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Texto 07: Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso 1 Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso: Unidade nas Diferenças1 1 Introdução 2 Uma convocação: Que todos sejam Um! 3 Unidade confessada no Símbolo da Fé 4 A Palavra Ecumenismo 5 A Igreja Católica e o Concílio Vaticano II 6 A Experiência da Guerra e o Ecumenismo 7 O Conselho Mundial de Igrejas 8 Ecumenismo e diálogo inter-religioso 9 Condições para o Ecumenismo e diálogo-inter-religioso 10 Hans Küng e o Projeto de Ética Mundial 11 Dalai Lama: Ética e Mundialização 12 Teologia da Hospitalidade 13 Conclusões 1 Introdução Vivemos tempos de mundialização e globalização possibilitados pelas relações econômicas – mediadas pelas tecnologias de produção, transporte e comunicação – e pelas trocas culturais superficiais, notadamente marcadas pelos interesses mercantis e midiáticos. Se distâncias foram suprimidas, se o tempo da vida foi sequestrado pelo tempo informático, decorre que não há autêntica proximidade2 e, tampouco, o kairós3 que é o tempo da presença. Um desafio se apresenta vital à continuidade da vida sobre o planeta, construirmos a Paz via Justiça e solidariedade. Para tanto precisamos abrir- nos ao distinto, considerá-lo em sua novidade, acolhê-lo desde as diferenças. Os humanos – viajando na casa planetária – vivem crise identitária, enfrentam desafios sociais e ambientais decisivos. O processo de descoberta de si mesmo supõe o reconhecimento do outro. A Paz é fruto da justiça. A Justiça reivindica respeito e promoção da vida em todas manifestações e dimensões. O diálogo é mediação indispensável à construção do caminho que conduz à solidariedade. Solidariedade entre vizinhos, habitantes do mesmo bairro, pertencentes ao mesmo país e, paradoxalmente, cidadãos de um mundo em transformações. No processo de diálogo intercultural o encontro entre as Tradições Religiosas, ‘coração das culturas’, é indispensável. Do exposto inferimos a necessidade de examinar, ainda que brevemente, o diálogo ecumênico e inter-religioso, as condições para o diálogo, o papel do diálogo inter-religioso na edificação da Paz e da Convivencialidade. A Teologia da Hospitalidade, para a qual existir humanamente solicita acolher o 1 LE Hinrichsen, para estudantes de HCR, 13/06/2018. 2 A proximidade supõe a supressão da distância. Proximidade é face-a- face. Ora, nos tempos da vida virtualidade [Triunfo da Representação que substitui a vida vivida] já não há distâncias a serem suprimidas pois tudo é confusamente distante e próximo através de uma tela. 3 Kairós = Tempo da Vida ou da Graça. Acontecimento, surpresa, vida vivida autenticamente. 4 Os concílios ecumênicos de Nicéia = 325 (homoousiuos) e Constantinopla = 381 (O Espírito Santo Procede do Pai) declaram verdades de fé essenciais às Igrejas Cristãs, que estão resumidas no Credo Apostólico [Cf. ALBERICO, Giusepe (org). História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 1995]. 5 Os Padres da Igreja viveram entre os séculos III e V, sucederam os padres apostólicos, foram os fundadores doutrinais do cristianismo. ‘distinto’, oferece a categoria da ‘estrangeiridade’, que precisamos compreender no processo pelo qual nos tornamos pessoas melhores. 2 Uma Convocação: Que todos sejam Um! Atendendo a convocação de Jesus – Que Todos sejam Um, verificando que o anúncio da Boa Nova ocorria em meio ao contratestemunho das divisões existentes entre as Igrejas Cristãs, era preciso dialogar. Fiéis de diferentes confissões, em contexto de Missão – conscientes de que há divisões injustificáveis que ferem a Unidade – iniciaram caminhada na direção da Unidade dos cristãos e de todos os seres humanos respondendo à convocação do Evangelho: “Um só rebanho, um só Pastor”. Jo 10, 16. Como anunciar o Evangelho se a Igreja de Jesus Cristo está fraturada? Se os seguidores de Jesus estão em contenda? A divisão é contradição e escândalo. “Que todos sejam Um. Não rogo somente por eles, mas pelos que, por meio de sua palavra, crerão em mim: a fim de que todos sejam Um. Como Tu Pai, estás em mim e eu em Ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste”. Jo 17, 20-21. 3 A Unidade confessada no Símbolo da Fé O credo niceno-constantinopolitano4 declara: Cremos na Igreja Santa Una, Católica e Apostólica. Os Padres da Igreja5 salientam a Unidade. A Catolicidade ou Universalidade6 decorre da proclamação da Unidade: A Igreja é Una. A Ecumenicidade, por conseguinte, é característica da Igreja manifesta na Unidade e visível na missão: anunciar a mensagem de vida proclamada por Jesus a todos os seres humanos. A Comunidade dos seguidores de Jesus de Nazaré em todo o mundo, em consequência, é chamada a cumprir a Missão dada pelo Pai ao Filho e participada – pelo Espírito Santo – aos discípulos e a todos os fiéis de todos os tempos: proclamar o Evangelho de libertação e redenção a todos os Povos (Mt 28, 18-20). A condição para o anúncio, destacamos, é a Unidade: “Sejam Um para que o Mundo Creia” (Jo 17, 20-23). 4 A Palavra Ecumenismo A palavra Oikoumene designa o Mundo Habitado. Deriva de Oikos, Oikia. Oikoumene indica o lugar onde se Santo Agostinho de Hipona, São Justino de Roma, Irineu de Leon e Clemente de Alexandria, em diferentes contextos, desde o desafio lançado pela Filosofia procuraram justificar racionalmente as possibilidades da Fé Cristã. Forneceram as razões da esperança que move os cristãos. 6 A Igreja [Ekklesía]: Assembleia dos Convocados pelo Pai, através do Filho e segundo a Inspiração do Espírito é Una: É uma só sobre a Terra Inteira. Da Unidade, portanto, decorre a Universalidade. Eis as notas da Igreja: a) Una; b) Católica: presente em todo o mundo habitado = Universal; c) Apostólica: edificada sobre o legado dos apóstolos. A Igreja Católica é Romana, pois o sucessor de Pedro – A pedra sobre a qual Jesus edificou sua Igreja – reside em Roma, é o bispo de Roma, sinal da Unidade para todos os cristãos e Igrejas particulares. Texto 07: Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso 2 pode construir a comunidade, implica habitação. De Oikoumene deriva Ecumenismo e Ecumênico. Oikoumene sinaliza três dimensões: 1 – Espaço onde se vive; 2 – Espaço Geográfico: Mundo Conhecido; 3 – Cultura. Para os primeiros cristãos Oikoumene indicava o mundo habitado no qual – na diversidade e unidade – floresceram as comunidades cristãs. Qual é o desafio resultante de concepção ampla na qual unidade é diversidade e não uniformidade? Como Unir sob uma cabeça todas as coisas em Cristo, Ef 1, 10? Como construir a Unidade na Diversidade em meio a contradições e diferenças? 5 A Igreja Católica e o Concílio Ecumênico Vaticano II É importante rememorar iniciativas anteriores e que precederam o Vaticano II. 5.1 Antecedentes a) Ignácio Spencer, presbítero Católico em visita à Oxford, propõe ao Cardeal Newman a criação de Associação para a promoção da Unidade do Cristianismo [APUC], reunindo católicos romanos e anglicanos, efetivada em 1857. b) No Início da década de 1930, Padre Counturier, pároco da diocese de Leon, compreendeu as dificuldades dos não católicos em França e com o apoio de seu arcebispo promoveu a Semana de Oração para a Unidade dos Cristãos. c) Na Cúria Romana, sob inspiração de João XXIII, em 1960 é criado o Secretariado para a Unidade dos Cristãos. 5.2 Alguns Frutos do Concílio Vaticano II O Concílio Vaticano II – convocado por João XXIII em 25 de Janeiro de 1959 e concluído no pontificado de Paulo VI em 08 de Dezembro de 1965 – a) proclama a Igreja como Povo de Deus; b) reafirma o sacerdócio comum dos fiéis, c) destaca o papel insubstituível dos leigos na vida da Igreja e da sociedade; d) incentiva os estudos bíblicos; e) promove renovação litúrgica; f) reconhece o Mistério de Cristo presente nas Igrejas e Comunidades Cristãs separadas; g) indica que há sementes do Verbo presentesnoutras religiões, h) convida ao diálogo interconfessional e inter-religioso. 5.3 Documentos Importantes 04 Constituições [Sobre a Liturgia, a Revelação, a Igreja e a Igreja no Mundo de Hoje] 09 decretos e 03 Declarações dinamizaram, animam e renovam a Igreja até os dias presentes7. 5.4 Encontros Significativos Paulo VI encontra o patriarca de Constantinopla Atenágoras em Jerusalém [1964]. Novo encontro de Paulo VI e Atenágoras, na Cidade do Vaticano, em 1965. Papas posteriores mantém intenso diálogo com o 7Destacamos os Decretos sobre o Ecumenismo, Igrejas Orientais, Leigos e Meios de Comunicação Social e as Declarações sobre a Educação, sobre as Religiões não Cristãs e sobre a Liberdade Religiosa. 8 SANT’ANA, Júlio. Ecumenismo e Libertação. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 83-84. 9 Testemunharam o Evangelho, no contexto da guerra, pela doação de suas vidas, por exemplo: Edith Stein [12/10/1891 – 09/08/1942]; Patriarca Ortodoxo. Paulo VI participa da Conferência Episcopal Latino-Americana de Medelim e visita a ONU, João Paulo II é presente em na Conferência de Puebla, México. Encontros inter-religioso acontecem, periodicamente, desde o pontificado de João Paulo II, na cidade natal de São Francisco, em Assis, Itália. 6 A Experiência da Guerra e o Ecumenismo Júlio Sant’Ana em Ecumenismo e Libertação8 esclarece que a experiência de muitos fiéis transcorrida durante a guerra [1939-1945] na luta contra o nazi- facismo, na defesa de judeus e de outras pessoas perseguidas, a resistência aos totalitarismos que dominaram o mundo nas décadas de 40 e 50 uniram cristãos de diferentes confissões. A colaboração nas atividades de resistência criou condições para que pessoas – que até então estavam distanciadas e divididas – se aproximassem, que brotasse a comunhão e a fraternidade entre irmãos separados por mútuo desconhecimento. Desde as terríveis condições da guerra, paradoxalmente, ocorreu o descobrimento do outro, sem o qual não pode existir o diálogo. O reconhecimento de que diante de mim há um tu – que não é meu inimigo, mas alguém que me complementa, me corrige, me ajuda a amadurecer, a chegar a ser quem eu sou, potencialmente. A experiência teve e ainda tem consequências incalculáveis para o movimento ecumênico9. 7 O Conselho Mundial das Igrejas O Conselho Mundial de Igrejas é extremamente importante na História do Movimento Ecumênico. Iniciativas Pioneiras convergiram à criação do CMI: a) Surgimento do Conselho Missionário Internacional em Edimburgo [1910]; b) Movimento Vida e Ação em Estocolmo [1925]; c) Comissão de Fé e Constituição [1927]; d) 1ª Assembleia do Conselho Mundial das Igreja em Evanston, USA [1948]10. O CMI propõe o ecumenismo em contexto global, preocupado com questões ecológicas, sociais, interculturais11. 8 Ecumenismo e Diálogo-Inter-Religioso 8.1 O que é Ecumenismo? Por Ecumenismo compreendemos a aproximação entre denominações cristãs via diálogo teológico, jornadas de oração e ações pastorais envolvendo Confissões Religiosas Cristãs no âmbito nacional e internacional. Dietrich Bonhoeffer [04/02/1906 – 09/04/1945; Maximiliano Maria Kolbe [08/01/1894 – 14/08/1941]. 10OBS: A Igreja Católica participa do CMI como observadora. Participa como membro pleno, entretanto, da Comissão de Fé e Constituição. 11OBS: Aproximadamente metade das denominações cristãs participam do CMI. Texto 07: Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso 3 8.2 Diálogo Inter-Religioso? Por diálogo inter-religioso entendemos a aproximação entre Religiões visando diálogo teológico, oração segundo as diversas tradições, elaboração de compromissos relativos à Paz e promoção da defesa da vida [ecologia e sociedade]. Pode ocorrer em âmbito Nacional e Internacional. 8.3 Alguns Frutos do Ecumenismo Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância. Jo 10, 10. a) Diálogo inter-teológico. Ex: Acordo sobre a Doutrina da Justificação entre Federação Lutera Mundial e Igreja Católica Apostólica Romana, ao qual aderiram a Igreja Anglicana, as Igreja Luteranas Reformadas e a Igreja Metodista. b) Realização em todo o Mundo da Jornada de Oração para a Unidade dos Cristãos no Tempo de Pentecostes. c) Criação no Brasil do CONIC: Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil. d) Pastorais comuns. Ex: CEBI e CECA unindo Igrejas do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil. e) Participação na vida dos diferentes estados da federação brasileira nos quais as Igrejas do CONIC estão presentes. Ex: Declarações – em momentos importantes – do CONIC em sintonia com a CNBB. f) Assembleias do CMI sobre temas vitais como Ecologia, Justiça, Paz. g) Encontros bilaterais entre confissões. Ex: Comissões teológicas entre luteranos e católicos, entre católicos e anglicanos. h) Reconhecimento dos elementos comuns que unem as Igrejas e compromisso com a Boa Nova do Reino. i) Ecumenismo de Base: diálogo, celebrações, pastorais e inserção social reunindo fiéis de diferentes denominações cristãs. 8.4 Alguns Frutos do Diálogo Inter-Religioso a) Diálogo entre Cristãos e Budistas, Hinduístas e outras religiões do Extremo Oriente. Reconhecimento no Ocidente da riqueza dessas Tradições. Estudo, valorização e intercâmbio. b) Diálogo entre Católicos e Judeus [Encontros locais. Visita dos Papas à Terra Santa]. c) Diálogo entre Cristãos e Muçulmanos [Ex: Claudio Monge em Istambul na Turquia]. Destacamos o Encontro pela Paz: “Sede de paz. Religiões e cultura em diálogo”. O Papa Francisco, em 20 de setembro de 2016, encontrou-se com líderes de outras Religiões para rezar pela Paz na Assis de São Francisco12. Na abertura do encontro, no dia 18, estiveram presentes, entre outros, o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu I e o filósofo Zygmunt Bauman [19/01/1925 – 09/01/2017]. Participaram do Encontro pela Paz – transcorrido em Assis no ano de 2016 – autoridades religiosas, dentre as quais Cardeais, Patriarcas das Igrejas do Oriente, o Primaz da Igreja da Inglaterra, Justin Welby, judeus da Europa e de 12 Lembremos que em 2019 celebrar-se-ão os 800 anos do encontro de São Francisco com o sultão do Egito, Al-Malik Al-Kamil. A celebração foi antecipada pela visita, entre Cairo e Damieta, de franciscanos que encontraram-se com autoridades civis e religiosas do Egito, atendendo ao mandato: “amai-vos uns aos outros”. Se ontem, as cruzadas, hoje Israel, muçulmanos (dentre os quais o Reitor da Universidade de Al-Azhar13, Abd Al-Hay Azab), budistas e expoentes de outras religiões asiáticas. Estiveram presentes representantes de instituições religiosas e do mundo da cultura provenientes de todos os continentes e de áreas marcadas por conflitos, como a Síria e a Nigéria. 9 Condições para o Ecumenismo e Diálogo Inter- Religioso O diálogo ecumênico e inter-religioso solicita conversão ao outro, desarmamento interior, reconhecimento de que a diversidade é riqueza a partir da qual é possível descobrir a comum responsabilidade pela edificação de um mundo melhor, de uma Terra compartilhada, habitável e assinalada pela benção que é a Paz. Seguem, a seguir, alguns pressupostos ao diálogo. a) Mútua Abertura: acolher o distinto é ser pessoa. b) Conhecimento profunda da Tradição a qual pertenço e decisão de ouvir o outro. Dialogar não consiste em concordar para agradar. É preciso conhecer e testemunhar valores, convicções, cosmovisão, compreensões de fé que animam minha existência. Mas, sempre respeitando e acolhendo o distinto pois além das diferenças há muito em comum a ser compartilhado e descoberto. c) Reconhecimento das Diferenças: teológicas, culturais e outras. d) Descoberta e Reconhecimento dos Elementos Comuns: teológicos, éticos, culturais e outros. e) Respeito às diferenças. Consciência de que as diferenças podem e devem nos enriquecer. f) Alegriapelas descobertas que unem. g) Compreensão de que Unidade não é Uniformidade. h) Descoberta gradativa e celebrativa de que Unidade é KOINONIA: Unidade na Pluralidade, Comunhão nas Diferenças 10 Hans Küng e o Projeto de Ética Mundial Se as Religiões estão nos corações das culturas, o diálogo inter-religioso é básico para o estabelecimento de Princípios Éticos fundamentais à convivência em sociedades plurais14. Nessa direção, seguem indagações que Hans Küng propõe para todos nós. Por que devo dizer a verdade e não devo enganar os outros? Por que devo ser correto no exercício de minha profissão? Por que não devo cometer homicídio? Por que devo condenar a guerra e promover a paz? Por que devo defender a vida e promover a integridade da criação? Segundo Küng, há convicção de que: a) Não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões; b) Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões; c) Não haverá diálogo entre as religiões sem investigação dos fundamentos das religiões. conflitos internacionais. A rememoração do gesto de Francisco e a resposta do Sultão do Egito nos convida ao diálogo, a acolher o outro que é irmão. 13 Localizada no Cairo / Egito. 14 Cf. KÜNG, Hans. Projeto de Ética Mundial. São Paulo: Paulinas, 1992. Texto 07: Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso 4 Por quê? As religiões encontram-se no coração das culturas. Desde suas diferenças, via diálogo, há um consenso acerca de um mínimo ético incondicionado do qual, em consequência, resulta compromisso com cultura de não violência e respeito à vida; comprometimento com uma cultura da solidariedade e com a edificação de uma ordem econômica justa; pacto com uma cultura de tolerância e uma vida baseada na verdade; compromisso com uma cultura da igualdade de direitos e associação de homens e mulheres na direção da afirmação de valores vitais. Indaga o teólogo alemão: Por que não devo ser violento, isto sim, promotor da paz? Por que devo educar-me para o consumo responsável e não predatório? São perguntas que nascem no contexto plural de um mundo em processo de globalização e mundialização. Perguntas fundamentais e decisivas! Por quê? O que está em jogo? A sobrevivência da humanidade, a existências dos que ainda não nasceram, a integridade da vida no planeta. Urbano Zilles, analisando a proposta de Hans Küng, destaca que Segundo Küng, para desenvolver uma ética futura, que deve ter uma base religiosa, as religiões devem refletir sobre o que têm em comum, colaborar para um consenso mínimo sobre um agir responsável. E o que as religiões têm em comum? De uma ou outra maneira, querem o bem do homem; certas normas fundamentais que se concretizam nos cinco mandamentos da humanidade: não matarás, não mentirás, não furtarás, não praticarás imoralidade; respeitarás os pais e amarás os filhos e as filhas; um caminho racionalmente equilibrado entre o libertinismo e o legalismo; a observância da regra de ouro (Küng, 2001, p.86); motivações éticas convincentes baseadas nos modelos de vida das figuras exemplares das religiões mundiais como Buda, Jesus Cristo, Confúcio, Lao-Tse ou o profeta Maomé; um horizonte de sentido e a fixação de uma meta para o agir humano (Küng, 2001, p. 90). O Projeto de Ética Mundial, pensado por Hans Küng, proposto por autoridades religiosas, teólogos, ativistas e pensadores, presente na Declaração do Parlamento das Religiões [Chicago, 1993] supõe e conclama a todos os seres humanos, de diversas tradições culturais e religiosas, crentes e não crentes, homens e mulheres de boa-vontade a unirem-se – desde a pluralidade que constitui a humanidade – em defesa da paz, da justiça via efetivação de direitos fundamentais, na condenação da violência, na defesa da vida planetária tendo em vista a continuidade da vida sobre a Terra. 11 Dalai Lama: Ética e Mundialização Para Dalai Lama15, a Religião, num mundo pluralista e tecnicista, a despeito das pertenças culturais e temporais, é relevante. Segundo Dalai Lama é admissível que no passado o valor da religião fosse mais evidente. Contudo, o sofrimento humano ainda existe – sobretudo o sofrimento mental e emocional – e porque a 15 Cf. Tenzin Giatzo, 14º Dalai Lama. ‘O Papel das Religiões na Sociedade Moderna’. In: Ética para o Novo Milênio. RJ: Sextante. religião, além de sua verdade salvadora, alega ser capaz de ajudar-nos a superar o sofrimento, certamente, ainda é relevante. Como, então, conseguir a harmonia necessária para solucionar conflitos religiosos? A resposta é a mesma que se dá para as pessoas que querem aprender a controlar suas reações aos pensamentos negativos e cultivar qualidades espirituais: desenvolver a capacidade da compreensão. Primeiro temos que identificar os fatores que a obstruem. Depois encontrar os meios para superá-los. Talvez um dos fatores que mais obstruam a harmonia inter-religiosa seja a incapacidade de perceber o valor das tradições de fé dos outros. A globalização, entrementes, acrescentamos, deveria permitir autêntica mundialização: trocas interculturais profundas, baseadas no respeito ao distinto, capazes de inaugurar a convivências entre os povos. Encontros inter-religiosos, como o contacto entre Dalai Lama e o monge trapista ocidental Thomas Merton resultaram em enriquecimento mútuo e, portanto, deveriam ser estimulados. Dalai Lama acredita que o conhecimento das bases éticas comuns das diferentes tradições (a), que o estudo da vida dos seus fundadores (b), que o estudo das diferentes doutrinas (c), que a prática diária dos ensinamentos da própria religião (d) são fatores decisivos à harmonia individual e social. Destaca que o conhecimento da própria Tradição é indispensável ao diálogo inter-religioso. Salienta a importância da prática, pois a prática religiosa implica muito mais do que dizer “Eu Creio” ou “Eu me abrigo” (a). Implica muito mais do que visitar Templos e Igrejas (b). Estudar a Religião, ler seus livros, não traz grande proveito se o que se aprende não chega a penetrar no coração e se mantém apenas no plano intelectual (d). Contar somente com a fé sem a compreensão e sem a prática é insuficiente (e). Segundo o líder tibetano, o esforço que fazemos com sinceridade para nos transformarmos espiritualmente é o que nos torna verdadeiros praticantes de uma crença. Desenvolver a disciplina ética e a compaixão acolhendo e promovendo o outro é valioso e transforma vidas. 12 Teologia da Hospitalidade Claudio Monge, teólogo dominicano que vive em Istambul Turquia, testemunha pela inserção de um cristão – num país majoritariamente islâmico – a hospitalidade. A Teologia da Hospitalidade encontra fonte na visitação das três personagens divinas a Abraão. No relato no qual Abraão acolhe os ‘estrangeiros’ sob a sombra do Carvalho de Mambré [Gn 20, 117] há significativo testemunho da hospitalidade. Abraão vendo os três Texto 07: Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso 5 visitantes – surpreendido pela visita dos seres divinos – prostra-se diante da tenta. Suplica graça diante dos seus olhos. Ingressa na Tenda e ordena que preparem uma lauda refeição para os visitantes. Os convida irem à sombra da Árvore de Mambré. Atravessa sua tenda e vai ter com eles. Partilha com os três a refeição. Os três dão a saber que Sara, sua esposa em idade avançada, seria mãe de um menino, seu filho Isaac. O que aprendemos com Abrão na acolhida aos estrangeiros? Somente atravessando a tenda, ou seja, indo além da pertença cultural é possível acolher o distinto (a). Não é possível acolher invadindo, impondo, sendo invasivo (b). Somente é possível acolher, superando distâncias e realizando a proximidade, abrindo-se à novidade do outro (c). A hospitalidade realiza a proximidade, a proximidade é a base da vida em comum (d). Na proximidade é possível dialogar (e). Dialogar? Revelandoo que sou, acolhendo a novidade do outro, vencendo medos, descontruindo barreiras, derrubando muros. Abraão cumpriu o mandato de Javé pois, de algum modo, todos somos ‘estrangeiros’ e acolher ‘o estrangeiro’ é acolher a Javé. Ama-o como a ti mesmo, por que fostes estrangeiros no Egito”. Lev 19, 23-34. Abraão antecipou um modo-de-ser ecumênico, pois “vós todos, quer fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo”. Gl 3, 27-28. No diálogo, portanto, não abandonamos a identidade, mas, abrindo-nos ao distinto – ao outro – nos enriquecemos. Dialogar não é diluir a identidade, mas, dinamicamente, enriquecê-la. Viver a dinâmica da Hospitalidade: seguir os passos de Abraão, dos Profetas e de Jesus de Nazaré. 13 Conclusões Dialogar implica em conhecer profundamente minha Tradição – o núcleo ético, a compreensão do Sagrado, os textos, as práticas – para, então, reconhecendo as diferenças, encontrar elementos comuns, testemunhá-los e vivê-los na compreensão de que são vitais à humanidade. Um Cristão, por exemplo, que conhece sua confissão, a mensagem libertadora do Nazareno, reconhecerá que a boa-nova também é presente noutras Tradições. Nesse sentido, se o exclusivismo pode, facilmente, conduzir ao fundamentalismo; o relativismo pode, facilmente, conduzir à banalização das Tradições e ao indiferentismo16. 16 Dentre as Posições Religiosas encontramos: 1) Exclusivismo: “somente minha Igreja ou religião é verdadeira”; 2) Relativismo: “Todas as Religiões e Igrejas são verdadeiras, não há diferenças entre elas”. Como alternativa há o Diálogo: “Conheço minha Tradição e pratico-a, mas respeito e procuro conhecer outras Tradições”. Para o Pluralismo: “O Sagrado e a Verdade manifestam-se em todas as Tradições”. Para o Inclusivismo: “A verdade de minha Religião revela- se em outras Tradições”. Ex: A Boa Nova de Jesus de Nazaré é É importante, em consequência, observar os frutos da prática religiosa e do autêntico diálogo ecumênico e inter-religioso que precisam traduzir-se em vida: “Vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”. Jo 10, 10. Lembremos que na parábola do Bom Samaritano Jesus nos pergunta: quem é o próximo? Efetivamente, religião não salva, mas a prática do amor redime e liberta. Descobrimos nas apresentações e no presente estudo que a diversidade religiosa é extremamente enriquecedora. Segundo Dalai Lama17, em princípio todas as religiões são iguais na medida em que salientam o amor e a compaixão e são indispensáveis no contexto da disciplina ética. Mas, afirmar isso não significa que todas sejam uma só coisa. Há diferentes concepções metafísicas, por exemplo, entre Hinduísmo, Budismo e Cristianismo. No próprio Budismo há diferenças significativas entre ramos e escolas. Afirmar que a concepção de Trindade do Cristianismo corresponde ao conceito budista de Dharmakaya, Sambobakaya e Nirmanakaya é equivoco que esvazia o significado dessas concepções. Conhecer a Tradição ‘a qual pertenço’, descobrir ‘as riquezas’, compreendê-las, vivê-las, é passo significativo que nutrirá o diálogo ecumênico e inter- religioso. Desde aceitação e conhecimento das diferenças, entretanto, é possível caminhar na busca da identidade comum compartilhada pelas Confissões Cristãs e demais Tradições Religiosas. Há um senso do sagrado que encaminha ao respeito à vida e vivência de princípios éticos que podem e devem unir crentes e homens e mulheres de boa-vontade. Há, é importante perguntar, critério para avaliarmos um pluralismo autêntico? Autêntica noção de pluralismo religioso considera o respeito irrestrito pelos direitos humanos como princípio universal. Traduz-se em prática de ativa participação na defesa da vida e no combate às diversas formas de violência: psíquica, social, econômica e outras. Destaquemos a relevância da prática religiosa pois, em algum momento, a vida nos despertará de posições autocentradas e da indiferença. Num mundo orientado pelos interesses mercantis, no qual o tecnicismo e o cientificismo18 estimulam o isolamento, a indiferença e o individualismo é preciso discernir, descobrir o que realmente é vital à existência. A existência é um dom que precisa ser cultivado, o que supõe o reconhecimento do outro e a defesa e promoção intransigente da vida. Sejamos cristãos ou budistas ou pratiquemos outra religião, participemos ou manifesta, indiretamente, em outras Tradições, pois sementes do verbo foram lançadas em toda a parte. Dentre as posições, pensamos, é possível conciliar, e o é prudente, Pluralismo e Inclusivismo. Estendendo, salientamos, para o diálogo com os não-crentes. 17 Cf. DALAI LAMA, 2005, p.162-174. 18 Cientificismo e Tecnicismo são o contrário de autêntica e adequada noção e prática de Ciência e Técnica. Texto 07: Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso 6 não de uma Comunidade religiosa, sejamos agnósticos ou até não consigamos conceber a Deus; nos esforcemos, entretanto, para perceber o Sagrado da Vida. Identifiquemos os desafios da existência, as urgências éticas e planetários e nos tornemos sempre mais responsáveis pela promoção e defesa da vida, pela implementação da Justiça e edificação da Paz. Possamos perceber o outro como próximo e não como competidor. Tomemos consciência da provisoriedade da vida e da Comum Unidade que congrega os humanos no Planeta que compartilhado com miríades de seres vivos. Reaprendamos a dialogar, cultivemos uma espiritualidade! O que aprendemos? ANEXO Claudio Monge, entrevista Diálogo e Hospitalidade para a Revista Humanitas19: “Antes de tudo, o diálogo, sobretudo neste momento, é mais do que nunca necessário. Para os cristãos o diálogo é constitutivo do ser, porque acreditamos em um Deus que é diálogo, mas estamos conscientes de que o termo está bastante esvaziado de sentido. Precisamos recuperar seu sentido mais profundo, porque atualmente o diálogo é, em primeiro lugar, o reconhecimento da humanidade do outro. Testemunhamos, nos dias atuais, uma crise religiosa, que é uma crise do encontro, entretanto não é uma crise teológica, mas, sim, antropológica. A tradição cristã-católica, sobretudo a de matriz europeia, desenvolveu muito a metafísica e a teologia de Deus, mas esqueceu que uma teologia de Deus não serve se ela não for uma teologia para o homem. A teologia de Deus deve querer encontrar-se com o homem. Gosto sempre de relembrar uma frase do Padre Congar, um dominicano que dizia: ‘Antes de uma boa teologia para o homem é preciso uma antropologia para Deus’. [...]”. “Ao assumirmos nossa própria identidade e sermos capazes de tomar a sério a identidade do outro, compreenderemos que o encontro permitirá que saiamos diferentes dele. Neste encontro, ao fazer um pedaço do caminho juntos (que não é neutro porque nossa identidade entra no jogo), o lugar deixa de ser caracterizado por uma única identidade, mas um espaço de encontro de identidades. Um lugar em que o outro não é totalmente capturável por nossa racionalidade, porque há algo que escapa à nossa compreensão, e este outro que não conseguimos compreender se torna um caminho mestre para Deus que só é possível de ser acolhido no momento em que ele se dá a nós”. Entrevista com Zygmunt Bauman no Encontro de Assis20 Como nos integrarmos sem aumentar a hostilidade, sem separar os povos? “É a pergunta fundamental da nossa época. Também não podemos negar que estamos em um estado de guerra, e, provavelmente, essa guerra também será longa. Mas o nosso futuro não é construído por aqueles que se apresentam como "homens fortes", que oferecem e sugerem aparentes soluções instantâneas, como construir muros, por exemplo, desembainhando a arma milagrosa que resolve todos os problemas, enquanto o problema permanece. A única19 Cf. Claudio Monge. Entrevista à Humanitas – Unisinos. Endereço: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/550863-um-ocidente- anestesiado-na-sua-capacidade-de-hospitalidade-entrevista-especial-com- claudio-monge- Acesso em 13/06/2018. personalidade contemporânea que leva adiante essas questões com realismo e que as faz chegar a cada pessoa é o Papa Francisco. No seu discurso à Europa, ele fala de diálogo para reconstruir a tessitura da sociedade, da justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho que não representam mera caridade, mas uma obrigação moral. Passar da economia líquida para uma posição que permita o acesso à terra com o trabalho. De uma cultura que privilegie o diálogo como parte da educação. Mas, atenção, ele repete: diálogo-educação”. Por que, na sua opinião, o papa está convencido de que essa é a palavra que não devemos nos cansar de repetir? Afinal, o que é o diálogo? “Ensinar a aprender. O oposto das conversas comuns que dividem as pessoas: umas certas, outras erradas. Entrar em diálogo significa superar o limiar do espelho, ensinar a aprender a se enriquecer com a diversidade do outro. Ao contrário dos seminários acadêmicos, dos debates públicos ou das discussões partidárias, no diálogo não há perdedores, mas apenas vencedores. Trata-se de uma revolução cultural em relação ao mundo em que se envelhece e se morre antes de crescer. É a verdadeira revolução cultural em relação àquilo que estamos acostumados a fazer e é o que permite repensar a nossa época. A aquisição dessa cultura não permite receitas ou escapatórias fáceis, ela exige e passa pela educação que requer investimentos de longo prazo. Nós devemos nos concentrar nos objetivos de longo prazo. E esse é o pensamento do Papa Francisco. O diálogo não é um café instantâneo, não dá efeitos imediatos, porque é a paciência, a perseverança, a profundidade. Ao caminho que ele indica, eu acrescentaria uma única palavra: assim seja, amém”. Ecumenismo e diálogo inter-religioso: 1) O que seria uma Educação para o diálogo? 2) Por quê encontro inter-religiosos como os realizados em Assis são importantes? 3) Por que o pluralismo religioso é uma riqueza à humanidade? 4) O que é ecumenismo e o que diálogo inter-religioso? Quais são os pressupostos do diálogo ecumênico e inter-religioso? Teologia da Hospitalidade [Claudio Monge]: 5) Quais são os aprendizados da Teologia Abraâmica da Hospitalidade para o diálogo inter-religioso e para a minha vida? Projeto de Ética Mundial [Hans Küng]: 6) Por que a Paz Religiosa, que sustenta-se no diálogo, é vital à Paz entre os povos? 7) O que, a partir das diferenças, há de comum entre as Tradições Religiosas? 8) As religiões podem mobilizar pessoas porque encontram-se no coração das culturas. O que isso significa? 9) Por que os temas da Justiça, dos direitos humanos e das questões ecológicas são vitais às religiões do mundo? O Papel da Religiões na Sociedade Moderna 10) As religiões ainda são importantes no mundo contemporâneo. Por quê? 11) Quais são os pressupostos, segundo Dalai Lama, de autêntico diálogo inter-religioso e cooperação entre as Tradições religiosas? 12) No contexto do pluralismo religioso, qual é o procedimento adequado para relacionar ‘minhas convicções’ ou ‘crenças religiosas’ com as convicções e crenças religiosas de outras Tradições? 20 Cf. Entrevista de Bauman à Humanitas – Unisinos. Endereço: http://www.ihu.unisinos.br/eventos/560269-bauman-as-guerras-religiosas- apenas-uma-das-ofertas-do-mercado . Acesso em 13/08/2018. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/543756-congar-paladino-do-concilio http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/550863-um-ocidente-anestesiado-na-sua-capacidade-de-hospitalidade-entrevista-especial-com-claudio-monge- http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/550863-um-ocidente-anestesiado-na-sua-capacidade-de-hospitalidade-entrevista-especial-com-claudio-monge- http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/550863-um-ocidente-anestesiado-na-sua-capacidade-de-hospitalidade-entrevista-especial-com-claudio-monge- http://www.ihu.unisinos.br/eventos/560269-bauman-as-guerras-religiosas-apenas-uma-das-ofertas-do-mercado http://www.ihu.unisinos.br/eventos/560269-bauman-as-guerras-religiosas-apenas-uma-das-ofertas-do-mercado