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Capítulo 36 Terapia Comportamental de casais: da teoria à prática Vçra Regina Ligneí/í O fero CHnic<i OR ThC- Ribeinlo Prcto-SP Yara kuperstein higberman Universidúiic Federai do Paraná CtnCC-CunIilki-PR Este capítulo tem como objetivo oferecer um conjunto de informações sobre o atendimento psicoterápico de casais com enfoque comportamental. Serão destacados alguns dos tópicos importantes que devem ser considerados nesse tipo de atendimento: a escolha de parceiros, o namoro, o casamento e o desenvolvimento dos problemas do casal. Serão enfocadas ainda algumas propostas teóricas de intervenção, assim como serão apresentadas algumas considerações e sugestões sobre esta prática clínica e sobre o encerramento do processo terapêutico. Na estrutura do texto, intencionalmente, estão mescladas informações sobre teorias e as práticas clínicas. Algumas destas aparecerão mais de uma vez de acordo com a pertinência do aspecto em questão. O atendimento de casais ó a área de intervenção psicoterápica que se propõe a ajudar parceiros no enfrentamento dos problemas de relacionamento existentes entre eles, e em suas dificuldades pessoais. Este atendimento conjunto ó denominado terapia de casal e não terapia conjugal como era chamada anteriormente dado que o foco da intervenção é a relação de parceiros (Beck, 1988; Datillio e Padesky, 1995; Cordioli, 1998). Procuram este tipo de atendimento as pessoas que mantêm uma relação de namorados ou noivos assim como casais heterossexuais ou homossexuais. Atualmente, a busca de ajuda por parte de noivos e namorados tem aumentado, numa tentativa de evitar problemas no futuro, Rangé e Datillio (1995) referem-se a diferentes propostas baseadas na abordagem comportamental para intervenção com casais mostrando que elas têm objetivos e procedimentos semelhantes, embora cada uma tenha suas peculiaridades. Na prática clínica, ao seguir os modelos de intervenção descritos na literatura o terapeuta adapta-os à sua forma de atuação e desta maneira constrói os seus próprios instrumentos de trabalho (Papp, 1992; Datillio e Padesky, 1995; Otero, 1997). Para entendermos as queixas apresentadas por um casal e podermos ajudá-los a lidar com suas dificuldades examinamos toda sua história de relacionamento - passada e p re s e n te assim como a história de vida de cada um deles. Sabe-se que as queixas de hoje têm componentes de ontem. Sobrr Comportdmçnto e Coflnlçâo 363 1. 0 namoro e a escolha de parceiros É relevante que se identifique quais fatores atraíram os parceiros, dado que os mesmos podem ser “indicadores de pistas" para compreender os problemas atuais vividos pelos casais. Podemos considerar, basicamente, as seguintes possibilidades de fontes de atração: 1.1 Homogamia: as semelhanças existentes entre as pessoas levam a interações reforçadoras que funcionam como critérios de escolha dos parceiros. Os fatores mais freqüentes são: tipo de educação, valores de vida, projetos para o futuro, escolha de atividades e interesses parecidos. As afinidades os atraem e são vistas como elementos de atratividade, e são entendidas como facilitadoras de uma convivência futura. 1.2 Heterogamia as diferenças existentes entre as pessoas sâo vistas como fatores de complementação, de enriquecimento e neste caso, fundamentalmente funcionam como critérios de escolha dos parceiros. Dentre eles os mais comuns são: maneira de ser (mais falante, mais calado, assertivo, inassertivo) diferenças de opiniões, afazeres, gostos, interesses. Neste critério de escolha, cada parceiro ora atua como controlador ora como suplemento do outro. As diferenças são vistas como elementos de atratividade, interpretadas pelos pares como facilitadoras da vida a dois. Entendendo assim, eles se escolhem mutuamente. A partir disso muitos acordos e concessões se tornam necessárias ao estabelecimento de uma boa convivência. O namoro é uma fase do relacionamento na qual as pessoas se conquistam visando uma vida futura: ambos explicitam suas melhores idéias, a melhor ’maneira de ser’ e de resolver questões divergentes. Os encontros são mais esporádicos e quase sempre têm por objetivo a recreação, o lazer e o prazer. As diferenças e semelhanças potencialmente conflitantes, em geral, não costumam se caracterizar como problemas nesta fase. Após a decisão de viverem juntos’ e o conseqüente aumento do tempo de convivência, revelam-se mais claramente suas características individuais, estados de humor, hábitos de vida e preferências pessoais: os valores e os padrões de relacionamento tornam- se mais genuínos. Nesta fase nem sempre desejam as mesmas coisas ao mesmo tempo eda mesma maneira. Desenvolvem-se as regras de convivência e a prática de negociações. Negociação deve ser entendida como a busca da melhor solução para que ambos se sintam respeitados e considerados no enfrentamento de suas divergências. A partir de então, as decisões pessoais de um já afetam a vida de ambos. É muito comum neste período surgirem dificuldades que a primeira vista não parecem de grande importância, embora sejam responsáveis pela maioria dos desajustes encontrados na clínica de casais. 2. Desenvolvimento dos problemas As mesmas questões que os atraíram poderão ser as que criarão os problemas de relacionamento. Quando mal negociadas e mal resolvidas os casais desenvolverão dificuldades identificadas como: 2.1. A Incompatibilidade, as mesmas características que os atraíram e eram fontes de reforçamento mútuo, passam a dar origem aos conflitos e, portanto, tornam-se fontes de 364 Vera Rcflln.1 I ignelli Otero c V«ira Kupmtcln Infibcriruin punições mútuas. Ambos os parceiros ficam privados de reforços e/ou expostos à estimulação aversiva. Surgem, então, os sentimentos de frustração, decepção, mágoa, raiva, arrependimento e acusações recíprocas. Novos padrões de interação se estabelecem e passam a ocorrer dificuldades que antes não existiam: comprometem a capacidade de expressar necessidades individuais: desaparecem dos seus repertórios a vontade e a importância de agradar o(a) parceiro(a); desenvolvem-se esquivas de situações aversivas, dentre outras. 2.2. Com o passar do tempo os parceiros tornam-se gradativamente menos tolerantes com as diversidades do cotidiano. Agridem-se e interagem coercitivamente. Cada um aprende que para fazer com que o outro responda deve agir de modo aversivo, (por exemplo, aumentando o tom de voz). O outro aprende que para acabar com a aversividade precisa ceder. Ambos passam a usar a 'mesma arma’, ou seja, usam a coerção para induzir o outro o fazer o que ele quer e do modo como ele faria. O parceiro coercitivo ó reforçado positivamente pela manifestação do parceiro à aversão (responde ou cede) e o outro é reforçado negativamente por responder à aversão (a aversão pára quando a submissão ocorre), conforme descrito por Jacobson e Christensen (1998). Parceiros em conflitos coercitivos atribuem a causa e a responsabilidade pelas suas dificuldades ao seu(ua) parceiro(a): interpretam as diferenças existentes entre eles como maldade do outro (ela(e) quer ir visitar tal pessoa porque sabe que eu não gosto de fazer visitas): a ‘atributos psicológicos’ negativos como 'ele(a) é inseguro(a)’, 'depressivo(a)’, ‘desequilibrado(a)’; à inadequação social (você não sabe tratar bem seu marido ou sua mulher); elaboram autoregras que permitem e conduzem à calúnia e à difamação mútuas. É possível constatar que as percepções apresentadas pelos pares podem ser pessoalmente genuínas. Genuínas, mas não corretas nem absolutas. Para ajudá-los a enfrentar esses tipos de problema pode-se utilizar estratégias que enfatizam a aceitação do outro, prioritariamente. Christensen e Jacobson (2000) sugerem um exercício que deve ser realizado durante a sessão, logo após um relato de interação coercitiva. Sugerem a seguinte instrução: Escolha um recente desacordo entre você e seu(ua) companheiro(a). Descreva trôs lados do incidente: aquele que você contaria, aqueleque seu(ua) companheiro(a) provavelmente contaria e como um observador o veria. Compare as trôs histórias, verificando o que elas tôm fle diferente? Tôm alguma semelhança? Através deste exercício o terapeuta induz o casal a verificar que a sua visão do problema não ó única. A aprendizagem desta nova percepção possibilita a diminuição da culpabilizaçào do outro como responsável pelo conflito, aumentando assim as possibilidades de trocas mais positivas para o enfrentamento dos problemas iniciais apresentados. Diminuem ou são eliminadas as formas de interação coercitivas. 2.3. A polarização é outro mecanismo importante a ser considerado. Através dele o relacionamento ruim transforma as diferenças em deficiências fazendo parecerem maiores do que realmente são. Os parceiros negam-se a ter momentos gratificantes, desaparecendo assim os reforçadores positivos anteriores. Como conseqüência disso maximiza-se o valor do reforçador negativo. Aumenta também a ocorrência de comportamentos de polarização, de coerção e de calúnia, dentre outros, típicos da interação conjugal conflituosa. Sobre Comportamento e Coqnlçflo 365 2.4. Christensen e Jacobson (2000) indicam quatro tipos de argumentos iniciadores de discussões entre casais: a) a critica; b) a exigência injusta ou ilegítima; c) o aborrecimento acumulado; d) o sentimento de rejeição. Cada parceiro só tem a visão do papel do outro no conflito e faz acusações de que é o outro quem tem características negativas e definitivas. Ele 'não olha' para si próprio. Passam a classificar um ao outro através de atributos que os definem negativamente: ("Você é doente, imaturo, neurótico inseguro, ou depressivo"); a desvalorização das capacidades do outro (Você não é bom o suficiente: não sabe ser pai, ou se comunicar, não sabe expressar sentimentos'). Estes argumentos são rotas dos comportamentos que ferem e que têm como resultado a vitimizaçào ('Pobre de mim'). Em resumo, os casais, a partir destas formas de interação, entendem e atribuem os problemas como ‘É tudo falta sua'. Uma outra sugestão de Christensen e Jacobson (2000) para suprimir esses argumentos iniciadores de discussões é o exercício denominado 'Você está errado'. Através deste exercício ajudamos o casal a fazer os seguintes questionamentos e ponderações: Escolhemos um parceiro com estas falhas? Nós as permitimos ou encorajamos? As Inadequações do outro são tão censuráveis assim? Nos centramos mais nos comportamentos de nosso(a) companheiro(a) do que no nosso? Temos a falsa crença de que informar o(a) companheiro(a) sobre suas falhas ó a melhor maneira de levá-lo(a) a trabalhar em sua mudança? Esta hipótese é falsa porque os parceiros raramente são receptivos a ela. Sentem-se culpabilizados e querem defender-se colocando suas próprias conclusões sobre o(a) companheiro(a). O conflito torna-se entrincheirado se não ampliado, e ambos cavam seus poços e se recusam a perceber que é imprescindível que mudem suas atitudes pessoais. Assim, tornam-se necessárias intervenções específicas para prevenir e interromper esta maneira de se relacionar. Para tanto é necessário levá-los a identificar o que o problema diz de cada um, propondo-lhes o seguinte exercício: 'Pense nas afirmações que você faz a respeito de seu(ua) parceiro(a) quando algo não está bem. Qual sua reação usual? Você foca imediatamente o papel de seu(ua) companheiro(a), o seu papel ou de ambos? O que você faz com os sentimentos que você tem acerca de seu papel no conflito? Quando encontra uma falha em seu(ua) companheiro(a), o que você usualmente pensa? Ele(ela) é..., mau(má), egoísta. Tem problemas, é emocionalmente instável, imaturo(a). Suas incompetências... não sabe ser um bom marido (esposa). Identifique os tipos de falhas que você localiza mais repetidamente’. Geralmênte, o que se ouve dos casais, são afirmações sobre características que parecem imutáveis, sobre falta de habilidades, que são consideradas pelo(a) companheiro(a), não como aprendidas no decorrer do relacionamento, mas sim, como ‘naturais’ daquela pessoa. 3. Objetivos gerais Os objetivos gerais do processo psicoterápico de casais propõem o estabelecimento de algumas estratégias que facilitam a mudança na direção desejada. Estas estratégias incluem atividades como o treinamento em solução de problemas, o treinamento em comunicação, a programação de condições para o aumento de trocas positivas e a reestruturação de cognições (autoregras) problemáticas (Beck, 1988; Papp, 1992; Caballo, 1996; Barlow, 1999). 366 Vera Regin.i Lignelli Otero c Vara Kupmteln Intfbfrman Considerando-se que os enfoques tradicionais da Terapia Comportamental de Casais tinham alcance limitado para resolver uma grande gama de problemas entre parceiros, dado que não melhoravam suas habilidades interativas, Christensen e Jacobson (2000), dentre outros, propuseram uma ampliação de seus objetivos, observando que a ênfase nas mudanças deveria basear-se na aceitação e no compromisso. As intervenções a partir de então visam promover: a) alterações nos comportamentos públicos (mudança), b) efeitos sobre as experiências privadas ou emoções (aceitação), c) mudanças dos próprios comportamentos e no modo de aceitação do outro (compromisso). Nesse sentido as estratégias do processo terapêutico de casais se direcionam para a melhoria da comunicação entre eles considerando-se os processos de recepção e expressão. Propõem-se mudanças de esquemas de vida, realização de tarefas especificas, reformulação da compreensão sobre um determinado fato, revisão de autoregras, aprimoramento das habilidades de discriminação e generalização. Enfoca-se ainda o ensinamento de habilidades específicas de aproximação empática, de explicitação de vontades e desejos diretos ao parceiro. De maneira relevante busca-se o desenvolvimento de habilidades que podem fortalecer uma relação amorosa: cuidar, compreender, confiar, partilhar, respeitar, compartilhar etc. Visam, também, aumentar as taxas de intercâmbios positivosem relação aos negativos, modificar expectativas irrealistas, corrigiratribuições de causalidade incorretas, identificar esquemas vigentes de reforçamento e classes de estímulos e respostas que maximizam os problemas de relacionamento de um casal. 4. Mudança, aceitação e compromisso Pretendendo aumentar e contextualizar a abrangência do atendimento clínico de casais, Hayes, Jacobson, Follette e Dougher (1994) e Hayes e Wilson (1994) formularam a Terapia da Aceitação e do Compromisso, que sistematiza uma maneira mais abrangente para se compreender os problemas de relacionamento de casais além de oferecer um conjunto de técnicas e procedimentos elaborados com o objetivo de alterar as maneiras como as relações verbais funcionam entre os pares, É um outro modo psicoterapêutico derivado da Análise do Comportamento. É uma das pouquíssimas psicoterapias verbais compreensivas que, consistentemente embasada na filosofia do Behaviorismo Radical, tem como objetivo alterar o contexto sócio-verbal no qual ocorrem os eventos privados. As alterações das relações verbais existentes entre os parceiros têm como meta principal tratar e esquiva emocional, o número excessivo de respostas literais ao conteúdo cognitivo assim como a inabilidade de assumir e manter compromisso com a mudança comportamental. Os terapeutas de casal seguidores desta orientação teórica, consideram que o comportamento de cada pessoa é mantido por eventos singulares e só pode ser compreendido e analisado dentro dos seus contextos pessoais. Partem do principio de que cada pessoa da díade aprendeu a se comportar nos relacionamentos íntimos através de suas próprias experiências de vida, especialmente as do relacionamento atual. Hayes, Jacobson, Follette e Dougher (1994) observam, ainda, que para se obter efeitos sobre comportamentos privados é necessário identificar as funções e as classes de equivalência funcional dos comportamentos (crenças, regras, autoregras) além de modificar ascontingências atuais e os contextos nos quais ocorrem os problemas de relacionamento do casal. Sobre Comportamento c Cognição 367 As estratégias mostradas entào, para se atingir os objetivos acima são: desenvolver uma união empática em torno do problema (enfatizar o sofrimento sem acusar), transformar o problema em um atrativo (tolerar as diferenças sem culpar ou acusar), identificar o contexto para o desenvolvimento da aceitação (rusgas que terminam em brigas), promover a aceitação emocional através do desenvolvimento da tolerância (compreender o outro), treinar a re-ônfase positiva (ver o positivo no negativo). Propõem-se, também, a enfatizar as diferenças complementares, realizar simulações de interações negativas, buscar aceitação emocional através de maior autocuidado, modificar comportamentos, treinar comunicação e resolução de problemas além de prepará-los para eventuais recaídas futuras. Christensen e Jacobson (2000) enfatizam também que, para se escolher os objetivos a serem atingidos por cada casal e decidir quando e como intervir é indispensável que se faça análises funcionais. Essas análises facilitam a realização de boas discriminações acerca das contingências atuais que controlam os comportamentos dos pares, tornando- as passíveis de modificação. Permitem deslocar o foco da atenção da topografia para a função de um comportamento. Podem-se entào identificar classes de equivalências funcionais que contêm grupos de comportamentos que, mesmo sendo topograficamente diferentes, têm funções semelhantes. Promove-se a aceitação e a mudança. É importante frisar que alguns comportamentos tais como os diferentes tipos de abuso, nunca devem ser aceitos. No entanto, é imprescindivel destacar que algumas características do outro precisam ser aceitas para melhorar o relacionamento do casal. Cada um deve decidir o que é ou não aceitável no comportamento de seu parceiro, assim como o que pode e quer (ou não) mudar em si mesmo. O terapeuta deve ficar alerta para evitar o perigo da elaboração de uma lista muito grande de mudanças para o outro e uma pequena lista para si mesmo. Este fato indicaria que os parceiros estariam somente 'mais ou menos abertos’ ao que o outro expõe, pede ou necessita. Para se treinar atitudes de aceitação e mudança o terapeuta propõe aos casais tarefas de pensar sobre características de seu parceiro, descrever aspectos que passou a aceitar com o tempo e os que acha que poderia passar a aceitar mais facilmente. Quais características suas seu(ua) companheiro(a) passou a aceitar? Quais características suas você gostaria que seu(ua) parceiro(a) aceitasse melhor? É importante que o terapeuta ensine aos parceiros a considerar as diferenças existentes entre eles como diferenças e não como defeitos ou erros; que considerem vulnerabilidade ao invés de violação, descrição ao invés de avaliação, validar ao invés de invalidar a experiência do outro. É relevante que atinem, também, que os dilemas se tornaram complexos ao invés de mais simples; que as conseqüências das ações são conscientes e não simples tentativas inconscientes de ferir o outro. É imprescindível que o casal verifique que as próprias ações e suas conseqüências podem ser alteradas. Finalmente busca-se levá-los a entender que muitas das situações aversivas, são conseqüências de reações emocionais ao invés de motivadas a ferir o outro. Para exercitarem a aceitação e a mudança se propõem, também, como exercício, que o casal desenvolva, por escrito, uma história acerca de um problema importante em seu relacionamento. Propõe-se ainda, que identifiquem as incompatibilidades e vulnerabilidades que constituíram a dificuldade inicial; que indiquem algumas das maneiras como costumam enfrentar o problema; que relembrem quando cada um começou a ficar mais reativo ao problema. Solicita-se ainda, que olhem para sua história e verifiquem se a baseou mais em diferenças do que em defeitos, mais em vulnerabilidades do que em violações, 368 Vrra Rcfiln.i l.igndli Otcro c Var.i Kuperstein liifibcrm.m mais em descrições do que em avaliações. Se a pessoa escreveu a sua história sozinha sugere-se que tente compartilhá-la com seu(ua) parceiro(a). O melhor critério para considerar uma história como boa, ó que ambos possam concordar com as ‘histórias que contam.’ Conforme já descrito em trabalhos anteriores, Christensen e Jacobson (2000) (Otero, 2003), pode-se agrupar, de maneira resumida, os objetivos das diferentes maneiras de intervir: a) ajudar o casal a identificar os próprios sentimentos e os da outra pessoa, expressando-os e nomeando-os corretamente (raiva, medo, indiferença, vingança, forra, abandono, desamparo, ressentimento etc.); b) evitar inferir intenções maldosas no outro; c) identificar os valores de vida que estão embutidos em cada comportamento queixa (respeito, solidariedade, individualismo etc.); d) desenvolver habilidades que permitam o aumento de interações positivas; e) demonstrar interesse pelo conteúdo da fala do outro; e) indicar que está ouvindo com atenção; f) parafrasear e identificar semelhanças e diferenças entre relatos sobre um mesmo fato; g) atentar para o fato de que diferentes interpretações geram diferentes estados emocionais e que diferentes compreensões levam a acreditar em diferentes regras; h) ajudar os parceiros a identificar os modelos de interação que cada um traz consigo e o quanto cada um deles os reproduz no relacionamento do casal, lembrando que é mais fácil perceber no outro do que em si mesmo; i) voltar para as histórias de vida de cada um tentando identificar em seu repertório a influência dos modelos de interação de seus pais; j) identificar como as características pessoais, de cada membro do casal interferem na qualidade da relação; k) não tentar mudar o outro impositivamente; I) rever a forma de compreender o próprio comportamento e o comportamento do outro; m) fazer análises funcionais, distinguindo topografia de classes de respostas; n) falar sobre seu próprio comportamento e não sobre o comportamento do outro; o) clarear algumas regras básicas que, normalmente, estão presentes nas relações dos casais em crise [exemplo: *ele(a) planejou algo para me prejudicar’; 'ele(a) fez alguma coisa exatamente porque eu não gosto’; ‘a relação ó ruim porque o outro não colabora', de modo a estabelecer regras de interação mais adaptativas. 5. A condução do processo terapêutico Otero (1997) e Christensen e Jacobson (2000), dentre outros, sugerem que o processo terapêutico pode ser conduzido em sessões conjuntas e em sessões individuais. A realização de sessões individuais mostra-se de grande importância para a psicoterapia de casal. O conteúdo das mesmas é próprio e pessoal e apenas poderá ser levado para a sessão conjunta pela própria pessoa, Note-se que nas sessões individuais, de um modo geral, os parceiros são mais honestos, especialmente com relação a áreas sensíveis como sexo e violência. Nessas sessões, o terapeuta tem a possibilidade de ficar bastante atento e validativo, sem deixar de lado o outro membro do casal. O cliente verificará que a sua versão da história foi escutada e se sentirá compreendido quando o terapeuta adotar uma postura neutra nas sessões seguintes. Este procedimento aumenta a credibilidade nas reformulações, em momentos subseqüentes. As sessões individuais podem ser solicitadas pelo terapeuta ou pelos parceiros e a freqüência delas depende do andamento do caso devendo o terapeuta atentar para que sejam intercaladas por sessão conjunta. O estabelecimento do vínculo de confiança e lealdade entre os membros do casal e o terapeuta é condição indispensável para iniciarem-se os atendimentos individuais, a Sobre Comportamento e CofjnlçJo 369 despeito de contribuírem, fortemente, para o sucesso do tratamento. Quando efetivadas, as sessões individuais permitem alcançar os seguintes objetivos: a) conhecimento da história de vida de cada um dos parceiros em relação ao comportamento queixa focalizado;b) a identificação de como foram estabelecidas as regras controladoras de seus comportamentos; c) proposição de análises funcionais dos comportamentos em questão e, finalmente, d) o confronto das regras individuais com a realidade. 6. Avaliação e condução do atendimento A partir da primeira entrevista o terapeuta deve avaliar a história de relacionamento do casal e identificar quais são suas bases de ligação. Deve observar a expressão do afeto na sala de terapia, verificando se sâo capazes ou não de refletir sobre o porquê de ainda estarem juntos; se dirigem ou não o foco da atenção sobre o que está errado com o relacionamento, enquanto estão discutindo sua história de desenvolvimento. Para avaliar as áreas nas quais o casal tem problemas, Christensen e Jacobson (2000) sugerem que o terapeuta examine diferentes aspectos e momentos do relacionamento dos pares: • Como se escolheram? Como se conheceram, e como se envolveram como um casal? Quais das características pessoais os atraíram? Semelhanças ou diferenças pessoais? Quais são os pontos de ligação entre eles? O que se tornou diferente agora? A situação poderia ser diferente se o terapeuta pudesse girar uma varinha mágica e transformá-los no tipo de casal que gostariam de ser? Como seria uma boa relação para eles? • Qual a condição de estresse do casal? Qual tipo de compromisso o casal tem com a relação? Quais questões os dividem? Por que estas questões constituem problemas para eles? Quais são as forças que os mantêm juntos? Acreditam que o tratamento poderá ajudá-los? Crêem que as intervenções terapêuticas os tornarão capazes de retomar os propósitos que os uniram? Pensam que ambos devem mudar? • Quais as peculiaridades próprias de cada um dos parceiros? O terapeuta deverá ficar atento para identificar as dificuldades existentes no relacionamento do casal. Deverá avaliar se elas são decorrentes de fatores tais como: a) distúrbios de comportamento; b) transtornos de personalidade; c) parceiros homossexuais; d) parceiros de diferentes etnias, classes sociais, religiões; e) parceiros com filhos de relacionamentos anteriores (de ambos ou só de um deles); f) parceiros de idades muito diferentes; g) casal cujos filhos já saíram de casa (ninho vazio); h) casal de namorados ou noivos. Cada um desses casos requererá intervenções específicas. Durante a avaliação o terapeuta buscará informações que o ajudarão na formulação do plano de tratamento. Conduzirá as sessões, focalizando a discussão geral e tomará algumas decisões relevantes. Escolherá dentre os incidentes ocorridos no intervalo entre as sessões qual deles deverá ser examinado naquela entrevista. O terapeuta tentará transformar uma questão conflituosa em um veículo de intimidade, levando os membros do casal a verem suas diferenças de maneira mais construtiva. Além disso, o terapeuta tentará facilitar o desenvolvimento de uma relação mais próxima ensinando-os a respeitar as diferenças existentes entre eles. As discussões podem ocorrer em quatro níveis: 1) discussão geral do problema; 2) discussão de um evento que pode trazer o problema; 3) discussão de um incidente recente que ilustre o problema de maneira negativa; 4) discussão de um problema recente de maneira positiva na qual cada um dos dois ou ambos tentou ‘fazer melhor' mesmo que o resultado não tenha sido positivo. 370 Vera Regina Lignelli Ofero e Vara Kupcrslcln Ingbcrman Os parceiros devem deixar a sessão sentindo-se melhor, mais aliviados, valorizados e com um bom nível de compreensão do processo de avaliação que está sendo feito. Deve-se buscar, já nas primeiras entrevistas, que se consiga aumentar o relacionamento dos parceiros durante a mesma. O terapeuta mostrará aos parceiros com muita clareza, que compreende as dificuldades enfrentadas por ambos, suas ambivalôncias e desesperanças e que tentará ajudá-los. Tentará ainda sensibilizá-los para o processo duplo de avaliação e terapia. Esses primeiros contatos com o casal tôm uma 'agenda oculta', que é planejada para ser terapêutica. O papel do terapeuta é propor um plano que leve á mudança ou à aceitação o mais rapidamente possível. O profissional deverá investir mais na aceitação do que na mudança. 7. Predltores de eficácia da terapia de casal Outras informações relevantes que devem ser buscadas, ao longo do atendimento de um casal em conflito, dizem respeito aos preditores de eficácia de uma terapia de casal. São informações que devem ser colhidas pelo terapeuta ao longo do atendimento. Os seguintes indicadores podem ser considerados relevantes para o prognóstico do atendimento de cada casal: a) a gravidade dos conflitos; b) o tempo de ocorrência das principais queixas; c) o grau de compatibilidade entre os membros do casal; d) o grau de comprometimento com o relacionamento; e) o desejo de cada um de melhorar a relação; f) o grau de participação e colaboração no processo; g) a receptividade de cada membro do casal para conciliação e concessão mútuas; h) qual dos dois propôs a terapia de casal, quem e como aderiu. 8. Habilidades do terapeuta Christensen e Jacobson (2000) sugerem que especialmente na prática da terapia comportamental integrativa o terapeuta de casais tenha algumas habilidades e seja capaz de: a) ensinar os parceiros a reconhecerem a polarização; b) ensinar os parceiros a formular a descrição de suas histórias, c) estar apto a distinguir entre variáveis básicas e derivativas, d) manter uma atmosfera terapêutica bastante relaxada, apesar dos casais estarem vivendo conflitos severos; e) evitar a ocorrência de confrontos; f) interromper a interação destrutiva, sem contribuir para a linguagem raivosa e acusatória; g) manter uma posição não confrontativa, tentando não entrar em nenhum dos lados; h) exercer uma influência apaziguadora, sendo que quando isto não for possível a sessão deverá ser interrompida e poderão ser realizadas mini sessões individuais para tentar o equacionamento da situação; i) usar a linguagem da maneira que 'seja familiar' ao cliente, tentando utilizar as mesmas palavras e expressões proferidas pelos casais. Além disso, o terapeuta habilidoso usará de metáforas pertinentes, ficando sempre atento ao tipo de linguagem do casal; tem habilidade para usar o bom humor e fazer os casais rirem de situações que vivenciam assim como deve ensiná-los a rir de si mesmos. Utilizará linguagem da aceitação, para guiar os casais no sentido de desenvolverem uma maneira diferente de falar sobre os problemas. Enfatizará a experiência de cada um ao invés de salientar o que o parceiro fez ou disse. Encorajará os parceiros a falarem sobre suas próprias experiências. Quando falarem acerca de si mesmos, o terapeuta os estimulará para que façam revelações suaves ao invés de apontarem ou abordarem incisivamente temas difíceis para o casal. Sobre Comportamento c CognifA» 371 9. Conclusões Os objetivos e estratégias, apresentadas pelas diferentes propostas de intervenção, devem ser modificadas, ampliadas, encampadas e revistas, constantemente por cada profissional. A intervenção deve sempre ser especifica para cada casal. Uma dupla de parceiros tem sua própria história de relacionamento e, portanto sua terapia requer objetivos e estratégias próprias. Conclui-se que, toda terapia de casal, para ser eficaz, deve prever processos de mudança, tolerância e aceitação; deve trabalhar com os comportamentos públicos e com os encobertos presentes na relação; deve considerar que diferentes conjuntos de variáveis controlam diferentes interações entre os membros do casal (Lazarus, 1992; Otero, 1997). Embora o objetivo primeiro de uma terapia de casal seja equacionar a relação de ambos, é também fundamental que cada um deles possa identificar a influência de seus comportamentos nas interações. Ou seja, deverão identificar suas características pessoais, seus sentimentos e seus valores de vida. Além disso, é desejável que possam, ainda, conhecer-se melhor e reconhecer seus objetivos pessoais devida. Ao término da terapia multo provavelmente, nem todos os problemas do casal estarão resolvidos. Mesmo assim a terapia termina porque os casais já adquiriram as habilidades necessárias ao equacionamento das situações problemáticas e entrarão em um procedimento de esvanecimento (fading out). Finalmente, uma terapia de casal deverá contemplar total ou parcialmente três processos psicoterápicos: o de cada um dos parceiros e a própria terapia do casal, todos em um mesmo processo. As propostas aqui apresentadas são sugestões de caminhos que buscam ajudar os terapeutas a identificar os problemas reais de um casal, descobrir soluções para resolvê-los ou minimizá-los ou mesmo ajudar os parceiros a interromper a relação, suavizando o processo de separação. R eferências Barlow, D.H.(Org). (1999). Transtornos psicológicos. Porto Alogro, RS: Artmed. Beck, A.T. (1988). Para alôm do amor. Rio de Janeiro, RJ: Rosa dos Ventos. Caballo, V. (1996). 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