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1 Linguagem e Apresentação Jurídica Comunicação e linguagem: retórica e argumentação empregadas no discurso jurídico Unidade I Prof. Daniel Tobias Leite de Almeida Apresentação do professor-autor Daniel Tobias Leite de Almeida é professor convidado na Unidade Paulista – UNIP –, atuando nas disciplinas comuns e específicas de Teoria Geral, Direito Tributário e Direito Civil, para os cursos de Pós-Graduação de Direito, na modalidade ensino à distância – EaD. É bacharel (2010) em Direito pela Unidade Paulista – UNIP –, realizando MBA em Gestão Pública pela rede LFG – Luiz Flávio Gomes –, atual instituição Anhanguera – UNIDERP (2019). Atua como advogado na área do direito privado, especialmente em contratos e execuções. Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/3489925247258042 3 Introdução Com o objetivo de proporcionar ao graduando a compreensão do discurso jurídico, a Unidade I da disciplina Linguagem e Apresentação Jurídica tratará do estudo das noções envolvendo a Retórica e as noções adequadas para realização da argumentação em ambiente jurídico, contextualizando-o com métodos que devem ser evitados, como os argumentos conhecidos como falácias. Posto isso, serão consideradas as características básicas que constituem a comunicação e, posteriormente, levando em conta as formas textuais e o gênero institucional, especificado pelo discurso jurídico, considerando também todos os seus atributos discursivos, além da exposição da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que tem como objeto a estrutura técnica de redação legislativa. Ao graduando, será exemplificado o emprego da lógica formal, para construção argumentativa demonstrativa e, posteriormente, o roteiro para argumentação propriamente considerada. Por fim, será dada atenção ao conteúdo do Manual de Redação da Presidência da República, expondo o paralelo com a Lei Complementar de Técnica Legislativa. 4 1. Noções gerais sobre a linguagem e a comunicação Entre as compreensões dadas ao conceito de linguagem, podemos considerar a priori que a comunicação pode ser uma atividade para comunicação entre seres humanos, ou uma faculdade do homo sapiens sapiens de verbalizar e expressar códigos coesos e complexos. Assim, exsurge na convivência humana as formas que as pessoas possuem de se comunicar umas com as outras, até mesmo por linguagem não verbal, como símbolos e desenhos. Todavia, a linguagem verbal se identifica com um conjunto de sinais combináveis – a língua. Portanto, a linguagem é um gênero, cuja língua se torna uma espécie (Henriques; Trubilhano, 2017, p. 2). A partir do aprimoramento dos códigos fonéticos, foram elaborados idiomas e dialetos de comunicação, inclusive pela miscigenação de culturas e etnias distintas, por assimilação decorrente de comércio, diplomacia e até de escravidão ou guerras. Nas sociedades do século XXI, intercomunicadas pela internet e comercialmente globalizadas, observa-se a difusão de diversas outras culturas, como o consumo de música ou filmes, por demanda via streaming, possibilitando o intercâmbio cultural e a adoção de estrangeirismos ao próprio idioma, sendo o patamar de complexidade que até o momento pode ser concebido. A concepção da comunicação costuma ser construída por três elementos, sendo eles o emissor, a mensagem ou conteúdo transmitido e o receptor. Uma coletividade de pessoas instrui seus descendentes a decodificarem os elementos linguísticos do seu grupo, de modo que o indivíduo tenha condições de dominar a língua nativa. Com os parâmetros da semiótica, pode-se esquematizar didaticamente o entendimento sobre os sinais linguísticos que compõem a língua. Os sons se coadunam com a grafia, formando palavras, que são denominadas significantes. O contexto cultural, entonação da fala, entre outros elementos, acabam por determinar um significado àquele significante. O estudo semiótico decorre do movimento do século XX denominado Nova Retórica, que, entre as inovações, buscou levar a retórica para as diversas formas de arte. Por intermédio da semiótica, são compreensíveis ironias, piadas e simbolização, típicas das atividades artísticas (poesias e textos sátiros) e da aplicação de correntes da psicoterapia na interpretação de sonhos ou símbolos do inconsciente. O sistema de sinais constitui a denominada linguagem natural. Em contrapartida, foram desenvolvidas linguagens artificiais, como o alfabeto de surdos- mudos e o Código Morse (Petri, 2017, p. 2) Sinais não constam com exclusivamente apenas para o âmbito da compreensão da língua, mas são utilizados nos diversos ramos de atividade humana. Nesse sentido, temos os sinais de trânsitos (elementos de linguagem não verbal), consubstanciando atos administrativos emitidos pela Administração Pública quanto a uma conduta a ser adotada ou não pelo motorista, em determinado trajeto. 5 Torna-se implícito o que pode ou não ser feito, o porquê daquilo e quais as consequências dali decorrentes. Observa-se, pois, os efeitos jurídicos decorrentes de signos e como podem impactar a cidadania do indivíduo. No que tange ao ambiente jurídico, muito pode ser debatido acerca de ações judiciais reparatórias da honra objetiva decorrentes da dúbia interpretação da linguagem escrita nos meios digitais, como as redes sociais. Pode-se conjecturar a dificuldade de estabelecer sarcasmo em determinada postagem ou não. Observemos a postagem da rede social Twitter, onde há limitação para 280 (duzentos e oitenta) caracteres em cada postagem (tweet). Esse formato pode – ou não – prejudicar muito o interlocutor da mensagem. Soma-se a essa dificuldade outra peculiaridade do contexto social brasileiro do século XXI. Há uma abundante animosidade da população brasileira frente aos escândalos de corrupção por parte dos agentes políticos eleitos, tornando hostis muitas manifestações opinativas por parte de usuários – eleitores – em suas redes sociais. Os denominados instrumentos de linguagem são muito empregados, o que torna dúbia a interpretação sobre determinado fato ou pessoa, e ambígua a agregação do significado ao significante. É observável também a adesão, bem como a contrariedade, ao denominado politicamente correto, em que determinado interlocutor emprega palavras adequadas e sutis ao contexto ou ao público para evitar ofensas, ou exclusão, aos receptores da mensagem. Não obstante, a mensagem visual difundida pela internet, por meio dos memes (termo oriundo da memética, teoria proposta pelo biólogo Richard Dawkins para explicar a proliferação de ideais de maneira similar como ocorrem com os genes), mostra o impacto no cotidiano dos usuários de internet, principalmente pelo emprego do humor (um significante específico que pode ser agregado ou não ao significado). Assim, os memes que se proliferam na internet têm o condão de estimular a reflexão sobre determinado evento ou pessoa, de ridicularizar e até mesmo de sugerir um evento ou acontecimento falso – as denominadas fake news. Doravante, muitas pessoas públicas – entre celebridades e políticos – provocam o Poder Judiciário para imposição de medidas como a exclusão do conteúdo publicado on-line e a reparação pecuniária por ofensa a honra. Toda dinâmica social perpassa pela linguagem, independentemente da qualidade ou intenção da comunicação estabelecida. Assim, a linguagem escrita tende a ser mais comedida enquanto a falada pode ser mais espontânea e explosiva, a depender do contexto. Posto isso, surgem outros problemas como o assédio moral dentro do ambiente de trabalho e a dificuldade de manter o convívio profissional de maneira saudável. No que concerne às atividades institucionais, a linguagem verbal e a não verbal repercutem também na atividade desempenhada pelo Poder Judiciário. A natureza do sistema judicial adotado no Brasil condiz com a prevalência da linguagemescrita, sobretudo com a formalização de atos e fatos por meio de documentos. Inerente a essa forma de linguagem, o conteúdo textual tende a ser mais claro, prolixo e formal, haja vista que a verbalização pela fala tende a ser contaminada pela espontaneidade do momento, imediatismo, gestos e entonação da voz. 6 Porém, até mesmo a linguagem formal escrita não está alheia, de alguma maneira, a interpretações dúbias ou conflituosas. Nesse sentido, tem-se o emprego do fenômeno do controle de constitucionalidade sem redução do texto, também chamado de mutação constitucional, exercido pelo Supremo Tribunal Federal – STF –, formalizando uma forma específica de compreender o sentido da norma jurídica em discussão. Logo, algo dessa magnitude impacta direitos e deveres de todos os cidadãos e necessita do operador do Direito a aplicação da hermenêutica, para poder extrair o melhor sentido que a norma originalmente prescrevera. Por meio de critérios objetivos, tende-se a extrair do texto formal o maior alcance jurídico plausível, além de minorar efeitos danosos frente à hipótese de subsunção da norma. Doravante, muitos expedientes judiciais podem ser admitidos ou empregados, visando à diminuição do excesso de burocracia e a emergência de determinados frente a contextos sociais específicos, como processos que podem ser decididos sem necessidade de realização de audiência instrutória, com o fim de aplicar a celeridade processual. Os autores Fabio Trubilhano e Antonio Henriques sintetizam as características da linguagem gráfica, esclarecendo que: (…) os textos escritos tendem a ser mais longos e complexos. A formalidade é, também, uma característica distintiva da escrita, uma vez que ao autor, sendo-lhe possível revisar seu texto, é-lhe dada a oportunidade de adequá- lo à norma padrão e à variante de maior prestígio social. Essa seria uma das razões para que alguns vissem na escrita valor superior à língua falada. Ressaltamos, no entanto, que essa ideia não passa de mito, pois ambas as formas são importantes para a comunicação, não havendo qualquer razoabilidade em atribuir-lhes valorações distintas. Língua falada e língua escrita, antes de serem sistemas excludentes, são complementares, estando cada qual adaptada a determinados usos e modalidades discursivas. (Trubilhano, Henriques, 2017, p. 9) Conquanto haja atos judiciais realizados por meio da oralidade, principalmente em audiências, torna-se necessário o registro de tais manifestações em razão da segurança jurídica, como garantia às partes; e a consolidação dos atos realizados pelos magistrados, membros do Parquet e auxiliares da Justiça, na realização de seu labor. Logo, essa constância da formalidade escrita permite a consolidação do saneamento processual, porquanto o magistrado fará a averiguação dos requisitos entre as partes (autor e réu), quanto à formalidade necessária para ajuizamento da ação e a ocorrência da manifestação do requerido ou a aplicação dos efeitos de revelia, bem como para constar a realização dos atos judiciais até então (Art. 347 a 353, CPC/ 2015). Os níveis de linguagem são costumeiramente divididos em três estratificações, variando conforme o autor consultado. Assim, há a língua culta, exigida para os expedientes oficiais do Estado e empregada na linguagem comercial, na comunicação empresarial, embora muitas propagandas utilizem-se de outros recursos linguísticos, como gírias, ao direcionarem seus produtos e serviços para consumidores específicos, como o público jovem. 7 Há determinados estilos empregados na linguagem culta, tanto que é corriqueiro o entendimento de que a literatura jurídica é demasiadamente prolixa, sendo usado o termo juridiquês. Essa é uma das facetas envolvidas na redação padrão, doravante outros meios literários utilizarem-se de termos específicos de seu ramo, como manuais de medicina e ensaios de filosofia. Na esfera da União Federal, foi elaborado o Manual de Redação da Presidência da República, estabelecido como padrão para a Administração Direta e Indireta Federal. No manual, há modelos para as correspondências oficiais e também regras gramaticais para o bom uso da norma culta quanto às expressões empregadas no cotidiano de um órgão ou entidade pública. Atualmente, o manual mencionado está em sua terceira edição, aprovado pela Portaria nº 1.369, de 27 de dezembro de 2018, pela Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil. De acordo com o documento, a linguagem formal oficial empregada e padronizada pela União homenageia princípios de clareza e concisão, com a finalidade de tornar a comunicação direta e ágil para respostas ou ações. Outra forma de linguagem consiste na língua vulgar ou coloquial, que é a usada no dia a dia, falada pelas pessoas mais simples e com menor grau de instrução. Todavia, muitos literatos e cientistas modernos advogam pela não discriminação dessa forma de comunicação, haja vista que, apesar de não empregarem as regras gramaticais como foram estabelecidas, seus interlocutores conseguem manter razoavelmente a comunicação, não afetando diretamente suas atividades e lazeres. Em contrapartida, muitos alegam a necessidade de que a educação seja difundida e rígida, em prol das práticas ordeiras e da disciplina, já que não corrigir erros coloquiais propiciaria a normalização daquilo que é errôneo. Há outra forma de linguagem, considerada familiar ou grupal, usada entre pequenos grupos ou coletividades, como núcleos familiares e pequenas comunidades. Porém, não há consenso sobre essas taxonomias, pois pode ser encontrada uma subclassificação sobre o linguajar cotidiano, podendo uma delas ser conceituada popular, com erros de concordância, vícios linguísticos e usos de gírias regionais, e a outra, denominada como afetivo ou familiar, relacionada com a comunicação familiar e local, sendo ambas consideradas subdivisões da forma coloquial. A partir da linguagem escrita, encontraremos, ainda, o texto ou discurso, que consiste na manifestação por quaisquer de suas formas e gêneros. O texto é nuclearmente considerado de três formas: a narração, a dissertação e a descrição, podendo uma complementar a outra a depender do gênero textual. O texto narrativo expõe a ocorrência de um fato ou a sequência de acontecimentos, característica da linguagem oral. Não tão distinta, a descrição pode ser uma forma mais técnica, consistindo no elenco de características ou atributos de objetos e seres. A dissertação, por fim, refere-se à exposição de ideias ou defesa de teses, podendo estar sujeita a formalidades técnicas quanto à sua elaboração. No peticionamento judicial, os fatos são narrados para que o juiz possa dizer o direito ao fim da ação, da mesma forma que o réu poderá narrar sua versão dos fatos na sua contestação. A dissertação é elaborada para formar a tese de Direito, 8 consolidando o raciocínio jurídico empregado, por meio de argumentação, para mostrar ao magistrado por que o autor tem razão e seus requerimentos merecem ser concedidos. Já em sede de instrução probatória, ocorrências e fenômenos podem ser narrados pelas testemunhas ou pelo depoimento das partes. Quanto à atuação do perito técnico profissional, predomina o discurso descritivo, haja vista realizarem laudos psiquiátricos, avaliações de imóveis ou cálculos, para aferir a condição de pessoas ou estado de bens. Os gêneros textuais decorrem do tipo textual empregado, podendo ser considerados como instrumentalização dos textos. Nesse sentido, o texto jornalístico e a lei são gêneros textuais distintos. No âmbito da atividade do Poder Legislativo, a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação de leis. Por meio dessa norma, tem-se esquematizada a técnica empregada para redação de leis e atos normativos, compondo o gênero legislativo ou normativo. Nos termos do Art. 3º da referida lei, tem-se a estruturada lei em três partes: preliminar, normativa e final. A seguir, estão elencados os elementos que compõem cada parte: Estrutura básica da lei – lei complementar nº 95/1998 Parte preliminar a. Epígrafe. b. Ementa. c. Preâmbulo. d. Enunciado do objeto. e. Indicação do âmbito de aplicação das disposições normativas. Parte normativa Textos das normas de conteúdo substantivo sobre a matéria regulada. Parte final a. Disposições acerca das medidas necessárias para implementação das normas de conteúdo substantivo. b. Disposições transitórias. c. Cláusula de vigência e de revogação, quando for necessária. A Lei Complementar nº 95/1998 estabelece a composição das estruturas (grafadas por letras no quadro) das três partes básicas, no decorrer dos Art. 3º a 6º, deixando a cargo dos Art. 7º a 9º o regramento acerca do artigo inaugural da lei, mencionando objeto e âmbito de aplicação, além das disposições sobre cláusulas de vigência e de revogação, conforme os dois últimos dispositivos, respectivamente. A articulação do texto legal segue as estruturas abaixo, denominadas pelo Art. 10, caput, como princípios: 9 1. Artigo, sendo a unidade básica de articulação. Poderá ser desdobrado em parágrafos. 2. Parágrafos poderão ser estratificados em incisos. 3. Incisos, passíveis de serem esmiuçados em alíneas. 4. Alíneas, que poderão sofrer discriminação na forma de itens. 5. Itens. Por fim, embora curioso, há um dispositivo que tem fundamental importância. Trata-se, pois, do Art. 18, mencionando a hipótese de a inexatidão formal de norma elaborada regularmente por processo legislativo não constituir desculpa legitimada para o seu descumprimento. Embora possa parecer desnecessária ou óbvia, o dispositivo remonta ao princípio da legalidade, conjugado com a reserva legal, garantindo o caráter impositivo da lei e não possibilitando ausência de norma para justificar descumprimento de algum comando direcionado para sujeitos de direito. Ainda tratando do discurso ou texto, resta esclarecer a denotação e a conotação, sendo esses sentidos empregados para o uso de determinadas palavras. Ambas podem ser entendidas como relação de sentido das palavras ou atribuição de significados. São, portanto, variações de signo linguístico. O sentido denotativo de determinada palavra refere-se ao seu sentido real, seu significado concreto, ausente de figuras de linguagem ou recursos metafóricos. Esse é o sentido que deve ser empregado nas comunicações oficiais e textos legiferantes. Quando é utilizada a conotação para significar determinada palavra, tem-se alargado o significado real dela, com maior liberdade do uso de metáforas ou simbolismos do termo em questão. Em manifestações orais de juristas ou políticos, é cotidiano o emprego da adjetivação “teratológico(a)” para se referir a determinada manifestação ou ato processual, geralmente quando ocasiona efeitos práticos deletérios ou que desperte espanto nos receptores. O significado de teratologia remete ao estudo, dentro da medicina, de anomalias congênitas, estando empregado em seu sentido denotativo. Em sentido coloquial, teratologia refere-se à monstruosidade. Logo, quando uma opinião é emitida considerando determinado ato e fala como teratológicos, essa qualidade é aplicada de forma conotativa. Seu significado original foi alargado, intuindo-se que o conteúdo ou ato criticado é absurdo ou pode gerar efeitos danosos, sendo disforme ou monstruoso. Em expressão estritamente denotativa, poderíamos considerar ficção jurídica, já que o conceito de ficcionalidade não é extrapolado para a figura da pessoa jurídica, que é sujeito de direito, atuando em nome próprio sendo que na realidade, não existe como ser vivo ou autônomo. 10 1.1 Linguagem jurídica A denominação linguagem jurídica é uma convenção, não sendo um ramo corroborado pelos estudiosos, mas o emprego específico da língua. Como regra, caracteriza-se pelo padrão culto de linguagem, mas não significa que uma pessoa estudada e alheia ao ramo profissional do Direito consiga compreendê-la no todo. Entre suas características, podemos elencar as seguintes, segundo Trubilhano e Henriques (2007, p. 24): a) Constância da voz passiva ou reflexiva: para que seja dada importância ao ato ou à função e não ao agente. Contudo, ao observarmos os dispositivos da Constituição Federal, há o emprego da voz ativa com muita frequência, pois a Carta Magna designa a organização institucional dos poderes no Brasil, emanando comandos para os entes federativos, considerados pela administração pública direta e indireta dos três poderes. É também muito empregada a voz passiva quando do elenco de rol de hipóteses ou requisitos, como podem ser observados nos Artigos 9º e 10º do Código Civil (Lei nº 10.406/2002): Art. 9º Serão registrados em registro público: I – os nascimentos, casamentos e óbitos; II – a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz; III – a interdição por incapacidade absoluta ou relativa; IV – a sentença declaratória de ausência e de morte presumida. Art. 10. Far-se-á averbação em registro público: I – das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal; II – dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação. Conforme os exemplos, essa característica não é mero estilo ou capricho, mas demonstra otimização e clareza quanto à elaboração da redação legislativa, tornando seus dispositivos mais objetivos para consulta. b) Ordem indireta da oração: de maneira distinta do ordem direta sujeito + verbo + complemento, sendo que não se encontra apenas no texto de lei, constando na elaboração de ementas de julgados proferidos pelos tribunais do país, corroborando a imagem de que o texto jurídico torna-se prolixo, v. g., não demonstrado o nexo de causalidade entre os danos alegados e a suposta omissão do ente público, especialmente quando não era possível para este impedir o prejuízo, indevido o pleito indenizatório. (T.J.M.G., 2018) O Art. 3º do Código Civil prescreve que os menores de dezesseis anos são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Mas sua 11 redação se dá com a seguinte estrutura: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.” c) Orações reduzidas estabelecem hipóteses ou acontecimentos que possam requerer uma norma específica da lei para o caso. Nesse exemplo, os verbos são utilizados na forma do gerúndio ou do particípio. Para ilustrar, utilizaremos os seguintes dispositivos do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966): Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. (…) Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. d) Objetos direto e indireto substituídos por pronomes, para dar maior concisão ao dispositivo legislativo, mantendo a lógica daquilo que é descrito entre os diversos agentes, institutos ou fenômenos jurídicos. Para esclarecer, segue um dispositivo acerca das quotas da sociedade limitada, do Código Civil / 2002: Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafoúnico, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas. (destaque) Cumpre esclarecer que os destaques referem-se à substituição do referido objeto por pronome para clareza e verniz gramatical. Assim, o dispositivo poderia ser construído de maneira muito mais prolixa, podendo gerar cacofonia e redundâncias: tomar (ela ou a quota do sócio remisso) e transferir (ela ou quota do sócio remisso) a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo (para este) o que houver sido pago. Os dois primeiros verbos em destaque constituem objeto direto, cujo complemento não depende do emprego de preposição; quanto à última forma verbal, trata-se de objeto indireto, pois foi utilizada a preposição para, sendo que poderia também ser utilizada o a prepositivo. 12 Com o uso adequado de pronomes, o texto torna-se elegante e enxuto, já que discorre sobre diversas ocorrências apenas no caput do Artigo, sem escrutinar em parágrafos ou incisos. e) Pontuação, sendo dada especial atenção ao uso de vírgulas, para estabelecimento de exceções ou situações específicas sobre as quais o agente ou o fenômeno jurídico deva agir ou deixar de agir; ou para estabelecer elementos acessórios ao enunciado em ordem direta da oração. Assim, segundo a Carta Magna: Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: (…) (destaque) O dispositivo estaria gramaticalmente adequado sem o termo em destaque, não afetando o sentido da oração: A União poderá instituir empréstimos compulsórios. Também não haveria incorreção para a forma a seguir, haja vista o termo acessório estar no fim do predicado: A União poderá instituir empréstimos compulsórios mediante lei complementar. Porém, o realce entre vírgulas, logo após o sujeito, tem a função de ênfase, para que a instituição de empréstimos compulsórios se dê apenas por intermédio da lei complementar. No mesmo sentido: Por lei complementar, a União poderá instituir empréstimos compulsórios. Não obsta as críticas ao texto jurídico e sua dificuldade de compreensão não pelo rigor da gramática, mas pela falta de clareza, uma vez que esse deslocamento entre vírgulas na construção direta oracional tende a cortar o raciocínio para especificar o adendo – separado por vírgula. O estilo empregado na literatura jurídica e institucional prezam pelo decoro e formalidade, por vezes, tidos como excessivos. Observa-se, portanto, no endereçamento das peças processuais e de ofícios e memorandos entre órgãos e entidades o uso do pronome de tratamento, além de títulos e adjetivos. O tratamento elogioso é também empregado para petições e recursos direcionados perante a segunda instância. Outra peculiaridade do discurso jurídico consiste na referência aos institutos jurídicos em sua origem latina, utilizados frequentemente sem a tradução ou adaptação à linguagem moderna do português brasileiro, expondo, portanto, o caráter conservador da linguagem jurídica. Sem maiores investigações, podemos considerar como exemplos os remédios constitucionais habeas data e habeas corpus, além dos efeitos jurídicos erga omnes, dentre outros. Não se distanciado desse apego à língua latina, torna-se comum o uso descritivo de determinados institutos ou fenômenos jurídicos com certa constância nos textos legislativos, ora expondo o dispositivo em questão, como um texto prolixo, ora determinando claramente sua descrição e significado. O Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002) prescreve em seu Art. 2.045 que foram revogados o Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071/1916) e a parte primeira do 13 Código Comercial (Lei nº 556/1850). Todavia, poderiam ser empregadas as expressões jurídicas específicas para esse fenômeno da revogação da norma: ab- rogação do Código Civil de 1916 e derrogação do Código Comercial, quanto à primeira parte. A observância da carga semântica deve ser considerada e empregada para cada definição jurídica da maneira mais precisa possível, sob pena de acarretar prejuízos na atividade profissional no campo do Direito. Assim, torna-se imperativa a distinção entre furto e roubo, oriundas do Código Penal Brasileiro (Decreto-lei nº 2.848/1940), ou o estabelecimento da distinção entre interrupção e suspensão de prazo, não considerando que ambos possuam o mesmo significado ou efeito. Na esfera judicial, quando se trata de decisões e despachos judiciais, é habitual da atividade judicante que o magistrado determine o cumprimento ou a realização de atos para as partes, além da realização de expedientes, direcionado aos agentes administrativos, para o impulso processual, como emissão de certidões e expedição de ofícios e a emissão de determinações para diligências. É da natureza da atividade do juiz possuir tal prerrogativa, não havendo possibilidade de se alegar a vigência de autoritarismo ou tirania por parte das instituições judiciais, mas sim da própria natureza do Poder Judiciário, em sua atividade primária, que é dizer o Direito aos jurisdicionados. Nesse sentido, o Art. 139 do Código Processual Civil (Lei nº 13.105/2005) estabelece algumas responsabilidades destinadas ao juiz, que deverá dirigir o processo nos termos da novel processual: Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (…) II – velar pela duração razoável do processo; III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias; IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; (…) VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito; VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais; VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso; IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais; (…) (destaque) 14 Logo, é da natureza da atuação judicial imposições aos jurisdicionados quanto ao andamento processual, e mostra-se necessário para o saneamento e cumprimento processual, garantindo assim axiomas constitucionais como o devido processo legal e a celeridade processual. 1.2 Retórica na argumentação jurídica Retórica, na sua origem grega rhetorike, significa a arte ou técnica de falar bem, como instrução para realização de uma boa argumentação sobre um tema. Um de seus documentos mais antigos e homenageados é a obra Retórica, do filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322. a.C.), que sistematizou os métodos de realização da boa fala. Inclusive, convencionou-se, a partir de Aristóteles, incluir a lógica como um campo ou parte da filosofia, que também era composta pela epistemologia, ética e metafísica. Era também entendida como uma ciência, já que se destinava à análise e ao estudo das técnicas e figuras de linguagem. Já na perspectiva de arte, estabelecia a realização da boa comunicação, com argumentos coesos logicamente. Buscava a harmonia entre a essência ou conteúdo daquilo que era comunicado ou defendido, além da lógica argumentativa exemplar para esse fim. Contrariando essas premissas, havia a retórica aplicada pelos sofistas, que entendiam como valor de boa comunicação apenas a argumentação em si para o fim de convencimento sobre um assunto, sem se aterem ao conteúdo da comunicação, podendo recorrer a fatos ou fenômenos falsos, imprecisos ou verdadeiros,importando apenas o convencimento. Quanto ao discurso proposto dentro da retórica aristotélica, era dividido em quatro ou cinco partes, haja vista terem sido aprimoradas e refeitas pelos romanos. Em breve síntese, são elas: a. Inventio – intuição inicial, de onde se tira o conteúdo argumentativo para provar o seu ponto de vista. b. Dispositio – a apresentação dedicada a seu auditório, com os elementos introdutórios de sua exposição, além da narrativa dos fatos e a apresentação da argumentação favorável a sua defesa e contrários aos demais debatedores. Ao fim, é apresentada uma síntese de todo o exposto, ratificando a tese defendida. c. Elocutio – a adequação do estilo linguístico ao contexto e à assembleia. d. Actio – elementos de atuação ou da oralidade, definindo timbre de voz, entonações e linguagem corporal. A parte atribuída aos romanos é denominada memória, referindo-se ao estudo prévio da tese em seu todo, possibilitando que a criatividade possa ser a principal ferramenta. As formas persuasivas, conforme Aristóteles, eram estimuladas por meio das seguintes fontes: 1. Razão – logos. 15 2. Caráter – éthos. 3. Paixão – páthos. Entre as formas de classificação, a argumentação objetiva é aquela baseada na razão, podendo ser concebida quando realizada de maneira técnica. Porém, o discurso não é alheio ao aspecto introspectivo e simbólico, haja vista o emprego de elementos da psiquê humana, sendo assim realizada a argumentação subjetiva, com amparo do caráter e da paixão. Não há uma relação de robustez entre ambas, considerando que a argumentação objetiva seja correta e a subjetiva imprecisa. Ambas podem se complementar, sendo que a subjetividade pode ser um mecanismo de aproximação dos membros do auditório para a sua tese. Paralelamente à argumentação escorreita, pode ser utilizada a lógica, que consiste na relação de encadeamento entre premissas e uma conclusão final, estrutura conhecida como silogismo. Porém, nesse contexto, não tratamos de argumentação propriamente dita, mas sim da demonstração, decorrente de um juízo lógico entre ideias e um juízo final. Sua principal característica é não permitir um meio-termo entre fatos, haja vista sua natureza decorrente dos debates nas pólis gregas, na Antiguidade, que visavam ao convencimento de um auditório. A distinção entre demonstração e argumentação reflete seu contexto; cada qual serve a um propósito, conforme a necessidade, sendo que a argumentação é mais robusta quanto à sua finalidade de defender razões. Porém, a natureza da persuasão é intrínseca à demonstração. No curso da demonstração, só há duas conclusões, e elas são mutuamente excludentes (Há pena de morte no Brasil ou Não há pena de morte no Brasil). Observa-se que o emprego do discurso realizado é impessoal. No discurso argumentativo, há abertura para outras possibilidades, conforme se arrazoa para defender seu ponto de vista. Logo, podemos conceituar no contexto do exemplo supra que excepcionalmente, poderá ser aplicada pena de morte no Brasil. Porém, será dada mais observância à argumentação mais à frente, devido a seu grau de liberdade de manifestação e seu amplo exercício na defesa de teses. Acerca da demonstração, podemos concebê-la na forma de silogismo aristotélico. São utilizadas duas alegações conhecidas como premissas, sendo uma maior e a outra menor. Frente a sequência lógica entre elas, é alcançado o resultado, como conclusão. Estrutura básica de um silogismo Todo direito social está previsto na Constituição Premissa maior A renda básica universal não consta na Constituição Premissa menor Logo, a renda básica universal não é um direito social Conclusão 16 O esquema proposto acima pode ou não corresponder à realidade, pois se trata de uma estrutura argumentativa concebida a partir da lógica formal, em que a validade do argumento decorre exclusivamente da sua forma e não do conteúdo ou da semântica. A forma é válida em detrimento do conteúdo, tal qual podemos considerar que uma conclusão que conste O céu tem coloração verde pode tornar a demonstração verdadeira, conforme o encadeamento entre as premissas e a resolução. Outra forma de realizar e constatar a realidade do argumento acima consiste no uso de conjuntos, ou diagrama de Venn, tirando a prova se o silogismo em questão é verdadeiro. Para esse fim, consideremos como Exemplo 1 a seguinte situação: 1. Premissa maior: Todo direito social está previsto na Constituição. 2. Premissa menor: A renda básica universal não consta na Constituição 3. Conclusão: Logo, a renda básica universal não é direito social 17 Conforme ilustrado, é possível conceber a veracidade do silogismo, porque suas premissas levaram à conclusão sem inconsistência entre os conjuntos. Se todos os direitos sociais constam no texto constitucional, o conjunto dos Direitos Sociais está necessariamente dentro do conjunto maior Constituição Federal. A proposta de uma renda básica universal, não sendo considerada um direito social, estará fora da Constituição, não podendo ser, portanto, um Direito Social, pois este consta como direito constitucional. Cumpre ao exemplo dado, o trabalho lógico formal, para fins didáticos, não estipulando alegação no sentido de que um projeto de renda básica universal seja ou não um direito social. Doravante, uma proposta de Emenda Constitucional pode criar esse tipo de direito fundamental; ou, ainda, depois de criada, pode ser modificada para outra forma de distribuição de renda, permanecendo, ao fim, como direito plasmado no texto da Carta Magna. Poder-se-ia constatar o erro de lógica caso a premissa maior contivesse o seguinte teor: Alguns direitos sociais estão previstos na Constituição Federal, estando representada pelos conjuntos de acordo com o Exemplo 2: 1. Premissa maior: Alguns direitos sociais estão previstos na Constituição Federal. 2. Premissa menor: A renda básica universal não consta no texto da Constituição Federal. 18 Para estabelecermos a forma adequada de uma conclusão, o diagrama de conjuntos abaixo possui representações verdadeiras, consideradas as duas premissas apresentadas. Cumpre observar que cada conjunto referente à Renda Básica Universal pode ser isoladamente considerado ou distribuído todos cumulativamente, como na imagem: 3. Conclusão: A renda básica universal pode ser ou não um direito social Há uma intersecção entre os conjuntos Constituição Federal e Direitos Sociais em razão do termo alguns, utilizado na premissa maior. No Exemplo 1, o termo utilizado era todo, isolando a possibilidade de o conjunto renda básica universal (premissa menor) pudesse ter alguma intersecção com o conjunto direito social, após a leitura da premissa menor. Dessa forma, continuando com a premissa menor do Exemplo 2, a renda básica universal não consta na Constituição, não seria plausível concluir que renda básica universal não é um direito social estaria correta, tornando a demonstração inválida, já que seria possível haver uma intersecção entre os conjuntos direito social e renda básica universal. A elaboração via diagrama requer que o conjunto Renda Básica Universal possa ter pelo menos alguma intersecção com o Direitos Sociais, estando isolado de Constituição Federal. 19 Todavia, defender que a renda básica universal possa ou não figurar como um direito social, entre os direitos fundamentais constantes do Texto Político, é plausível quando se trata da defesa argumentativa. Não obstante a prova realizada com os diagramas de Venn, as proposições em lógica formal precisam atender a três bases: 1. Identidade: a premissa, na sua carga semântica, mantém um valor em si, não podendo corresponder a outro significado distinto. Ao considerarmos o Código Civil, a premissa Estado de Pernambuco é uma pessoa jurídica de direito público interno tem valor lógico e consta da realidade. Acontrariedade a essa alegação, como o Estado de Pernambuco é uma associação não pode ser válida, pois A = B, já que houve uma mudança intrínseca à natureza do ser ou entidade mencionada. 2. Não contradição: uma premissa ou alegação não pode determinar dois fenômenos ou fatos contrários entre si. Posto isso, nas relações internacionais, a República Federativa do Brasil atenderá, entre outros, os princípios a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos. Estando tais alegações estanques, conforme o Art. 4º, da Carta Magna, não se pode considerar outro valor que não esse para a proposição. Portanto, a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da beligerância é uma contradição ao preceito inicial. Havendo os princípios da defesa da paz e da solução pacífica dos conflitos, o valor lógico consiste em A = A. Quando atribuímos à beligerância como norte da República Federativa do Brasil em suas relações internacionais, poder-se-ia considerar A = -A. 3.Terceiro excluído: a premissa não comporta uma alternativa alheia a duas opções. Assim, não há terceira opção; a proposição ou é verdadeira ou é falsa. Portanto, haverá pena de caráter perpétuo no Brasil ou não haverá pena de caráter perpétuo no Brasil. Não há como relacionar uma terceira possibilidade (trata- se de uma demonstração e não de uma argumentação). Já a argumentação, como regra, obedece à estrutura concebida para o tipo textual dissertação, necessitando de uma introdução, o desenvolvimento de argumentos e a conclusão. Pode-se constatar sua aplicação em provas, em exames, vestibulares e em concursos públicos. Ainda consta em artigos jornalísticos e editoriais, e, principalmente, na defesa jurídica, quando se busca convencer o juiz da pretensão de direito que a parte autora entende ser legítima, ou na defesa da parte demandada, que busca demonstrar que a requerente está equivocada em sua pretensão. Como ela é mais ampla que a demonstração, admite ponderações e variáveis àquilo que se discorre, admitindo-se uma possibilidade sobre a veracidade e a certeza do seu discurso. Ademais, dentro do texto jurídico a ser redigido e defendido, é respeitada a liberdade de uso de figuras de linguagem ou de até falácias argumentativas; porém, o recomendável é que sejam evitadas ou, excepcionalmente, que possuam alguma função estilística ou retórica para o texto. 20 Para esse fim, existem as figuras de linguagem, que são recursos linguísticos com maior comunicabilidade com outros gêneros textuais, como crônicas, romances em prosa e, principalmente, poesia. Como o texto jurídico requer formalidade e emprego da linguagem culta, é de se presumir a clareza e a objetividade do seu conteúdo. Já não se espera de um comunicado ou documento oficial, emitido pelo Poder Público, o uso de linguagens dúbias, duplo sentido, simbolismos e sarcasmos na sua comunicação. Como exemplo de figura de linguagem, o pleonasmo consiste no emprego de termos repetitivos, inadequado para a linguagem formal e indicativa de falta de repertório vocabular ou cultural do enunciador. Tem-se como pleonasmo a expressão “descer para baixo”, porquanto descer implicar o deslocamento para um espaço ou local físico inferior. Porém, em prosa de teor lúdico ou na poesia, pode ser uma ferramenta de estilo muito interessante, podendo estabelecer noção de intensidade ou importância quanto àquilo que está sendo retratado ou sentido pelo interlocutor. Quanto ao desenvolvimento da argumentação, realiza-se pela indução ou dedução. A indução consiste no raciocínio que se inicia por ocorrências particulares ou especificadas em direção a um fato geral. A defesa é construída tendo como plano de partida a experiência empírica para se chegar à causa. No sentido contrário, dedução decorre da alegação genérica e comum, tendo como objeto a especificidade daquilo que está sendo tratado, sendo o silogismo uma forma de raciocínio dedutivo. A lógica informal consiste na não obediência dessas regras como os princípios da lógica formal, e baseiam-se em raciocínios dedutivos. A argumentação é mais livre, pois não depende da estrutura formal realizada, mas essencialmente sobre aquilo que é argumentado. Nesse sentido, é possível que ocorram argumentos metódicos, podendo ser denominados como falácias ou dialética erística, que podem ter efeitos temerários quanto à idoneidade do discurso. A falácia pode ser entendida como o falso argumento, que parece ser verdadeiro e lógico, porém possui uma falha em sua construção, seja de maneira aparente ou subentendida. Os argumentos metódicos são muito presentes no discurso oral, repercutindo nas manifestações e nos debates orais, bem como em testemunhos e em depoimento. Outra falácia a ser considerada é o argumento de autoridade. Consiste em reforçar aquilo que é pretendido com base no conhecimento ou experiência de uma autoridade acadêmica ou intelectual sobre determinado assunto. Muito comum seu emprego em petições e em julgados, em que os operadores do Direito recorrem a comentários e conceitos por juristas. Por assumir o caráter didático ao se utilizar de um conceito traçado por algum jurista, serve de reforço à tese defendida, não possuindo esse caráter temerário no âmbito jurídico. Porém, no ramo científico, seu peso é de menor consideração, haja vista que em toda publicação realizada em periódico há a possibilidade de o experimento ser defendido ou contrariado por outros cientistas, pela replicação. O 21 argumento baseado no peso da autoridade é um dos fatores que propiciou a proliferação das notícias falsas (fake news) em ambientes virtuais, como as redes sociais. Pessoas escolarizadas também disseminam ou defendem arduamente teorias ou produtos não reconhecidos para os fins a que se destinam, principalmente quando são discutidos meios medicamentosos. O estratagema empregado consiste na desconsideração de variáveis sobre aquilo que é discursado, como pode ser observado nos noticiários de 2020 acerca de uso de medicamentos específicos que podem ou não surtir efeitos contra a doença COVID-19, em decorrência da pandemia do vírus Sars-Cov2, e como ocorreu com a fosfoetanolamina, apelidada pela imprensa de “pílula do câncer” nos anos de 2015 e 2016. Falta, para a eficácia científica, o teste de controle e a análise de efeitos colaterais em longo prazo. Em ambos os casos, houve recomendações médicas para o uso e ocasionalmente surtindo os efeitos desejados; porém, não se pode dar o ultimato acerca da eficácia curativa pela falta de estudos e testes aprofundados dos medicamentos. Quando se trata de temas envolvendo possibilidade de cura de doenças complexas, sem o devido rigor, seus efeitos podem refletir na postura de representantes políticos. Assim, foi promulgada a Lei nº 13.269/2016, autorizando o uso da fosfoetanolamina sintética para pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. Por sua vez, a falácia petição de princípio consiste na presunção generalista acerca de um evento, havendo uma verdadeira confusão entre as premissas e a conclusão. Nos noticiários, é comum ser narrado que “(…) praticou homicídio culposo, quando não tem intenção de matar”, portanto, são desconsideradas, nessa mensagem, a possibilidade de imperícia, imprudência ou negligência, ou crime preterdoloso. Outra muito comum no cotidiano é a falsa correlação entre eventos ou fatos. Em relações de causa e consequência, há uma aparente e sugestível causalidade que não se sustenta com uma análise mais apurada do ocorrido. Podemos considerar que a partir da criação dos smartphones houve um aumento de furtos e roubos de celulares. Faz sentido e se mostra concretamente verdadeira. Mas desconsidera eventuais adversidades quanto a esses dados. Afinal, somente smartphones são objetos constantes de furtos e roubos entre bens móveis de uso pessoal? A propaganda que cria status acerca de algum modelo ou linha de celularpode ser um indicativo de sua subtração, já que muitos desejam obter um? Outra correlação, aparentemente verdadeira, é o argumento de que o advento de uma tecnologia de uso doméstico ou profissional acarretou maiores acidentes com o uso da mencionada ferramenta, sendo que não era possível considerar a ocorrência de um dano antes da existência de tal tecnologia, como é o caso do micro-ondas ou do próprio smartphone. Esse tipo de argumento torna-se falacioso porque é plausível que o mal uso ou o defeito desses aparelhos possam acarretar acidentes, então há de existir dados estatísticos acerca desses acidentes. 22 Como sinal de desconsideração, há o argumento ad hominem, que se atém ao histórico pessoal do debatedor ou autor e que não leva em conta o seu discurso ou fala. Inclusive, destina-se a não considerar a contradição dos argumentos apresentados em razão de características do seu interlocutor. Outra forma de manifestar um juízo alheio ao discurso consiste no argumento pragmático, ou ad consequentiam, em que atos e fatos são avaliados exclusivamente em razão de suas consequências favoráveis ou não. O brocardo “os fins justificam os meios” ilustra de maneira cândida o emprego dessa forma de persuasão. Porém, há uma justificação do argumento teleológico, muito utilizado por magistrados, considerando a finalidade da lei. Nesse sentido, o magistrado tem liberdade em constituir seu juízo para decidir, não deixando de aplicar o Direito, inclusive quanto aos casos não prescritos ainda por lei. Também encontra amparo no fenômeno contemporâneo do ativismo judicial, em que, em razão da pouca atuação do Poder Executivo e do Poder Legislativo, quanto ao cumprimento de suas funções institucionais, os órgãos do Poder Judiciário tomam a frente em estabelecer parâmetros para cumprimento de leis dúbias ou frente a direitos ainda não tutelados. Foram os casos dos Mandados de Injunção nº 670 e 721, estabelecendo que, enquanto não fossem regulamentados os direitos de greve dos agentes públicos civis federais, poder-se-ia pôr em prática as disposições da Lei de Greve (Lei nº 7.783/1989) aplicáveis ao regime da CLT no que não houver conflito. Pela natureza da determinação por parte do Supremo Tribunal Federal, discute- se se isso não seria uma intromissão nas funções distribuídas entre os Poderes, considerando que o Judiciário estaria não apenas decidindo o Direito, mas legislando. Ocorre que essa falácia não é empregada de maneira gratuita ou difusa; seu uso encontra amparo nos métodos hermenêuticos da norma constitucional. A constância do uso desses argumentos em defesa da tese jurídica gera o empobrecimento da qualidade da argumentação, inclusive desviando o conteúdo daquilo que pode estar sendo analisado. A dialética erística é, portanto, a má retórica; nela, o argumento é estruturado e construído de modo a ludibriar outrem, intencionalmente ou não. Henriques (2013, p. 9) tece breve comentários acerca da impregnação de sentido dado à arte retórica: Entendemos que a Retórica não é boa, nem má; não é moral, nem imoral; ela navega na zona cinzenta da amoralidade, como se costuma dizer. Ao contrário de Platão, achamos que a Retórica não é, de per si, perversa, embora possa até ser pervertida. À Retórica não interessa que o orador/falante seja bom, mas, sim, que pareça bom. Acerca do bem e do mal, cumpre à Ética tecer esse juízo de valor. No discurso jurídico, isso é constatado: não cumpre elucidar a intenção do autor ou do réu ao processo, mas aquilo que repercute no Direito e precisa de consequências, para alcançar um fim teleológico institucional de pacificação dos conflitos. Doravante, a retórica é uma arte ou um instrumento. 23 Logo, não necessariamente o trabalhador, reclamante de ação judicial, pode não ser um hipossuficiente de fato, mas presume-se que os meios de provas acerca do seu horário e disciplina cumprem ao empregador dele demonstrar. No mesmo sentido, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) não observa inicialmente a má-fé por parte da mulher, necessitando, portanto, ser provada. A igualdade, nesses casos, precisou ser construída em razão de fatos jurídicos importantes – abuso de autoridade contra o empregado e coerção em ambiente doméstico por parte do homem, necessitando de respostas judiciais específicas. O processo dialético decorre desde Platão, havendo uma maior elaboração a partir do filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), em que é elaborada a tese e, em seguida, a antítese. Da colisão de ambas, é alcançada a síntese do discurso. Tal estrutura é visível no curso do processo, pois há uma pretensão requerida e justificada por argumentos e provas acerca do fato e do direito. Posteriormente, a quem se destina a reclamação perante o Juízo resta defender-se e alegar o que for razoável a seu Direito. Por fim, caberá ao magistrado a decisão daquilo que estiver contido no processo, conforme as provas colhidas no curso processual. 24 2. Manual de redação oficial da Presidência da República Criado no ano de 1991, atualmente o Manual de Redação Oficial da Presidência da República está na terceira edição, conforme Portaria nº 1.369, de 27 de dezembro de 2018, da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil. Ele traz em seu objeto parâmetros para ser utilizados em correspondências e documentos oficiais, objetivando tornar clara e direta a linguagem institucional e coibir a prática de vícios de linguagem típicos do cotidiano de repartições públicas. Frente a isso, o documento elenca, na Parte I, os atributos elementares da redação oficial, a seguir expostos: a. Clareza e precisão. b. Objetividade. c. Concisão. d. Coesão e coerência. e. Impessoalidade. f. Formalidade e padronização. g. Uso da norma padrão da língua portuguesa. Alguns desses princípios são exigidos na redação, nos mais diversos contextos, porém, aqui se justificam em razão das prerrogativas de interesse público e do próprio regime sob o qual o Poder Público se submete, especialmente pela observância dos princípios da Administração Pública (Art. 37, caput, CF/88), como o da legalidade e da impessoalidade. Logo, não se recomenda o uso de figuras de linguagem, como metáfora, o emprego de sarcasmo ou ironia na comunicação e na redação oficiais. A comunicação precisa, portanto, ser clara, objetiva, e econômica nos termos, já que se direciona aos administrados. As correspondências realizadas oficialmente devem obedecer ao Padrão Ofício, sendo elas definidas como Ofícios, Exposições de Motivo, Mensagens e Correio eletrônico (e-mail). Ainda dentro da Parte I do Manual, são exemplificados aspectos da ortografia e gramática, com exemplos de termos aplicados no cotidiano de um órgão ou entidade, com atenção aos vícios linguísticos. Doravante, dedica as próximas partes ao âmbito do Poder Legislativo, constando fundamentações para a elaboração de uma lei, os tipos de atos normativos existentes no ordenamento jurídico brasileiro e a explicação quanto ao trâmite do processo legislativo, conforme a espécie. Não são meros protocolos, porquanto no curso da elaboração de um texto legislativo, muitos elementos jurídicos devem ser observados, como competências, esfera federativa e princípios de Direito. 25 O emprego da técnica legislativa deve ter consonância com o texto da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que trata da elaboração, redação, alteração e consolidação das leis – norma mencionada no TÍTULO 1 dessa Unidade. Por oportuno, devem ser observadas também as exigências determinadas nos Regimentos Internos das Casas Legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal), com objetivo de mitigar equívocos ou ilegalidades. No entanto, não se deve convencionar que o Manual de Redação Oficial seria a regulamentação ou estatuto referente à Lei Complementar de Técnica Legislativa, haja vista ter sidoelaborada por órgão do Poder Executivo. Ademais, não possui forma de ato normativo propriamente. Trata-se, pois, de um instrumento de adequação da gestão do Poder Público, servindo de referencial a outros órgãos e entidades das demais esferas. A título de curiosidade, outras instituições elaboram seus respectivos manuais para a padronização de seus expedientes, especialmente os órgãos de cúpula de Poder e os órgãos auxiliares da Justiça, como o Ministério Público. 26 Referências BITTAR, E. C. B. Linguagem jurídica: semiótica, discurso e direito. 7. ed. São Paulo: Saraivajur, 2017. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Manual de redação da Presidência da República / Casa Civil, Subchefia de Assuntos Jurídicos; coordenação de Gilmar Ferreira Mendes, Nestor José Forster Júnior [et al.]. – 3. ed., rev., atual. e ampl. – Brasília: Presidência da República, 2018. HENRIQUES, A. Argumentação e discurso jurídico. 2. ed. São Paulo: ATLAS, 2013. HENRIQUES, A.; TRUBILHANO, F. Linguagem jurídica e argumentação – teoria e prática. 5. ed. São Paulo: ATLAS, 2017. PETRI, M. J. C. Manual de linguagem jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraivajur, 2017. T.J.M.G. - Apelação nº 1.0521.04.036857-8/001. 19ª Câmara Cível. Des. Relator: Versiani Penna. Data de julgamento: 08 nov. 2018. Publicação: 14 nov. 2018.
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