividade da pupila à luz. Ao contrário dos outros critérios, este é pontuado de forma decrescente: o pior resulta- do apresenta a maior pontuação. Assim, teremos a seguinte atribuição: 2 pontos – Nenhuma reatividade em ambas as pupilas; 1 ponto – Sem reação em apenas uma das pupilas; 0 pontos – Caso as duas pupilas estejam funcionando normalmente. É importante se atentar que, ao aplicar o score de reatividade há uma mudança no score total, que se dá da seguinte forma: Pontuaremos normalmente todos os outros critérios e, após a nota final, o score da reativi- dade pupilar será subtraído! O que faz com que a escala varie de 1 a 15 pontos. Como assim? O cálculo do score será feito da seguinte forma: Escore final = Abertura ocular [1 a 4] + Resposta verbal [1 a 5] + Resposta motora [1 a 6] – Reatividade Pupilar [0 a 2] Caso todos os critérios estejam normais, teremos um escore de 15 (afinal, as pupilas nor- mais significam 0 pontos a menos!). Entretanto, caso o paciente apresente a menor pontu- ação em todos os critérios, teremos o escore final de 1! CRITÉRIO NÃO-TESTÁVEL Sabemos que nem todos os pacientes são susceptíveis a serem avaliados da forma como a antiga Escala de Glasgow propõe. Por exemplo: pacientes amputados não necessariamen- te terão uma avaliação fidedigna da resposta motora; pacientes que apresentam surdez podem não ser responsivos a comandos verbais; pacientes com algum quadrode afasia não necessariamente conseguirão emitir respostas verbais adequadas. Considerando essas necessidades tão individuais, além das pontuações nos critérios pre- viamente estabelecidos, podemos agora marcá-los como “NÃO TESTÁVEL” (NT). 8TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO Mas ainda mais importante do que determinar a gravidade, é classificar a lesão de acordo com a sua morfolo- gia. E aí teremos 2 grupos: • Fraturas • Lesões intracranianas 4. MORFOLOGIA Fraturas A primeira coisa precisamos ter em mente é que para ocorrer uma fratura de crânio no paciente, a energia en- volvida no trauma foi muito grande! As principais fraturas são as de calo- ta e as de base de crânio. O diagnóstico dessa condição costu- ma ser dado por meio de uma TC de crânio, no entanto, a própria inspeção da cabeça do paciente já pode nos di- zer muita coisa. No caso de uma fra- tura de calota, por exemplo, pode ser possível identificar uma depressão na cabeça. Já a fratura de base costuma ter sinais mais específicos: FFííssttuullaa lliiqquuóórriiccaa ppeelloo nnaarriizz//oouuvviiddoo (rino/otorreia) EEqquuiimmoossee ppeerriioorrbbiittaall (Guaxinim) DDiissffuunnççããoo ddee NN..CC.. VVIIII ee VVIIIIII (paralisia facial e surdez) EEqquuiimmoossee rreettrrooaauurriiccuullaarr (Battle) SSIINNAAIISS DDEE FFRRAATTUURRAA DDEE BBAASSEE DDEE CCRRÂÂNNIIOO Figura 4. Sinais de fratura de base do crânio Obs. fraturas de base de crânio que atravessam canais carotídeos podem lesar vasos importantes e por isso está indicado a realização de uma Angio TC. Lesões intracranianas Já com relação às lesões intracrania- nas, temos que elas podem ser difu- sas ou focais. Lesão Difusa As lesões difusas costumam estar associadas a acidentes de alto im- pacto ou de desaceleração, sendo normalmente causado por hipóxia ou isquemia. Os pacientes, por sua vez, costumam apresentar déficit neurológico não focal e perda de consciência. No en- tanto, o diagnóstico é dado por meio da TC de crânio, na qual é possível identificar sinais sugestivos como in- 9TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO chaço, perda da distinção entre cinza e branco e hemorragias pontilhadas entre as substâncias cinzenta e bran- ca (essa última conhecida como lesão axonal difusa, LAD, que é um indica- tivo de lesão severa e, normalmente, com prognóstico ruim). Lesão Focal Já quando falamos em lesões focais, estamos nos referindo, basicamente, aos vários hematomas que podem ocorrer. Hematoma Epidural O hematoma epidural é um tipo rela- tivamente raro, estando presente em apenas 0,5% dos pacientes com TCE (chegando até 9% nos casos de pa- cientes com TCE associado a coma). E apesar de ele poder ser causado pela ruptura de algum seio venoso, o mais comum é ele advir de um san- gramento arterial devido a lesão da Artéria Meníngea Média. Visto isso, temos que os pacientes com hematoma epidural costumam apresentar um intervalo lúcido entre o momento da lesão e o da descom- pensação neurológica. Enquanto que, por outro lado, - lembrando lá da ana- tomia (na qual a A. Meníngea Média passa por dentro da dura-máter) - a gente consegue entender que esse sangramento vai acabar empurrando a dura para o lado oposto da estru- tura óssea do crânio e é justamente esse mecanismo que faz com que o hematoma epidural se apresente na TC com um aspecto biconvexo, como conseguimos ver imagem a seguir: Figura 5. Hematoma Epidural Hematoma Subdural Já o hematoma subdural, por sua vez, é mais comum: ele está presente em cerca de 30% dos pacientes com TCE grave. E o seu mecanismo também é diferente. Aqui, a principal causa é a ruptura de pequenos vasos superficiais ou vasos ponte do córtex cerebral, de modo que não mais ocorre o desloca- mento da dura e aí o sangue se acu- mula no espaço subaracnoide. Por conta disso, na TC, ele se apresen- ta com aspecto côncavo-convexo (meio que acompanhando o contorno do cérebro). 10TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO Figura 6. Hematoma Subdural Figura 7. Hematoma Subdural e Hematoma Epidural. Disponível em: https://bit.ly/3a6GrP2 SE LIGUA! A presença de hematoma subdural costuma ser mais grave devi- do a presença de lesão parenquimatosa concomitante. Contusão e Hematoma Intracerebral As contusões cerebrais também são bem comuns, estando presentes em cerca de 20-30% dos pacientes com TCE grave - normalmente nos lobos frontal e temporal. Mas a grande questão por trás desse tipo de lesão é que cerca de 20% des- ses pacientes, dentro de horas a dias, evolui para um hematoma intracra- niano ou para uma contusão coales- cente com efeito de massa suficiente para exigir uma evacuação cirúrgica. É justamente por conta disso que está indicado para todo paciente com con- tusão, a realização de TCs repetidas ao longo das primeiras 24h após a TC inicial. 5. ATENDIMENTO Avaliação Primária Via Aérea e Ventilação No Trauma, o que mata mais rapida- mente é a apneia e é por isso que a primeira coisa que devemos fazer é analisar o padrão respiratório do paciente e checar a permeabilidade das vias aéreas (VA). Como vamos fazer isso: • Se o paciente estiver desacordado: ◊ Realizar manobra de abertura de VA • Se o paciente estiver consciente: ◊ Pedir para ele abrir a boca É importante salientar que é neces- sário estabilizar a cervical do paciente durante todo o atendimento, pelo ris- co de trauma raquimedular adjacente importante que acompanha um pa- ciente vítima de TCE. 11TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO Obs. é pouco provável que um pacien- te consciente e com bom resultado no ABCD. Rápido apresente alguma obs- trução de VA, mas é prudente que todos tenham suas vias verificadas. Feito isso, então, nós poderemos identificar sinais de obstrução na ca- vidade oral do paciente e a resolução desse quadro também requer condu- tas específicas: • Corpo estranho: retirar com dedo em garra • Sangue/Secreções: aspirador de ponta rígida Feito isso, então, a gente precisa pon- derar se o paciente tem condições de manter a perviedade das VA. Caso contrário, deveremos realizar uma via aérea definitiva, que consiste no po- sicionamento de um tubo com balão insuflado na traqueia e que esteja co- nectada com fornecimento de oxigê- nio a 100%, associado a monitora- mento com oxímetro de pulso (ideal é estar > 98%) e capnógrafo (ideal é estar em torno de 35mmHg). Parada respiratória e hipóxia são si- tuações comuns na presença de TCE, de modo que é importante sabermos quais são as indicações para a rea- lização de uma via aérea definitiva, entre elas temos: GCS ≤ 8, risco de obstrução (hematoma cervical, lesão de faringe/traqueia), inadequação res- piratória, comprometimento iminento ou potencial da via aérea (trauma ma- xilofacial, lesões por inalação, hemato- ma retrofaríngeo),apneia, entre outras situações.. Circulação Quando chegamos no C, precisa- mos ter em mente que a hipotensão não costuma ser decorrente do TCE e isso se explica pela própria anato- mia: como o crânio não se expande, ele acaba limitando o volume de san- gue perdido em uma hemorragia e é essa restrição que garante que esses pacientes não vão chocar (ao menos pelo sangramento intracraniano). Apesar disso, a hipotensão é uma ameaça importante pois ela afeta a perfusão e o funcionamento cerebral, de modo que a gente precisa se es- forçar ao máximo para conseguir nor- malizar o valor da PA. Sendo que alterações da pressão ar- terial e da frequência cardíaca podem ser decorrentes de hipertensão in- tracraniana ou de um choque neu- rogênico associado a lesões medu- lares altas graves. Reforçando assim a necessidade de estar atento às causas de possíveis alterações, para possibilitar seu tratamento. PA IDEAL 50-69 anos 15-49 anos ≥ 70 anos ≥ 100 mmHg Tabela 1. PA ideal 12TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO Avaliação Neurológica Já no D, quando nos voltamos para a avaliação neurológica do paciente, temos que nos preocupar em obter informa- ções sobre 3 quesitos: Escala de Coma de Glasgow, resposta pupilarao estímu- lo luminoso e déficit neurológico focal. É importante estar atento a sinais de herniação e/ou Hipertensão Intracra- niana, sendo eles: • Dilatação pupilar unilateral • Plegia, descerebração ou decorti- cação unilateral • Tríade de Cushing • Queda de 3 ou mais pontos na GCS • Parada cardiorrespiratória súbita É muito importante, no entanto, se atentar para os fatores que podem alterar o resultado dessa avaliação como é o caso, por exemplo, de pa- cientes sob efeito de drogas, em coma, ou que acabaram de ter um ataque epiléptico, por exemplo. Em todas essas situações o resultado da avaliação neurológica não será tão confiável. A sedação do paciente também pode interferir na avaliação. É justamente por isso que não se deve adminis- trar sedativos ou relaxantes mus- culares no atendimento primário, a menos que a condição clínica do pa- ciente impeça a realização das etapas subsequentes. Um exemplo de situação em que será necessário sedar o paciente é no caso de indicação de intubação, mas aí a gente se atenta para fazer uma ava- liação neurológica rápida antes de administrar as drogas no paciente. SAIBA MAIS! O nervo óculo motor (III nervo craniano ) passa ao longo da margem da tenda do cerebelo, podendo ser comprimido contra ela durante uma herniação do lobo temporal. Fibras pa- rassimpáticas, que são constritoras das pupilas, repousam sobre a superfície do III nervo craniano. A compressão dessas fibras durante a herniação causa dilatação pupilar devida à atividade simpática sem oposição, frequentemente chamada de pupila dilatada. Exposição Ao final da avaliação primária é im- portante se atentar à procura de san- gramentos, se destacando entre eles as lesões em couro cabeludo. Para controle de hemorragia essas lesões requerem limpeza, compressão direta e sutura. A presença de LCR é um indicativo de lesão nas meninges e requer ava- liação de neurocirurgião, bem como nos casos de fratura aberta ou com depressão do crânio. 13TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO Atente-se também a procura de outras le- sões graves e em manter a normotermia. Anestesia, Analgesia e Sedação A adoção de qualquer uma dessas medidas deve ser cuidadosamente pensada quando o paciente estiver com suspeita de TCE, já que, como acabamos de ver, essas drogas po- dem acabar retardando o reconheci- mento de uma lesão cerebral, além de poder causar prejuízos para a respira- ção do paciente. Assim, o indicado é, se necessário, usar drogas de efeito curto e que po- dem ser facilmente revertidos. DROGA ANTAGONISTA Narcóticos Naloxona Benzodiazepínicos Flumazenil Tabela 2. Drogas e antagonistas Avaliação Secundária Uma vez passada toda a avaliação primária, a secundária fica tem por ob- jetivo: reavaliar o paciente em busca de deteriorização neurológica. Para tal, entram aqui a realização da GCS e a busca tanto por sinais de laterali- zação, quanto pela reação das pupilas. Diagnóstico A principal forma de estabelecer o diagnóstico de um TCE é através da realização da Tomografia Compu- tadorizada (TC) de crânio o mais rá- pido possível - desde que o paciente esteja hemodinamicamente estável. Basicamente, a TC sempre é indica- da para TCE grave ou moderado. Nos leves podemos pedir, mas deve-se ponderar, ela deve ser realizada em todos os doentes com suspeita de lesão cerebral que apresentem sus- peita clínica de fratura exposta de crânio, nos que apresentem qualquer sinal de fratura de base de crânio, na- queles que apresentem mais do que dois episódios de vômito, ou nos que apresentem idade superior a 65 anos. A TC também deve ser considera- da se o doente apresentou perda da consciência por mais de cinco minu- tos, amnésia retrógrada por mais de 30 minutos, um mecanismo de trau- ma importante, cefaleia grave, ou dé- ficit neurológico focal que pode ser atribuído ao cérebro. Sendo importante salientar que a reali- zação da TC não deve retardar a trans- ferência do doente, quando indicada. ALTO RISCO PARA NEUROCIRURGIA RISCO MODERADO PARA LESÃO CEREBRAL GCS < 15 por 2h pós- -trauma Inconsciência por mais de 5 min Suspeita de fratura ex- posta c/ afundamento Amnésia retrógada por mais de 30 min > 2 episódios de vômito Mecanismo perigoso de trauma Sinal de fratura de base Idade maior ou igual a 65 anos Uso de anticoagulante 14TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO O que esperamos encontrar de al- teração na TC de um paciente com TCE? Uma série de alterações, entre elas: fratura de crânio, hematoma subgaleal, inchaço de couro cabe- ludo, sangramentos intracranianos, contusões, obstrução de cisternas basais e até desvio de linha média. SE LIGA! Um desvio de linha média maior ou igual a 5mm indica a neces- sidade de realizar cirurgia para evacu- ar coágulo ou a contusão causadora do desvio. Hematoma Subgaleal Fratura de Calota Craniana Fratura de Base de Crânio Desvio de Linha Média 6. MANEJO Manejo de TCE Leve (GCS 13-15) Trauma craniencefálico leve ( TCEL) é definido por uma história de desorien- tação, amnésia, ou perda transitória da consciência em um doente que está consciente e falando. Isso correlaciona com um escore de 13 a 15 na GCS. A história de perda momentânea de consciência frequentemente é de difícil confirmação e muitas vezes o quadro fica confuso pela coexistência de abu- so de álcool ou de outros tóxicos. Entretanto, alterações do estado men- tal nunca devem ser atribuídas a fato- res de confusão até que a lesão cerebral tenha sido definitivamente excluída. Figura 8. Alterações tomográficas no TCE 15TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO • TC com alteração • TCE penetrante • Perda prolongada de consciência • Piora do nível de consciência • Cefaleia moderada/grave • Intoxicação significativa por álcool/ drogas • Fratura de crânio • Perda de LCR • Traumatismo significativo associado • GCS < 15 • Déficit neurológico focal • Falta de acompanhante confiável FLUXOGRAMA 1 – MANEJO DE TCE LEVE PACIENTE COM GLASGOW 13-15 Colher história Nível de consciência, mecanismo e hora do trauma, amnésia (retrógrada/anterógrada), cefaleia (intensidade?) Exame Geral (excluir lesões sistêmicas) Exame Neurológico sumário Radiografia cervical (e outras indicadas) Nível de álcool no sangue + Perfil toxicológico da urina TC de crânio (se houver indicação) INTERNAR DAR ALTA • Ausência de qualquer critério para internação • Entregar “protocolo de instruções” 16TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO De todos os tipos de TCE, o leve é o único que nos permite cogitar dar alta ao paciente após o atendimento, mas isso é um risco, pois, como nós já vimos, uma das armadilhas no TCE é que o paciente pode começar a so- frer de uma lesão secundária a qual- quer momento após o atendimento inicial (e é justamente isso que sus- tenta a necessidade de reavaliação constante). Por conta disso, na avaliação secun- dária é necessário identificar o me- canismo de lesão, com particular atenção para a ocorrência de qual- quer perda da consciência, incluin- do o tempo de duração de estado não responsivo, qualquer episódio de convulsão e o nível subsequente do estado de consciência. Sendo neces- sário também determinar a duração da amnésia tanto antes (retrógra- da) quanto depois ( anterógrada) do evento traumático. Diante disso, antes de dar alta a um paciente, a gente precisa se precaver e, para tal, devemos entregar a ele o chamado protocolo de instruções. Basicamente, o que esse protoco- lo faz é explicar ao paciente que ele não tem indicações para ser interna- do, mas que as primeiras 24h após o trauma são cruciais e por isso existe uma série de coisas que ele não pode fazer. Mas além disso, esse protocolo também cita vários sintomas que, se aparecerem, indicam que pode haver algum acometido do cérebro e, por- tanto, o paciente deverá retornar ao médico o mais rápido possível. Figura 9. Protocolo de instruções Manejo de TCE Moderado (GCS 9-12) Aproximadamente 15% dos doentes portadores de trauma craniencefálico examinados no serviçode emergên- cia apresentam trauma craniencefáli- co moderado. São ainda capazes de obedecer ordens simples, mas em 17TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO geral estão confusos ou sonolentos e podem apresentar déficit neuroló- gico focal, como hemiparesia. Aproximadamente 10 a 20% desses doentes apresentam piora e entram em coma. Por este motivo é crítico utilizar o exame neurológico seriado para tratar estes doentes. Na admissão no serviço de emergên- cia, antes da avaliação neurológica deve-se obter uma história breve e assegurar a estabilidade cardiopul- monar. Deve ser realizada uma TC do crânio e contatar um neurocirurgião. Esses doentes necessitam de hospi- talização para observação numa UTI ou unidade semelhante, capaz de ob- servação rigorosa de cuidados de en- fermagem e frequente reavaliação neurológica nas primeiras 12 a 24 horas. É recomendado seguimento com TC em 12 a 24 horas se a TC inicial for anormal ou se há piora das condi- ções neurológicas do doente. PACIENTE COM GLASGOW 9-12 SE MELHORAR Dar alta e seguir acompanhamento ambulatorial SE PIORAR Senão responde a comandos simples, devemos repetir a TC e tratar como TCE grave FLUXOGRAMA 2 – MANEJO DE TCE MODERADO Exame Inicial História + Exame Físico Admissão/Transferência para hospital com neurocirurgião TC de crânio Reavaliação neurológica frequente Manejo de TCE Grave (GCS 3-8) Aproximadamente 10% dos doen- tes vítimas de lesão cerebral que são tratados na sala de emergência apre- sentam lesão cerebral grave. Doentes que sofreram trauma cranioencefálico grave não são capazes de obedecer a ordens simples mesmo após esta- bilização cardiopulmonar. Embora esta definição inclua um am- plo espectro de lesões cerebrais, ela identifica os doentes que apresentam o maior risco de sofrerem morbida- de e mortalidade significativas. Para tais doentes, a abordagem à maneira “vamos esperar para ver como fica” 18TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO pode ser desastrosa e o diagnóstico e o tratamento imediatos são de suma importância. Não retarde a transferência do do- ente para realizar uma TC. Em doentes portadores de TCE grave, a hipotensão na admissão é acompa- nhada de taxa de mortalidade que é maior que o dobro da mortalidade de doentes sem hipotensão. A presença de hipóxia somada à hipotensão está associada a um aumento relativo no risco de mortalidade de 75%. Portan- to, é imperativo que a estabilização cardiopulmonar seja alcançada rapi- damente. A parada respiratória transitória e a hipóxia são comuns em doentes portadores de lesão cerebral grave e podem causar lesão cerebral secun- dária. A intubação endotraqueal precoce deve ser realizada em doen- tes comatosos. O doente é ventilado com oxigênio a 100% até que seja colhida gasome- tria e sejam feitos os ajustes apropria- dos da Fi02. Oximetria de pulso é um suplemento útil e saturações de 02 > 98% são desejáveis. Os parâmetros ventilatórios devem ser ajustados para manter a PC02 de aproximadamente 35 mmHg. A hiperventilação (PC02 < 32 mmHg) deve ser usada com cautela em do- entes portadores de TCE grave e so- mente quando ocorre piora neuroló- gica aguda. De modo geral, a hipotensão não é consequência da lesão cerebral por si só exceto em estágios termi- nais, quando sobrevém a insuficiên- cia medular ou quando existe lesão de medula espinhal concomitante. A hemorragia intracraniana não pode causar choque hemorrágico. Se o doente está hipotenso, deve-se estabelecer a normovolemia logo que possível utilizando-se produtos de sangue, sangue total ou soluções iso- tônicas conforme a necessidade. Uma TC de urgência deve ser rea- lizada logo que possível após a nor- malização hemodinâmica. Deve ser repetida sempre que houver mudan- ça no estado clínico do doente e roti- neiramente durante as 24 horas após o trauma naqueles com contusão ou hematoma à TC inicial. Suporte Nutricional O suporte nutricional precoce é re- comendado em pacientes com TCE, devendo ser iniciada assim que a es- tabilidade hemodinâmica for obtida. Estudos mostram que o início preco- ce da dieta está associado à melhores resultados de sobrevida e melhores taxas de recuperação pós-lesão neu- ronal. O início precoce de suporte nutricio- nal estáassociado a um aumento na função imunológica dos pacientes, com aumento dos valores de células 19TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO T CD4, relação CD4-CD8 e linfócitos T mais responsivos. O uso de fórmula enteral é preferível, mas em casos de grande volume re- sidual gástrico, com risco de bronco- aspiração ou trauma abdominal asso- ciado, o uso de dieta parenteral pode ser utilizado. Independente do mé- todo de suporte nutricional deve ser feita a monitorização do paciente em busca de efeitos colaterais do suporte dietético como hiperglicemia, cetoaci- dose, intolerância gástrica, diarreia e desidratação, ou qualquer condição que cause alteração do quadro he- modinâmico do paciente. TC DE CRÂNIO PACIENTE COM GLASGOW 9-12 FLUXOGRAMA 2 – MANEJO DE TCE GRAVE Avaliação e Tratamento ABCDE Avaliações primária e secundária História Ampla Intubação Orotraqueal Admissão/Transferência para hospital com neurocirurgião Administração de agentes terapêuticos Reavaliação neurológica Glasgow Reação pupilar a luz Exame neurológico focal TCE LEVE (13-15) TCE MODERADO TCE GRAVE História AMPLA + Exame neurológico pesquisar uso de anticoagulantes!!! É necessária avalia- ção neurocirúrgica É necessária avalia- ção neurocirúrgica Manejo inicial Dar alta mais… Determinar meca- nismo, tempo de lesão, GCS inicial, confusão, intervalo de amnésia, convul- são, gravidade da cefaleia, etc. Interna se… Não houver TC dis- ponível, TC anormal, déficit neurológico localizado, GCS não retornar a 15 dentro de 2h Avaliação primária + Reanimação Transferência (se for preciso) Exame neurológico direcionado Avaliação secun- dária + História AMPLA Avaliação primária + Reanimação Intubação Tratar hipoten- são, hipovolemia e hipóxia Exame neurológico direcionado Avaliação secundá- ria (AMPLA) 20TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO 7. TERAPIA Uma vez chegado até aqui, é a hora de a gente aprender quais interven- ções (clínicas e cirúrgicas) que podem ser feitas em um paciente com TCE na tentativa tanto de prevenir uma lesão secundária, quanto de fornecer ao cérebro tudo que ele precisa para se recuperar. Clínica Fluido Intravenoso A hipovolemia é bastante prejudicial ao funcionamento do cérebro, especial- mente se ele estiver lesado. Por isso, fluidos intravenosos podem ser ad- ministrados para reanimar o doente e manter a normovolemia. Também de- ve-se tomar o cuidado de não sobre- carregar o doente com líquidos. Não se devem usar líquidos hipotônicos. Além disso, o uso de soluções que contêm glicose pode produzir hiper- glicemia, que se mostrou prejudicial ao cérebro lesado. Portanto, para a reani- mação, recomenda-se o uso de solu- ção salina isotônica ou de Ringer lac- tato. Os níveis séricos de sódio devem ser monitorados muito cuidadosamen- te em doentes portadores de TCE. A hiponatremia está associada ao ede- ma cerebral e deve ser prevenida. Correção da Anticoagulação A avaliação de pacientes que estejam em terapia anticoagulante ou antipla- quetária deve ser cuidadosa e logo após a obtenção da INR, nós deve- mos nos dedicar à sua resolução. TCE LEVE (13-15) TCE MODERADO TCE GRAVE Diagnóstico TC de crânio Pesquisa de álcool e drogas no sangue ou na urina Não há disponibili- dade de TC TC anormal Intoxicação impor- tante TC Tipagem sanguínea, provas cruzadas e coagulograma Manejo secundário Exames seriados Exame seriado até GCS voltar a 15 e o paciente não tenha mais perda de me- mória Refazer TC se: a) a primeira tiver sido normal; b) o GCS continuar abaixo de 15; ou c) exame neurológico piore Exames seriados Acompanhamento com TC durante 12-18h Exame neurológico seriado Recomendação Dar alta, mas apre- sentar o protocolo de intruções Refazer avaliaçãoneurológica se TC for anormal ou se o paciente piorar Agendar avaliação neuropsíquica Repetir TC se piorar Agendar avaliação neuropsíquica Transferir assim que puder para o tratamento neuroci- rúrgico 21TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO Hiperventilação Se o paciente vítima de TCE apresen- tar hipercapnia (PaCO2 > 45mmHg), ele começará a sofrer vasodilatação, o que aumenta o fluxo sanguíneo e, consequentemente, a própria pres- são intracraniana. Pensando em evi- tar justamente essa situação, a gen- te pode hiperventilar o paciente, de modo a reduzir a PaCO2 e provocar vasoconstrição no paciente. Mas mui- to cuidado com isso! Essa mesma va- soconstrição que impede o aumento da PIC pode provocar mais lesão ce- rebral, só que agora por isquemia. Botando tudo isso na balança, a nor- mocapnia (PaCO2 = 35mmHg) aca- ba sendo o preferível para a grande maioria dos pacientes, mas a gente pode fazer intervalos bem pequenos de hiperventilação (PaCO2 entre 25- 30mmHg) no manejo de pacientes com deteriorização neurológica agu- da – estando estes em via aérea de- finitiva –, enquanto outro tratamento está sendo providenciado. Ressaltando que a hiperventilação deve ser usada somente com mode- ração e, tanto quanto possível, por período de tempo limitado. Manitol O manitol é uma droga que atua re- duzindo a PIC, de modo que ele está indicado para os pacientes euvolêmi- cos com deteriorização neurológica aguda - mas presta atenção: isso é válido para pacientes euvolêmicos. O manitol é um diurético, de modo que a sua administração em pacien- tes hipotensos pode acentuar ainda mais a hipotensão e causar isquemia cerebral. Visto isso e tendo optado por admi- nistrar essa droga, nós vamos fazê- -lo em bolus (1g/kg) de forma rápida (5min) e providenciar o transporte do paciente para a TC ou diretamente para a sala de cirurgia - ou até mes- mo para outro hospital caso não se tenha os recursos necessários. Solução Salina Hipertônica As soluções salinas hipertônicas também são capazes de reduzir a PIC quando sua concentração varia entre 3% a 23,4%. Inclusive, nessa opção não há o efeito diurético, de modo que ela passa a ser a preferida em pacientes hipotensos. Seu menismo de ação se baseia no aumenta da osmolaridade com redu- ção da PIC, mantendo o seu volume intravascular. Atua por gerar gradien- te osmótico na barreira hematoence- fálica intacta, reduzindo o volume ce- rebral; A administração deve ser feita em in- fusão contínua, com controle do sódio sérico a cada seis horas, respeitando- -se o aumento máximo de sódio em torno de 15 mEq/l/dia. 22TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO Anticonvulsivantes A epilepsia pós-traumática acontece em cerca de 5% dos pacientes com TCE fechado e até 15% dos pacien- tes com TCE grave, e ela precisa ser tratada de forma imediata porque a sua ocorrência por 30-60min já é su- ficiente para causar lesão secundária no cérebro. Assim, a gente pode controlar os ca- sos agudos de convulsão com a ad- ministração de drogas anticonvulsi- vantes, mas aí cabem 2 observações importantes: a) a administração antecipada não muda se o paciente terá ou não con- vulsões; Ou seja, o uso deve ser utili- zado em crise e não profilático. b) as drogas anticonvulsivantes atra- palham a recuperação do cérebro e por isso só devem ser utilizadas quando forem realmente necessárias. Beleza. E qual droga podemos usar? • Fenitoína • Fosfenitoína A dose de ataque inicial deve ser de 1g por via intravenosa, a uma veloci- dade > 50mg/ min. Já a manutenção é feita com 100mg/8h, com titulação da dose para obter níveis séricos te- rapêuticos. Normalmente é administrado diaze- pam ou lorazepam junto com a feni- toína em pacientes com convulsões prolongadas. E isso segue até que elas parem. Barbitúricos Os barbitúricos são drogas que po- dem ser utilizadas para tentar reduzir a PIC em pacientes refratários às ou- tras opções. No entanto, seu uso não é indicado em casos de: • Hipotensão ou hipovolemia • Durante a fase de ressuscitação • Lesões incompatíveis com a vida (seu efeito retardaria o protocolo de morte encefálica). Sendo importante salientar que seu uso deve ser discutido outros profis- sionais da área, como neurologistas, de modo a ponderar os riscos e bene- fícios da sua aplicação. Cirúrgica Lesões de Couro Cabeludo Fraturas com Afundamento de Crânio As fraturas com afundamento de crâ- nio precisam ser avaliadas por meio da TC para podermos ter uma noção melhor da profundidade da depres- são. Caso o afundamento não seja mui- to significativo, podemos optar por tratar apenas com o fechamento do couro cabeludo. Por outro lado, em se 23TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO tratando de uma depressão maior do que a espessura do próprio crânio, aí é imprescindí- vel que seja feita a cor- reção cirúrgica. Lesões Intracranianas de Massa Esse tipo de lesão só pode ser ma- nejado por neurocirurgiões, uma vez que envolve a reali- zação de uma craniotomia, um procedimento mui- to complexo e que se não for feito da forma correta, pode deteriorar rapida- mente o estado do paciente. SE LIGA! Só é aceita a realização de uma craniotomia por um médico não neurocirurgião em casos nos quais real- mente não existe nenhum possibilidade de acessar um profissional capacitado, nem mesmo por meio de transferência. Ferimentos Encefálicos Penetrantes A avaliação desse tipo de ferimento deve ser feito através da TC, no en- tanto, também são opções o uso da radiografia e da ressonância magné- tica (a depender do material do cor- po estranho envolvido!). Uma outra questão importante é a realiza ção de antibioticotera- pia profilática e a não retira- da de corpos que estejam exteriorizados, devido ao risco de sangramento. SAIBA MAIS: CRANIOTOMIA POR PERFURAÇÃO EM BROCA! Esse procedimento consiste na realização de uma abertura de 10-15mm de diâmetro do crânio no intuito de fazer um diagnóstico de emergência de hematomas em locais inóspitos onde não há nem neurocirurgião e nem métodos de imagens disponíveis. 8. MORTE ENCEFÁLICA O conceito de morte encefálica está relacionado a impossibilidade do cé- rebro recuperar suas funções e a gente pode identificar isso por meio de alguns sinais: SINAIS DE MORTE ENCEFÁLICA GCS = 3 Pupilas não reativas Ausência de esforço ventilatório espontâneo Ausência de fatores de confusão (álcool e drogas) Reflexos de tronco cerebral ausentes Tabela 6. Sinais de morte encefálica 24TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO No entanto, além desses sinais, para se abrir o protocolo de morte encefá- lica ainda é imprescindível que haja a comprovação por meio de algum exame de imagem, que pode ser um eletroencefalograma, um estudo de fluxo sanguíneo cerebral (como o Doppler, por exemplo) ou uma arte- riografia cerebral. Ainda com tudo isso, é importante a gente sempre estar atento aos fatores que podem mimetizar um quadro de morte encefálica como, por exemplo: • Uso de barbitúricos ◊ Por isso o protocolo só pode ser aberto depois que já tenha passado o efeito de todos os medicamentos administrados • Crianças ◊ Elas conseguem se recuperar de TCEs muito severos Após checado todos esses parâme- tros, se a morte encefálica for diag- nosticada, é importante contactar as instituições responsáveis por doação de órgãos antes de desligar os equi- pamentos de suporte avançado de vida. 25TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO MAPA MENTAL GERAL Lesões Intracranianas TODOS os TCE moderados e graves TCE Fisiopatologia TC de crânioTrauma TratamentoMorfologia Anticonvulsivantes e Barbitúricos Prevenir lesão secundária Fluidoterapia Ventilação Cirúrgico Fraturas Calota Craniana Base do Crânio Sinal de Battle Hemotimpano Sinal de Guaxinim Lesões Focais: • Contusões e hematomas • Hemorragia Extradural • Hemorragia Intraparenquimatosa • Hemorragia Subdural Lesões difusas: • Concussões • Lesão Axonal Difusa ABCDE D Glasgow Leve: ≥ 13 Moderada: 9-12 Grave: ≤8 Pressão Intracraniana Fluxo Sanguíneo CerebralDoutrina de Monro-Kellie 26TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support (ATLS). 9ª ed. Chicago - IL: 2012. American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support (ATLS). 10ª ed. Chicago - IL: 2018 27TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO