Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SISTEMA DE ENSINO DIREITO PENAL – PARTE GERAL Ilicitude. Culpabilidade Livro Eletrônico 2 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL Introdução ......................................................................................................................4 Ilicitude e Culpabilidade ..................................................................................................5 1. Ilicitude .......................................................................................................................5 1.1. Evolução da Ilicitude nas Teorias do Crime ................................................................5 1.2. Conceito de Ilicitude: Formal e Material ...................................................................9 1.3. Ajustes Terminológicos .......................................................................................... 10 1.4. Relação entre Tipicidade e Ilicitude ........................................................................ 12 1.5. Excludentes de Ilicitude ......................................................................................... 13 1.6. Relação entre a Justificante Penal e a Indenização no Cível .................................... 13 1.7. Comunicabilidade da Justificante ............................................................................ 14 1.8. Redução de Espaço do Exame das Justificantes: Teoria da Imputação Objetiva; Tipicidade Conglobante; Princípio da Insignificância ...................................................... 14 1.9. Relação entre Justificantes e Erros: Erros Sobre as Justificantes; Erro Sobre Elementar com Conteúdo de Ilicitude; Erro na Execução .............................................. 15 1.10. Requisito Subjetivo nas Excludentes de Ilicitude ................................................... 16 1.11. Excesso nas Justificantes ...................................................................................... 16 1.12. Estado de Necessidade ......................................................................................... 18 1.13. Legítima Defesa ....................................................................................................23 1.14. Exercício Regular do Direito ..................................................................................29 1.15. Estrito Cumprimento do Dever Legal ................................................................... 30 1.16. Consentimento do Ofendido .................................................................................. 31 1.17. Ofendículos ...........................................................................................................32 2. Culpabilidade ............................................................................................................34 2.1. Evolução da Culpabilidade nas Teorias do Crime ....................................................34 3 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL 2.2. Sentidos Jurídicos do Termo Culpabilidade ............................................................38 2.3. Relação com Livre-arbítrio e Determinismo ..........................................................39 2.4. Culpabilidade de Fato e Culpabilidade de Autor .................................................... 40 2.5. Culpabilidade como Elemento do Crime ............................................................... 40 2.6. Equívoco da Posição da Culpabilidade como Pressuposto de Pena ....................... 40 2.7. Elementos da Culpabilidade com Suporte na Teoria Normativa Pura ..................... 41 Questões de Concurso ..................................................................................................59 Gabarito ...................................................................................................................... 82 Gabarito Comentado .....................................................................................................83 Referências Bibliográficas .......................................................................................... 127 4 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL Introdução Olá! Sou o professor Dermeval Farias. É com prazer que iniciamos mais um capítulo do material em PDF do Gran Cursos Online. Apresentamos, desta vez, os temas ilicitude e culpa- bilidade, com abordagem de doutrina, jurisprudência e questões correlatas. O tema tratado neste momento constitui uma etapa fundamental na compreensão da estrutura analítica do delito, uma vez que o crime constitui um fato típico, ilícito e culpável (posição majoritária). Portanto, vamos tratar agora de forma sistemática da ilicitude e da culpabilidade, com o uso da lei, da doutrina, da jurisprudência e de questões comentadas. Encontrei mais questões do que imaginava sobre o tema ora em análise, com diferentes graus de dificuldade. Busquei desenvolver o capítulo com prévia pesquisa dos manuais de Direito Penal e, principalmente, de artigos e livros específicos indicados nas referências bibliográficas. Fiz uso ainda de toda pesquisa que realizo durante mais de 15 anos nos quais leciono direito penal, parte geral e parte especial. Nesse período, temos preparado candidatos para os mais diversos concursos jurídicos do país: Juiz Estadual, Juiz Federal, Procurador da República, Promotor de Justiça, Defensor Público, Delegado de Polícia (Civil e Federal), Analista Jurídico, Advogado da União e outros. Tenho muito prazer em trabalhar hoje com colegas que são promotores de justiça, juntamente comigo, que outrora eram alunos; bem como magistrados; delegados de polícia; defensores públicos, ex-alunos que encontramos em audiências, nos júris etc. O tema que ora se apresenta foi dividido em três partes no presente capítulo: a primeira parte trata da ilicitude; a segunda parte cuida culpabilidade; e a terceira parte contempla as questões selecionadas. Ressalto que serão apresentados, quando necessários, resumos, quadros sinópticos, dicas e destaques sobre pontos específicos de cada instituto jurídico de direito penal, de modo a facilitar a compreensão e, por consequência, o acerto em provas de concursos. 5 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL ILICITUDE E CULPABILIDADE 1. IlIcItude 1.1. evolução da IlIcItude nas teorIas do crIme No capítulo (primeiro capítulo do PDF do GRAN, Direito Penal, de minha autoria) sobre as Teorias do Crime, tratamos do tema ilicitude dentro das diversas teorias do crime (causalismo clássico, causalismo neoclássico, finalismo, teoria social da ação, funcionalismo teleológico, funcionalismo sistêmico, teoria significativa da ação). Desse modo, para uma análise de todas as teorias do crime, remetemos o leitor ao capítulo 1 do PDF do GRAN (teorias do crime). Nessa oportunidade, iremos trazer apenas os principais aspectos da ilicitude em cada teoria, de forma sintética, para iniciarmos a abordagem do tema. O conceito de ilicitude (antijuridicidade), na teoria causal clássica, não se desenvolveu de forma concomitante com o de tipicidade. Até o final do século XVIII, a ilicitude se confundia com a culpabilidade e, apenas, eram feitas ressalvas sobre as excludentes de ilicitude (causas de justificação). Foi Ihering quem desenvolveu a ideia de antijuridicidade objetiva para o Direito Civil em 1867 (TAVARES, 2003, p.147). Após isso, contribuíram, para o desenvolvimento do conceito da antijuridicidade formal e criação de seus contornos, os estudos de Franz von Liszt, a ideia de Binding de que o delito era um ato contrário à norma, mas não à lei, bem como a contribuição de Merkel com sua teoria dos elementos negativos do tipo (GOMES FILHO, 2019). A ilicitude causal clássica era formal, portanto, consistiana relação de contradição entre o fato típico e uma norma do ordenamento jurídico. Dito com outras palavras: “a antijuridicidade é definida formalmente, como contrariedade da ação típica a uma norma do direito, que se fundamenta simplesmente na ausência de causas de justificação” (GRECO, 2006, p.123). Por sua vez, o injusto – que constitui a valoração da tipicidade e da ilicitude, a junção valorativa dos dois primeiros elementos da estrutura analítica do delito – era objetivo-formal. Isso porque era composto de elementos objetivos, descritivos e formais, constantes somente na lei, analisados de forma ontológica e não axiológica. Não se analisava no injusto os 6 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL elementos subjetivos. A lesão ao bem jurídico seria antijurídica independente do ânimo do agente. O injusto era a parte externa da estrutura do crime (parte objetiva), enquanto a culpabi- lidade era a parte interna (parte subjetiva). No causalismo neoclássico (teoria causal neoclássica ou neokantismo penal), a ilicitude passou a ser material e consistia na relação de antagonismo entre o fato e a lei geradora de danosidade social, possibilitando o surgimento de excludentes supralegais, ou seja, não previstas na lei (GRECO, 2006, p.123). A relação entre os elementos do injusto, segundo Juarez Tavares, constitui o dado mais significativo da reformulação neokantiana (TAVARES, 2003, p.136). Na visão de Max Ernst Mayer, a tipicidade e a antijuricidade deveriam ser compreendidas de maneira separada, porquanto se comportam como a fumaça e o fogo e, desse modo, o tipo constitui um indício de ilicitude (MAYER, 2011, p.11-12; 64; 227). Por conseguinte, o vínculo entre a tipicidade e a ilicitude de- nomina-se ratio cognoscendi, o tipo passa a ser o elemento identificador da ilicitude. O delito, assim como no período causal clássico, foi definido como uma ação típica, ilícita e culpável. Segundo Ernst Mayer, para ilustrar a separação entre tipicidade e ilicitude, o condenado que foge da penitenciária pratica um ato ilícito, pois está obrigado a cumprir a pena. No entanto, ele não realiza, por ausência de previsão legal, uma conduta típica. E, de forma inversa, os soldados de um corpo de engenheiros militares que, numa situação de guerra, destroem a ponte de uma cidade, para preparar a sua defesa, realizam uma conduta típica que, todavia, não é antijurídica (MAYER, 2011, p.11). De outra forma, para Edmund Mezger, o delito (parte objetiva) deveria ser compreendido como uma ação tipicamente antijurídica (MEZGER, 1955, p.349-350). O tipo perderia qualquer autonomia e se tornava fundamento da antijuridicidade, passando a constituir a antijuridicidade tipificada, deixando a categoria isolada de tipo e se transformando em um tipo de injusto. Passa a existir uma visão conjunta de tipicidade e ilicitude, que corresponde a ratio essendi. Por conseguinte, a antijuridicidade se tornou o principal elemento do delito que passou a ser visto como uma antijuridicidade típica (TAVARES, 2003, p.149). Destaca-se, ainda, a teoria dos elementos negativos do tipo, a qual foi criada por Adolf Merkel a partir de 1889. Depois foi desenvolvida, entre outros, por Reinhard Frank. Nesse contexto, “a distinção entre tipo e antijuridicidade perde sua importância, florescendo em 7 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL alguns autores a teoria dos elementos negativos do tipo, que vê na ausência de causa de justi- ficação um pressuposto da própria tipicidade” (GRECO, 2006, p.125). Desse modo, no primeiro caso (ratio cognoscendi), o tipo constitui um indício de ilicitu- de; no segundo caso (ratio essendi), a antijuridicidade conteria o tipo; no terceiro caso (teoria dos elementos negativos do tipo), o tipo conteria a antijuridicidade. Nos dois últimos casos, antijuridicidade e tipo não são vistos como elementos autônomos, “mas sim, como um todo normativo unitário” (TAVARES, 1980, p.45). Dentro da teoria dos elementos negativos do tipo, desenvolveu-se um conceito de tipo total de injusto, dividido em duas partes: parte positiva (tipo positivo) composta dos elementos objetivos, subjetivos e normativos; parte negativa (tipo negativo) que significa a ausência de causas excludentes da ilicitude (GOMES FILHO, 2019). Portanto, as excludentes de ilicitude, dentro dessa teoria, são os requisitos negativos do tipo de injusto. “Tomando em conta, por exemplo, o art. 121 do Código Penal, na visão da teoria em destaque, o tipo total deste injusto seria: matar alguém, salvo em legítima defesa, estado de necessidade etc.” (GOMES, 2001, p.82). Da mesma forma, Hassemer exemplifica que a lei- tura do § 193 do Código Penal alemão seria: “A injúria será punida com [...] a não ser que ela ocorra em defesa de interesse legítimo” (HASSEMER, 2005, p.85). Winfried Hassemer faz severa crítica à teoria dos elementos negativos do tipo, pois não se pode, ao mesmo tempo, censurar positivamente (tipo positivo) e justificar negativamente (tipo negativo). Diz que a referida teoria trata a excludente de ilicitude como capaz de afastar a relevância da conduta jurídico-penal. Ou seja, como exemplo: matar alguém em legítima de- fesa seria o mesmo que tomar um café, pois, quanto ao resultado, nenhum dos dois fatos é um injusto penal. Ora, matar uma pessoa em legítima defesa é uma lesão a um ser humano. O fato de ser justificada não afasta a natureza de lesão, “é uma transgressão à barreira do tabu (Tabuschranke) que codetermina a nossa cultura jurídica” (HASSEMER, 2005, p.85). A teoria dos elementos negativos é adotada na Itália. No Brasil, é minoritária a doutrina que lhe rende aceitação. Além de Paulo Queiroz (2006, p.155-156), destaca-se Miguel Reale Ju- nior que compreende, num momento único, os juízos de tipicidade e de antijuridicidade, e não vislumbra separação e nem autonomia entre esses institutos (REALE JUNIOR, 2009, p.144-145). 8 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL Na teoria finalista da ação, a antijuridicidade pode ser conceituada como a relação de contradição entre a ação e o ordenamento jurídico; corresponde a uma característica da ação, a um juízo de valor objetivo que recai sobre a ação (WELZEL, 2003, p.100-101); é uma só no ordenamento jurídico (civil, administrativo). A antijuridicidade corresponde à “contradição de uma realização típica com o ordenamento jurídico como um todo (não apenas com uma norma isolada)” (WELZEL, 1976, p. 76). Diz Luís Greco que a antijuridicidade no finalismo deixou de ser enxergada como dano social ao bem jurídico para ser vista como ilícito pessoal consubstanciado fundamentalmente no desvalor da ação que tem como núcleo a finalidade (GRECO, 2006, p. 129). A interpretação material da tipicidade com o componente danosidade social se tornou difícil porque o finalis- mo priorizou o desvalor da ação. As causas de justificação ou excludentes da ilicitude passaram a ser tipos permissivos (GRECO, 2006, p. 129). Ressalta-se que os finalistas brasileiros aceitam o exame de excludentes supralegais. Isso comprova que a antijuridicidade do finalismo, embora priorize o desvalor da ação, não é cega e formalista como foi a do causalismo clássico ou, ao menos, o sistema finalista admite uma abertura, não nos moldes neokantistas, mas, também, sem a limitação causal naturalista. A antijuridicidade nada mais é do que a lesão de determinado interesse vital aferido perante as normas de cultura reconhecidas pelo Estado. A antijuridicidade material se fundamenta em valores sociais, morais e políticos, sem um conceito específico, constituindo-se em ofensa às normas de cultura reconhecidas e aceitas pelo Estado, um comportamento antissocial (MIRABETE, 2006, p. 170-171). Por sua vez, a teoria social da açãotrata a tipicidade e a ilicitude ora com os critérios teleológicos de Edmund Mezger (Neokantismo) e ora com o modelo ontológico do finalismo. O tipo constitui o indício da antijuridicidade (ratio cognoscendi) na concepção social da ação de Johannes Wessels. No modelo funcional teleológico de Claus Roxin (1997, p. 791-794), compete ao tipo a concretização do princípio de que não há crime sem lei; a solução dos conflitos sociais se encontra na antijuricidade; a responsabilidade significa uma valoração que torna o sujeito penalmente responsável, formada por culpabilidade e necessidade preventiva da sanção 9 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL penal. Na teoria funcional teleológica, a tipicidade e a ilicitude formam o injusto e devem ser examinados na perspectiva da teoria da imputação objetiva. O funcionalismo sistêmico desenvolve o conceito normativo de competência em substituição ao modelo da causalidade ontológica reinante no causalismo e no finalismo. Parte da ideia de que a vida em sociedade faz com que cada pessoa seja portadora de determinado papel. Assim, por exemplo, pedestre, motorista, esportista, devem atuar de acordo com um conjunto de expectativas. Compete a cada um deles organizar seu relacionamento social de modo a não infringir as normas penais. A teoria significativa da ação apresenta a ilicitude dentro do segundo momento da pretensão normativa, que compõe o objetivo de validez da norma, reside na pretensão de ilicitude, que é composta da antijuricidade formal com os acréscimos dos aspectos subjetivos do injusto. Nessa fase, a norma afirma que a conduta é ilícita quando contraria o sistema jurí- dico, tanto presente na realização de algo proibido quanto na desobediência a um mandado, ou seja, a uma norma que manda fazer algo (VIVES ANTÓN, 2011, p.492). Ressalte-se que, no modelo da teoria significativa da ação, analisa-se os elementos subjetivos do injusto (dolo e culpa) dentro da pretensão de ilicitude. Entende-se que, sem a verificação de dolo ou culpa não é possível chegar à ideia de ilicitude, em razão da limitação dada pelo princípio da culpabilidade em uma de suas funções (BUSATO, 2010, p.205-206). 1.2. conceIto de IlIcItude: Formal e materIal • Material: desvalor da lesão ou perigo acarretado ao bem jurídico (GEIROS e JAMPIASSÚ, 2020). • Formal: relação de contradição entre o fato e o ordenamento jurídico. Esse conceito material de ilicitude traz um pouco de confusão com a abordagem material de tipicidade. O candidato a concurso público deve ter cuidado nesse aspecto e buscar responder as questões por eliminação. Na história dos conceitos formal e material de ilicitude, como dito anteriormente (item 1), coube a Von Liszt apontar o caminho. Foi visto no desenvolvimento do tema no bojo do texto sobre ilicitude que a ilicitude é analisada diante de todo o ordenamento jurídico, não somente no âmbito penal, por isso que, 10 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL sob o aspecto formal, a ilicitude corresponde à relação de contradição entre o fato e o ordena- mento jurídico. 1.3. ajustes termInológIcos Conforme anunciado na introdução, vários temos são objeto de confusão doutrinária, por isso dificultam a compreensão do tema ilicitude. Por isso, serão explicados abaixo alguns conceitos com o objetivo de facilitar a compreensão do tema. 1.3.1. Antijuridicidade e Ilicitude Os termos antijuridicidade e ilicitude, de modo geral, são usados como sinônimos na doutrina nacional. Todavia, segundo Francisco Assis Toledo – o qual foi um grande colaborador da atual Parte Geral do Código Penal – a opção pelo termo antijuridicidade não é muito feliz, por isso opta pelo termo ilicitude, sob o argumento de que o crime constitui um fato jurídico por excelência, que é subordinado a uma análise jurídica, logo não pode ser antijurídico, mas é ilícito (TOLEDO, 2007, p.159-160). Essa também é uma preferência da doutrina portuguesa. Outros autores, por influência italiana e espanhola, preferem o termo antijuridicidade, que esta- ria mais próxima da tradução alemã (GUEIROS e JAPIASSÚ, 2020, p. 190). 1.3.2. Injusto e Ilicitude A ilicitude e a tipicidade formam o injusto. Desse modo, a ilicitude constitui uma parte do injusto. O injusto corresponde à valoração da tipicidade e da ilicitude. “Injusto é a ação valorada como antijurídica” (MIRABETE, 2006, p.168). Alguns autores denominam o crime de injusto culpável. Essa conceituação significa que a tipicidade e a ilicitude formam o injusto, mas não identifica se o autor do conceito é partidário de uma teoria de autonomia entre os elementos do injusto (ratio cognoscendi) ou de identida- de entre os elementos do injusto (ratio essendi e elementos negativos do tipo). 1.3.3. Antinormatividade e Ilicitude A antinormatividade, em uma das linhas doutrinárias, corresponde à tipicidade, à realização da conduta típica, enquanto a ilicitude requer que o fato, objeto da antinormatividade penal, 11 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL seja confrontado com o ordenamento jurídico como um todo. Isto é, conquanto possa existir a antinormatividade penal, o fato pode ser justificado por uma excludente de ilicitude (GUEIROS e JAPIASSÚ, 2020, p. 191). Desse modo, a antinormatividade possui relação com a tipicidade penal e não se confunde com a ilicitude. O termo antinormatividade e seus sentidos ainda é trabalhado quando da análise da tipicidade conglobante. Aqui, remetemos o leitor ao futuro PDF sobre temas de política criminal. 1.3.4. Tipicidade Conglobante e Ilicitude A teoria da tipicidade conglobante incrementa a valoração da tipicidade material de modo a afastá-la diante de condutas autorizadas, fomentadas ou determinadas por qualquer ramo do ordenamento jurídico. Diante disso, o exercício regular do direito e o estrito cumpri- mento do dever legal passam a ser excludentes de tipicidade, uma vez que o direito penal não pode compreender como típica uma conduta autorizada ou determinada por uma lei do ordenamento jurídico, sob pena de provocar uma contradição normativa. Frisa-se, porém, que a opção ainda presente no Código Penal brasileiro conduz à afirmação de que o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito são excludentes de ilicitude, conforme artigo 23 do referido código. Em perguntas de provas de concursos, é importante prestar atenção no cabeçalho da questão, se solicita ou não a resposta da questão conforme a teoria da tipicidade conglobante. 1.3.5. Justificante e Exculpante A justificante corresponde a uma circunstância, legal ou supralegal, que exclui a ilicitude, pode ser denominada ainda de: excludentes da ilicitude, excludentes da criminalidade, causas justificativas, eximentes ou descriminantes. 12 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL Por sua vez, a exculpante identifica-se com a hipótese, legal ou supralegal, de exclusão da culpabilidade, conhecida, ainda, como causa dirimentes, de exculpação, de inculpabilidade. 1.3.6. Norma Permissiva e Justificante As normas que contemplam justificantes e exculpantes são classificadas como normas permissivas (GRECO, 2017). Logo, por essa ótica, justificante é uma das espécies de norma permissiva. Outra linha doutrinária aponta norma permissiva somente como justificante (CAPEZ, 2011, p. 49). Uma terceira linha doutrinária, minoritária, aponta que a norma permis- siva afastaria a tipicidade (valoração antecipada pelo legislador, exemplo do artigo 128 II), enquanto a norma justificante afastaria a ilicitude (valoração realizada pelo julgador, exemplo do artigo 23). Nesse terceiro sentido, Luís Flávio Gomes e Antônio García-Pablos de Molina (2007, p. 68). 1.4. relação entretIpIcIdade e IlIcItude A tipicidade possui autonomia em relação à ilicitude (ratio cognoscendi). A tipicidade corresponde à adequação do fato à letra da lei penal (formal), que ofende, de forma considerável, o bem jurídico tutelado (material). A ilicitude, por sua vez, caracteriza uma relação de contradição entre o fato e ordenamen- to jurídico como um todo, portanto, não só penal (conceito formal), que “leva igualmente em consideração a lesão ao bem jurídico protegido pela norma respectiva” (TOLEDO, 2007, p. 162), no seu aspecto material. Entre outras contribuições, o conceito material de ilicitude possibilita o exame de exclu- dentes supralegais de ilicitude, ou seja, justificantes supralegais, com suporte no princípio da ponderação de bens (TOLEDO, 2007, p.162). A ilicitude se refere ao fato, portanto, à conduta humana (ação ou omissão) que corres- ponde ao fato comissivo ou omissivo. Segundo Francisco Assis Toledo, a ilicitude pode ser definida nos seguintes termos: “relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico, de modo a causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem jurídico tutelado” (TOLEDO, 2007, p.163). 13 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL Artur Gueiros e Japiassú apresentam os seguintes conceitos de ilicitude: Juízo de contrariedade entre a conduta típica e o ordenamento jurídico no conjunto de suas proibi- ções e permissões; uma valoração que se realiza acerca da natureza lesiva de um comportamento humano contrário ao conjunto de normas legais; contradição de uma realização típica com o orde- namento jurídico em seu conjunto (não só como norma isolada) (GUEIROS, 2020, p. 189). 1.5. excludentes de IlIcItude A excludentes de ilicitude (justificantes) afastam o segundo elemento da estrutura analíti- ca do crime (crime = fato típico, ilícito e culpável), portanto elimina a natureza criminógena do fato, sem eliminar a tipicidade, mas impossibilita o exame da culpabilidade. Além das justificantes presentes na Parte Geral do Código Penal brasileiro, na forma do artigo 23 (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito), há situações justificantes também na Parte Especial – como nos artigos Especial- artigos 128 I (divergência no inciso II); art. 146 § 3º I e II; 142 – e na Legislação Especial, como no arts.303 da Lei n. 7.565/1986 com redação dada pela Lei n. 9.614/1998. 1.6. relação entre a justIFIcante penal e a IndenIzação no cível A justificante reconhecida na decisão penal, geralmente, faz coisa julgada no cível, ou seja, afasta o direito à indenização para quem sofreu conduta típica e lícita, nos termos do artigo 65 do Código de Processo Penal: “Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. Todavia, o direito à indenização subsistirá nos casos: estado de necessidade agressivo (sacrifício de bem pertencente a quem não causou o perigo); erro na execução quando da ação justificante que resulta em ofensa abem jurídico de terceiro; casos de justificante putativa, ou seja, nos casos de erros sobre as causas de justificação (erro de tipo permissivo; erros de proibição indiretos). Para o estudo adequado dos erros no Direito Penal, remetemos o leitor ao capítulo respec- tivo em PDF: ERROS NO DIREITO PENAL: DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E QUESTÕES DE CONCURSOS COMENTADAS. 14 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL 1.7. comunIcabIlIdade da justIFIcante Sobre a comunicabilidade da justificante, é necessário separar duas situações possí- veis no concurso de pessoas, ou seja, hipóteses de participação e de coautoria: • participação: para o partícipe responder por um crime, é preciso que o autor pratique um fato típico e ilícito, segundo a teoria da acessoriedade limitada. Desse modo, por exemplo, se o autor agir em legítima defesa, haverá a comunicação ao partícipe, o qual não responderá pelo crime (para um estudo sobre as diversas teorias da acessoriedade da participação, remetemos o leito ao capítulo em PDF sobre concurso de pessoas). • coautoria: nos casos de coautoria, vale ressaltar, a comunicação da excludente depen- de da presença do animus justificante em todos coautores. Isso porque, se um quis praticar um fato típico e ilícito e somente o outro quis atuar em legítima defesa, estará cindido o emento subjetivo, de modo que não haverá comunicação da excludente. Nesse caso, um será responsabilizado pelo fato criminoso, enquanto o outro será absolvido pela justificante. 1.8. redução de espaço do exame das justIFIcantes: teorIa da Imputação objetIva; tIpIcIdade conglobante; prIncípIo da InsIgnIFIcâncIa Segundo a teoria da tipicidade conglobante, condutas fomentadas, autorizadas e determi- nadas por outros ramos do ordenamento jurídico não podem ser típicas no direito penal. Desse modo, a teoria da tipicidade conglobante reduz o espaço da ilicitude, ou o campo das justifi- cantes do estrito cumprimento do dever legal e do exercício regular do direito, que passam, na perspectiva conglobante, à solução de condutas atípicas. Do mesmo modo, em razão do risco permitido e da solução axiológica proposta pela teoria da imputação objetiva, condutas que são, no modelo tradicional, examinadas como estado de necessidade, passam a ser compreendidas como atípicas nos casos de diminuição do risco. O mesmo fenômeno pode acontecer com o exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal, desde que, valorativamente, sejam compreendidos, no caso concreto, como condutas de risco permitido. 15 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL Por fim, o princípio da insignificância permite afastar a tipicidade material de conduta que provocou ofensa ínfima ao bem jurídico, preenchidas as condições objetivas e subjetivas (STF – vide PDF de princípios). Com isso, alguns fatos, como o do estado de necessidade no furto famélico, foram reduzidos à situação de atipicidade por insignificância, preenchidos os requisitos anunciados. Isso também representa uma ampliação, indireta, da tipicidade mate- rial, com maior exigência para a compreensão da tipicidade, reduzindo o espaço da ilicitude. Sobre a teoria da imputação objetiva, é importante a leitura do capítulo em PDF sobre a Teoria do Fato Típico. Quanto à teoria da tipicidade conglobante, remetemos o leito ao PDF de Temas de Política Criminal. 1.9. relação entre justIFIcantes e erros: erros sobre as justIFIcantes; erro sobre elementar com conteúdo de IlIcItude; erro na execução Os erros sobre as causas de justificação (excludente de ilicitude) são tratados da seguinte forma: erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de justificação são tratados como erros de proibição indiretos, chamados de erros de permissão (teoria extremada culpa- bilidade), com solução no artigo 21 do Código Penal, a mesma solução, portanto, do erro de proibição direto. Enquanto o erro sobre pressuposto fático de uma causa de justificação é concebido como erro de tipo permissivo (teoria limitada da culpabilidade), com solução no § 1º do artigo 20. Esse erro é o que acontece, por exemplo, no caso de legítima defesa putativa, quando do encontro dos dois inimigos jurados de morte, no qual um atira no outro porque imaginou a iminência de uma agressão após a vítima colocar a mão no bolso. O erro na execução não afasta a excludente de ilicitude. Desse modo, a título de exemplo: Caio – diante de uma injusta agressão atual, perpetrada por Francisco, o qual efetuava tiros na sua direção – com a intenção de se defender (animus justificante) reage e efetua um disparo contraFrancisco, mas, em razão de um erro na execução, atinge um terceiro que passava pelo local de nome João. O erro não elimina a legítima defesa de Caio. 16 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL Sobre o tema erro, tanto os erros acidentais quanto os erros essenciais, com conceitos, classi- ficações, exemplos e questões, remetemos o leitor ao estudo do PDF de Erros. 1.10. requIsIto subjetIvo nas excludentes de IlIcItude Prevalece o entendimento na doutrina penal brasileira atual de que é necessário a existência do animo justificante para a configuração de uma excludente de ilicitude, ou seja, querer se defender; querer atuar em estado de necessidade; querer agir em estrito cumprimento do dever legal; querer atuar no exercício regular do direito. Existe corrente doutrinária, minoritária, em sentido diverso que dispensa o ânimo justifi- cante e analisa somente os elementos objetivos da excludente. Nesse sentido se posiciona Zaffaroni (2006). Portanto, a dotamos a posição segundo a qual é necessário a presença do elemento subjetivo para configurar a excludente de ilicitude. Dessa forma, não haverá, por exemplo, estado de necessidade na conduta de quem mata outro, sem conhecimento de a embar- cação, onde se encontrava, estava afundando e, por conseguinte, salva-se do afogamento. O agente, nesse caso, responderá pelo crime de homicídio ante a ausência do elemento subjetivo (ânimo justificante). Do mesmo modo, não há legítima defesa, por exemplo, na conduta de quem atira num ladrão que está à porta de sua casa, supondo tratar-se de um agente policial que irá cumprir um mandado de prisão contra o autor do disparo (MIRABETE, 2006, p.182). Cuida-se de hipótese de crime de homicídio pelo qual deverá responder o agente. 1.11. excesso nas justIFIcantes Se o agente exceder na justificante, deverá responder pelo excesso a título de dolo ou de culpa, conforme a previsão legal. O excesso pode estar presente em qualquer uma das 17 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL excludentes de ilicitude, não restrição, conforme redação do parágrafo único do artigo 23: “o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”. O excesso culposo decorre de precipitação, desatenção (MIRABETE, 2006). O excesso é doloso quando o agente quer ou assume o risco do excesso, não busca, por exemplo, o menor dano na ação (estado de necessidade) ou na reação (legítima defesa). Ocorre excesso doloso, por exemplo, quando o agente mata o agressor que desferiu um tapa ou mata uma criança porque invadiu o quintal alheio para apanhar algumas frutas. Na reação, no caso de legítima defesa, deve-se buscar o meio que causa o menor dano. Além da classificação legal de excesso doloso e de excesso culposo, a doutrina apresenta diversas classificações terminológicas sobre o excesso, que geram mais confusões do que au- xiliam na solução dos problemas penais. Dentre elas, merecem ser destacadas as seguintes: • excesso intensivo (próprio): “a intensificação desnecessária da conduta inicialmente justificada” (MASSON, 2015, p. 484). • excesso extensivo (impróprio): é aquele em que não estão presentes os pressupostos das causas de exclusão da ilicitude, não mais existe a agressão ilícita, encerrou-se a situação de perigo, o dever legal foi cumprido e o direito foi re- gularmente exercido. Em seguida, o agente ofende bem jurídico alheio, respondendo pelo resultado dolosa ou culposamente produzido” (MASSON, 2015, p. 484). Na legítima defesa, ocorre “quando agente, inicialmente, fazendo cessar a agressão injusta que era praticada contra a sua pessoa, dá continuidade ao ataque, quando este não mais se fazia necessário”, nas lições de Rogério Greco (2017, p. 467) No exemplo abaixo, pode-se identificar o momento do excesso intensivo e o momento do excesso extensivo: Se alguém, ao ser atacado por outrem, em razão do nervosismo em que se viu envolvido, espanca o seu ofensor até a morte, pois não conseguia parar de agredi-lo, como o fato ocorreu numa relação de contexto, ou seja, não foi cessada a agressão para, posteriormente, decidir-se por continuar a repulsa, o excesso, aqui, será considerado intensivo. Agora, se alguém, após 18 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL ter sido agredido injustamente por outrem, repele essa agressão e, mesmo depois de perceber que o agressor havia cessado o ataque porque a sua defesa fora eficaz, resolve prosseguir com os golpes, pelo fato de não mais existir agressão que permitia qualquer repulsa, o exces- so será denominado extensivo (GRECO, 2017, p. 467). • excesso exculpante (chamado também de excesso intensivo exculpante): que decorre de medo, susto e perturbação do ânimo, que pode ser examinado como inexigibilidade supralegal de conduta diversa (tratado quando da abordagem do tema culpabilidade, mais abaixo). • excesso doloso abrigado por um erro quanto aos limites de uma causa de justificação: configura erro quanto aos limites de um excludente de ilicitude, o qual é tratado como erro de proibição indireto, erro de permissão (vide exemplo no capítulo do PDF sobre erros). 1.12. estado de necessIdade O estado de necessidade configura uma excludente de ilicitude no modelo jurídico brasileiro, está regulado no artigo 24 do Código Penal. Parcela da doutrina entende que o estado de necessidade constitui uma faculdade, enquanto outra corrente sustenta que se trata de “um direito, não contra interesses do lesado, mas em relação ao Estado, que concede ao sujeito esse direito subjetivo através da norma penal” (MIRABETE, 2006, p.171). O estado de necessidade pressupõe um conflito entre titulares de interesses lícitos, legíti- mos, em que um pode perecer licitamente para que outro sobreviva. Exemplos clássicos: furto famélico; a antropofagia no caso de pessoas perdidas; destruição de mercadorias de uma embarcação para salvar tripulante; morte de um animal que ataca o agente sem interferência alguma de seu dono. 1.12.1. Conceito O estado de necessidade constitui uma ação de sacrifício inevitável de bem jurídico, de igual ou menor valor, para salvar outro bem, de igual ou maior valor, que se encontra em perigo, que não fora provocado por vontade do agente. 19 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL 1.12.2. Características Além da previsão do artigo 24 do Código Penal, observa-se a presença do estado de necessidade nos artigos 128, I; 146, § 3º; 150, § 3º, II, ou em caso de desastre, art. 5º, XI, da Constituição da República Federativa do Brasil. 1.12.3. Natureza Jurídica do Estado de Necessidade: Teoria Unitária; Teoria Diferenciadora O Código Penal brasileiro adotou a teoria unitária do estado de necessidade. Desse modo, preenchidos os requisitos do art. 24, o estado de necessidade será justificante com o sacrifício de bem jurídico de menor ou igual valor em relação ao bem protegido. Não se adotou a teoria diferenciadora que considera o estado de necessidade justificante no sacrifício de bem de menor valor; e exculpante no sacrifício de bem de igual e até de maior valor. O nosso CP Militar acolheu a teoria diferenciadora nos arts. 39 e 45, parágrafo único. Todavia, grande parcela da doutrina sustenta a possibilidade de solução do estado de necessidade de exculpante, como inexigibilidade supralegal de conduta diversa, em situações razoáveis de sacrifício de bem de maior valor para proteger bem jurídico de menor valor (vide o tema inexigibilidade supralegal de conduta diversa trado mais adiante). Quadro da Teoria Unitária a seguir: BEM JURÍDICO SACRIFICADO BEM JURÍDICO PROTEGIDO ESTADO DE NECESSIDADE MENOR VALOR MAIOR VALOR JUSTIFICANTE IGUAL VALOR IGUAL VALOR JUSTIFICANTE MAIOR VALORMENOR VALOR MENOR VALOR Quadro da Teoria Diferenciadora a seguir: BEM JURÍDICO SACRIFICADO BEM JURÍDICO PROTEGIDO ESTADO DE NECESSIDADE MENOR VALOR MAIOR VALOR JUSTIFICANTE IGUAL VALOR IGUAL VALOR EXCULPANTE MAIOR VALOR MENOR VALOR EXCULPANTE (possibilidade) 20 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL Para salvar bem jurídico de terceiro, de caráter disponível, em situação estado de necessidade é necessário a concordância do titular do bem jurídico (TOLEDO, 2007, p. 187). 1.12.4. Requisitos São requisitos do estado de necessidade: ameaça a direito próprio ou alheio; existência de um perigo atual e inevitável (perigo atual segundo a lei; parte da doutrina defende também o perigo iminente); inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado (inevitabilidade do comportamento lesivo); uma situação de perigo que o agente não provocou por sua vontade (não ter o agente provocado o perigo dolosamente, segundo a maioria); inexistência do dever legal de enfrentar o perigo art. 24, § 1º; conhecimento da situação de fato justificante (animo justificante ou requisito subjetivo); proporcionalidade. É indispensável que o bem jurídico do sujeito esteja em perigo e que ele pratique o fato típico para evitar um mal que pode ocorrer se não o fizer. O perigo pode decorrer de diversas fontes, não somente humana, pode-se acontecer por força da natureza, exemplos: eliminação de um animal selvagem numa floresta; a invasão de domicílio para escapar de um furacão ou inundação etc. O perigo pode também ter sido provocado por ação do homem, como nas hipóteses de: invasão de domicílio para escapar de um sequestro; a destruição de uma coisa alheia para defender-se da agressão de terceiro. É necessário que o sujeito atue para evitar um perigo atual, que é o perigo presente (GUEIROS e JAPIASSÚ, 2020, p. 199), com probabilidade de dano presente e imediata, ao bem jurídico. Não inclui a lei o perigo iminente. Todavia, quanto a isso, há divergência na doutrina. Abrange o que está prestes a acontecer (MIRABETE, 2006). Não haverá estado de necessidade se a lesão só é possível em futuro remoto ou se o perigo já está conjurado. O perigo não pode ser eventual e abstrato. O perigo atual, que está acontecendo, precisa ser real para configurar o estado de necessi- dade do artigo 24. É o caso do exemplo dos náufragos que disputam a tábua de salvação, um 21 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL deles mata o outro durante a noite para não morrer afogado, uma vez que estavam no mar sem qualquer terra seca próxima (perigo atual e real). O exemplo dos náufragos advém do filóso- fo Carnéades (214-129 a.C), autor da expressão Tábua de Carnéades (GUEIROS e JAPIASSÚ, 2020, p. 197). Se o perigo for putativo (exemplo: caso dos náufragos que disputam a tábua de salvação, um deles mata o outro durante a noite, não viu que havia uma ilha próxima, de modo que ambos poderiam ter nadado até), cuida-se de um erro sobre pressuposto fático de uma causa de justificação, tratado pelo § 1º do artigo 20. No exemplo do parágrafo anterior, não houve estado de necessidade do artigo 24, uma vez que, para esse, há necessidade de perigo real. Quando se trata de perigo putativo, a hipótese é de erro de tipo permissivo (teoria limitada da culpabilidade), nos termos dos itens 17 a 19 da exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal de 1984. O perigo deve ser também inevitável. Exige-se uma situação em que o agente não podia, de outro modo, evitá-lo. Significa que a ação lesiva deva ser imprescindível, como único meio para afastar o perigo. Mirabete (2006) exemplifica o perigo evitável com possibilidade de fuga e o recurso às autoridades públicas. Gueiros e Japiassú (2020, p.199) afirmam que o perigo inevitável é aquele que não permite outro meio de fuga. Não se confunde o estado de necessidade com o estado de precisão, que se constitui, por exemplo, na alegação de dificuldades de ordem econômica para justificar o furto, roubo, estelionato. Nessas situações, o fato não estará justificado. É indispensável que o agente não tenha provocado o perigo por sua vontade. Não existi- rá a excludente se, por exemplo, o agente incendiou o imóvel para receber o seguro e matou alguém para escapar do fogo. Há divergência na doutrina quanto ao reconhecimento do estado de necessidade para o agente que provocou o perigo por culpa. O artigo refere-se à vontade, por isso, em tese, sob o aspecto isolado do artigo 24, não fazendo uso de uma interpretação sistemática, é possível afirmar a exclusão da ilicitude para quem tenha causado o perigo de forma culposa, por exemplo, em casos de incêndio, naufrágio. Nesse sentido: Basileu Garcia, Aníbal Bruno, Damásio de Jesus, Reale Junior, Heleno Fragoso. É a posição que já foi cobrada em provas de concursos. 22 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL De outro lado, para Hungria Frederico Marques, quem causou o perigo na forma dolosa ou culposa não pode agir em estado de necessidade. Diante da norma da alínea c, do § 2º, do art. 13, que obriga agir para evitar o resultado quem, com seu comportamento anterior (ainda que culposo), criou o risco da ocorrência do resultado, não poderá alegar estado de necessi- dade o agente provocou culposamente o perigo. Nesse sentido, também se posiciona Cleber Masson (2015, p. 437) e Mirabete (2006, p. 173). O ânimo justificante – vontade de atuar em estado de necessidade, foi explicado anterior- mente – é necessário em todas as excludentes de ilicitude. A proporcionalidade ou razoabili- dade (termos que costumam ser usados como sinônimos no direito penal) deve ser aferida em cada caso concreto. Ademais, a lei elimina a possibilidade de estado de necessidade para quem possui o dever legal de enfrentar o perigo. A lei não elimina a possibilidade de estado de necessidade para quem tem o dever jurídico de enfrentar o perigo. Por essa razão, há debate doutrinário sobre a extensão da expressão dever legal, uma parte da doutrina sustenta que a restrição não alcança o dever jurídico, outra parte sustenta que o dever jurídico do agente o impede de atuar em estado de necessidade (MASSON, 2015, p. 438). Ademais, não se pode esquecer de que foi adotada a teoria unitária no artigo 24 do Código Penal, de modo que só se admite sacrifício de bem de igual ou de menor valor em relação ao bem jurídico protegido. Pela teoria unitária, o estado de necessidade é justificante, não havendo estado de necessidade exculpante. Portanto, em caso de sacrifício de bem de maior valor, o julgador, após a devida valoração e fundamentação, poderá apenas reduzir a pena nos termos do § 2º do artigo 24: Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. 1.12.5. Classificação do Estado de Necessidade No estado de necessidade defensivo, a conduta justificante do agente é dirigida contra bem jurídico do sujeito que causou o perigo. De outro modo, no estado de necessidade agressivo, o agente sacrifica bem jurídico de terceiro que não causou o perigo. Nessa segunda hipótese, 23 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL o agente será beneficiado com a excludente de ilicitude no âmbito penal, mas não estará livre do dever de indenizar do direito civil. Conforme dito anteriormente, o estado de necessidade será putativo quando decorrer de erro sobre pressuposto fático de uma causa de justificação, ou seja, em caso, por exemplo, de perigo putativo. Exemplo: caso dos náufragos que disputam a tábua de salvação, um deles mata o outro durante a noite, não viu que havia uma ilha próxima, de modo que ambos poderiam ter nadado até, cuida-se de um erro sobre pressuposto fático de uma causa dejustificação, tratado pelo § 1º do artigo 20. 1.13. legítIma deFesa A legítima defesa constitui uma excludente de ilicitude narrada no artigo 25 do Código Penal. Ressalta-se que as teorias subjetivas consideram a legítima defesa uma excludente de culpabilidade, afirmam que o agente reage devido a uma perturbação do ânimo. Todavia, as teorias objetivas tratam a legítima defesa como excludente de ilicitude, afirmam o direito primário do homem de se defender, ou seja, o agente, quando age em legítima defesa, retoma a faculdade de defesa que cedeu ao Estado (MIRABETE, 2006, p.177). Entretanto, o fundamento não reside nessa faculdade, mas sim na proteção de bens jurídicos, como se verá abaixo. A Lei n. 13.964/2019 introduziu o parágrafo único no artigo 25 com a seguinte redação Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. A referida alteração legislativa não muda a interpretação penal paras situações de legítima defesa de terceiro na atividade policial. Isso quer dizer que, sob o aspecto dogmático, a nova redação apenas esclareceu uma hipótese que já era do conhecimento jurídico de quem estuda e usa o direito penal na atividade jurídica, ou seja, preenchendo os requisitos do caput, um policial que matar um criminoso para salvar uma terceira vítima, estará em legítima defesa. Nesse sentido também anotam Gueiros e Japiassú (2020, p. 201). 24 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL 1.13.1. Conceito O artigo 25 do Código Penal brasileiro apresenta o conceito da legítima defesa: Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. 1.13.2. Fundamento O fundamento da legítima defesa, na verdade, se encontra na defesa de bens jurídicos e do próprio ordenamento jurídico (GUEIROS e JAPIASSÚ, 2020, p. 200). Conforme ensina Francisco Assis Toledo: a faculdade de autodefesa contra agressões injustas não constitui uma delegação estatal, como já se pensou, mas a legitimação pela ordem jurídica de uma situação de fato na qual o direito se impôs diante do ilícito (2007, p. 192). 1.13.3. Requisitos São requisitos da legítima defesa: agressão injusta atual ou iminente (agressão real); a agressão se dirige a bem jurídico (direito) próprio ou alheio; escolha de meios necessários; uso moderado desses meios (necessidade de reação e proporcionalidade entre ataque e reação); ânimo justificante (elemento subjetivo). A agressão injusta, para efeito de legítima defesa, é analisada diante de todo o ordenamento jurídico, ou seja, uma agressão injusta pode não constituir um fato típico para o direito penal, mas dará o direito de reação em legítima defesa se constituir uma agressão injusta para outro ramo do direito (exemplo: furto de uso). A agressão injusta deve ser causada por um ser humano, portanto se trata de uma agressão injusta humana. Desse modo, a reação contra um ataque de um animal caracteriza estado de necessidade. Todavia, se o animal for um instrumento humano manobrado para o ataque, a reação configurará legítima defesa. Exemplo: dono de um cão bravio determina o ataque do animal a uma vítima, a qual poderá reagir em legítima defesa contra o cão. 25 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL A agressão injusta é analisada diante de todo o ordenamento jurídico, não necessita, sequer, ser típica para o direito penal. Ademais, não se exige capacidade de culpabilidade para o cometimento de agressão injusta. Dessa forma, um inimputável pode cometer agressão injusta e sofrer uma reação em legitima defesa. A agressão precisa ser atual (está acontecendo) ou iminente (prestes a acontecer). Portanto, não se admite legítima defesa contra ameaça de agressão futura, ou seja, o artigo 25 do Código Penal não guarida à legítima defesa prévia ou preordenada (indica-se a leitura do tema legítima defesa preordenada, hipótese específica, no item inexigibilidade de conduta diversa supralegal, mais abaixo). A agressão injusta nem sempre implicará violência, exemplos: furto; omissão ilícita nos ca- sos de carcereiro que não cumpre o alvará de soltura, médico que arbitrariamente não concede alta ao paciente, pessoa que não sai da residência após sua expulsão pelo morador (MIRABE- TE, 2006, p. 177-178). É reconhecida, do mesmo modo, a legítima defesa daquele que resiste, ainda que com violência causadora de lesão corporal, a uma prisão ilegal. É permitido reagir até contra uma agressão culposa, exemplo: um passageiro que obriga com uso de arma um motorista de um coletivo, que dirige de forma imprudente colocando em risco a vida dos transportados, a parar o veículo (MIRABETE, 2006, p. 178). A injustiça da agressão, conforme já exarado, deve ser considerada objetivamente. Desse modo, é possível reação em legítima defesa contra agressão injusta de um inimputável, exemplos: ataque de doente mental ou de um menor, mesmo com a ausência da imputabilidade, auto- rizam a legítima. Diz o Mirabete que pela mesma razão anterior pode o sujeito defender-se de uma agressão amparada por uma excludente de culpabilidade (erro de proibição, coação irresistível) já que não desaparece nesses casos a ilicitude da agressão (2006). É certo que, como premissa, qualquer bem jurídico, próprio ou de terceiro, pode ser prote- gido pela legítima defesa, desde que preenchidos os requisitos do artigo 25. Quando se tratar 26 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL de bem disponível de terceiro, a sua defesa depende da concordância do terceiro (TOLEDO, 2007, p. 200). Rogério Greco, amparado nas lições de Muñoz Conde e de Cerezo Mir, afirma que os bens jurídicos comunitários, supraindividuais, cujo titular é a sociedade (exemplos: fé pública, saúde pública, segurança pública, o correto funcionamento d Administração Pública, Adminis- tração da Justiça) não podem ser objeto de legítima defesa (GRECO, 2017, p.447). Mirabete, por sua vez, discordou da posição anterior, ao sustentar a possibilidade de legítima defesa de terceiro, tanto de bens particulares quanto de bens ou interesses da coletivi- dade (exemplos de agressões injustas: prática de atos obscenos em lugar público, perturbação de cerimônia fúnebre), como do próprio Estado, nos caos de agressões contra a administração da justiça e o prestígio de seus funcionários (MIRABETE, 2007, p. 180). Francisco Assis Toledo faz ressalva, afirma que, com relação aos bens do Estado e das pessoas jurídicas de direito público, a doutrina alemã considera a possibilidade de legíti- ma defesa quando se trata de bens materiais. Contudo, não admite a legítima defesa “para a proteção de conceitos pouco precisos tais como a ordem pública ou o ordenamento jurídico” (TOLEDO, 2007, p. 200). O meio necessário é aquele que provoca o menor dano e é capaz de afastar a injusta agressão. A situação concreta há de revelar se o agente podia escolher ou não um meio menos danoso ou se ele só possuía o meio capaz de provocar maior dano ao agressor. O uso moderado do meio somente até fazer cessa a agressão injusta também configura um requisito da legítima defesa. É importante alertar que a análise do meio necessário e do uso moderado são cruciais para verificar se houve ou não excesso. Mas não se pode deixar de reconhecer que há situações concretas complexas, nas quais a velocidade da agressão pode não permitir ao agente que se defende a escolha do meio necessário, mas somente a do meio mais próximo para exercer a sua defesa. Isso não fasta a necessidade de uso moderado. Por isso se faz necessário uso da proporcionalidade. Segundo Toledo:Não se deve, entretanto, confundir necessidade dos meios empregados com necessidade de de- fesa. Considere-se o exemplo do paralítico, preso a uma cadeira de rodas, que, não dispondo de qualquer outro recurso para defender-se, fere a tiros quem lhe tenta furtar umas frutas. Pode ter 27 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL usado dos meios para ele necessários, mas não exerceu uma defesa realmente necessária, diante da enorme desproporção existente entre a ação agressiva (furto de valor insignificante) e a reação defensiva (lesões corporais ou tentativa de morte). Surge, então, a questão da proporcionalidade na legítima defesa, que, a nosso ver, não tem sido devidamente valorada por certos autores (TOLEDO, 2007, p.202). 1.13.4. Classificação São modelos doutrinários de Legítima Defesa: real; defensiva; agressiva; sucessiva; putativa; recíproca; subjetiva (expressão não consensual). A legítima defesa real constitui uma reação contra uma agressão injusta real que preenche os demais requisitos do artigo 25 do Código Penal. Por sua vez, na legítima defesa defensiva, o agente reage à injusta agressão sem agredir o agressor, apenas afastando a injusta agressão com uso, por exemplo, de técnica de imobilização. De forma inversa, na legítima defesa agressiva, a reação à agressão injusta corre com a agressão ao agressor. A legítima defesa sucessiva corresponde a uma reação contra o excesso, ou seja, o agente que reagia em legítima defesa passa a exceder e, desse modo, pratica injusta agressão com o seu excesso, dando oportunidade ao agressor inicial de reagir contra o excesso na chamada legítima defesa sucessiva. A legítima defesa putativa se caracteriza com o erro sobre um pressuposto fático de uma causa de justificação (erro sobre a iminência da agressão, por exemplo). Não há, portanto, uma agressão injusta real, de modo que não se aplica o artigo 25 do Código Penal, ou seja, não se trata de legítima defesa real. Exemplo: encontro casual em via pública entre dois inimigos jurados de morte, no qual um atira no outro porque imaginou a iminência de uma agressão após a vítima colocar a mão no bolso. Solução no § 1º do artigo 20 do Código Penal. Adotou-se a solução do erro de tipo permissivo (teoria limitada da culpabilidade, conforme itens 17 a 19 da Exposição de Motivos da Parte Geral de 1984). A legítima defesa recíproca, ou seja, duas situações concomitantes de legítima defesa, não é admitida na forma real x real, mas é admitida nas formas putativa x real e putativa x putativa. 28 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL A expressão legítima defesa subjetiva corresponde a excesso exculpante na terminologia usa- da por Nelson Hungria, embora, segundo Mirabete (2006, p.184) alguns façam uso dessa ex- pressão como se fosse legítima defesa putativa. Segundo Hungria: Costuma-se chamar legítima defesa subjetiva ao excesso por erro escusável, reconhecendo-se que o fato não deixa de conter-se na órbita da legítima defesa. Não é isto, porém, admissível, pelo menos no rigor técnico-jurídico. Só há legítima defesa quando ocorrem os seus pressupostos objetivos. O excesso, ainda que por erro invencível, não pode ser jamais legítima defesa: a isenção de pena decorrerá, não por elisão da injuridicidade do fato, mas por exclusão da culpabilidade do agente (HUNGRIA, 2ª ed, 1953, V1, Tomo II, p.296). 1.13.5. Diferenças Entre Legítima Defesa e Estado de Necessidade No estado de necessidade há conflito entre interesses lícitos. O bem jurídico é posto em perigo. Admite-se o estado de necessidade contra conduta humana, caso fortuito, ataque de animal. A ação no estado de necessidade pode ser contra terceiro inocente ou mesmo contra agressão justa que ocorre no estado de necessidade recíproco. Enquanto na legítima defesa, a reação é sempre contra conduta humana do agressor. Não há ação na legítima defesa, mas, sim, reação. O bem jurídico é exposto a agressão. A agressão tem que ser injusta para justificar a reação em legítima defesa. Na legítima defesa, ocorre uma reação a uma agressão injusta, já no estado de necessidade o agente pratica uma ação de sacrifício de um bem jurídico para salvar outro bem jurídico. De forma diferente do estado de necessidade, a legítima defesa não exige fuga. O legis- lador não estabeleceu no caso de legítima defesa a previsão de “inevitabilidade do sacrifício”, como o fez no caso do estado de necessidade. Podem coexistir num mesmo caso a legítima defesa e o estado de necessidade, exemplo: João quebra uma estatueta de terceira pessoa (estado de necessidade) para reagir a uma agressão injusta (legítima defesa) perpetrada por José. 1.13.6. Pontos Finais de Discussão quanto ao Instituto da Legítima Defesa: Fuga; Provocação; Duelo Conforme já fora dito, a legítima defesa não exige fuga. No Brasil, diferente da Itália, não se exige que o agente fuja (commodus discessus) para evitar a reação. Desse modo, não se exige 29 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL que alguém dê, por exemplo, uma volta na quadra para fugir de um inimigo que o espera para agredi-lo. Portanto, nesse aspecto, a legítima defesa é diferente do estado de necessidade onde o legislador, ao colocar a expressão “nem podia de outro modo evitar”, exige que o agente fuja se essa alternativa evitar o sacrifício do bem jurídico. A provocação, por si só, não impede a legítima defesa desde que não constitua um pretexto para uma agressão ilícita. Fora anunciado antes que não é possível legítima defesa real contra legítima defesa real, por isso não haverá legítima defesa em situações de duelo. Portanto, não age em legítima de- fesa quem aceita o desafio de um duelo 1.14. exercícIo regular do dIreIto O exercício regular do direito possui previsão no artigo 23 do Código Penal como causa jus- tificante. Verifica-se que a lei penal não conceituou o exercício regular do direito. A lei somente conceituou a legítima defesa e o estado de necessidade. 1.14.1. Conceito O exercício regular do direito consiste em permissões legais que facultam ao agente agir de determinada forma, ou seja, se alicerçam na “permissão e na regulamentação do estado e no consentimento válido dos que participam dessas práticas” (NORONHA, 2000, p.207). De modo que, cumprindo tais comandos legais, mesmo quando, em algumas situações, arromba portas e faz uso da força para imobilizar e prender pessoas, está atuando no estrito cumpri- mento do dever legal. 1.14.2. Características O exercício regular do direito, assim como as demais excludentes de ilicitude, se sujeita à presença do requisito subjetivo (animo justificante), bem como o exame de proporcionalidade no caso concreto, de modo que, havendo excesso, o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo, conforme a sua conduta e a previsão legal. 30 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL São exemplos tradicionais de exercício regular do direito: lesões em atividades desportivas dentro das regras do jogo (boxe, futebol, luta livre, jiu-jitsu etc.); cirurgias médicas. 1.14.3. Ajustes com a Teoria da Imputação Objetiva e com a Teoria da Tipici- dade Conglobante A teoria da imputação objetiva e a teoria da tipicidade conglobante permitem examinar as situações de exercício regular do direito, como atípicas, seja no exame do risco permitido ou na interpretação conglobante do ordenamento jurídico, diante de conduta determinada por outro ramo do direito, respectivamente. O modelo legal previsto no Código Penal brasileiro compreende o exercício regular do direi- to como causa de exclusão da ilicitude. Não o trata como hipótese de exclusão da tipicidade. 1.15. estrIto cumprImento do dever legal O estrito cumprimento do dever legalpossui previsão no artigo 23 do Código Penal como causa justificante. Verifica-se que a lei penal não conceituou o estrito cumprimento do dever legal. A lei somente conceituou a legítima defesa e o estado de necessidade. 1.15.1. Conceito O estrito cumprimento do dever legal consiste em determinações legais que obrigam o agente a agir de determinada forma, de modo que, cumprindo tais comandos legais, mesmo quando, em algumas situações, arromba portas e faz uso da força para imobilizar e prender pessoas, está atuando no estrito cumprimento do dever legal. 1.15.2. Características O estrito cumprimento do dever legal, assim como as demais excludentes de ilicitude, se sujeita à presença do requisito subjetivo (animo justificante), bem como o exame de proporcio- nalidade no caso concreto, de modo que, havendo excesso, o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo, conforme a sua conduta e a previsão legal. 31 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL Segundo Rogério Greco (2017, p. 473), os elementos subjetivos também devem estar presentes, ou seja: existência de um dever legal imposto ao agente; cumprimento do dever nos exatos termos da lei. DIVERGÊNCIA. Rogério Greco (2017, p. 473) destaca ainda que a excludente não é exclusiva do agente público, uma vez que os pais possuem o poder familiar para criar os filhos menores nos termos do artigo 1.634 do Código Civil, ou seja, um estrito cumprimento do dever legal par particulares. No mesmo sentido, Francisco Assis Toledo (2007, p. 212). De forma contrária, Magalhães Noronha entende que essa hipótese, condicionada aos demais aos demais requisi- tos legais, configura exercício regular do direito (NORONHA, 2000, p. 205). 1.15.3. Ajustes com a Teoria da Imputação Objetiva e com a Teoria da Tipicidade Conglobante A teoria da imputação objetiva e a teoria da tipicidade conglobante permitem examinar as situações de estrito cumprimento do dever legal como atípicas, seja no exame do risco permi- tido ou na interpretação conglobante do ordenamento jurídico, diante de conduta determinada por outro ramo do direito, respectivamente. O modelo legal previsto no Código Penal brasileiro compreende o estrito cumprimento do dever legal como causa de exclusão da ilicitude. Não o trata como hipótese de exclusão da tipicidade. 1.16. consentImento do oFendIdo O consentimento (expresso ou tácito) do ofendido pode funcionar como eliminador da tipicidade quando o dissenso da vítima configura um elementar do tipo penal (exemplo: artigo 150 do Código Penal). O consentimento ainda pode figurar como elementar de tipos penais, como ocorre nos artigos 124 e 126 do Código Penal. Por fim, o consentimento pode, ainda, atuar como causa supralegal de exclusão da ilicitude, mediante o preenchimento dos seguintes requisitos: capacidade para consentir; bem 32 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL jurídico disponível; consentimento dado antes ou durante a prática do crime. Nesse último caso, a título ilustrativo, pode ser citado o crime de dano de bem particular previsto no artigo 163 do Código Penal. Ressalta-se que o consentimento dado depois da prática do crime não elimina nenhum dos elementos da estrutura analítica do delito (tipicidade, ilicitude e culpabilidade), nem afasta a punibilidade, mas pode inviabilizar a persecução penal, seja porque a vítima não revelou o fato para possibilitar o seu conhecimento e a sua persecução penal por parte das autoridades, seja porque não apresentou a representação no casos de crimes de ação pública condicionada, seja porque não se interessou pela persecução penal nos casos de crimes de ação privada. 1.16.1. Ajuste com a Teoria da Imputação Objetiva A teoria da imputação objetiva permite examinar situações de consentimento do ofendido (heterocolocação em perigo) como hipóteses de exclusão da tipicidade, por ausência de cau- sação no tipo objetivo. 1.17. oFendículos Os ofendículos (offendiculas) correspondem à hipótese de excludente de ilicitude destinados à defesa da propriedade. Eles exigem, para excluir a ilicitude, o elemento subjetivo. Estão sujeitos ao excesso doloso e culposo. 1.17.1. Conceito Os ofendículos (offendiculas) são instrumentos de defesa da propriedade e, também, de outros bens jurídicos, possuem natureza de excludentes de ilicitude. Exemplos antigos: grades pontiagudas; cacos de vidro em cima do muro; arame farpado. Nos dias atuais, há ainda os meios mecânicos de defesa da propriedade, como as cercas eletrificadas e os cães. 33 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL Parte da doutrina diz que os ofendículos correspondem aos meios de defesa da propriedade, segundo Mirabete (2006, p. 190). Para Rogério Greco, os ofendículos não representam apenas defesa da propriedade, mas também da vida, da integridade física etc. (GRECO, 2017, p. 471). 1.17.2. Debate quanto à Aproximação do Instituto com a Legítima Defesa ou com o Exercício Regular do Direito O uso de ofendículos não caracteriza hipótese de exclusão de culpabilidade, mas sim da ilicitude. Diverge a doutrina se seria o caso de legítima defesa “preordenada” (Hungria) ou de exercício regular do direito (Anibal Bruno). Bitencourt (2006) defende uma posição mista, ou seja, quando estão parado em cima dos muros, sem atuarem, os ofendículos são exercício re- gular do direito; quando são acionados para impedir uma agressão injusta e alguém que queria pular o muro da casa para furtar, os ofendículos atuam como legítima defesa. O STJ, em julgado antigo, tratou-o como hipótese de legítima defesa, mas reconheceu que a decisão competia ao júri no caso em análise: STJ- PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO. OFENDÍCULO. LEGITIMA DEFESA. INE- XISTÊNCIA DE PROVA PLENA. PRONÚNCIA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO CP, ARTS. 23 E 25 E DISSIDIO JURISPRUDENCIAL. INOCORRÊNCIA. 1. O TRIBUNAL DO JÚRI E O JUIZ NATURAL DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA, SÓ PODENDO TER O SEU JULGA- MENTO SUBTRAÍDO PELO JUIZ SINGULAR QUANDO AS DIRIMENTES EXPRESSAS NO ART. 411 DO CPP RESTAREM PLENAMENTE PROVADAS. 2. RECURSO NÃO CONHECIDO. (REsp 38.302/GO, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, julgado em 10/11/1997, DJ 15/12/1997, p. 66471). Em que lugar da estrutura analítica do delito se examina a colisão de deveres? Não há resposta exata. O tema é estudo em diversos momentos, quando da omissão, da ilicitude e da culpabilidade. A título de exemplo, como se resolve a seguinte questão: médico 34 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL faz escolha de pacientes para ser atendidos ao se deparar com muitos feridos graves, após o capotamento de um ônibus, durante um plantão em um hospital de cidade pequena, não tendo condições de salvar a todos. Para Luís Regis Prado, como se trata de deveres de ação do mes- mo nível, a conduta do médico que cumpra qualquer um deles será lícita. O mesmo ocorreria no caso de um pai que ao ver os dois filhos se afogando tem que escolher um para ser salvo. Todavia, seria diferente em um conflito entre o dever de agir e o dever de omitir, quando o dever de omitir deve prevalecer (PRADO, 2011, p. 450). 2. culpabIlIdade 2.1. evolução da culpabIlIdade nas teorIas do crIme A culpabilidade na teoria causal clássica se ancorava numa teoria psicológica pura, formada unicamente pelo dolo no crime doloso e pela culpa no crime culposo. Por isso, fora compreendida como a parte subjetiva do crime, registrada como culpabilidade psicológica, pois significava o vínculo psíquico que ligava o agente ao fato por ele praticado. Ao tratar da culpabilidade, Ernst von Belling defendeu um conceito fechado consistente na reprovação do autor por uma atitude interna em relação à antijuridicidade de sua conduta,dividindo a graduação unitária da culpabilidade em dois graus: o dolo com o significado de cen- sura ao autor por não ter parado quando pensava em agir ilegalmente; culpa por desconhecer a ilegalidade de seu comportamento quando devia conhecê-la (BELING, 1944, p. 72). A presença da consciência da ilicitude no dolo foi combatida por Franz von Liszt, por entender que tal classificação paralisaria a administração da justiça, pois haveria necessida- de de provar que o agente em cada caso concreto conhecia o preceito violado (LISZT, 2006, p.285). Por sua vez, Ernst von Belling afirmava que, para a existência do dolo, o autor deveria ter conhecido as circunstâncias do fato que pertence ao tipo, bem como a consciência da anti- juridicidade, destacando que se tratava de uma concepção dominante na ciência de seu tempo (BELING, 1944, p. 76-77). Prevalece o entendimento de que o dolo causal clássico era normativo, formado por conhecimento das circunstâncias do fato, vontade de realizar o resultado representado e 35 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL consciência da ilicitude. O dolo do sistema clássico também era psicológico, com espaços de valoração, incorporados em estados mentais do agente, e exigia a consciência da ilicitude, que constitui um elemento axiológico, que se conectava à concepção de dolus malus do direito romano (CABRAL, 2017, p. 38). Quanto à culpabilidade, dentro da visão neokantista, Reinhard Frank rechaçava a concepção psicológica de culpabilidade que se reduzia a uma relação psíquica entre o autor e o fato (AMORIM, 2014, p. 11). O referido autor, com a introdução na culpabilidade da reprovabilidade do ato praticado, criou a teoria normativa da culpabilidade em 1907 (GOLDSCHMIDT, 2002, p. 84). Para que uma pessoa tivesse a reprovação de seu comportamento, segundo Frank, haveria a necessidade de: uma aptidão normal do autor, conhecida por imputabilidade; uma certa e concreta relação psíquica do autor com o fato (dolo, culpa); e uma normalidade das circunstâncias em que o autor atua. De modo que o autor não poderia ser reprovado quando realizasse ações sob circunstâncias que revelasse um quadro de anormalidade (FRANK, 2011, p. 40-42). A teoria normativa nasceu na Alemanha diante da necessidade prática de resolver com justiça determinadas situações concretas, quando a não exigibilidade significava autorizar o agente a agir contra a determinação da norma objetiva do direito, uma vez que no âmbito da referida norma não se encontrava a solução justa (NUÑEZ, 2002, p. 80-81). Dessa forma, a culpabilidade passou a ser um juízo de reprovação, de censura, que inci- de sobre o agente por ter atuado de forma contrária ao direito. Contudo, não era uma valoração pura, pois não se abandonou os dados psicológicos, já que o juízo de valor incidiria sobre uma “situação fática de ordinário psicológica” (TOLEDO, 1994, p. 224). Da ideia valorativa de reprovação, surgiu um novo requisito para a culpabilidade, denominado exigibilidade de conduta diversa. Portanto, a reprovação, na culpabilidade, só poderia existir se fosse possível ao agente atuar de forma diversa; caso contrário, estaria afastado o juízo de culpabilidade. No modelo neokantista, a culpabilidade foi alterada na composição de seus elementos. Nessa fase, a imputabilidade deixou de ser pressuposto e foi transformada em um elemento. O dolo e a culpa deixaram de ser espécies de culpabilidade e se transformaram em elementos da 36 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL culpabilidade. Por fim, o terceiro e novo elemento, como já dito, passou a ser a exigibilidade de conduta diversa. Esse contorno definitivo foi dado por Edmund Mezger (TOLEDO, 1994, p. 224). A culpabilidade se alicerçava na teoria psicológico-normativa que acolheu o dolo normativo (dolus malus) e, desse modo, a consciência da ilicitude fazia parte do dolo. No contexto dessa teoria, o dolo normativo estava dentro da culpabilidade e era composto de: representação da realidade fática (elemento intelectual), vontade dos efeitos e não do pro- cesso causal (elemento intencional, volitivo) mais a consciência atual da ilicitude (elemento normativo). A culpabilidade no finalismo, por sua vez, se estrutura no livre-arbítrio e constitui um juízo de reprovação pessoal que tem por fundamento o poder de agir de outro modo e evitar a prática do fato proibido. Essa possibilidade de o agente agir de outro modo é o centro da culpabilidade do finalismo. Significa que o homem, quando capaz de agir conforme o direito, é responsável quando age de forma diversa. Apesar de estar fundada na possibilidade de o agente, no caso concreto, agir de outro modo, a culpabilidade finalista exige que o agente possua capacidade de culpabilidade – ou capacidade de motivar-se de acordo a norma (imputabilidade) – e que ainda esteja em con- dições de compreender o caráter ilícito do fato (potencial consciência da ilicitude) (TAVARES, 1980, p. 65). Portanto, além da exigibilidade de conduta diversa, são elementos da culpabilidade no finalismo a imputabilidade e a potencial consciência da ilicitude. Importante lembrar que o dolo e a culpa não fazem parte da culpabilidade, uma vez que foram transportados para a conduta, que integra o fato típico. Com a retirada dos elementos de ânimo ou psíquicos (dolo e culpa) da culpabilidade, o finalismo adotou a teoria normativa pura da culpabilidade sedimentada na reprovação pessoal. Foi abandonada a teoria psicológico-normativa do neokantismo que compreendia dolo (normativo) e culpa como elementos da culpabilidade, ao lado da imputabilidade e da exigibilidade de conduta diversa. Ressalte-se que, embora Hans Welzel fosse partidário de uma culpabilidade do fato, ele entendeu que o juízo de censura dessa culpabilidade incidia sobre o autor, admitiu uma culpa- 37 de 131www.grancursosonline.com.br Dermeval Farias Ilicitude. Culpabilidade DIREITO PENAL – PARTE GERAL bilidade de caráter, ou da personalidade, quando se tratasse de delinquentes por tendência e passionais no crime doloso, ou do negligente e leviano na culpa inconsciente. Nesse aspecto, Hans Welzel “não se distancia muito do Mezger, como é fácil de ver” (TOLEDO, 1994, p.240), ou seja, quando este defendeu a culpabilidade pela conduta de vida para aqueles que atuavam com cegueira jurídica. Essa ideia do delinquente por tendência, com base na concepção da culpabilidade de caráter, por representar um retorno ao positivismo, foi merecedora de severas críticas, pois o “homem deve ser punido pelo que concretamente realizou, não pelo que é (GALVÃO, 1999, p.65)”. A culpabilidade de caráter é um pressuposto perigoso porque conduz ao Direito Penal do autor em detrimento do Direito Penal do fato. Apenas o segundo é compatível com o Estado Democrático de Direito consagrado na Constituição brasileira de 1988. Ressalte-se que Fragoso não adotou a culpabilidade de caráter quando escreveu pioneiramente uma parte geral do Direito Penal com a estrutura finalista no ano de 1976, com a sua primeira edição de parte geral finalista no Brasil (TAVARES, 1980, p. 106-109). A teoria social da ação inovou no tocante ao dolo e à culpa, defendeu a chamada dupla função ou dupla posição do dolo e da culpa. Adotou-se uma teoria complexo-normativa psicológica da culpabilidade, em razão do exame do dolo e da culpa em dois momentos, ou seja, o dolo e culpa são examinados no fato típico e também na culpabilidade. Na culpabilidade, dolo e culpa atuam como elementos especiais (WESSELS, 1976, p. 89). Nessa proposta, o dolo faz parte do tipo de injusto subjetivo, como também da culpabili- dade, assim o tipo doloso possui uma culpabilidade dolosa. O dolo do tipo comporta o sentido jurídico-social da ação, abrange as relações psíquicas do agente para com o acontecimento
Compartilhar