Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
qualquer perda involuntária de urina, exceto para crianças, com importante impacto na qualidade de vida. Dentre os tipos de IU, a incontinência urinária de esforço (IUE) é a mais prevalente (86%). A incontinência urinária (IU) afeta 27% da população mundial de ambos os sexos e é duas vezes mais frequente nas mulheres do que nos homens, atingindo 30 a 70% das mulheres na pós-menopausa. Não obstétricos: idade, raça, herança genética correlacionada ao colágeno, tabagismo, obesidade, baixo nível socioeconômico, atividades laborativas com grande esforço físico e cirurgias ginecológicas prévias; Obstétricos: parto vaginal, principalmente se for operatório (fórceps), episiotomia rotineira, peso de recém-nascido ( 3.000 g), maior duração do segundo estágio do trabalho de parto e apresentação fetal não cefálica. De esforço: é a perda urinária involuntária, que ocorre após exercício físico, tosse ou espirro; De urgência ou urge-incontinência: perda urinária acompanhada por forte desejo de urinar; Mista: quando há, simultaneamente, IUE e por urgência; Inconsciente: perda urinária sem urgência ou reconhecimento consciente do extravasamento. Enchimento: perda urinária antes da micção; enurese; noctúria; urgência; urge- incontinência; perda aos esforços. Esvaziamento: disúria; sensação de esvaziamento incompleto; hesitação; gotejamento pós-miccional; fluxo intermitente; esforço para urinar. - Medicamentos em uso; Queixa principal; Dados pessoais; Doenças associadas; História obstétrica; Hábitos alimentares e ingesta hídrica; Antecedentes cirúrgicos; História dos sintomas; História sexual; Exames complementares. A queixa clínica anotada com as palavras utilizadas pela paciente. Os sintomas devem ser caracterizados de acordo com os seguintes fatores: a frequência com que ocorre, a quantidade de urina perdida, o que provoca essa perda e o tipo de tratamento feito previamente. Na história clínica é importante investigar doenças que interfiram diretamente nos sintomas urinários (diabetes mellitus, insuficiência vascular, doença pulmonar crônica e condições neurológicas que acometem a neurofisiologia da micção). É importante perguntar sobre o uso de medicamentos, pois podem afetar o trato urinário baixo. Tentando Classificar a IU Quanto ao Tipo Durante a noite, você levanta quantas vezes para ir ao banheiro? Nas vezes que você perdeu urina como foi? Perde urina durante uma atividade física, quando você tosse, levanta peso, se movimenta... Você acorda molhada? Perde urina na relação sexual? Uma sensação súbita e forte de urinar que impediu que você chegasse ao banheiro? Exame físico abdominal: o objetivo excluir tumores, hérnias e outros fatores de aumento da pressão abdominal. Exame neurológico: avaliar força muscular, reflexos e sensibilidade dos membros inferiores e do períneo. Avalia-se a integridade nervosa do assoalho pélvico por meio do arco reflexo (componente motor do nervo pudendo) e por três reflexos: Cutâneo-anal; Bulbocavernoso; Sensibilidade em sela. Exame uroginecológico: realizado com a paciente em posição ginecológica e obedece à seguinte ordem: - Exame das condições da pele vulvar, procurando sinais de contato constante com a urina (escoriações, edema e eritema); - Avaliação do trofismo genital; - Avaliação do meato uretral: presença de carúncula, ectopia de mucosa, secreções e mobilidade. A mobilidade da uretra e do colo vesical pode ser verificada com o teste do cotonete: insere-se um cotonete estéril e lubrificado na uretra até o colo vesical e observa-se seu movimento durante o repouso e a manobra de Valsalva da paciente. A inclinação superior a 30 graus sugere hipermobilidade uretral; - Avaliação do prolapso genital (cistoceles, retoceles, enteroceles e prolapsos uterinos/cúpula): a classificação mais utilizada na prática clínica é aquela em que se define o suporte vaginal durante manobra de esforço. Nos últimos anos, com a necessidade de trocas de informações padronizadas, a ICS aprovou a utilização do método POP-q (pelvic organ prolapse quantification), que usa o hímen como ponto de referência e mede em centímetros as posições das estruturas vaginais e sua descida durante manobras de esforço. Essa padronização vem sendo utilizada rotineiramente em publicações internacionais e apresenta satisfatória reprodutibilidade; - Avaliação funcional do assoalho pélvico: verifica-se a capacidade contrátil do assoalho pélvico por meio da inspeção e palpação do músculo levantador do ânus. A classificação mais utilizada é a de Oxford; - Toque vaginal: o toque bimanual objetiva afastar alterações pélvicas e vaginais que possam comprometer bexiga e uretra, como massas pélvicas ou vaginais, divertículos de uretra, compressão extrínseca e cistos parauretrais; - Teste da perda urinária: o ideal é que seja realizado com a bexiga da paciente repleta, com pelo menos 200 mℓ de urina ou soro fisiológico instilado previamente. Solicita-se que ela execute manobras de esforço e observa-se a perda urinária considerando o momento e o volume da perda. A ausência de perda não descarta a IU, devendo ser confirmada por outra prova objetiva; - Medida do volume residual pós-miccional: avalia a eficácia do esvaziamento vesical. O volume residual elevado causa incontinência por hiperdistensão vesical e transbordamento de urina, além da infecção urinária de repetição. Esse volume pode ser medido por cateterização vesical após micção espontânea ou, de modo menos invasivo, pela ultrassonografia pélvica após micção. Considera-se fisiológico o volume residual de até 100 mℓ na mulher adulta. Inspeção: Presença de cicatrizes (episiotomias) ou feridas; Eritemas; Presença de corrimento; Trofismo vulvar; Possíveis distopias; Consciência da musculatura do assoalho pélvico; Teste de esforço (Valsalva e tosse). Palpação: Reflexos: Clitoriano-anal; Introdução do 2º e/ou 3º dedo até o 1/3 médio da vagina; Presença de cicatriz ou laceração; Simetria das paredes vaginais; Presença de que tipo de distopia (manobra de valsalva); Hipotrofia ou atrofia de parede; Áreas dolorosas (trigger points). O exame de urina é indispensável na avaliação primária da IU e visa excluir a hipótese de infecção, anormalidades metabólicas e doenças renais. A urocultura é importante no diagnóstico de infecção do trato urinário quando revela pelo menos 100 mil unidades formadoras de colônias/mℓ em amostra de jato médio de urina. Constitui um instrumento não invasivo e deve ser solicitado em todos os pacientes com sintomas do trato urinário inferior. Possibilita uma avaliação “objetiva” dos resultados de tratamentos clínicos e cirúrgicos, por meio da comparação dos dados coletados antes e depois da intervenção. O diário miccional pode ser usado no diagnóstico clínico da hiperatividade vesical. A paciente registra durante 1 ou 3 dias o horário de cada micção, a quantidade de urina eliminada, os episódios de incontinência ou qualquer outro sintoma urinário e, quando possível, o volume da ingestão de líquidos. Este último não é essencial porque pode ser presumido pela quantidade de urina eliminada. Por meio desses registros, obtêm-se o débito urinário de 24 h, o número de micções diárias, a capacidade vesical funcional (maior volume eliminado) e o volume médio eliminado. Os valores de normalidade adotados são: débito urinário de 24 h de 1.500 a 2.500 mℓ, volume médio eliminado de 250 mℓ, capacidade funcional de 400 a 600 mℓ e até 7 a 8 micções por dia. O teste do absorvente é padronizado pela ICS na avaliação e comparação dos resultados do tratamentoda IU por meio da avaliação objetiva das perdas urinárias. A paciente utiliza absorventes durante 2, 24 ou 48 h, sem alterar sua atividade diária; depois, esses absorventes são pesados. O teste é positivo quando a pesagem de todos os absorventes utilizados é maior ou igual a 1,3 g em 24 h, segundo a ICS. Contudo, adotamos o valor igual ou maior que 4 g após estudo na população brasileira. O uso de questionários é preconizado como importante instrumento para avaliar o sintoma na perspectiva do paciente e medir o impacto da doença sobre a vida dele. Seu principal uso em uroginecologia é na avaliação dos tratamentos instituídos, com a comparação das respostas pré e pós- intervenção. Os questionários devem ser validados e adaptados para a língua portuguesa, e existem vários tipos para avaliação da IU e outros sintomas de disfunção do assoalho pélvico. Nossa grande limitação com os questionários é a capacidade cognitiva das pacientes, tanto quando são respondidos por elas mesmas (autorrelato) ou com auxílio de outra pessoa (entrevista assistida). Dentre os tratamentos conservadores da IUE, podemos citar: fisioterapia do assoalho pélvico, dispositivos de suporte intravaginal (pessários), terapia comportamental, produtos absortivos e terapias alternativas. O uso de pessários para IUE é uma alternativa terapêutica conservadora e não medicamentosa nas pacientes com contraindicação cirúrgica, naquelas que não desejam tratamento cirúrgico ou que estão aguardando melhora clínica para a cirurgia. Os pessários para IUE são recomendados a todas as pacientes com vida sexual ativa ou inativa. O pessário indicado para IUE é o anel com pequena saliência, para efeito compressor relativo da uretra contra o púbis durante o esforço, além da função de reduzir prolapsos associados. As pacientes devem ser responsáveis pela colocação, retirada e limpeza do pessário. O uso de estrogênios por via vaginal aumenta o tônus uretral, melhorando a resposta alfa-adrenérgica, além de melhorar a resposta ao fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico. Porém, é indicado na pós-menopausa como tratamento adjuvante. As formulações contêm estriol, estrogênio conjugado ou promestriene. Inicia-se com aplicação diária de 1 g do creme ao deitar. Depois de se obter melhora do hipotrofismo, pode-se individualizar a dose de manutenção (1 a 3 vezes/semana). Estudos recentes sugerem que esse tratamento é adjuvante na incontinência de esforço. A terapia estrogênica vaginal pode melhorar os sintomas urinários irritativos por reduzir a atrofia, mas não por efeito direto na uretra, aumentando a pressão de fechamento uretral. Essa terapia apresenta melhores resultados quando combinada a outros tratamentos, como exercícios do assoalho pélvico e medicamentos. Tratamento medicamentoso da incontinência urinária de esforço Como a IUE resulta basicamente da perda dos mecanismos esfincterianos e a uretra tem grande quantidade de receptores alfa-adrenérgicos, a ativação desses receptores resulta na contração uretral e no aumento da resistência esfincteriana. Nesse caso, o fármaco utilizado é a duloxetina (inibidor da recaptação de serotonina e norepinefrina), usada no tratamento de depressão, que mostrou diminuição dos episódios de perda urinária na dose de 20 a 40 mg/dia. É um tratamento alternativo, cujo uso contínuo é limitado por efeitos colaterais como náuseas, cefaleia, sintomas psiquiátricos e sonolência. Portanto, seu uso é limitado e individualizado. Outros fármacos, como antidepressivos tricíclicos (imipramina), que têm efeito alfa- adrenérgico secundário, agonistas beta- adrenérgicos (propranolol) e agonistas alfa- adrenérgicos (norafenilefrina), têm vários efeitos colaterais, principalmente cardiovasculares, e baixa eficácia na melhora a IUE. Portanto, seu uso não é recomendado. Tratamento medicamentoso da incontinência por urgência e mista Existem quatro categorias de medicações utilizadas na urge- incontinência: os anticolinérgicos, os antiespasmódicos, os antidepressivos tricíclicos e os agonistas adrenérgicos. Os fármacos antiespasmódicos (flavoxato, diciclomina) relaxam a musculatura detrusora, aumentando a capacidade vesical e diminuindo episódios de urge-incontinência. Porém, seus efeitos colaterais são similares aos dos agentes anticolinérgicos, sendo estes últimos mais seletivos e eficazes. Portanto, seu uso na prática clínica é raro, exceto a oxibutinina, que é anticolinérgico e antiespasmódico. Os antidepressivos tricíclicos aumentam os níveis de serotonina e norepinefrina (efeito agonista alfa- adrenérgico) e têm algum efeito anticolinérgico. As contraindicações ao uso são semelhantes às dos anticolinérgicos, e os efeitos colaterais também, embora causem maior impacto sobre as atividades mentais e físicas. A imipramina utilizada na dose de 10 a 50 mg/dia, além da ação alfa- adrenérgica sobre o colo vesical, tem efeito antiespasmódico e anestésico sobre o detrusor. A amitriptilina pode ser indicada nas pacientes com sintomas de aumento da frequência urinária associado à disfunção dos músculos do assoalho pélvico, porque seu efeito de aumentar os níveis circulantes de serotonina interrompe os ciclos de espasmos da musculatura pélvica e perineal. Não há indicação nos casos de urge-incontinência. A dose inicial é de 10 mg/dia, podendo ser aumentada gradativamente até a dose máxima de 100 mg/dia. Os anticolinérgicos são as principais alternativas no tratamento medicamentoso da IU por urgência e mista. Há diferentes propriedades farmacológicas, ação em um ou mais receptores muscarínicos, modo de ação, meia-vida e tipo de liberação, além da formulação. No Brasil, há apenas a formulação oral. O principal objetivo desse tratamento é a redução dos episódios de perda de urina, frequência urinária e noctúria, além da urgência. Todos os anticolinérgicos são contraindicados na presença de glaucoma de ângulo fechado, retenção urinária, obstrução intestinal, colite ulcerativa, miastenia gravis e cardiopatia grave. Esses fármacos geralmente causam tonturas e podem comprometer a habilidade das pacientes ao dirigir e operar máquinas. Não devem ser ingeridos com álcool, sedativos e fármacos hipnóticos. Os efeitos colaterais são os principais motivos de abandono ao tratamento, principalmente em função de secura na boca, constipação intestinal, palpitações cardíacas e sonolência. Os anticolinérgicos diferenciam-se pela atividade antagonista a determinado tipo de receptor muscarínico, ou seja, quanto mais específica for sua ação, melhor será a eficácia na inibição das contrações involuntárias e menores serão os efeitos colaterais. O músculo detrusor tem receptores muscarínicos M2 e M3, mas estes últimos são os principais mediadores da contração vesical. Outra opção de tratamento farmacológico é a mirabegrona, um agonista beta-3 com ação no músculo liso do detrusor, que leva ao seu relaxamento. Pode ser utilizada na dose de 25, 50 e até 100 mg/dia, com redução dos episódios de urgência, frequência e noctúria, além de menos efeitos colaterais. O principal deles é hipertensão; pode também ocorrer alteração cognitiva. A injeção de toxina botulínica do tipo A por via cistoscópica no detrusor tem sido uma das abordagens mais promissoras da hiperatividade do detrusor refratária a tratamento clínico. É indicada em casos em que não há resposta ou adaptação às terapias orais em razão de falta de eficácia, intolerabilidade ou não adesão ao tratamento. Geralmente, são injetadas 100 unidades da toxina botulínica A divididas em 20 pontos no músculo detrusor. Aproximadamente 73% das pacientes relatam continênciae melhora importante da qualidade de vida. O tempo médio de duração do efeito terapêutico é de 7 a 9 meses. A neuromodulação sacral é a alternativa minimamente invasiva no tratamento da IU mista ou por urgência refratária a outros tratamentos. Implantam- se eletrodos no segmento S3 que emitem correntes de baixa frequência, aumentando a atividade simpática do nervo hipogástrico e diminuindo a atividade parassimpática dos neurônios motores da bexiga. Consequentemente, há inibição da contração do músculo detrusor. Quando a estimulação é interrompida, o reflexo da micção é estimulado. A resposta a esse tratamento é satisfatória (até 90%), e essa modalidade é uma alternativa à cirurgia radical, que tem grande morbidade. Após avaliação detalhada, o programa de tratamento deve ser prescrito, respeitando alguns princípios básicos, a saber: Escolha da técnica ou método de tratamento de acordo com a paciente a ser tratada (idade, sexo, perfil e condições clínicas, como, por exemplo, ocorrência de prolapsos de órgãos pélvicos, gestação, climatério, senescência etc.); Objetivos do tratamento; Métodos disponíveis e domínio da técnica. Normalmente, o protocolo terapêutico associa técnicas de reestruturação do recinto abdominopélvico, reequilíbrio postural e da dinâmica respiratória, normalização das tensões musculoaponeuróticas e técnicas de controle (contração e relaxamento voluntário e involuntário), coordenação dos músculos do assoalho pélvico (MAP) e seus acessórios, previamente ao treinamento de fortalecimento. O treinamento dos músculos do assoalho pélvico (TMAP) é realizado por meio de cinesioterapia e pode ser associado ou não às técnicas de biofeedback, cones vaginais e eletroestimulação, de acordo com a prescrição adequada. Treinamento dos músculos do assoalho pélvico O American College of Sports Medicine determina que o treinamento muscular seja embasado em princípios fundamentais de cinesiologia e cinesioterapia. O TMAP deve respeitar tais princípios, a começar pela especificidade do músculo a ser treinado. Portanto, deve-se considerar sua função (sustentação dos órgãos pélvicos, controle da continência urinária e fecal, participação na atividade sexual e na postura estática), morfologia (composição das fibras musculares), habilidade, propriocepção e controle (capacidade de reconhecimento por parte da paciente). Assim, a escolha do programa de treinamento deve ainda ser embasada em: tipo de exercício a ser realizado, frequência, intensidade e duração. A quantidade de repetições, tempo de intervalo, tipo de contração, capacidade de progressão e carga deve ser estabelecida, e a correta contração deve ser confirmada antes do programa de treinamento, uma vez que muitas mulheres não sabem contrair e relaxar corretamente os MAP. A escolha do protocolo deve ainda considerar as funções e disfunções encontradas na avaliação prévia. Contrações rápidas e lentas devem ser realizadas considerando a necessidade da ação muscular durante os aumentos súbitos de pressão intra-abdominal e a capacidade de sustentação dos órgãos por longo período de tempo. Os intervalos entre as contrações devem respeitar a especificidade do músculo em questão e a capacidade de manutenção da contração sustentada durante a avaliação prévia. O princípio de sobrecarga e de progressão deve ser enfatizado quando o intuito for promover aumento de força e resistência muscular. Cargas máximas ou submáximas, controle da utilização dos músculos acessórios, uso da cocontração dos músculos sinergistas, controle da velocidade, número de repetições, evolução, manutenção e controle da pré-contração (contração voluntária ou involuntária dos MAP que antecedem as atividades de aumento de pressão intra-abdominal) devem ser itens de atenção fisioterapêutica na prescrição do programa de TMAP. Na prática clínica, o TMAP pode ser realizado com base em diferentes técnicas disponíveis na fisioterapia. Associar contrações dos MAP durante a realização do Pilates, por exemplo, tem sido orientado rotineiramente às mulheres. Entretanto, nossa preocupação com a adequada prescrição dos exercícios requer cuidadosa investigação do quadro clínico, das condições estruturais e funcionais e do grau de capacidade de realização por parte da participante. Seguindo a tendência mundial da gamificação, o TMAP passou a ser realizado também por meio de jogos virtuais. Com o intuito de incentivar adesão e motivação, ambientes virtuais e games vêm sendo explorados, inclusive para serem utilizados a distância. Estudos desenvolvidos em nosso laboratório de pesquisa têm demonstrado que a realização de jogos comandados pela pelve promove a melhora dos sintomas associados ao aumento da atividade muscular dos MAP e do transverso do abdome. No entanto, enquanto o mundo se torna virtual, muitos aplicativos na área de saúde têm sido disponibilizados para o público leigo, mas pouco se sabe sobre sua viabilidade, efetividade e custo-benefício, o que tende a causar preocupação entre os pesquisadores da área, se não existirem pesquisas clínicas que comprovem a superioridade dessas técnicas. Assim, a realização de estudos clínicos randomizados e controlados deve ser incentivada como base para a indicação de protocolos efetivos para o TMAP, o que possibilitará que nossa prática clínica seja exercida com segurança e efetividade. Programas de Tratamento para Incontinência Urinária Feminina O programa de tratamento é geralmente iniciado com uma sessão na qual a paciente recebe orientações e informações proprioceptivas sobre as estruturas e funções dos músculos e órgãos pélvicos, podendo essa conscientização ser feita por meio de figuras ilustrativas, da consciência do controle motor, de palpação digital vaginal, de biofeedback ou de outros meios. As técnicas a serem utilizadas serão determinadas durante a avaliação que a antecede, o que ajuda no estabelecimento dos objetivos a serem alcançados. Exercícios de conscientização dos MAP associados à dinâmica respiratória e ao controle dos músculos circunvizinhos devem ser enfatizados para o restabelecimento do controle motor e da coordenação entre eles. Técnicas associadas ao biofeedback e à eletroestimulação podem ser utilizadas quando se deseja conscientizar e promover melhora do controle muscular. Os cones vaginais e a gameterapia (treinamento dos MAP por meio de realidade virtual) podem ser recursos adicionais ao programa de tratamento. O tratamento supervisionado é superior ao não supervisionado, mas não existe consenso sobre os parâmetros de treinamento necessários para a efetividade do tratamento da IU feminina. Os parâmetros de treinamento, o tempo de duração e os intervalos entre as sessões variam de estudo para estudo, o que dificulta determinar quais são mais eficazes. Considerando os princípios que regem o treinamento muscular, acredita-se que o tempo de treinamento deve variar entre 8 semanas e 6 meses para que os resultados sejam bem estabelecidos. Baracho (2004) realizou um estudo-piloto comprovando que a efetividade da fisioterapia se dá próximo à 12a sessão, mas a melhora dos sintomas é registrada até que se completem 24 sessões. Após esse corte, parece não haver melhora ou até decréscimo nos ganhos adquiridos; além disso, a paciente pode sentir-se desestimulada quando o processo terapêutico é muito longo. Estudos sobre adesão ao tratamento devem ser realizados no intuito de certificar sua efetividade a longo prazo, uma vez que esse é um fator decisivo para a manutenção dos efeitos do TMAP. Estudos revelam variação de 10, 25 e 70% nesse quesito. Os efeitos a longo prazo podem ser esperados após o término do tratamento;no entanto, foi observada perda de 5 a 10% da “força muscular”, por semana, após interrupção do tratamento. O acompanhamento guiado com intervalo de 3 a 6 meses pode ser estabelecido para que haja maior sucesso na terapêutica. Nos laboratórios de Urofisioterapia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), realizamos diversos tipos de pesquisa envolvendo o TMAP, e nossos achados estão descritos nos estudos citados na Bibliografia deste capítulo, os quais podem embasar a prática científica e a rotina clínica. Biofeedback Dentro da abordagem conservadora, o treinamento do controle motor assistido com biofeedback pode ser uma das opções de tratamento de primeira linha para o tratamento da IU. Descrito pela primeira vez por Kegel, em 1948, a técnica se caracteriza por ser um recurso utilizado em conjunto com o TMAP, com a capacidade diferencial de demonstrar o recrutamento muscular às próprias pacientes. A ICS define biofeedback como uma técnica pela qual a atividade fisiológica é registrada, aprimorada e apresentada à paciente, em tempo real, por meio de sinais visuais e acústicos. É um instrumento útil no ensino e no aprendizado de processos de autorregulação que envolvem treinamento, possibilitando a conscientização das pacientes de seu funcionamento fisiológico, para que possam aprimorar o treinamento muscular. O biofeedback tem importante papel auxiliar no tratamento das disfunções neuromusculares, complementando os protocolos de TMAP de modo a reeducar, proporcionando consciência sobre o treinamento muscular e a função fisiológica inconsciente, isolando grupos musculares acessórios. Seus equipamentos podem ser manométricos ou eletromiográficos. O biofeedback manométrico é composto por sonda vaginal inflável, de látex, que, em contato com a parede vaginal da paciente, possibilita a obtenção de informações relacionadas à captação dos níveis pressóricos no interior da sonda vaginal. O eletromiográfico acompanha sensor de eletromiografia de superfície, eletrodo terra e monitor de vídeo, que, conectado ao músculo, amplifica a resposta fisiológica e a converte em informações significativas visuais e/ou acústicas. Não está claro até o momento qual o nível de superioridade entre as técnicas de reabilitação do assoalho pélvico e o biofeedback, nem se sua realização em conjunto com o TMAP tende a ser mais eficaz. No entanto, já é reconhecido que ele é motivador, tende a incentivar a adesão ao tratamento e melhorar a função do assoalho pélvico, além de permitir que a paciente acompanhe o progresso do seu treinamento. A IU de esforço, a IU de urgência e a IU mista podem ser tratadas por meio do biofeedback. De acordo com a disfunção miccional apresentada pela paciente, é necessário que o fisioterapeuta estabeleça os objetivos da intervenção a ser realizada, levando-se em consideração a queixa relatada e a avaliação funcional dos MAP. O equipamento de biofeedback auxilia na dosagem do programa de TMAP proposto, uma vez que se podem criar critérios como: tipo de contração a ser estimulada (rápida ou sustentada), número de repetições, tempo de duração da contração e intervalo de relaxamento, intensidade da contração (contração voluntária máxima, submáxima, podendo-se, ainda, estabelecer a porcentagem de contração desejada), frequência (número de contrações diárias) e adequação à postura recomendada para a realização dos exercícios. Estimulação elétrica A estimulação elétrica (EE) dos MAP tem sido utilizada como terapia coadjuvante no tratamento de IU de esforço, síndrome da bexiga hiperativa e IU mista. Sua indicação se estende a disfunções urinárias de causa neurológica, disfunções proctológicas e dores pélvicas. Pode ser realizada com correntes específicas para o objetivo proposto, servindo-se de eletrodos intracavitários (endovaginais ou endorretais), de superfície (transcutâneo, posicionados na região sacral, perineal ou no trajeto do nervo tibial), com auxílio de agulha (percutâneo, normalmente utilizado nos nervos sacrais ou no trajeto do nervo tibial) e até mesmo de eletrodos implantáveis, nas modalidades de estimulação contínua ou intermitente, podendo ainda ser do tipo wireless. A modalidade implantável é conhecida como neuromodulação e se caracteriza por ser invasiva e, portanto, realizada por cirurgião. Dentre as modalidades utilizadas pelo fisioterapeuta, encontram-se as correntes elétricas alternadas, as bipolares e as interferenciais, com frequências que variam de 4 a 70 hertz (Hz). A excitabilidade elétrica do nervo causada pelos potenciais de ação de propagação pode ser usada de várias maneiras para influenciar e restaurar a função dos MAP e do trato urinário inferior. Assim, frequências de 4 a 10 Hz têm sido utilizadas para o tratamento da inibição do detrusor, e frequências de 10 a 70 Hz, como coadjuvantes no treinamento de conscientização, controle, coordenação, força e resistência dos MAP. A utilização do tempo on-off reduz a fadiga da musculatura estriada no período de aplicação da corrente. Por se tratar de músculos fadigáveis, normalmente são utilizados intervalos de tempo de 2:1, ou seja, relaxamento com o dobro do tempo de contração realizada. Esses parâmetros podem ser ajustados de acordo com o objetivo do tratamento proposto. Por sua capacidade de prover estímulo proprioceptivo, a EE tem sido bastante utilizada durante o tratamento inicial de pacientes com baixa capacidade para reconhecer a contração adequada dos MAP (contração ausente ou fraca). A contração ativa dos MAP deve ser realizada simultaneamente à EE. Os programas de treinamento podem ser estabelecidos utilizando as ferramentas: tempo de subida, tempo de descida e tempo on-off, compatível com a condição muscular encontrada na avaliação prévia. Os efeitos adversos são incomuns; entretanto, algumas mulheres relatam desconforto. A utilização da EE do nervo tibial, tanto na modalidade percutânea como na transcutânea, tem apresentado resultados promissores na abordagem terapêutica das disfunções vesicais e intestinais. Contudo, apesar de amplamente utilizada na prática clínica, seus parâmetros não são bem definidos cientificamente, devido à ampla variação nos estudos encontrados e ao risco de viés. Assim, parece que adicionar EE ao tratamento pode ser uma alternativa viável, devendo-se avaliar com cautela os achados que indicam ou refutam a utilização da EE até que novos estudos clínicos possam contribuir com a compreensão dos seus efeitos e o estabelecimento de parâmetros para sua indicação e contraindicação. Efeitos a longo prazo também não estão ainda estabelecidos. Na prática clínica, o fisioterapeuta experiente certamente terá como base seus conhecimentos prévios e as condições funcionais encontradas na avaliação inicial, para então estabelecer seus critérios de utilização. É válido ressaltar que existem contraindicações clássicas para a utilização da EE, as quais precisam ser respeitadas. Cones vaginais Os cones vaginais são dispositivos endovaginais, de aço inoxidável, com revestimento plástico e um fio de náilon no ápice para facilitar a remoção. Têm sido utilizados em programas de TMAP, com o objetivo de restaurar as fibras musculares e, consequentemente, a função muscular. É considerado um método seletivo pela capacidade de recrutar, em especial, as fibras do tipo I (fibras de contração lenta). Foram preconizados por Plevnik em 1985, que demonstrou às pacientes ser possível aprenderem a contrair os MAP por meio da retenção de cones vaginais com pesos crescentes. Eles são em número de cinco a nove, e contêm volumes, formas e pesos diferenciados,dependendo do fabricante. Os comercializados no Brasil são em número de cinco e variam de 25 a 65 g. São considerados feedback tátil e cinestésico por permitirem a retroalimentação da paciente, à medida que recrutam progressivamente suas fibras musculares e, com isso, aumentam a atividade de contração. Os cones vaginais podem ser utilizados como ferramentas de TMAP na prática clínica, podendo ser indicados para uso domiciliar diariamente. Os exercícios com cones vaginais associados a outras técnicas também demonstram eficácia nos resultados. Em programas de TMAP com uso de cones vaginais, o fisioterapeuta pode orientar a utilização deles em dois tipos de treinamento: passivo ou ativo, conforme descrito por Haddad et al. (2011). Ambos os programas devem ser supervisionados por fisioterapeuta capacitado, que indicará o cone a ser utilizado com base em sua avaliação clínica. Preconiza-se o teste de “um minuto”, com a paciente na posição de pé caminhando lentamente, com o intuito de investigar qual cone é suportado na vagina e qual tende a “cair” (descida para além do introito vaginal). Assim, é estabelecido qual o cone deve ser utilizado em ambas as fases do treinamento. No treinamento passivo, não há contração voluntária dos MAP. Utiliza-se, para isso, o cone que foi suportado sem “descer” para além do introito vaginal, utilizando-o por 15 a 20 min durante as atividades de vida diária. A presença do cone sobre os MAP induzirá as contrações involuntárias dos mesmos, promovendo feedback sensorial, com recrutamento das fibras do tipo I à medida que as contrações são prolongadas. Com o progresso, os cones de maior peso devem ser indicados, e o aumento gradual do peso mantém a sobrecarga muscular necessária para o treinamento. O treinamento ativo é realizado utilizando- se o cone de maior peso retido na vagina durante o teste de caminhada, com contração voluntária dos MAP, de modo que seja necessário realizar certo esforço para não o deixar cair. Haddad et al. (2011) preconizam 30 contrações voluntárias, sendo a razão contração/repouso (em segundos) de 5:5, 2 vezes/dia, em posição estática. Da mesma maneira, com o progresso, os cones de maior peso devem ser indicados. A duração dessa terapia é controversa, podendo estender-se em até 6 meses de treinamento. A efetividade do método é questionada devido ao risco de alteração do posicionamento do cone vaginal após ser introduzido na vagina. Considerando que a orientação dela não é completamente vertical, algumas mulheres podem reter o cone sem realmente ativar os MAP. Além disso, dependendo do eixo da vagina, as mulheres precisam produzir diferentes intensidades de força para reter o cone. O deslocamento do cone no interior da vagina, com posicionamento transversal, já foi demonstrado radiologicamente, o que o impede de sair para além do introito vaginal, mesmo em condições de incapacidade muscular. Por isso, seu uso como ferramenta para medida da função muscular não parece ser válido. É importante ressaltar que o treinamento isolado de manutenção do cone na vagina durante 15 a 20 min não é considerado suficiente para a reabilitação dos MAP. Herbison e Dean (2013) avaliaram 23 ensaios clínicos randomizados e quase randomizados, envolvendo 1.806 mulheres, das quais 717 receberam cones. Todos os ensaios foram pequenos, com diferentes medidas de resultados, o que tornou difícil a comparação. Foi observada alta taxa de desistência do tratamento. Os autores relatam que, apesar das evidências limitadas, oferecer tratamento com cones vaginais é melhor que “nenhum tratamento ativo” para IU. Cones podem ter efetividade semelhante à do TMAP e à da estimulação elétrica. Assim, segundo a ICS (2013), apesar das evidências limitadas, os benefícios em adicionar os cones ao TMAP para IU justificam sua indicação, se as mulheres acharem aceitáveis. Recomenda-se nos casos leves a moderados de IU de esforço, IU de urgência e IU mista (grau de recomendação B). Por outro lado, o tratamento com cones pode ser inapropriado em alguns casos, devido a efeitos colaterais como sangramentos. Além disso, algumas mulheres relatam que sua utilização é desagradável. São contraindicações para o uso de cones vaginais: infecção urinária; déficit cognitivo; durante o período menstrual; gestação; durante ou imediatamente após relações sexuais; em casos de retenção ou obstrução urinária; período pós-parto de 6 semanas; na presença de prolapsos dos órgãos pélvicos superiores ao grau II; e com utilização simultânea de dispositivos endovaginais, como diafragma e tampões.
Compartilhar