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1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2 2 LINGUAGEM JURÍDICA ............................................................................. 3 2.1 Três Pontos de Vista Sobre a Linguagem ............................................ 6 2.2 Linguagem Jurídica Vaga, Imprecisa e Abstrata .................................. 7 2.3 Linguagem e Discurso Jurídico ............................................................ 9 3 O ACESSO À JUSTIÇA ............................................................................ 10 3.1 Conhecimento e Linguagem Jurídica ................................................. 13 4 SEMIÓTICA E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO .................................... 14 4.1 O Direito e sua “Linguagem” .............................................................. 17 4.2 A Linguagem Jurídica na Universidade .............................................. 23 5 A HISTÓRICA APLICAÇÃO DOS JARGÕES JURÍDICOs ....................... 24 6 DIREITO, LINGUAGEM E MÉTODO ........................................................ 29 6.1 A Palavra como Ferramenta do Direito .............................................. 31 7 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA .................................................................. 34 8 O USO DO LATIM .................................................................................... 38 8.1 A Origem dos Brocardos Jurídicos ..................................................... 43 9 A NORMA JURÍDICA E SUA VALIDADE, EFICÁCIA E EFETIVIDADE ... 44 10 A SENTENÇA E A COMPREENSÃO POPULAR .................................. 47 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 50 2 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! A Rede Futura de Ensino, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 2 LINGUAGEM JURÍDICA Fonte: revistavisaojuridica.uol.com.br A linguagem é o lugar da interação humana, interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio histórico e ideológico. Os usuários da língua ou interlocutores interagem como sujeitos ocupantes de lugares sociais. “Falam” e “ouvem” desses lugares de acordo com formações imaginárias que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais. Por esse motivo, o diálogo, em sentido amplo, é o que caracteriza a linguagem. É preciso pensar a linguagem humana como lugar de interação, de constituição das identidades, de representação de papéis, de negociação de sentidos, por palavras, é preciso encarar a linguagem não apenas como representação do mundo e do pensamento ou como instrumento de comunicação, mas sim, acima de tudo, como forma de interação social. (KOCH, 2003, p. 128) A comunicação possui um caráter problematizador, que gera consciência crítica e permite a busca do compromisso de transformação da realidade. Não há como, desta forma, pensar em competências intelectuais sem passarmos por competências 4 linguísticas, as quais dão subsídios para interagir com o mundo, com o outro e consigo mesmo (KOCH, 2003, p. 125). Interação e linguagem são elementos complementares. A vida social do ser humano se constitui a partir de sua capacidade de interagir com seus semelhantes por meio da linguagem. Destarte, cada indivíduo, ao utilizar a língua, não apenas diz o que pensa, mas também age sobre as pessoas, com o objetivo de influenciar determinadas atitudes ou comportamentos. Esse contato entre o sujeito e o grupo acaba por resultar na construção de conhecimentos e em uma aprendizagem significativa para todos. As pessoas falam para serem "ouvidas", às vezes para serem respeitadas e também para exercer uma influência no ambiente em que realizam os atos linguísticos. O poder da palavra é o poder de mobilizar a autoridade acumulada pelo falante e concentrá-la num ato linguístico. (BOURDIEU, 2006, p. 7) A palavra permeia todos os nossos atos, em todas as instâncias da realidade social, formando em todo setor do conhecimento humano uma linguagem e, consequentemente, um diálogo particular. À medida que aumenta o grau de especialização de um determinado conhecimento, o vocabulário técnico também se especializa, aumentando a distância entre o diálogo dos iniciados nesse conhecimento e dos não iniciados. Podemos dizer que temos o idioma - a Língua Portuguesa - e os sub idiomas de cada área de conhecimento produzindo e alimentando particularidades terminológicas. Dentre esses sub idiomas, no Brasil, destaca-se a linguagem jurídica devido à fascinação exercida pela atividade profissional jurídica, atividade reconhecida como espaço de extremo poder. Como o direito não é uma ciência exata, ele deve ser interpretado à luz do seu tempo, e da situação que no caso lhe é peculiar. Todavia, para se interpretar o direito é necessário um conceito jurídico, que é antecedido por uma linguagem jurídica, que entrementes é vinculada há uma linguagem natural. É de importância extrema a linguagem para um diálogo, para a comunicação, para a relação jurídica em si. Improdutivo será o debate, cujo interlocutor não tenha a plena identificação do objeto debatido. Possato, elaborou o projeto docente: As interfaces da linguagem jurídica: desvelamento técnico e linguístico em prol da cidadania e responsabilidade social estruturado em duas abordagens: 5 - A linguagem jurídica interpretada pelos estudiosos da Língua Portuguesa: desvelamento técnico e linguístico em prol da cidadania e responsabilidade social. Fonte: userscontent2.emaze.com - A linguagem jurídica, instrumental do profissional do direito: linguagem ímproba, jurisdição precária. A conjugação das duas focalizações procurou a conciliação entre as distintas experiências, articulando propostas e evolução para pesquisas posteriores, em especial a da prática jurídica voltada para o ensino aprendizagem da linguagem jurídica no curso de Direito. O desvelamento técnico e linguístico das interfaces da linguagem jurídica objetivou esclarecimento e atuação indispensáveis à cidadania e responsabilidade social. Afinal, a palavra é o instrumento de trabalho dos profissionais do Direito e, havendo ruído ou impropriedade linguística, a jurisdição se torna precária. “É incontestável que, na prática jurídica, a linguagem escrita exerce papel fundamental. Dentre outras razões, destaque-se o fato de revelar informações juridicamente relevantes, viabilizando o mais perfeito entendimento do caso concreto. Entretanto, sabemos que não é tarefa de fácil envergadura expressar-se de acordo com a exigência do rigor jurídico e, ao mesmo tempo, manter a clareza, a transparência e a elegância. (...) com muita propriedade, os autores, por meio de exemplos de narrativas extraídas de algumas peças processuais, disponibilizaram aos discentes meios de contextualizar a teoria e também compreender a narrativa como parte integrantede um todo mais complexo. Além disso, de forma didática, muitas vezes sugerindo uma conversa com o leitor, abriram uma clareira em mata densa, carente de luz”. (Desembargador Sergio Cavalieri Filho, apud DA GRAÇA, 2016). A linguagem como meio de comunicação e interação entre indivíduos de uma sociedade é utilizada para transmitir mensagens e códigos, a fim de esclarecer 6 significados e facilitar a compreensão de informações. Este recurso encontra espaço essencial na ciência do direito, seja através do uso da retórica, e até mesmo da própria escrita forense, dando assim, contornos característicos à ciência jurídica. Todavia, se observa que a função precípua da linguagem no ramo do direito vem desvirtuando seu objetivo principal. O uso da linguagem em latim, e de sinônimos rebuscados acaba por dificultar a compreensão e interpretação da mensagem jurídica. Entretanto, quando esta prática é analisada sob a ótica do indivíduo, constata- se que o cidadão, por desconhecer e não compreender o que a lei, uma sentença, ou mesmo o que o próprio advogado profere, tem seu acesso à justiça restrito e em alguns casos não há acesso, por falta de compreensão. Desta forma, o indivíduo é cerceado de obter o bem jurídico pretendido. Por se tratar de um fenômeno recorrente, e que afeta diretamente o jurisdicionado, sociólogos, juristas e filósofos criaram diversas teses para justificar o uso deste tipo de linguagem no meio jurídico. Dentre as mais conhecidas, a teoria do poder simbólico, do sociólogo Pierre Bourdieu (2013), explica como a linguagem é utilizada para manter o poder de quem a utiliza, em detrimento da sociedade. O estruturalismo de Bourdieu se volta para uma função crítica, a do desvelamento da articulação do social. O método que adota se presta à análise dos mecanismos de dominação, da produção de ideias, da gênese das condutas. Assim, o poder simbólico é aquele decorrente dos nossos instrumentos de comunicação e conhecimento. Trata-se de um poder invisível, pois é exercido ou sofrido de tal forma que o agente ou a vítima não se sabe atingido por esse poder. O poder simbólico acaba por desencadear uma imposição sobre como as relações serão vistas e compreendidas, imposição esta sob o comando de quem detém esse poder. No mundo jurídico, os indivíduos que atuam na área, ao utilizarem- se da linguagem jurídica acabam sendo os detentores deste poder, deixando os demais indivíduos de uma sociedade à margem da realidade. 2.1 Três Pontos de Vista Sobre a Linguagem A existência das normas depende da linguagem. A linguagem, como conjunto de símbolos, pode ser analisada sob três pontos. José Juan Moreso – apud Pereira, 2012, afirma que: 7 La existencia de las normas es dependiente del lenguaje. El lengaje como conjunto de símbolos puede analizarse desde tres puntos de vista: a) sintáctico, que esudia la estructura y relaciones entre os símbolos; b) semántico, que estudia la relación entre los símbolos y su significado; c) pragmático, que estudia la relación entre los símbolos y su uso (A existência das normas depende da linguagem. A linguagem como conjunto de símbolos pode ser analisada de três pontos de vista: a) sintático, que estuda a estrutura e as relações com os símbolos; b) semântica, que estuda a relação entre os símbolos e seu significado; c) pragmática, que estuda a relação dos símbolos com seu uso.) a) Concepção Sintática O estudo da linguagem na concepção sintática consiste basicamente em explicar a necessidade/utilidade de se escrever e principalmente interpretar o direito de forma correta, reforçando a ideia de segurança jurídica. A sintática é um dos instrumentos no estudo do direito, porém a análise gramatical, ou interpretação gramatical, é um dos passos se não o primeiro, nesta árdua missão de tentar tirar da linguagem seu verdadeiro significado. b) Concepção Semântica A análise da linguagem, levando em consideração a semântica, tem por escopo, o estudo do signo, dentro da realidade, eliminando tudo aquilo que é impreciso, que muitas vezes são oriundos da linguagem natural, assim o trabalho da semântica passa por um estudo que leva em consideração a denotação e a conotação. Para através desse processo, buscar a realidade do significado dos termos. c) Concepção Pragmática Quanto à concepção do ponto de vista pragmático, objetiva esse estudo a ser um facilitador da comunicação entre aquele que emite a norma e o destinatário desta, que poderia ser apenas um receptor da norma. Todavia quanto de forma pragmática o fim é alcançado, deixa de ser um mero receptor, entretanto, para se transformar em conhecedor da mesma, o que torna o ato da linguagem, muito mais eficaz. 2.2 Linguagem Jurídica Vaga, Imprecisa e Abstrata Na visão de muitos, se faz necessário reconhecer a necessidade de simplificação da linguagem jurídica para a real democratização e pluralização da Justiça. Recentemente, várias críticas, foram feitas sobre a atuação do Poder 8 Judiciário no Brasil. Todavia, carece o Judiciário de melhores instrumentos de trabalho. A legislação nacional, é deficiente de técnica e produção. Além de não dispor de instrumentos eficientes ao Judiciário, porque já não se aceita a tradicional liturgia do processo, há o amor desmedido pelos ritos, que quase passaram a ter fim em si mesmos, numa inversão de valores. O devido processo legal é essencial para a legitimação da atividade judicial, contudo, esse processo deve ser caminho de realização da Justiça, e não um estorvo incompreensível e inaceitável. Karl Larenz, apud Eros Roberto Grau (2008, p. 222), assim se manifesta: A linguagem jurídica deve ser considerada como um ‘jogo de linguagem’, (...) O papel das palavras neste ‘jogo’ não é captável mediante uma definição, visto que, ao defini-las, estaremos a nos remeter ao seu significado em um outro ‘jogo de linguagem’. O papel delas no jogo de linguagem, nestas condições, só poderá ser desvendado na medida em que passemos a participar do mesmo jogo. Desta participação no jogo decorre a possibilidade de compreendermos a linguagem jurídica – tarefa que é instrumentada pela dogmática (...). De acordo com Eros Roberto Grau, não há linguagem jurídica estritamente precisa, pois dessa forma não alcançaria seu objetivo precípuo. “Não é um mal injustificável, de toda sorte, este de que padece a linguagem jurídica. E isso porque, se as leis devem ser abstratas e gerais, necessariamente hão de ser expressas em linguagem de textura aberta. ” Juristas vêm discutindo sobre o desconhecimento do conteúdo das normas jurídicas pelo homem médio, e esse desconhecimento é o tema tratado pelo jurisconsulto argentino Cárcova (1998, p. 14), em sua obra A Opacidade do Direito, na qual pontua que: (...) entre o Direito e o seu destinatário, existe uma barreira “opaca” que os distancia, impossibilitando aquele último de absorver do primeiro os seus conteúdos e sentidos, entender os seus processos e instrumentos, tornando- o, por isso, incapaz de dele se beneficiar como seria esperado. Existe, pois, uma opacidade do jurídico. O cidadão comum pode até mesmo conhecer as normas, mas não as compreende, não as utiliza como fonte de consulta quando necessário. 9 2.3 Linguagem e Discurso Jurídico O discurso jurídico possui quase sempre um condão persuasivo por sua própria natureza, visto que a ciência jurídica por si só tem forte conotação argumentativa, que visa a sua eficácia no plano real, sobre o que versa o discurso jurídico argumentativo. Eduardo C. B. Bittar, apud Pereira, (2012) desmistifica o tema discurso jurídico, trazendo o mesmo de uma forma concreta à realidade: De um lado o discursus consiste no uso da racionalidade depurativa das ideias, contrapondo-se, portanto, à noção de intuição (noésis); o discursus envolve o cursus de uma proposição a outra, de modo que todo raciocínio encontra-se condicionadopor esse percurso. De outro lado, o discurso é entendido como sendo logos, ou seja, o transporte do pensamento (noûs) das estruturas eidéticas para a esfera da comunicação, o uso do noûs na articulação da linguagem. O logos, em verdade, é o noûs feito em palavra, o que equivale a dizer que há uma passagem do simbólico abstrato e noético, do simbólico do pensamento e da formação das ideias, para o simbólico concreto e expressivo.(PEREIRA, 2012) E continua: Dessa forma, todo ato de linguagem (verbal, não verbal, sincrético), enquanto ato de construção de sentido, é um ato de escolha e de seleção de elementos a compor; é uma escolha de valores, de estruturas, de formas, de significância, de objetivos, de impressões, de efeitos retóricos, de consequências, de afirmação de realização de atos (...). O sujeito-do- discurso faz-se presente em seu discurso operando escolhas. (PEREIRA, 2012) Assim, a linguagem como um condutor do discurso jurídico, é para este, função essencial, uma vez que o discurso jurídico não se pauta apenas em intuição, mas algo mais construtivo, mais estrutural. O discurso jurídico pela construção e elaboração, é algo mais complexo e não apenas meramente retórica. Para Mellinkoff (1963, p.34), “a Justiça é uma profissão de palavras e as palavras da lei são, de fato, a própria lei(...)”. No entanto, o discurso jurídico caracteriza-se pelo tecnicismo, pela presença da linguagem arcaica e pelos latinismos, que, em geral, dificultam a produção de sentido pelos interlocutores. Nesse entendimento, é possível dizer que os juristas não lidam com fatos, mas com palavras que denotam, ou pretendem denotar esses fatos. Dessa forma, há de se afirmar que a parceria entre Direito e Linguagem existe, e, além de tudo, é responsável pela atuação do jurista. No espaço do Direito, por exemplo, os textos não 10 partem de uma pessoa, apenas, mas do conjunto destas, para que nessa relação entre língua e contexto e sua interação haja comunicação. 3 O ACESSO À JUSTIÇA Fonte: guimaraes-adv.com A linguagem jurídica como vem sendo utilizada desencadeia uma problemática não apenas relacionada à hierarquia judicial e a disputa pelo poder, como também acaba por incidir diretamente sobre um dos pilares do direito, qual seja, o acesso à justiça, e consequentemente uma barreira à concretização do Estado Democrático de Direito. José Afonso da Silva afirma que: O Estado democrático de Direito possui um compromisso com a justiça material, aquela caracterizada não apenas como a igualdade perante a lei, igualdade formal, porém aquela que vá levar à redistribuição da riqueza, de modo a reestruturar as relações sociais e econômicas, alicerçando a sociedade democrática a qual não se concebe sem a participação do cidadão comum nos mecanismos de decisão. (SILVA, 2012, p. 58) A democracia possui seus alicerces no tratamento isonômico entre os cidadãos, objetivando garantir a participação da maioria, finalidade esta oposta à segregação, que vem sendo afirmada pelo instrumento da linguagem. 11 Assim sendo, o emprego de uma linguagem técnica, demasiadamente estilística, acaba por privar o cidadão comum do entendimento e das interpretações da lei e, como consequência, este recurso que tem como função transmitir uma informação, acaba por impedir a concessão da tutela jurisdicional, dado que as próprias partes envolvidas na lide têm de enfrentar mais uma barreira, que é a linguagem. Essa problemática não se restringe a requisitos econômicos/sociais, pois o elevado nível hermético dos termos jurídicos acaba por refletir nas inúmeras páginas de livros, em que os próprios doutrinadores destinam a alcançar o conceito de determinada palavra, discussão essa, que na maioria das vezes não chega em um consenso. Enquanto instrumento condicionante da vida em sociedade, o Direito requer uma aplicação minimamente possível no cotidiano de uma civilização, afinal, a essencialidade das condutas humanas está repleta de normas de direito, que envolvem constantemente obrigações e deveres entre as pessoas. Desta forma, não se pode atenuar o acesso a este direito, ou disponibilizá-lo a uma parcela mínima da população. A expressão “acesso à justiça” vai além do direito de acesso ao Poder Judiciário, compreendendo-a como o acesso a uma ordem jurídica que vá proporcionar ao cidadão resultados que sejam individual e socialmente justos. A linguagem jurídica assume assim, o papel de distanciar o jurisdicionado do bem jurídico pretendido. Segundo uma análise Kafkaniana do processo, esta questão retrata não somente a insuficiência do procedimento, mas também, o formalismo exacerbado que acaba por não solucionar as lides: O advogado tinha um repertório inesgotável de conversas destas e semelhantes, repetia-as em todas as visitas. Nunca deixava de se referir a progressos, mas jamais podia informar qual o gênero deles. Estava-se sempre a trabalhar no primeiro requerimento, mas este nunca mais chegava ao seu termo, o que, em geral, era apresentado como uma grande vantagem da visita seguinte, pois que da última vez, coisa que ninguém poderia prever, não teria sido muito oportuno proceder à sua entrega. Se K., já esgotado pelos discursos, observava que, mesmo tomando em consideração todas as dificuldades, as coisas avançavam muito lentamente. (KAFKA, 2005, p. 89) Kafka, nos dizeres de Campos e Homci quis retratar a insatisfação que muitos jurisdicionados se deparam quando são submetidos a um processo judicial. Ao buscar alguma informação e a própria solução do conflito, esbarram nas explicações que 12 pouco ou nada esclarecem. O advogado, que primordialmente deve zelar pela defesa de seu cliente, bem como auxiliá-lo na condução do processo, acaba por dificultar sua participação, assumindo o papel de mais um agente segregador do cidadão em relação à esfera jurídica. Campos e Homci pontuam também que atualmente, no tocante aos indivíduos que desconhecem o ordenamento jurídico, o acesso à justiça vem sendo permitido prima facie, no âmbito puramente formal. O uso de uma linguagem jurídica hermética empregada pelos operadores do direito acaba por criar barreiras e segregações aos indivíduos que procuram os tribunais a fim de tutelar seu bem da vida. A obra “O Processo”, mesmo que escrita ainda na primeira metade do século XX, pode ser considerada como atual, na medida em que faz alusão a diversas falhas do Poder Judiciário que vigoram até hoje. Dentre elas, o problema da linguagem jurídica é considerado por ser utilizada como uma ferramenta que acaba dificultando o acesso à justiça. A teoria do poder simbólico se apresenta como uma das justificativas plausíveis, ao interesse dos operadores do direito, em continuar fazendo uso de uma linguagem rebuscada. A real democratização deve levar uma aproximação do direito da realidade que procura representar e sobre a qual pretende agir, implica ainda a adoção de uma postura que não cria divisões entre universos discursivos, quando a síntese e a simplicidade podem significar mais. Fonte: www.correioforense.com.br https://jus.com.br/tudo/adocao 13 3.1 Conhecimento e Linguagem Jurídica É justificável atribuir o conhecimento da linguagem jurídica a partir do exercício da racionalidade humana. Dessa maneira, explica Martins, o significado das coisas se torna inteligível a partir de sua interpretação pela atividade racional operada pelo homem, o que se exprime basicamente pela linguagem. Assim, a linguagem faz desvelar o próprio significado das coisas segundo a interpretação humana. Portanto, o significado das coisas não é dado. Ao contrário, é algo construído, até porque a linguagem atua na elaboração desse objeto de significação. Nessa linha, Lenio Luiz Streck, apud Martins (2017) afirma que “estamos mergulhados num mundo que somente aparece (como mundo) na e pela linguagem. Algo só é algose podemos dizer que é algo”. O significado do mundo, portanto, é extraído por meio da linguagem e, por isso mesmo, o mundo jurídico é igualmente compreendido pelos precisos limites permitidos pela linguagem. O pensamento sobre a ordem jurídica passa, ainda que lateralmente, pela via da linguagem. E, de certa maneira, o Direito é parcialmente produzido pela linguagem. Contudo, é preciso pontuar que a linguagem não é o único instrumento de visualização do universo jurídico, cabendo ao intérprete da norma jurídica investigar o sentido das coisas dizíveis a fim de identificar o verdadeiro significado do justo que, por natureza, é modificável segundo o percurso histórico. De qualquer maneira, o recurso da linguagem no âmbito jurídico, possui grande importância, uma vez que visa estabelecer a relação entre as normas jurídicas e, no caso concreto, constituir e reforçar a unidade do ordenamento jurídico, a partir de paradigmas cognitivos extraídos pela análise semiótica. A linguagem deve ser usada para socializar o conhecimento, e não como manifestação de poder, como instrumento pelo qual repele da discussão as pessoas que não possuem condições de decodificá-la. O universo jurídico não pode continuar falando apenas para si mesmo. Há de haver uma verdadeira democratização do acesso à justiça. 14 4 SEMIÓTICA E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO Fonte: emporiododireito.com.br A semiótica é a teoria geral dos signos, sinais e linguagens, conforme ensinaram Watzlawick, Jakobson, dentre outros. De acordo com Romano (2017), Jakobson foi o primeiro a propor uma teoria do sistema de comunicação. Segundo o linguista o processo comunicativo possui seis componentes que realizam seis respectivas funções. Esses seriam: - Emissor: Função Referencial ou Denotativa - Receptor: Função Conativa ou Apelativa - Código: Função metalinguística - Mensagem: Função Referencial ou Denotativa - Contexto: Função poética - Canal: Função fática A linguagem está no sentido denotativo, quando ela está sendo utilizada em seu sentido literal, qual seja, o sentido que carrega o significado básico das palavras, https://jus.com.br/tudo/processo 15 expressões e enunciados de uma língua. Melhor dizendo, o sentido denotativo é o sentido real, dicionarizado das palavras. A linguagem está no sentido conotativo, quando significa que ela está sendo utilizada em seu sentido figurado, isto é, aquele cujas palavras, expressões ou enunciados ganham um novo significado em situações e contextos particulares de uso. O sentido conotativo altera o sentido denotativo (literal) das palavras e expressões, dando a elas um novo significado. Quanto ao aspecto conceitual do valor linguístico, Saussure, apud Romano (2017), analisa que o conceito dos signos está associado ao significante não por um processo unitário, isolado, signo por signo, entretanto, ao contrário, a língua tem que ser considerada em seu todo para que esse processo de associação possa ser compreendido. O significado, ainda que seja a contraparte do significante no interior do signo, não lhe seria atribuído diretamente, mas pela oposição de um signo aos demais. De um lado, o conceito nos aparece como a contraparte da imagem auditiva no interior do signo, e, de outro, este mesmo signo, isto é, a relação que une seus dois elementos, é também, e de igual modo, a contraparte dos outros signos da língua. (...) A língua é um sistema em que os termos são solidários e o valor de um resulta tão-somente da presença simultânea de outros (SAUSSURE, 2002, p. 133 – apud ROMANO, 2017). Assim, para o linguista, o significado de um signo é atribuído ao seu significante pela presença de outros signos, que então vão determinar, por oposição e exclusão, o seu significado. Dessa forma, cada signo tem seu próprio significado justamente porque convive com os demais signos da língua. Ilustrando esse fato, o linguista cita os sinônimos recear, temer e ter medo, que só teriam valor próprio pela oposição entre si. Para Saussure, continua Romano, o signo linguístico se constitui através da associação de um significado a um significante, logo, o signo seria a oposição de três noções: - Significante, - Significado e - Signo (este último designando a totalidade das suas relações constitutivas). Ambos os elementos de que se compõe o signo seriam de ordem linguística, unidos em nosso cérebro por um vínculo associativo. Este vínculo se daria de forma arbitrária. Ao fazer essa afirmação, Saussure chama a atenção para o fato de que 16 nenhuma relação existe entre a sequência sonora que compõe o significante e o significado que lhe é associado. Deveras, exatamente qualquer sequência sonora poderia ser associada a qualquer conceito. A essa característica da língua Saussure chama a arbitrariedade do signo, considerando como arbitrário o próprio signo linguístico. A partir do princípio da arbitrariedade do signo linguístico presente no caráter de associação entre as duas partes que o comporiam, Saussure demonstra algumas consequências para a vida da língua. Uma delas seria a enorme resistência do signo às mudanças, o que, por sua vez, levaria ao aspecto de imutabilidade da língua. Por outro lado, haveria o fato de que o signo sofreria alterações se exposto (como inevitavelmente estará) à ação concomitante do próprio tempo e da massa de falantes. Apesar de aparentemente contraditório, Saussure demonstra que, sem a ação coincidente dessas duas forças, o signo não muda, não mudando, portanto, a língua. A linguística não é normativa, estuda justamente as transformações sofridas pela língua devido determinada necessidade de mudança, sem considerar essas transformações melhores ou piores, portanto, não determina o modo certo ou o modo errado de escrever ou de falar, e sim analisa as adaptações sofridas pela linguagem de acordo com determinados valores e situações. A dinamicidade da vida social e da própria constituição do homem também repercutem na linguagem, uma vez que "todos os sistemas e formas de linguagem tendem a se comportar como sistemas vivos, ou seja, eles reproduzem, se readaptam, se transformam e se regeneram como as coisas vivas" (SANTAELLA, 2009, p. 2) E, como produto dessa mutação de sentidos da vida humana, vale destacar a mudança valorativa das condutas individuais juridicizadas, de maneira que as categorias jurídicas então monolíticas, passam a receber os influxos dos sistemas de comunicação em sintonia com a realidade fática cambiante. O intenso exercício racional e prudente em torno das estruturas da linguagem acaba por levar o homem a identificar a presença de elementos mínimos tendentes à apuração do significado das coisas investigadas, tudo com o objetivo de delimitar os traços marcantes de construção especialmente do direito positivado. A própria Semiótica se projeta para a diversidade dos ramos do conhecimento científico, uma vez que cada ramo da ciência conta com um universo conceitual 17 próprio, o que faz surgir, naturalmente, uma linguagem particular para cada conhecimento especializado, visto que "cada ciência se exprime numa linguagem" É o que acontece no âmbito jurídico. Neste caso, se diz particularmente em linguagem jurídica. Não há, pois, como afastar a íntima relação entre a temática jurídica e a linguagem que a veicula. 4.1 O Direito e sua “Linguagem” O Direito, como uma espécie de sistema de controle social dos comportamentos intersubjetivos, é considerado uma forma de instituição social que se manifesta pela linguagem: a linguagem jurídica. Outrossim, o Direito, como ramo do conhecimento científico, se inclina a compreender a realidade social (mundo do ser), a partir de causas próximas e remotas, gerais e específicas, com a finalidade de ordenar socialmente (mundo do dever ser) os comportamentos humanos, num determinado momento histórico, atravésde normas jurídicas indispensáveis à manutenção do corpo coletivo. Para Maria Helena Diniz, apud Martins (2017), “o fundamento das normas está na exigência da natureza humana de viver em sociedade, dispondo sobre o comportamento de seus membros”. No ponto, adverte-se que “as normas são fenômenos necessários para a estrutura ôntica do homem”, significando que, as normas jurídicas seriam elementos indispensáveis para a composição da própria vida humana, com o objetivo de estabelecer padrões de conduta social com densidade valorativa de razoável aceitação. E quanto à relação com o homem e a sua cultura, desponta a importância da linguagem. E sobre o tema, aponta Cândido Rangel Dinamarco, apud Martins (2017,) que a linguagem constitui objeto “de uma cultura, servindo não só para medir o grau de civilização que através dela se manifesta, mas também para chegar-se ao conhecimento das particularidades de determinada civilização”. Martins esclarece que em termos de civilização, a noção de linguagem remonta à antiga civilização grega. 18 No mundo grego, a linguagem era relacionada com o discurso filosófico, pois “à medida que se formava a polis grega, ao lado da linguagem poética se criava, pois, uma outra linguagem, a linguagem dos oradores, a linguagem retórica”. No mundo cultural da antiga Grécia, surgiam duas linguagens ao se tratar das coisas da polis, “a linguagem poética, inspirada nas Musas, que falam por meio dos poetas; a linguagem retórica, em que o homem fala por si, pessoal por definição”. De qualquer maneira, em tempos modernos, sobretudo, a estrutura jurídica, no que lhe concerne, é explicitada por meio de uma linguagem multifacetada, carregada de valores racionais específicos e disformes. A linguagem, representa e, ao mesmo tempo, estabelece a comunicação do conhecimento jurídico científico, de modo que a norma jurídica abstratamente considerada é desvelada, no plano concreto, pelo veículo da linguagem. Acontece, todavia, que a linguagem que transmite o conhecimento jurídico contém limitação inerente à própria dificuldade natural de conhecimento pontual e acabado dos objetos investigados. É como se a linguagem não conseguisse apreender a totalidade do objeto de conhecimento. Ela apenas revela e comunica parcialmente o substrato valorativo da norma jurídica, a partir de uma perspectiva de linguagem. Em contrapartida, o pensamento jurídico também encontra na linguagem a sua forma de exteriorização, até porque “o pensamento precisa da articulação linguística, pois os signos linguísticos constituem o essencial da comunicação humana, sendo, portanto, o fundamento da linguagem” (DINIZ, 2012, p.169). Significa, inclusive, dizer que a condição de possibilidade de existência da ciência jurídica reside na linguagem. Conforme apregoa Maria Helena Diniz, a ciência jurídica “encontra na linguagem sua possibilidade de existir” (p.169). Percebe-se que a temática jurídica, principalmente a formação, a interpretação e a aplicação do Direito, se encontra fortemente unida com a análise de importantes estruturas, como a palavras, os conceitos, a representação, a comunicação, o conhecimento e a linguagem, tudo, de certa maneira, ligado ao domínio sobre o qual se recai a Semiótica, explicada por Martins, em síntese, como instrumento de estudo preciso da linguagem jurídica. Assenta-se, então, a necessária articulação entre os paradigmas da Semiótica e do Direito, já que tudo isso reflete na problemática da decidibilidade das questões 19 jurídicas e atinge diretamente os direitos e as garantias fundamentais do ser humano. A propósito, no dizer de Maria Helena Diniz, “o problema nuclear da ciência jurídica é a decidibilidade”. Fonte: brasildelonge.files.wordpress.com A relação entre linguagem e Direito, como visto, se mostra implicada, até porque o objeto jurídico é produzido a partir da dimensão da linguagem, de modo que a própria linguagem reúne um conjunto de símbolos sujeitos à compreensão do intérprete. Maria Helena Diniz ensina que a aproximação entre linguagem e Direito se firma a partir de algumas premissas de sustentação. - A primeira premissa estabelece que “o Direito não poderia produzir seu objeto numa dimensão exterior à linguagem” (DINIZ, p. 170). Significa que no Direito, particularmente na perspectiva do direito positivo, a linguagem se interliga com as palavras e ocupa um lugar de destaque a desempenhar variadas funções de comunicação do discurso jurídico. - A segunda premissa entende que “onde não há rigor linguístico não há ciência, pois esta requer rigorosa linguagem científica” (DINIZ, p. 170). - A terceira premissa sustenta que o operador da ciência jurídica deve utilizar a espécie de interpretação cabível, a partir do significado da palavra no texto normativo, 20 com o fim de extrair a sua ideia no tempo e no espaço. Até porque “as palavras guardam o segredo do seu significado” (DINIZ, p. 170). Veja-se: O elemento linguístico entra em questão como instrumento de interpretação, pois, sendo a linguagem do legislador subjetiva e variável, o jurista deverá, na interpretação literal, atingir o sentido específico e objetivo da palavra, buscando verificar o sentido da lei. Na interpretação histórica deverá analisar as causas de elaboração das propostas normativas e, na sistemática, levar em conta os vários significados que as palavras assumem nos textos legislativos em que são inseridas, procurando formar uma linguagem coerente e unitária. Em suma, o intérprete deve partir das palavras para atingir a ideia. (DINIZ, p. 170) - Como quarta premissa destaca a importância do elemento linguístico no universo de construção da própria ciência, uma vez que: “Se a linguagem do legislador não é ordenada, o jurista deve reduzi-la a um sistema. A atividade sistemática ou construção de um determinado sistema jurídico é uma das principais tarefas do jurista.” (DINIZ, p. 170) Existe, portanto, no plano da comunicação jurídica uma perfeita sintonia entre linguagem e Direito, a ponto de surgir uma autêntica, singular e complexa linguagem jurídica. Nesse sentido, o Direito ganha contornos de existência segundo uma linguagem, imposta pelo postulado da alteridade. E a decisão jurídica (no sentido de lei, costume ou decisão judicial), entretanto, “é um componente de uma situação comunicativa entendida como um sistema interativo, pois decidir é ato de comportamento referido a outrem”. (DINIZ, p. 170) Assim, ensina Martins, o papel do discurso jurídico se relaciona, mesmo que indiretamente, a uma ação linguística que envolve outrem. Dessa maneira, todo discurso sugere a importância do próprio homem no contexto da comunicação. Nessa linha: Logo, o objeto do discurso da ciência do direito (...) não é o conjunto das normas positivadas, mas o ser (o próprio homem), que, no interior da positividade que o cerca, representa, discursivamente, o sentido das normas ou proposições prescritivas que ele estabelece, obtendo uma representação da própria positivação. (DINIZ, p. 185) Além do mais, a importância do homem conta com o histórico drama que permeia o universo jurídico, e isso é sinalizado por Francesco Carnelutti, apud Martins (2017), no sentido de que “o direito tem necessidade da lei para guiar os homens; mas a lei o estorva para julgá-los”. 21 Com relação à linguagem jurídica em geral, Maria Helena Diniz adverte quanto à existência de características particulares da ciência jurídica que as difere de outros ramos do conhecimento científico: É preciso lembrar, ainda, que a linguagem utilizada pelo direito não é precisa por ter caracteres da linguagem natural que, em oposição à linguagem formal, como a da lógica e a da matemática puras, possui expressões ambíguas, termos vagos e palavras que se apresentam com significado emotivo, o que leva o jurista a desentranhar o sentido dostermos empregados pelo legislador (...) A textura aberta das palavras da lei, a ambiguidade e vagueza das expressões legais viabilizam a redefinição dos sentidos normativos pela ciência jurídica e a adoção de uma das alternativas de decisão pela autoridade ou juiz ao aplicar o direito. (DINIZ, p. 171-172) Sob o ponto de vista do direito positivado, pode-se atribuir a noção de linguagem legal, consistente numa estrutura de linguagem jurídica ditada pelo órgão legiferante competente, de acordo com certa organização de palavras tendente a indicar determinado significado. Destaca-se aqui, mais um problema: o significado das palavras. A problemática com relação ao significado das palavras restou enunciada pelo jurista Eros Roberto Grau, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, quando afirmou que “as palavras são potencialmente ambíguas e imprecisas” e que “a mesma palavra conota, em contextos diferentes, sentidos distintos. O significado de cada uma delas há de ser discernido sempre no quadro do jogo de linguagem no qual elas apareçam”. (ADI 3.510) Desta forma, se analisada isoladamente, a palavra pode subverter o sentido do texto e comprometer o entendimento do natural e cambiante processo de alteração dos valores que compõem a norma jurídica. Sobre o tema, Martins destaca o dizer de Vicente Ráo (2004, p. 514): o “abuso de regras e filigramas gramaticais estagnam e mumificam o sentido dos textos, impedem sua adaptação às necessidades sociais sempre mutáveis e sempre revestidas de modalidades novas”, o que acaba por comprometer a natural adaptação do Direito à realidade fática. A propósito, o componente histórico-valorativo do Direito é destacado por Miguel Reale, apud Martins (2017) no sentido da “adequação entre a ordem normativa e as múltiplas e cambiantes circunstâncias espaciotemporais, uma experiência dominada ao mesmo tempo pela dinamicidade do justo”. (REALE, 2002, p. 572) 22 E mais. É de se assentar que a linguagem “só pode ser entendida de maneira estrutural, em correlação com as estruturas e mutações sociais”. (REALE, 2002, p. 292) A forma escrita contém signos (símbolos) construídos por convenções linguísticas e a linguagem especializada caracteriza-se por intermédio de um texto comunicacional com múltiplos significados específicos inerentes à quadra jurídica. Conclui-se, portanto, que o processo de comunicação das normas jurídicas se dá pelo instrumento da linguagem das normas, qual seja, da linguagem legal. Tem- se, com isso, a dimensão em que se situa a Teoria Comunicacional do Direito Positivo e, nesse contexto, surge a Semiótica como uma técnica de investigação do Direito positivado pelo Estado. A atividade jurídica, como já mencionado, possui o cidadão como destinatário. A partir do momento em que uma das partes não consegue compreender a mensagem, o intuito da comunicação falhou. É fato que o uso de uma linguagem mais viva, mais dinâmica, menos obscura, mais precisa e compreensível não desrespeita de maneira alguma as normas do Direito como ciência, e sim facilita a vida, o acesso à justiça do indivíduo leigo, pois usa um repertório comum entre as partes, objeto de atenção de muitos operadores do Direito nas últimas décadas. A língua é um código social, de caráter mutável, que sofre constantes alterações. Se os indivíduos mudam, a língua também o faz. E essa característica, segundo a Linguística, comprova a natureza e a essência da linguagem. Não há dúvida de que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a américa não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade. Mas se isto é verdadeiro o princípio que dele se deduz, não me parece aceitável a opinião que admite todas as alterações da linguagem, ainda aqueles que destroem as leis da sintaxe e a essencial pureza do idioma. A influência popular tem um limite, e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventaram e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão [...] Escrever como Azurara ou Fernando Mendes seria hoje um anacronismo intolerável. Cada tempo tem seu estilo. Mas estudar-lhes as formas mais apuradas da linguagem, desentranhar deles mil riquezas, que, à força de velhas e fazem novas -, não me parece que se deva desprezar. Nem tudo tinham os antigos, nem tudo tem os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum. (ASSIS, Machado de,1997, p. 37, apud GUIMARÃES, 2015) 23 A utilização de vocábulos que estão em desuso e de construções sintáticas típicas do século XIX, com períodos exageradamente extensos, repletos de vírgulas e pontos-e-vírgulas, prejudica a compreensão do homem comum contemporâneo, quando ele consulta um texto legal. 4.2 A Linguagem Jurídica na Universidade Acentua Guimarães (2015), que o operador do Direito tem como responsabilidade social, aplicar a linguagem técnica forense de maneira eficiente. Para que isso ocorra, ele deve aprender a utilizá-la corretamente ainda no seio da Universidade, visto que esta, conforme exigido nas diretrizes curriculares do curso de Direito, elaboradas a partir da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº. 9.394/96), com indicações fornecidas pelo parecer nº. 776/97, da Câmara de Educação Superior (CES), tem a obrigação moral de formar cidadãos críticos e conscientes: O perfil desejado do formando de Direito repousa em uma sólida formação geral e humanística, com capacidade de análise e articulação de conceitos e argumentos, de interpretação e valoração dos fenômenos jurídico-sociais, aliada a uma postura reflexiva e visão crítica que fomente a capacidade de trabalho em equipe, favoreça a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, além da qualificação para a vida, o trabalho e o desenvolvimento da cidadania. (BRASIL, 2000, p. 3, apud GUIMARÃES, 2015). Articulando o sentido das palavras, deve-se ter, desde a formação universitária do profissional, a importância da inteligibilidade textual, com o objetivo de melhorar consideravelmente a relação entre o direito e o cidadão comum, facilitando assim o acesso dele à justiça. Uma vez que o operador do direito que redige de maneira correta, que expõe de maneira harmoniosa suas teses, com clareza, coerência e objetividade, vai comunicar-se bem e assim atingir sua meta. Esse profissional contribui para o bom andamento e o acesso à justiça. Fazendo assim, a verdadeira justiça. 24 5 A HISTÓRICA APLICAÇÃO DOS JARGÕES JURÍDICOS Fonte: ligadonodireito.files.wordpress.com A linguagem na norma culta é essencial para qualquer profissional. Expressar- se de maneira correta e inequívoca é fundamental para estabelecer comunicação sem qualquer desentendimento. Entretanto, no mundo jurídico, uma das principais características na escrita é o excesso de tecnicismo, o que levou a sociedade a cunhar o termo ‘’ juridiquês’’ para se referir à linguagem usada nas peças processuais. Importante esclarecer que o texto jurídico sempre foi marcado por construções fraseológicas complexas e por um elevado grau de conhecimento da língua, não só no processo de estruturação textual, mas também no conhecimento profundo da gramática da língua portuguesa. Todavia, essa imagem positiva tem sido depreciada por uma vasta quantidade de erros básicos referentes à utilização da língua e à estruturação da linguagem. Ocorre que vivemos em um país de questionável qualidade de educação. Temos centenas de milhares de analfabetos completos ou funcionaisque, ao se depararem com o texto do pedido de seu advogado ou com sentenças proferidas pelo judiciário, não compreendem a linguagem, criando assim um abismo entre o mundo jurídico e a população, principal usuária deste. Infelizmente, há profissionais do âmbito jurídico que acreditam que escrever bem é escrever difícil. Isso não é verdade. Um bom texto não é medido pela 25 quantidade de palavras latinas, arcaicas ou rebuscadas que se utiliza. Além disso, parece que o uso de um vernáculo mais elitizado demonstra cultura, ledo engano, isso é pensamento retrógrado. Atualmente alguns profissionais do Direito têm direcionado sua atenção para a questão das normas jurídicas escritas em uma linguagem “opaca”, impenetrável, o que tem gerado muitos debates, vários textos, obras acadêmicas em geral, com o intuito de se repensar as relações entre Direito e linguagem. Neles se percebe a reprovação dos autores à falta de clareza, concisão e precisão e ao pedantismo, que são utilizados por alguns legisladores ao elaborarem as leis, códigos etc. É fato que algumas peças jurídicas são redigidas de maneira que é impossível a alguém que não seja parte do meio jurídico compreendê-las. Esse estilo rebuscado, denominado “juridiquês”, impede qualquer possibilidade de conhecimento, ao invés de permitir a compreensão sobre o assunto tratado. Partilha da mesma opinião Gérman Bidart Campos (apud CÁRCOVA, 1998, p. 37), ao afirmar que: (...) há normas tão complicadas, tão mal redigidas, tão confusas, de tanta exuberância regulamentarista, de técnica tão deficiente, que até os especialistas da mais alta qualidade e perícia quebram a cabeça para entender o que o autor quis dizer. Como então querer que o comum das pessoas as conheça, as compreenda e as cumpra! O distanciamento da classe jurídica do restante da população através de sua linguagem própria torna a busca pelo conhecimento do mundo do Direito pedante e impossível. Os jurisdicionados então passam a ter sentimento de descrédito e repulsa pelo judiciário e todas suas ramificações. Os juristas tornam-se então, caricatos para a sociedade. Exemplos de expressões do jargão jurídico e seus respectivos significados: - Com fincas no artigo: com base no artigo. - Consorte supérstite: viúvo ou viúva. - Digesto obreiro: Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). - Diploma provisório: medida provisória. - Ergástulo público: cadeia. - Estipêndio funcional: salário. - Alvazir de piso: o juiz de primeira instância - Aresto doméstico: alguma jurisprudência do tribunal local - Autarquia ancilar: Instituto Nacional de Previdência Social (INSS) 26 - Caderno indiciário: inquérito policial - Cártula chéquica: folha de cheque - Consorte virago: esposa - Exordial increpatória: denúncia (peça inicial do processo criminal) - Repositório adjetivo: Código de Processo, seja Civil ou Penal Eliasar Rosa é outro profissional do direito que defende uma linguagem mais clara e menos rebuscada nos textos jurídicos. Ele afirma que: Em verdade, não é a correção a primeira ou maior virtude do estilo. A clareza é que o é, não apenas para o advogado, mas para todos, pois que a linguagem é o meio geral de comunicação, seu fim supremo. Daí por que, quanto mais clara for, mais útil e eficaz ela será para preencher sua finalidade. Quem é obscuro manifesta, desde logo, ou o desejo de não ser facilmente compreendido, ou a inaptidão para se comunicar. (ROSA, 2003 apud SOUZA, 2011, p. 27). Os problemas do “juridiquês” vão além, uma vez que essa ânsia de trazer para língua portuguesa um status de erudição em nome da “clareza jurídica”, pois os que defendem tal tese asseguram que os termos técnicos não dão margem à ambiguidade. Acontece que muitas vezes, os profissionais criam códigos que são só conhecidos por eles mesmos, inclusive as abreviações são, quase sempre, incógnitas. Isso pode ser visto em: (…) que o d. Juízo de V.Exa. omitiu-se acerca do que deveria se pronunciar, d.m.v., como se sustenta nas razões que se seguem (…) Qual o significado de “d. Juízo de V.Exa”? O que de fato quer dizer “d.m.v.”? Talvez nem mesmo muitos juristas não saibam o real significado, quanto mais o cidadão comum. No tocante a isso, o ministro Edson Vidigal, do Superior Tribunal de Justiça, (...) compara o “juridiquês” ao latim em missa, acobertando um mistério que amplia a distância entre a fé e o religioso; do mesmo modo, entre o cidadão e a lei. Ou seja, o uso da linguagem rebuscada, incompreensível para a maioria, seria também uma maneira de demonstração de poder e de manutenção do monopólio do conhecimento. (apud ALVARENGA, 2005) Isso é presente não só em termos ou expressões do âmbito jurídico, está permeado em construções marcadas pela falta de clareza, como se vê nos exemplos a seguir: 27 V. Exª, data máxima venia não adentrou às entranhas meritórias doutrinárias e jurisprudenciais acopladas na inicial, que caracterizam, hialinamente, o dano sofrido. Com espia no referido precedente, plenamente afincado, de modo consuetudinário, por entendimento turmário iterativo e remansoso, e com amplo supedâneo na Carta Política, que não preceitua garantia ao contencioso nem absoluta nem ilimitada, padecendo ao revés dos temperamentos constritores limados pela dicção do legislador infraconstitucional, resulta de meridiana clareza, tornando despicienda maior peroração, que o apelo a este Pretório se compadece do imperioso prequestionamento da matéria alojada na insurgência, tal entendido como expressamente abordada no Acórdão guerreado, sem o que estéril se mostrará a irresignação, inviabilizada ab ovo por carecer de pressuposto essencial ao desabrochar da operação cognitiva. (gazetadotriangulo.com.br) Andrade pontua que, em ao se analisar os textos, não há emprego de linguagem técnica, há apenas “juridiquês”. E conseguir traduzir o “juridiquês” é uma arte de muito mau gosto. É melhor desprezar construções que não trazem beleza, nem elegância para o texto, apenas afastam as pessoas da compreensão de seus direitos. Apenas para perceber, é possível fazermos uma “tradução” do que está posto nas citações acima. Assim, temos: - 1º exemplo – V. Exª. Não abordou devidamente a doutrina e a jurisprudência citadas na inicial, que caracterizam, claramente, o dano sofrido. - 2º exemplo – Um recurso, para ser recebido pelos tribunais superiores, deve abordar matéria explicitamente tocada pela instância inferior ao julgar a causa. Se isto não ocorrer, será pura e simplesmente rejeitado, sem exame do mérito da questão. É possível usar a linguagem técnica jurídica e ser claro e objetivo. Basta que se prime por empregar uma linguagem culta, num texto com parágrafos concisos e bem estruturados, nos quais a ideia básica esteja evidente. Na verdade, o emprego do “juridiquês” é uma forma de afastar o cidadão da comunicação de seus direitos e de seus deveres, este recurso visa tornar o processo mais moroso e, em consequência, a justiça mais lenta. Empregar “juridiquês” é estar na contramão da história e é ir de encontro com a evolução real e natural da língua. Como resistência ao “juridiquês”, a tendência contemporânea é que os textos, e também a própria linguagem utilizada para expressar ideias da área forense, apresentem cada vez menos termos técnicos, a fim de tornar mais acessível o entendimento dos trâmites da Justiça. Movimentos em prol da simplificação da referida linguagem ganham cada vez mais espaço no cenário internacional. Não é uma iniciativa recente, uma vez que desde o final dos anos de 1970 eles têm surgido 28 nos Estados Unidos e na Inglaterra, originários de operadores do Direito, políticos e da própria sociedade civil, para fazer com que informações importantes na relação entre cidadãos, governos e a sociedade em geral sejam expostas de forma cada vez mais precisa e clara. No Brasil, esses movimentos aindasão tímidos. O lançamento se deu em 2005, na “Campanha pela Simplificação do Juridiquês”, promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros. Segundo ela, advogados, procuradores, promotores de justiça, juízes, professores e acadêmicos devem produzir peças judiciais e trabalhos científicos com frases menos rebuscadas, mas sem comprometer o raciocínio jurídico. Todavia, ainda não existe uma mobilização capaz de ocasionar mudanças concretas. Entretanto, acreditamos que chegar a essas mudanças é apenas uma questão de tempo, pois o crescimento econômico do nosso país e do nível de instrução do povo brasileiro fará com que as exigências de acesso à informação em linguagem clara e precisa estejam na pauta das discussões do poder público e da sociedade civil em breve. Haverá o consenso de que a simplificação da linguagem jurídica trará benefícios a todos os envolvidos nesse processo. Fonte: image.slidesharecdn.com 29 6 DIREITO, LINGUAGEM E MÉTODO Fonte: institutocarrion.com.br Enquanto objeto cultural, o Direito é entendido como um fenômeno linguístico que constrói realidades próprias, dentro de um conjunto de fundamentos que são a unidade do sistema. A unidade do sistema se forma a partir de pontos baseados em uma estrutura que é a norma, consistente em estrutura lógica que conjuga um antecedente e um consequente por meio de um funcho deôntico. Segundo Jonathan Barros Vita, apud Vioncek (2019) é da contingência e generalidade que surge a unidade do sistema jurídico, o seu código lícito/ilícito, que cria assimetrias e realiza a comunicação jurídica, sustentada pela linguagem. O Direito é norma e norma é linguagem, assim, direito é linguagem. Enquanto objeto do mundo, o Direito é e existe através da linguagem, que é a forma de criação de realidades, de existência do mundo, já que a linguagem é que está à frente dos acontecimentos, que são, somente, alcançados a posteriori, quando captados de maneira eficaz por um eixo linguístico-comunicativo. Qualquer objeto de estudo, no caso, o direito, acaba tendo de ser aproximado mediante um método que é a forma do conhecer em sentido científico. O vocábulo “método” deriva do grego methodos que significa “caminho para se chegar a um fim”. De acordo com Aurora Tomazini de Carvalho (2009, p. 43), os 30 métodos regem a produção da linguagem científica, do modo que não existe conhecimento científico sem método e este influi diretamente na construção do objeto. O método, assim como as técnicas utilizadas, está intimamente ligado às escolhas epistemológicas do cientista e influi diretamente na construção de seu objeto, demarcando o caminho percorrido para justificação de suas asserções. Olhando externamente ao sistema, constatamos que o direito cria suas próprias realidades, ao passo que dentro de uma visão interna, somente existe o direito, não existindo uma distinta realidade para este. De outra parte, o método também pode ser descrito como uno e ao mesmo tempo plural, pois para conhecer um objeto de estudo de nada adianta ter apenas uma visão, que é sempre deturpada, falha e arreflexiva por natureza. Consiste o método num posicionamento/reposicionamento frente ao objeto constante, quer seja por meio da semiótica, lógica, da filosofia, o que infere que o método é aplicado na construção e investigação do objeto, que é dúplice e uno ao mesmo tempo, pois se estuda a linguagem que é a forma de expressão do direito. O método, portanto, bem como as técnicas utilizadas, está intimamente ligado às escolhas epistemológicas do cientista e influi diretamente na construção de seu objeto, demarcando o caminho percorrido para justificação de suas asserções. Na área do Direito se busca convencer, persuadir, legislar, debater e, principalmente, julgar as condutas de outros membros do grupo. Assim, o uso linguístico necessita ter o seu poder e o seu papel reconhecidos nessa área, pois, para Gnerre (1998, p. 5): A linguagem não é usada somente para veicular informações, isto é, a função referencial da linguagem não é senão uma entre outras; entre estas ocupa uma posição central, a função de comunicar ao ouvinte a posição que o falante ocupa de fato ou acha que ocupa na sociedade em que vive. As pessoas falam para serem ouvidas, às vezes respeitadas e também para exercer alguma influência no ambiente em que realizam seus atos linguísticos. O Direito e seus operadores não falam só para si. Falam para toda a sociedade. Por isso, utilizam uma linguagem pública, que deve ser acessível a todos. O domínio da linguagem jurídica apenas por um grupo é um fato de posse. Todavia, ela não é fixa, evolui, é prática. Ela está a serviço do direito. Se o direito é para todos, sua linguagem também deve ser. 31 6.1 A Palavra como Ferramenta do Direito Guimarães (2012) leciona que o Direito nos é apresentado através das palavras, sua ferramenta funcional, manifestada em todos os sentidos: nas leis, pareceres, razões, sentenças, acórdãos e em outras formas diversas de atos judiciais que não dispensam seu uso para o conhecimento da matéria jurídica. De acordo com o jurista Nascimento (2010, apud Guimarães, 2012, p.03), a expressão lógica, breve, clara e precisa é qualidade da linguagem jurídica escrita. O conjunto desses atributos dá-lhe a elegantia júris, ou beleza funcional; ou, também, estética funcional. Dessa maneira, a complexidade da linguagem não pode ser admitida à ciência que analisa e rege as relações sociais, que disciplina a conduta das pessoas, e que tem por objetivo primordial auxiliar na resolução de conflitos de interesse que nascem no seio de uma sociedade. A beleza da sofisticação da linguagem não é o mais importante em um texto jurídico, e sim a sua clareza, concisão e precisão, organizado com raciocínio lógico e coerência, originários de uma seleção atenta de fatos relevantes que compõem o caso. Uma linguagem clara, portanto, é aquela que apresenta alto nível de qualidade, sem omissão de palavras ou sem uso de signos que sejam compreendidos somente por um determinado grupo de pessoas. Todavia, pontua Guimarães, quando se prima pela simplificação da linguagem jurídica, não estamos defendendo a vulgarização da mesma, nem estimulando o desuso de termos técnicos necessários ao contexto forense, mas sim, combatendo os excessos que podem facilitar o entendimento do cidadão, ficando mais acessível para todos. Dessa forma, a simplificação da linguagem jurídica deve ser vista como um instrumento fundamental que oportuniza o acesso à justiça e contribui, efetivamente, para a atuação do poder judiciário como um todo. Quando o texto é simples, sem ser vulgar; elegante, sem ser pedante; com um acervo de palavras e expressões contextualizadas, sem ser arcaico; será esse texto respeitado, admirado e recomendado por um simples motivo: ele será convincente e seguro. Até o ex presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, se manifestou sobre o assunto, dizendo que “não entende porque não é possível se fazer um simples termo de adesão de cartão de crédito de apenas uma página”. (SIEGEL, 2010, apud GUIMARÃES, 2012, p.3). 32 Alexandre Moreira Germano, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, assim se manifestou: (...) a tendência moderna é de redações bem escritas, porém simplificadas e objetivas, que não abusam da linguagem empolada, tampouco dos termos jurídicos. Não se pode fazer literatura, mas, sim, facilitar a leitura do processo. Afinal, o processo deve ter o sentido de resolver um conflito entre duas partes, sem grandes divagações literárias. O magistrado também recomenda que não se utilizem termos em latim ou outros idiomas que não sejam o vernáculo, pois não os acha necessários e defende que o português supre todas as exigências do texto. (2005, apud GUIMARÃES, 2012, p.3) Como visto, existe uma parceria essencial entre o Direito ea linguagem, que constituem um par indissociável. Sem a qualidade da segunda, o primeiro não cumpre o seu papel. Leis são feitas com palavras. A linguagem é o meio pelo qual o cientista visualiza o direito, por esta ser o direito, em determinadas condições. Nesta ótica há que se destacar a importante contribuição do professor Paulo de Barros Carvalho que, reinterpretando Lourival Vilanova, apresentou uma teoria chamada de Construtivismo Lógico-Semântico. Esta teoria apresenta um foco específico que perfaz um importante entrecruzamento entre aspectos lógicos (sintáticos), o chamado giro linguístico e uma forte investigação semântica das estruturas e palavras dispersas no corpo do direito positivo. A linguagem jurídica é vista como algo tão complexo a ponto de ser pejorativamente chamada, pela maioria, como já dito, de “juridiquês”. Isto porque para os não operadores do Direito a linguagem do meio jurídico é algo bastante técnico e específico, com diversos termos próprios, inclusive em latim, que acabam por dificultar a compreensão. No entanto, a linguagem jurídica nada mais é que uma extensão da linguagem natural, aperfeiçoada e transformada em algo que a torna parte do exercício da profissão. Vale observar que, assim como a linguagem está inserida em um contexto social, sendo específica de uma cultura e lugar, será ela também a limitadora do mundo de cada indivíduo. Este “mundo”, como acima exposto, pode também referir-se ao contexto em que o indivíduo está inserido, como o mundo jurídico caracterizado pela linguagem jurídica. 33 Tendo em vista o conceito de linguagem, tem-se a linguagem jurídica como uma extensão, uma expressão da linguagem natural, um subproduto desta, um aperfeiçoamento que a torna técnica, isto é, torna-a específica, o que não significa, entretanto, que deve ser complexa e de difícil entendimento. A linguagem jurídica é um conjunto de termos específicos e técnicos criados de modo a ter sua própria expressão e se firmar enquanto ciência, sendo utilizada e compreendida por grande parte daqueles que operam o Direito. Enquanto realidade cultural de um lugar, o Direito vai se expressar como uma manifestação linguística local, revelando-se como “um produto cultural mais rígido (...)” (NADER, 2014) contendo termos que, em alguns casos, não serão aplicados fora daquele contexto, até mesmo pela dificuldade de compreensão quando deslocada daquela realidade, é o que acontece com a denominação ‘peça ovo’ referindo-se à petição inicial do Código de Processo Civil ou ‘fumaça do bom Direito’ (também usada em sua forma em latim: fumus bom iuris) que é utilizada quando se quer mostrar a presença de um Direito existente no caso concreto. O Direito pode ser visto também como uma forma de arte, já que é por meio desta que os seus aplicadores expressam ideias, transpondo, de algum modo, para o papel, o que poderia ser chamado de veia poética, como reforçado por Nader (2014) na seguinte passagem: “a arte como processo cultural que realiza o belo, é também utilizada pelo Direito, especialmente em relação à linguagem (...). Vista como talento, é indispensável ao técnico que elabora o Direito, aos intérpretes e aos aplicadores” O Direito sendo uma ciência que trata das normas obrigatórias, das leis que disciplinam as relações dos homens em sociedade, deveria, portanto, se utilizar de um vocabulário acessível a todos, sem exibicionismos ou vaidades; e não fazer uso de uma linguagem tão técnica, própria, hermética. O uso exagerado de termos antiquados e obsoletos não é uma demonstração de sabedoria, mas acaba por se tornar falta dela. Como dito pelo poeta Thiago de Mello, apud Guimarães, 2017, “falar difícil é fácil. O difícil é falar fácil”. Dessa forma, no modo de se escrever no campo jurídico existe uma precaução em adaptar a linguagem e adorná-la de maneira que ela se transforme em um código, mas cuja decodificação só é possível ao pequeno grupo que compõe esse universo. 34 7 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA Fonte: institutodialogo.com.br No sistema capitalista contemporâneo, o confronto de classes não se dá apenas na esfera econômica, visto que se configura igualmente um embate conflitivo em nível de discursos éticos-políticos contraditórios: “os conflitos de legitimidade não são regularmente travados em termos de conflito econômico, mas sim no plano das doutrinas legitimadoras” (Habermas,1983, p. 223, apud Corrêa, 2013). Deste modo, as relações de poder perpassam o nível discursivo da linguagem. Carlos Maximiliano, (apud Corrêa, 2013) assim se posiciona acerca do discurso argumentativo, próprio da hermenêutica e da interpretação jurídicas: As leis positivas são formuladas em termos gerais, fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito. (1998, p. 1, apud Corrêa, 2013). Todavia, parece que o próprio Maximiliano, páginas depois, se deu conta da complexidade da função jogada sobre os ombros do intérprete da lei: fixar o sentido 35 verdadeiro da regra positiva a partir de sua linguagem clara e precisa, reconhecendo que tal atividade é uma verdadeira arte: Talvez constitua a Hermenêutica o capítulo menos seguro, mais impreciso da ciência do Direito; porque partilha da sorte da linguagem [...] A interpretação colima a clareza; porém não existe medida para determinar com precisão matemática o alcance de um texto; não se dispõe, sequer, de expressões absolutamente precisas e lúcidas, nem de definições infalíveis e completas. Embora clara a linguagem, força é contar com o que se oculta por detrás da letra da lei; deve esta ser encarada, como uma obra humana, com todas as suas deficiências e fraquezas, sem embargo de ser alguma coisa mais do que um alinhamento ocasional de palavras e sinais. (1998, p. 10, apud Corrêa, 2013). O autor ainda apregoa, ao distinguir aplicação e hermenêutica: “uma, a Hermenêutica, tem um só objeto — a lei; a outra, dois — O Direito, no sentido objetivo, e o fato. Aquela é um meio para atingir a esta; é um momento da atividade do aplicador do Direito” (1998, p. 8). Percebe-se nas citações anteriores que a própria concepção legalista da hermenêutica problematiza a questão interpretativa presente na atuação dos juristas. Herkenhoff defende a evolução da hermenêutica em prol de um direito centrado no homem e no povo: Vejo a evolução da Hermenêutica, em geral, e da Hermenêutica Jurídica, em particular, refletindo a evolução das ideias sobre o homem e seu papel no mundo: de uma preocupação em investigar a vontade do legislador, entendido como onipotente, passou-se para a posição, mais liberal, de pesquisa da própria lei, como produto social, fruto da consciência jurídica do povo, segundo seus pregoeiros”. (1997, p. 10, apud Corrêa, 2013). Bezerra Falcão pontua a importância das bases éticas da hermenêutica, principalmente no campo jurídico, em que deve prevalecer o sentido do interesse social, o sentido da sociedade, uma vez que a norma jurídica, pelo fato de regular condutas humanas, tem um fim ou uma função social: se o hermeneuta está interpretando uma norma jurídica, (...) seu espírito, embora continuando livre na geração do sentido, há de ser inspirado por determinados ideais, como o de justiça, de bem-estar coletivo, de solidariedade social, de respeito à dignidade humana, assim como deixar- se sensibilizarpelos postulados democráticos — nos quais, de resto, se arrimam a liberdade de manifestação do pensamento e a liberdade de criação. (1997, p. 94, apud Corrêa, 2013). Assim como a existência de bases éticas conduz o intérprete para os grandes valores do homem-ser-social, também a linguagem tem fontes éticas, raízes 36 existenciais, que lhe dão “um certo poder de ruptura, renovando o sentido e permitindo que aquela igualmente se torne coadjuvante na renovação do mundo” (Falcão, 1997, p. 95-6, apud Corrêa, 2013). Luís Alberto Warat, apud Corrêa, (2013) aprofundou com competência os estudos da linguagem jurídica, lhe revelando a dimensão simbólica. Analisando o processo argumentativo com base na vagueza e na ambiguidade da linguagem natural através da qual se expressa a normatividade jurídica, Warat enfatiza as definições persuasivas: Interpretar a lei implica sempre na produção de definições eticamente comprometidas e, por isso, persuasivas. Definições onde são estabelecidos critérios de relevância visando a convencer o receptor a compartilhar o juízo valorativo postulado pelo emissor para o caso (1994, p. 33, apud Corrêa, 2013). Concluiu, pois, que o procedimento probatório é lugar privilegiado para definições persuasivas. O processo argumentativo que se encontra presente nos autos processuais vem cheio de redefinições indiretas alterando significações dos termos ou dos argumentos retóricos por variáveis axiológicas, deslocando a significação das palavras da lei. Nas variáveis axiológicas ou estereótipos usam-se termos com forte carga emotiva, obscurecendo-se suas propriedades descritivas. Assim, o processo redefinitório é pressuposto das definições persuasivas. Corrêa pontua que ao analisar o processo de comunicação, Warat explicita os conteúdos retóricos presentes nos usos e funções da linguagem a partir dos níveis de significação dos termos e expressões da linguagem natural: significação de base, aberta e incompleta, estabelecendo os significados socialmente padronizados, o sentido comum presente em seus diversos usos; significação contextual, referente ao uso efetivo dos sentidos padronizados, caracterizando a dimensão implícita dos sentidos latentes do contexto de uso, produzindo funcionalmente efeitos evocativos. Desta feita, chega o autor à função social dos signos, marcada pela dominação, uma vez que, na transmissão de uma mensagem, o homem não apenas reflete seus propósitos pessoais, como também reproduz uma concepção de mundo de caráter ideológico. Deveras, o processo de comunicação cria campos significativos que formam associações, a partir de fatores emocionais, ideológicos, valorativos. Nesta 37 se revelam os componentes pragmáticos da mensagem, a servirem de condicionantes circunstanciais da significação presente no ato comunicacional. Os componentes pragmáticos da mensagem, a servirem de condicionantes circunstanciais da significação presente no ato da comunicação, constituem, no plano conotativo, uma sobrecarga de significação sobre os intentos de descrição, acarretando eticamente posicionamentos sobre o mundo, ideologias, preferências, juízos emotivos, representações fictícias ou imaginárias acerca da realidade. O arsenal linguístico da ciência do direito vem complementado por forte carga ética em termos como: liberdade, direito subjetivo, democracia, propriedade, justiça, ordem pública, boa-fé, honestidade, abuso de direito, direito natural, desacato à autoridade e outros. E esses termos de conteúdo ideológico buscam obter a consolidação e a aceitação dos valores predominantes da comunidade. A estereotipação de um conceito é produto de um longo processo de persuasão que provoca a total dependência do significado a uma relação evocativa ideologicamente determinada. O estereótipo determina sempre a direção das associações valorativas de acordo com a concepção existente e dominante do mundo. O estereótipo transmite sempre uma mensagem de dominação. Trata-se de um tipo especial de signo ético caracterizado por ser uma forma de veiculação de mensagens ideológicas. Ele força sempre a aceitação de uma ideologia. (Warat ,1994, p. 142, apud Corrêa, 2013). Por conseguinte, o estereótipo acaba por condicionar os receptores, tornando ausente a referência informativa e provocando a alienação da base fática. No interior do discurso se confunde o fato e a opinião: sob roupagem descritiva se esconde intenção valorativa. Torna-se, portanto, uma forma de controle social, em que o receptor, no processo de convencimento, é forçado a reconhecer só uma visão ideológica do mundo. (...) processo persuasivo é um manejo induzido dos campos associativos dos signos e expressões de uma linguagem. Uma argumentação (persuasão) será eficaz se consegue evitar que o receptor efetue associações contrárias às afirmações ou opiniões do emissor (Warat, 1994, p. 145, apud Corrêa, 2013). E por sua vez, o processo de convencimento exige razões, que são prestadas pela ideologia, entendida como um sistema de ideias, crenças, representações e práticas institucionalizadas que orientam a atividade social. 38 8 O USO DO LATIM Fonte: scontent-sea1-1.cdninstagram.com O Direito possui uma linguagem particular, específica, com palavras e expressões que encerram significações próprias. Quanto à sua origem, o uso do latim no meio jurídico se deve à sua raiz no Direito Romano da Antiguidade, codificado pelo francês Dionísio Godofredo, em 1538, responsável por editar o Corpus Juris Civilis, conjunto das obras do Direito e leis romanas, organizado por ordem do imperador Justiniano. No caso do Brasil, o Direito Romano influenciou o Direito Português, ambos trazidos para o nosso país através das ordenações. O latim, como um estrangeirismo muito utilizado no discurso jurídico, pode, quando usado de forma excessiva, atrapalhar o leitor dificultando a sua compreensão uma vez que a língua latina está praticamente em desuso, sendo recepcionada apenas em algumas áreas muito específicas, como o Direito, conforme exemplificado: Ab initio - Desde o princípio. A contrario sensu - Em sentido contrário, pela razão contrária. A posteriori - Pelo que segue, depois de um fato. Diz-se do raciocínio que se remonta do efeito à causa. A priori - Segundo um princípio anterior, admitido como evidente; antes de argumentar, sem prévio conhecimento. 39 Apud - Em, junto a, junto em. Emprega-se em citações indiretas, isto é, citações colhidas numa obra. Carpe Diem - "Aproveita o dia". (Aviso para que não desperdicemos o tempo). Horácio dirigia este conselho aos epicuristas e gozadores. Curriculum Vitae - Conjuntos de dados relativos ao estado civil, ao preparo profissional e às atividades anteriores de quem se candidata a um emprego. Data venia - Concedida a licença, com a devida vênia. É uma expressão respeitosa com que se inicia uma argumentação discordante da de outrem. Dura lex, sed lex - "A lei é dura, mas é lei.". Prega o princípio de que mesmo as leis mais draconianas precisam ser seguidas e cumpridas; se a parte não concorda com a lei, deve então procurar alterá-la, mas não a descumprir. Et cetera (ou Et caetera) (abrev.: etc.) - E as outras coisas, e os outros, e assim por diante. Apesar de seu sentido etimológico (= e outras coisas), emprega-se, atualmente, não somente após nomes de coisas, mas também de pessoas, como expressão continuativa. Exempli gratia (abrev. e.g.) - Por Exemplo. É expressão sinônima de verbi gratia (abrev.: v.g.). Habeas Corpus - "Que tenhas o corpo". Meio extraordinário de garantir e proteger todo aquele que sofre violência ou ameaça de constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, por parte de qualquer autoridade legítima. Habeas Data - "Que tenha os dados", "Que conheça os dados". Trata-se de garantia ativa dos direitos fundamentais, que se destina a assegurar: a)
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