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Alternativas à prisão

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Prévia do material em texto

PEDRO MAGALHÃES GANEM 
(Organizador) 
 
 
 
 
ALTERNATIVAS À PRISÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
© 2019 - Editora Canal Ciências Criminais 
1 
 
 
 
Todos os direitos reservados. 
É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação 
dos direitos do autor (Lei nº 9.610/1998) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código 
Penal.  
Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei nº 10.994, de 14 de dezembro de 2004.  
 
 
Direção Editorial 
Bernardo de Azevedo e Souza 
 
Conselho Editorial 
André Peixoto de Souza  Bruno Augusto Vigo Milanez 
Diógenes V. Hassan Ribeiro  Fábio da Silva Bozza 
Fauzi Hassan Choukr  Felipe Faoro Bertoni 
Fernanda Ravazzano Baqueiro  Maiquel A. Dezordi Wermuth 
 
Capa e projeto gráfico 
Estúdio Xiru 
 
 
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
 
G196a Ganem, Pedro Magalhães 
 Alternativas à prisão [recurso eletrônico] / Pedro Magalhães Ganem 
(Organizador). – Porto Alegre : Canal Ciências Criminais, 2019. 
 216 p.   
   
 ISBN: 978-85-92712-27-3 (e-book)  
 
 Modo de acesso:  
 http://editora.canalcienciascriminais.com.br  
 
 1. Direito Penal – Brasil. 2. Criminologia crítica. 3. Sistema penitenciário. 
4. Punitivismo. 5. Prisão – medidas alternativas. 6. Justiça penal 
restaurativa. I. Título.   
 
 
CDD341.54 
Bibliotecária Responsável: Eliane Mª. Pereira Kronhardt (CRB 10/1518)  
2 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
Apresentação ​04 
Capítulo 1 
Reflexões sobre os caminhos até a justiça restaurativa (​Ana                
Flávia Silveira​) 06 
Capítulo 2 
A garantia da ordem pública como fundamento da prisão                 
preventiva e o clamor público (​Carlos Bermudes​) 30 
Capítulo 3 
Propostas abolicionistas e minimalistas para a solução de               
conflitos (​Carolina Assis Castilholi​) 71   
Capítulo 4 
Prisionização: efeitos e possíveis soluções (​Flávio Lúcio Leite          
Júnior​) 104 
Capítulo 5 
Desvio secundário: a construção de uma vida no crime                 
(​Gabriel Carvalho dos Santos​) 126 
Capítulo 6 
Princípio da liberdade: adoção de medidas alternativas à               
prisão processual no Brasil (​Leonardo Leite Nascimento​) 146 
Capítulo 7 
O monitoramento eletrônico e a sua relevância para a                 
efetivação das medidas alternativas à prisão (​Maria Eliani Diniz            
Dourado Arrais​) 181 
Considerações finais ​216 
3 
 
 
 
APRESENTAÇÃO 
 
Alternativas à prisão é um trabalho realizado pelos               
integrantes da primeira edição da Comissão Especial             
de Estudos de Medidas Alternativas à Prisão e eu,                 
como coordenador do grupo, fui honrosamente           
incumbido de prefaciar a obra e trazer para você                 
leitor um pouco do que pode esperar dessa prazerosa                 
leitura. 
Apesar de compilados em uma mesma obra, os               
artigos, que estão separados em capítulos, não são               
sequenciais, ou seja, não há necessariamente uma             
continuidade de raciocínio entre um e outro,             
tratando-se de textos independentes, mas sempre           
com o mesmo pano de fundo: abordar questões               
relacionadas às possíveis alternativas à prisão. 
Portanto, temos aqui textos críticos voltados para a               
análise, debate e possíveis soluções para o             
catastrófico cenário prisional brasileiro, de modo que             
cada artigo aborda uma importante temática           
direcionada para meios outros que não a prisão. 
Considero esse trabalho o fruto de mais uma               
excelente iniciativa do Canal Ciências Criminais,           
dessa vez direcionada a fomentar o debate sobre o                 
que se fazer além de prender alguém (se é que há a                       
necessidade de restrição da liberdade). 
Vivemos uma época em que o populismo penal ganha                 
força e precisamos de mais obras como essa, de modo                   
a levar mais luz para o debate e conhecimento para o                     
público, evitando, assim, medidas no campo penal             
4 
 
 
 
que visem apenas saciar o anseio punitivista e               
seletivo de parte da população. 
Em pleno século XXI não é possível sustentar e                 
legitimar discursos ultrapassados e que objetivam           
apenas causar mal a quem se encontra preso, pois a                   
prisão por si só não é a solução para nenhum dos                     
graves problemas de violência que enfrentamos.           
Precisamos ir além do simples ato de prender. 
Afinal, como o título do trabalho já pressupõe,               
precisamos de Alternativas à prisão! 
 
 
  
Pedro Magalhães Ganem 
Verão de 2019. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
 
 
CAPÍTULO 1 
REFLEXÕES SOBRE OS CAMINHOS ATÉ A JUSTIÇA 
RESTAURATIVA 
 
Por Ana Flávia Silveira  1
 
1. SISTEMA PENITENCIÁRIO – PODER ESTATAL E             
SOCIEDADE 
 
Pensar no sistema penal e entender a sua função no                   
sentido de dar e receber, numa linguagem social e                 
retributiva, torna-se algo tão místico, que não se sabe                 
ao certo a quem o Estado busca acolher caprichos,                 
uma vez que são variados pontos de vistas. 
Em um primeiro momento, suas ações buscam             
demonstrar um poder estatal descomunal para           
assombrar aquele indivíduo que, diante das           
circunstâncias, é inferiorizado, ainda que isso resulte             
colocar em jogo direitos básicos e fundamentais             
positivados. 
Depois, leva-se a pensar que seu comportamento são               
respostas de autoafirmações de domínio para que             
assim possa cintilar a sua própria força suprema               
estatal – paternal, para com a sociedade, ressaltando               
sua vaidade antes mesmo de colocar em questão, o                 
olhar para o outro como “ser humano”, e               
1 Bacharela em Direito (UNIVALI). Pós-graduanda em Filosofia e                 
Direitos Humanos (PUC/PR).  
6 
 
 
 
descaracterizar a “coisificação” do homem, todo esse             
comportamento infantilizado para mostrar, sua         
“grandeza”. 
Pergunta-se, será que o Estado estaria deitado no divã                 
de Freud com seu superego? Atos cruéis e, com eles,                   
destroços ilimitados que descarregam dentro do           
sistema penal, tirando identidades, liberdade e           
colocando negligência, desdém, frieza e assim           
afrontando todos os princípios básicos e           
humanísticos e a perda do “eu” como identificação. 
Deste modo, é o que expressa FOUCAULT : 2
 
Não será que, de modo geral, o sistema penal                 
é a forma em que o poder como poder se                   
manifesta da maneira mais manifesta?         
Prender alguém, mantê-lo na prisão,         
priva-lo de alimentação, de aquecimento,         
impedi-lo de sair, de fazer amor, etc., é a                 
manifestação mais delirante que se possa           
imaginar. [...] o que impressiona nessa           
história é não apenas a puerilidade dos             
exercícios de poder,mas o cinismo com que               
ele se exerce como poder da maneira mais               
arcaica, mais pueril, mais infantil. [...] A             
prisão é único lugar onde o poder pode se                 
manifestar em estado puro em suas           
dimensões mais excessivas e se justificar           
com poder normal. 
 
2 FOUCAULT. ​Microfísica do poder​…, p. 73. 
7 
 
 
 
Além de perceber tamanhos protagonismos estatais,           
também é imprescindível levar em consideração os             
coadjuvantes responsáveis pelo cenário, ou até           
mesmo estes que lutam para “ver o circo pegar fogo”,                   
chamemos todos para compor a fala. 
A mídia nas suas manchetes diárias, capas de jornais,                 
revistas e chamadas televisivas, com conteúdo           
julgador por meras opiniões que levam a audiência               
sensacionalista. 
Ainda, temos os discursos políticos infundados que             
falam apenas o que a população deseja ouvir, dentro                 
de soluções simples e rápidas, como algo que cai do                   
céu ou o próprio “salvador do mundo”, causando               
aquele efeito sombrio que logo vem a pergunta:               
“como isso ainda não foi feito?” Patenteando ideias,               
de modo que são consideradas geniais . 3
Afinal, o discurso punitivista segue qual caminho? A               
sociedade com seu manifesto de ódio e vazio ecoando                 
nos meios comunicativos, ou os próprios veículos             
gritando suas ideias como a única forma de justiça e                   
influenciando a massa? 
Tais percepções acima pontuadas devem se interligar             
ou até podem ser consideradas como algo que vem                 
justamente do mesmo ponto de partida, assim             
percebe-se que, além dos contribuintes para           
possibilitar tais efeitos, não seria possível se o próprio                 
Estado não dispusesse do mesmo ideal, com sua força                 
e seu exibicionismo barato, assim como destaca             
BAUMAN  4
3 VINÍCIUS. ​Bolsonaro​: bandido bom... 
4 BAUMAN.​ Globalização​…, p.126. 
8 
 
 
 
  
A construção de novas prisões, a redação de               
novos estatutos que multiplicam as infrações           
puníveis com prisão e o aumento das penas –                 
todas essas medidas aumentam a popularidade           
dos governos, dando-lhes a imagem de severos,             
capazes, decididos e acima de tudo, a de que                 
“fazem algo” não apenas explicitamente pela           
segurança individual dos governados, mas, por           
extensão, também pela garantia e certeza deles. 
 
Reconhecer o poder estatal com a potencialidade de               
outros meios e ambos enaltecer percepções           
punitivistas com uma competitividade desleal ao           
garantismo, é entender que o sistema penal, uma vez                 
feito contato com ele, o indivíduo será julgado e                 
condenado, mas não apenas pelo judiciário, mas a               
sociedade, estigmatizando o sujeito e tratando-o           
como diferenças e preconceitos, conforme garante           
ZAFFARONI  5
 
Cabe registrar que a carga estigmática não é               
provocada pela condenação formal, mas pelo           
simples contato com o sistema penal. Os meios               
de comunicação de massa contribuem para isso             
em alta medida, ao difundirem fotografias e             
adiantarem-se as sentenças com qualificações         
como “vagabundos”, “chacais”, etc. 
 
5 ZAFFARONI. ​Em busca das penas perdidas​…, p. 134. 
9 
 
 
 
Contudo, basta um simples contato do sujeito com               
vinculado a imagem de criminoso, e inserido no               
sistema penitenciário, são motivos de grandes           
repercussões, julgamentos midiáticos e       
estigmatizações que podem marcar a vida do             
indivíduo de forma drástica e para sempre. 6
  
2. VINGAR-SE E PUNIR? QUAL OBJETIVO DO             
APRISIONAMENTO? 
 
O sistema penitenciário carece de medidas           
necessárias para fazer com que o encarceramento             
gere efeitos positivos para com o indivíduo e a                 
sociedade, para que acima de qualquer coisa, seja algo                 
eficaz, não apenas para justificar a punição, mas para                 
que não seja algo limitante com a finalidade de punir                   
pelo simples prazer de castigar. 
Entretanto, quando se fala em aprisionamento, é             
possível visualizar que a sociedade, ainda que esteja               
de olhos tapados para perceber o real problema do                 
mundo carcerário, deve ser pensado na coletividade,             
para dar uma resposta positiva a esta, quando ela                 
receber novamente o “ex-presidiário” no seu convívio             
social. 
Em contrapartida, o próprio preso deveria receber             
um acompanhamento para que possa se restabelecer             
e voltar para o seu convívio em sociedade de modo                   
que seu comportamento não seja uma reprodução de               
reincidência até o final da sua (sofrida) vida. 
6 AQUINO. ​Da série “Julgamentos Históricos”​... 
10 
 
 
 
Mas o que aparenta é que o sistema prisional não está                     
interessado em solucionar problema social algum e,             
ainda, descarrega montanhas de frustrações no           
indivíduo e na coletividade de modo geral. É a velha                   
história do “faz mais mal do que bem”. 
Sendo assim, tudo aponta que a prisão não é o lugar                     
para ressocialização do preso, pelo contrário, quanto             
mais o indivíduo se encontra preso, ele tende a                 
absorver comportamentos ainda piores, que são           
ensinados dentro do próprio sistema penitenciário           
pelos presos que ali convivem, de modo a gerar mais                   
crimes e, consequentemente, mais reincidentes,         
como se fosse uma porta giratória na entrada do                 
presídio.  7
Além disso, as garras do encarceramento são tão               
indomáveis que é imperioso questionar a finalidade             
do cárcere, uma vez ele não transforma o ser humano                   
para a reinserção na sociedade, tampouco ensina             
medidas e comportamentos para que não tenham             
mais contato com o mundo do crime. 
Nesse sentido, especialistas nesse âmbito         
criminológico alertam que o sistema do cárcere não               
pode se confundir com o sistema educacional,             
conforme afirma BARATTA  8
 
Exames clínicos realizados com os clássicos           
testes de personalidade mostram os efeitos           
negativos do encarceramento sobre a psique           
dos condenados e a correlação destes efeitos             
7 OLDONI; SILVA. ​Estudos sobre o sistema​... 
8 BARATTA. ​Criminologia crítica​…, p. 184. 
11 
 
 
 
com a duração daquele. A conclusão a que               
chegam estudos deste gênero é que “a             
possibilidade de transformar um delinquente         
antissocial violento em um indivíduo adaptável,           
mediante uma longa pena carcerária, não           
parece existir” e que “ instituto da pena não                 
pode realizar sua finalidade com instituto de             
educação”. 
 
Afinal, qual é a finalidade do cumprimento da pena,                 
do encarceramento, da inserção no sistema           
penitenciário? Além de causar grandes dificuldades e             
desrespeitar a vida humana e submissão autoritária,             
ela serve como medida educativa para que o               
indivíduo não cometa mais crime e assim seja melhor                 
socialmente para conviver, ou simplesmente ele é             
punido por mero prazer? 
Se a finalidade da pena for apenas aplicada comoum                   
castigo, é bem verdade que aqui se percebe um desvio                   
daquilo que se espera de um aprisionamento, pois a                 
pena enquanto não possui um caráter retributivo, é               
apenas um meio de manifestar no outro a ideia de                   
vingança, é o que afirma BATISTA  9
 
A pena não pode, pois, exaurir-se num rito de                 
expiação e opróbrio, não pode ser uma coerção               
puramente negativa. Isso não significa, modo           
algum, questionar o caráter retributivo, timbre           
real e inegável da pena. Contudo, a pena que se                   
detém na simples retributividade e, portanto,           
9 ​BATISTA. ​Introdução crítica​…, p. 97. 
 
12 
 
 
 
converte seu ​modo em seu ​fim​, em nada               
distingue da vingança. 
 
A finalidade da pena não pode ter caráter de                 
vingança, que aqui voltamos ao assunto dos             
caprichos do Estado, mas deve na sua mais plena                 
potência buscar por soluções para estes empasses,             
para que o indivíduo e a sociedade sejam valorizados                 
para poder manter esse sistema - ainda que falho, um                   
pouco menos injusto. 
Para tanto, buscar soluções para um problema tão               
extenso torna-se algo tão exaustivo e desesperançoso             
que, quando o sistema penal procura chamar atenção               
das autoridades para demonstrar não apenas a sua               
real finalidade, mas que realmente é falho, caro e                 
degradante, é visto com insignificância, afinal, saber             
que existe um problema é diferente de solucioná-lo. 
Assim, destaca ZAFFARONI  10
 
Negar um problema já existente, recorrendo ao             
argumento de que reconhecê-lo implica riscos e             
perigos, não representa uma resposta real e,             
sim, a adoção de uma atitude histérica: ignoro o                 
perigo e, com isso, suponho que ele desapareça. 
 
Mas a falácia dos discursos punitivistas, a falta de                 
relação com direitos humanos, a desinformação da             
sociedade sobre seus próprios direitos e garantias, dá               
10 ZAFFARONI. ​Em busca das penas perdidas​…, p. 83. 
13 
 
 
 
a percepção de que o problema sempre é o outro. A                     
medida em que os problemas sociais se manifestam a                 
população julga e condenada a própria sorte. 
  
3. O PROBLEMA ESTÁ NO OUTRO OU DENTRO DA                 
SOCIEDADE? 
 
É importante pensar se, o problema realmente está               
no outro quando é apontado de “criminoso”, ou quem                 
o aponta também é parte deste problema, e quais                 
medidas são tomadas quanto a isso, uma vez que,                 
tornar-se omisso ou se desenquadrar de determinada             
conduta não o faz “inocente”, no máximo o faz                 
passivo. 
O que pode ser preocupante no pensar que o                 
problema sempre é o outro, é que isso torna-se algo                   
tão limitante que não gera apenas apologia a pena,                 
mas um tipo de consentimento e aceitação de que isso                   
existe e “está tudo bem”, a respeito disso pode ser                   
entendido que ser inerte, também é um grande               
gerador do mal, é o que diz ZIMBARDO  11
 
Um dos maiores e menos conhecidos           
colaboradores do mal passam ao largo dos             
protagonistas da injúria e provêm do coro             
silencioso que olha, mas não vê, que escuta, mas                 
não ouve. Sua presença silenciosa na cena de               
maus feitos torna ainda mais imprecisa a linha               
nebulosa entre o bem e o mal. Perguntamos em                 
11 ZIMBARDO. ​O efeito lúcifer​..., p. 439. 
14 
 
 
 
seguida: porque as pessoas não ajudam? Por que               
não agem quando sua ajuda é necessária? Seria               
sua passividade um defeito pessoal, frieza, uma             
indiferença? Diferentemente, há mais uma vez           
dinâmicas sociais reconhecíveis em jogo? 
 
Na verdade, o que faz a sociedade pensar que não faz                     
parte deste cenário todo é o conforto de não se                   
empatizar com problemas alheios, ainda que isso gere               
inúmeras consequências. 
Falar sobre o sistema penitenciário, é falar da própria                 
população, é algo simples e sistemático, uma vez que,                 
quem está inserido no sistema penitenciário é a               
própria sociedade, ela mesma, carente de           
informações, respeito, oferecimento de garantias         
básicas, sem educação, escola, saneamento e mão de               
obra barata. 
Significa dizer que, a própria sociedade precisa ser               
reeducada, mas não apenas isso, a sociedade precisa               
ser percebida como a composição de pessoas que               
merecem ter seus direitos e garantias respeitados,             
independente de classes sociais, estigmas, credos,           
mas na sua essência, na percepção do indivíduo. 
Além disso, cuidar da sociedade oferecendo e             
assegurando direitos, nos faz pensar que ela deve               
uma resposta, afinal, a mesma que merece ter               
direitos respeitados, também precisa respeitar o           
outro. A sociedade prisional é a sociedade em               
15 
 
 
 
vivemos, o que lhe faz pensar que o infrator, culpado                   
e errado é sempre o outro? Assim, expõe BARATTA  12
 
Antes de falar de educação e reinserção é               
necessário, portanto, fazer um exame do           
sistema de valores e dos modelos de             
comportamento presentes na sociedade em que           
se quer reinserir o preso. Um tal exame não                 
pode senão levar a conclusão, pensamos, de que               
a verdadeira reeducação deveria começar pela           
sociedade, antes que pelo o condenado, antes de               
querer modificar os excluídos é preciso           
modificar a sociedade excludente, atingindo         
assim, a raiz do mecanismo de exclusão. 
 
Sendo assim, a sociedade é completamente cega para               
perceber sua responsabilidade e sua atuação em             
situações como estas, seus comportamentos,         
pensamentos, opiniões - ainda que baseadas no             
“achismo”, apontam um culpado, que nunca é ele               
mesmo, mas o outro, aquele que erra e que deve ser                     
julgado e condenado a pagar, ainda que isso               
signifique participar de uma grande depreciação da             
vida humana: A inserção do indivíduo no cárcere. 
Neste sentido, a tentativa de ter um olhar mais                 
humano para o outro, necessário se faz analisar a                 
relação entre o conflito individual, para obter um               
entendimento das respostas oferecidas, forma de           
12 BARATTA. ​Criminologia crítica​…, p. 186. 
16 
 
 
 
lidar com o preso percebendo este como um ser                 
humano e na sua condição humana. 
Garantir a integridade do outro e se comportar de                 
modo compatível com a ideia de que, deseja ao outro                   
apenas e tão somente aquilo que gostaria de receber,                 
é algo que se tornou tão comum e apagado que, deve                     
ser lembrado pela mente e exercido pelas condutas               
para com o outro e, serviria até como uma boa                   
manchete para os jornais, mas talvez não seria alvo                 
de um sensacionalismo prazeroso.  13
 
A sociedade tem em geral uma visão deturpada               
do que seja o cárcere e, sobretudo, de quem                 
sejam os presos. É necessário que se desfaçam               
muitos preconceitos, inclusive como condiçãopara se melhorar o prestígio e autoestima do               
pessoal penitenciário, o que seria um passo             
importante para ter pessoal vocacionado         
trabalhando nas prisões. 
 
Deste modo, deve ser percebido que por trás de todo                   
crime existe o conflito, um problema a ser resolvido                 
pelo infrator e pela vítima - se houver, assim, pode                   
ser visualizado que cada caso, é uma situação               
específica e tratar problemas como crimes           
propriamente ditos, não é perceber o outro de forma                 
humana, assim, Hulsman expõe 14
 
13 SÁ​. Criminologia clínica​…, p. 118-119. 
14 HULSMAN; CELIS. ​Penas perdidas​…, p. 101. 
17 
 
 
 
Para mim, não existem crimes sem delitos, mas               
apenas situações problemáticas. E sem a           
participação das pessoas diretamente       
envolvidas nessas situações, é impossível         
resolvê-las de forma humana. 
 
Assim, significa dizer que, determinadas pessoas são             
tratadas e olhadas como seres humanos, enquanto             
outras apenas vistas como uma “coisa”, da qual pode                 
ser suscetível a violação de seus direitos             
fundamentais. Por isso, a luta para humanizar um               
sistema completamente desumano, é constante. Por           
isso, deve sempre ser chamados os maiores             
responsáveis para modificar esta questões que           
precisam urgentemente serem percebidas. 
  
4. DA JUSTIÇA RESTAURATIVA 
 
Após diversos apontamentos sobre ​déficit ​prisional         
para com o crime, indivíduo e sociedade, urge a                 
necessidade de apresentar medidas que possibilitam           
visualizar uma solução eficaz e uma resposta a               
sociedade, ao indivíduo e até mesmo para a vítima em                   
casos de crimes contra vida. 
Assim, visto tal cenário, urge a necessidade de               
chamar atenção para o papel da Justiça Restaurativa. 
A Justiça Restaurativa ​surgiu na década de 70 ​,               
direcionando soluções de conflitos através de           
diálogos de formas pacíficas, sendo iniciado no             
Canadá e na Nova Zelândia. 
18 
 
https://justicarestaurativa.weebly.com/origem.html
 
 
Percebendo a eficácia e a proporção a ideia se                 
espalhou sendo que a própria ONU em 1999 por meio                   
da Resolução 1999/26 e ​2002/12​, passou a incentivar               
os estados, as organizações internacionais entre           
outras entidades a trocarem informações e           
experiências em matéria de mediação e Justiça             
Restaurativa. 
Para tanto, a ideia de Justiça Restaurativa, é pensada                 
de várias formas para sua aplicabilidade, buscando             
aprimorar a sua inovação para obter aplicabilidade             
tanto na esfera judicial como na extrajudicial, é o que                   
foi regulamentado pela ​resolução 125/2010 do CNJ​. 
Tendo em vista que tal resolução foi criada em 2010, a                     
proporção da Justiça Restaurativa vem se destacando             
ainda mais ao longo dos anos e chama atenção das                   
autoridades para sua implementação, ganhando voz           
e espaço no mundo jurídico em determinadas             
previsões legais, assim mais uma vez o Conselho               
Nacional de Justiça, lança uma campanha nacional             
“Justiça Restaurativa do Brasil” em 2015 e no ano                 
seguinte, 2016, inaugura uma ​resolução 225/2016           
contendo diretrizes para implementação da prática           
restaurativa dentro do poder judiciário. 
Assim, a Justiça Restaurativa vem ganhando voz no               
mundo, sendo necessário expor sua, importância e             
percepções para que assim seja possível visualizar a               
restauração do indivíduo para sua reinserção social e               
mais que isso, sendo trabalhado o perdão, a cura e a                     
dor da vítima. 
19 
 
http://www.juridica.mppr.mp.br/arquivos/File/MPRestaurativoEACulturadePaz/Material_de_Apoio/Resolucao_ONU_2002.pdf
http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579
http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_225_31052016_02062016161414.pdf
 
 
Sendo assim, a ideia da Justiça Restaurativa já está no                   
próprio nome “restaurar”, significa dizer que não é               
uma justiça que visa retribuir, mas a recompor os                 
danos causados e feridas que devem ser trabalhados               
processos de cura, perceber que punir não é               
considerado algo eficaz, é o que conceitua ZEHR  15
 
Em vez de definir a justiça como retribuição,               
nós a definiremos como restauração. Se o crime               
é um ato lesivo, a justiça significará reparar a                 
lesão e promover a cura. Atos de restauração –                 
ao invés de mais violação – deveriam             
contrabalançar o dano advindo do crime. É             
impossível garantir recuperação total,       
evidentemente, mas a verdadeira justiça teria           
como objetivo oferecer um contexto no qual             
esse processo pode começar. 
 
Deste modo, é perceptível que o ponto principal é                 
buscar sanar problemas buscando, principalmente, a           
causa e não apenas remediando ou retribuindo com               
penas travestidas de castigos, pelo contrário, o             
indivíduo uma vez curado poderá obter mais chances               
de não cometer crimes e evitar uma reincidência do                 
que aquele que é castigado e esquecido nas               
penitenciárias. 
Além disso, a Justiça Restaurativa além de se               
empenhar em realizar um trabalho reconciliador com             
diálogo, dinâmica e processo de cura, ele também               
abrange diversos pontos para ajudar a influenciar de               
15 ZEHR. ​Trocando as lentes​…, p 176. 
20 
 
 
 
modo positivo nesse trabalho, como o protagonismo             
da família do indivíduo, amigos, comunidade e até               
mesmo a vítima, sendo tudo voltado para que a                 
conduta e a convivência seja diferente daquele             
momento em diante, conforme disponível em           
JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21  16
 
A justiça restaurativa concentra a reação ao             
crime e à delinquência no restabelecimento de             
todos os efeitos negativos associados ao crime.             
Portanto, será restaurativa qualquer ação que           
aponte na direção do restabelecimento de           
qualquer pessoa afetada por um crime – seja a                 
vítima, amigos ou familiares da vítima,           
membros da comunidade, o ofensor, ou a             
família e amigos do ofensor minimizando           
conscientemente a probabilidade de qualquer         
dano ou ofensa no futuro. 
 
Sendo assim, é possível perceber que, todas as               
técnicas usadas pensando em tocar o indivíduo             
através de gestos e de influências de pessoas são                 
indispensáveis para o processo de cura e de               
restauração, assim, o que se destaca em todo esse                 
procedimento é a percepção do ser humano na sua                 
essência, o olhar para o indivíduo sem julgamentos               
ou castigos. 
Ao contrário do que se é acostumado a ver na justiça                     
retributiva, agora a restauração procura antes de             
16 JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21…, p. 2. 
 
21 
 
 
 
mais nada resgatar, principalmente, a igualdade que             
existe em cada um, é o que dispõe a REVISTA DO                     
ADVOGADO  17
 
A justiça restaurativa resgata a humanidade           
que há em cada um e em todos, e convida a que                       
se saia do lugar erradamente confortávelde             
culpabilizar em nome da inocência de muitos.             
Não há vítimas e culpados. Somos todos             
responsáveis por escolhas que impactam a           
construção de convívio social, seja em micro e               
macroescalas, e a transformação das realidades           
individuais necessariamente implica um olhar         
mais ampliado, que desvela as         
responsabilidades coletivas. 
 
Deste modo, a alteração na forma de tratamento do                 
infrator torna-se tão significativo que é possível             
perceber os reflexos dentro de si e para com a                   
sociedade, e a chance de um novo recomeço,               
transformando todo o ambiente ao redor através da               
mudança de comportamento e de olhar para o outro. 
Mas, analisando o sistema penal, é notório a ausência                 
de regulamentos direcionados para a vítima do crime               
ou a família (no caso de morte da vítima, por                   
exemplo), essa se torna completamente esquecida e é               
ressaltada a ideia de que o direito penal também não                   
foi feito para vítimas, mas unicamente para o               
infrator/criminoso. 
17 REVISTA DO ADVOGADO…, p. 79. 
22 
 
 
 
Sendo assim, o respeito ao direito humano, também               
deve se estender a vítima ou sua família, acolher e                   
entender os sentimentos que estão sendo           
manifestados diante do que tenha acontecido com             
cada pessoa, para que seja possível existir uma               
conciliação e uma mediação entre o infrator e a                 
vítima. 
Assim, mais um ponto que a Justiça Restaurativa               
trabalha é com o papel da vítima do crime, buscando                   
dar amparo para que esta possa ser ouvida e                 
entendida diante do trauma sofrido e dos danos               
gerados em decorrência disto, é o que dispõe ZEHR  18
 
Em algum ponto do processo as vítimas             
necessitam sentir-se vinculadas. Precisam       
saber que o que lhes aconteceu estava errado e                 
não era merecido, e que os outros também               
acham aquilo errado. Elas precisam saber que             
algo foi feito para corrigir o mal e reduzir as                   
chances de uma nova ocorrência. Querem ouvir             
os outros reconhecendo sua dor e legitimando             
sua experiência. 
 
Ser ouvido por sua necessidade de expressar seus               
sentimentos, chega a ser algo tão crucial e revelador                 
com algo muito simples, isto é, o infrator merece ser                   
ouvido, acolhido, entendido e perdoado, assim como a               
vítima também necessita desses cuidados para que             
sua ferida seja cicatrizada e curada. 
18 ​ZEHR. ​Trocando as lentes​…, p 180. 
23 
 
 
 
Por isso, a mediação entre ambos torna-se importante               
para que o problema seja resolvido ali e que uma vez                     
resolvido, não seja estendido para gerar outros,             
mediar vítima e ofensor, é restaurar tanto um quanto                 
outro, é mudar a direção do caminho que será                 
seguido, assim expõe mais uma vez ZEHR  19
 
A mediação entre vítima e ofensor é abordagem               
que atende a esses critérios. A mediação             
vítima-ofensor fortalece os participantes, põe         
em cheque as representações equivocadas,         
oferece ocasião para troca de informações e             
incentiva ações com o propósito de corrigir a               
situação. Quando mediadores da comunidade         
estão envolvidos, esse tipo de mediação também             
abre espaço para participação comunitária. A           
mediação é totalmente compatível com a           
abordagem restaurativa da justiça. 
 
Deste modo, as formas de trabalhar a Justiça               
Restaurativa por meio de diálogos restaurativos           
busca a resolução de conflitos entre os envolvidos e                 
para que através destes mecanismos e técnicas seja               
resultado de uma abrangência de entendimento           
sobre aquela situação vivenciada. 
Este meio de primeiramente buscar entender o que               
aconteceu, pode se manifestar de forma tão             
significativa que isso pode responder questões que             
talvez não teria sido levantadas de outras formas, isto                 
é, entender o mundo e a realidade do outro, tanto do                     
19 ​ZEHR. ​Trocando as lentes​…, p 193. 
24 
 
 
 
infrator - os motivos que o levaram a manifestar                 
aquele comportamento ainda que ele mesmo não             
saiba necessariamente dar uma resposta, mas           
também apontar para o mesmo a realidade da vítima                 
e seu sofrimento para que aqui também se tenha um                   
olhar de igualdade. 
Sendo assim, PELIZZOLI dispõe 20
 
Os círculos de diálogo e restaurativos não visam               
apenas o importante ​Acordo​, mas algo de             
aprendizagem do ​cordis neste encontro que           
busca acordos; a compreensão do mundo em             
desacordo, o papel de crescimento e dos frutos               
de dor dentro dos conflitos; a aprendizagem             
social, a necessidade – vergonhosa – de ter de                 
fazer os sujeitos humanos renasceram para           
uma inteligência coletiva e sensível, criativa,           
que aposta na afirmação da vida, que em meia a                   
lama vê a possibilidade de brotar uma ideia. Em                 
meio aos pagamentos virtuais de rostos           
humanos, em meio ao simulacro, descaso e             
descrédito nos moldes políticos no capitalismo           
as práticas restaurativas são uma luz entre             
tantas outras a iluminar tempos sombrios. 
 
Entretanto, buscando fazer uma interligação com os             
títulos anteriores entender o papel da Justiça             
Restaurativa aparenta ser uma solução         
completamente cabível e efetiva para os problemas             
apontados acima, além de ser algo voltado ao               
20 PELIZZOLI. ​Cultura de paz restaurativa​..., p. 19. 
25 
 
 
 
humanismo para com o outro, mas deve ser pensado                 
na disponibilidade dos entes responsáveis pelo           
sistema penal. 
Por ser um assunto relativamente “novo”, as             
implementações da Justiça Restaurativas estão         
tomando suas posições, e seus reflexos são extensos               
como uma resposta no indivíduo, na família, na               
vítima e/ou na família da vítima, solução para               
reduzir a superlotação carcerária e processual. 
Contudo, é indispensável reconhecer o papel humano             
e acolhedor desse método de restaurar o indivíduo               
pela sua essência humana, pelo respeito com o outro                 
e com o seu mundo e modo de viver. E poder resgatar                       
e recompor sua importância para refletir na sua vida                 
dali para frente com a cura, o perdão e a                   
transformação de seu ambiente de convívio. 
  
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Questionar funções do estado, comportamentos         
sociais e seus reflexos para com o indivíduo em                 
particular, pode ser algo complexo para conseguir             
visualizar a finalidade do aprisionamento. 
Além de ser algo despersonificador, torna-se algo             
degradante e disfuncional, pois o cárcere é             
encarregado penas de punir o indivíduo para obter a                 
saciação de uma grande sede de vingança e não de                   
justiça. 
Para tanto, busca perceber que algo necessita ser feito                 
e que o sistema penal traz consigo um grito de                   
socorro ensurdecedor - que não é ouvido e tampouco26 
 
 
 
se tem notícias. Mas, busca-se também entender os               
motivos que a sociedade possui grande desdém aos               
presos e a verdade é que nem ela mesma percebe o                     
quanto faz parte dos problemas sociais, uma vez que                 
a sociedade de dentro do cárcere é a mesma de fora                     
do cárcere. 
Para tanto, não basta apenas criticar todo sistema               
penitenciário e junto com ele o poder do estado e a                     
sociedade, mas é necessário também apontar           
soluções para conseguir recuperar o indivíduo que             
teve/tem contato direto ao cárcere. 
Sendo assim, a Justiça Restaurativa vem crescendo             
cada vez mais e tomando seu lugar para a                 
recuperação do indivíduo, ela aborda tudo o que é                 
necessário para conseguir devolver ao presidiário o             
seu valor humano na sua essência, sem o olhar                 
julgador e oferecer o acolhimento. 
Além disso, mais do que tentar recuperar o indivíduo                 
inserido no cárcere, a Justiça Restaurativa também             
possui papel ativo para com outras pessoas que giram                 
em torno do problema taxado como “crime”, ela tenta                 
trabalhar também com a vítima, família, sociedade e               
entre outros meios. 
Contudo, fazer a alternância da realidade fática entre               
a visão e comportamento do estado e sociedade com o                   
sistema penitenciário e apontar grandes soluções           
através desse novo olhar da Justiça Restaurativa é               
poder ter um olhar esperançoso de que existe pessoas                 
lutando, não só por justiça, mas pelo ser humano. 
  
27 
 
 
 
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https://www.ufpe.br/documents/623543/624496/1_Marcelo_Pelizzoli_JR.pdf/28896c83-8bdb-4210-8fea-f04c565dca2b
https://www.youtube.com/watch?v=qwm5seeFUNc
 
 
CAPÍTULO 2 
A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA COMO 
FUNDAMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA E O 
CLAMOR PÚBLICO 
 
Carlos Bermudes  21
 
A ordem constitucional vigente assegura como           
direito fundamental à presunção da inocência dos             
indivíduos submetidos a processos de qualquer           
natureza, estabelecendo, como corolário lógico de tal             
presunção, a vedação de privação de liberdade antes               
de sentença condenatória transitada em julgado,           
excetuando-se as hipóteses de flagrância e as prisões               
cautelares, determinadas por juiz competente,         
mediante decisão devidamente fundamentada. 
Tal garantia visa a proteção dos cidadãos e a                 
imposição de limites à discricionariedade punitiva do             
Estado, apresentando-se, portanto, como valioso         
mecanismo de afirmação da dignidade da pessoa             
humana como prevalente valor em nosso           
ordenamento jurídico. 
Desse modo, considerando a premissa exposta, é certo               
que a prisão antes do trânsito em julgado de sentença                   
penal condenatória deve ser sempre vista como             
exceção, sendo a liberdade a regra, apenas             
21 Especialista em Ciências Criminais (FDV). Graduado em Direito 
(FSG). Professor de Direito Penal e Processo Penal na Faculdade 
Multivix. Advogado Criminalista. 
30 
 
 
 
justificando a privação da liberdade nas hipóteses em               
que esta reste absolutamente inviável e possa causar               
prejuízos à instrução processual e aplicação da lei               
penal. São as chamadas prisões processuais, que             
possuem finalidade instrumental e são denominadas           
pela doutrina majoritária como “prisões processuais”         
. 22
No artigo 312 do Código de Processo Penal está a                   
previsão legal dos fundamentos/circunstâncias       
autorizadoras para a decretação da prisão preventiva,             
sendo que uma delas é a “garantia da ordem pública”. 
O fundamento “garantia da ordem pública”, descrita             
no ​caput do dispositivo em comento, tem sido objeto                 
de fortes críticas por parte da doutrina, sobretudo em                 
razão da sua recorrente utilização indiscriminada           
como fundamento genérico para decretação de           
prisões preventivas, ofendendo, portanto, o princípio           
da motivação das decisões judiciais, previsto           
taxativamente no texto constitucional (art. 93, IX da               
CF), que impõe ao julgador o dever de fundamentação                 
objetiva e lastreada em elementos concretos,           
devidamente provados. 
Diante tal constatação, a discussão da temática             
abordada neste artigo reverte-se de importância           
ímpar, posto que, ao tratar da liberdade dos cidadãos,                 
bem jurídico intrínseco à dignidade humana, é             
indispensável a observar a estrita legalidade, não se               
22 Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. ​Manual de                 
Processo Penal​. 13 ed. São Paulo:Saraiva, 2010; BADARÓ,               
Gustavo Henrique. ​Processo Penal. 3.ed. São Paulo. Revista dos                 
Tribunais, 2015; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. ​Curso de Processo               
Penal​. 15.ed. Rio de Janeiro, 2011. 
31 
 
 
 
admitindo investidas punitivas discricionárias do         
Estado sobre o indivíduo, mormente quando esta             
resultar na subtração da sua liberdade. Trata-se,             
portanto, da defesados direitos e garantias             
fundamentais, interesse de toda a coletividade, uma             
vez que tais direitos e garantias compõem a espinha                 
dorsal do Estado Democrático de Direito. 
Nesse contexto, o problema central a ser analisado no                 
presente artigo é voltado para o seguinte             
questionamento: é possível identificar alguma         
relação entre a garantia da ordem pública e clamor                 
público, influenciado pela mídia, como fundamento           
das prisões preventivas? 
A importância desta pesquisa é evidente, quando se               
considera as consequências que a decretação de uma               
prisão preventiva pode acarretar na vida de um               
indivíduo, principalmente quando tal decisão não           
esteja amparada por razões concretas, e sua             
justificação assentada em fundamentação jurídica         
idônea. 
Segundo o último diagnóstico de pessoas presas no               
Brasil, realizado no ano de 2014, pelo Departamento               
de Monitoramento e Fiscalização do Sistema           
Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas               
Sócio Educativas – DMF, órgão vinculado ao Conselho               
Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui uma               
população prisional de 711.463 (setecentos e onze mil               
quatrocentos e sessenta e três) presos, o que o coloca                   
como a terceira maior população prisional do mundo,               
atrás somente da China e Estados Unidos. 
32 
 
 
 
Deste total, 32% deles encontram-se presos           
provisoriamente, ou seja, sem sentença condenatória. 
O Estudo divulgado pelo CNJ revelou ainda que a                 
capacidade de vagas do sistema prisional brasileiro é               
de 357.219 vagas (trezentos e cinquenta e sete mil                 
duzentos e dezenove), o que atesta um déficit de                 
354.244 vagas (trezentos e cinquenta e quatro mil               
duzentos e quarenta e quatro). 
Importa destacar ainda que no Banco Nacional de               
Mandados de Prisão (BNMP) existem 373.911           
(trezentos e setenta e três mil novecentos e onze)                 
mandados não cumpridos, o que, portanto, elevaria a               
população prisional brasileira para 1.085.544 (um           
milhão oitenta e cinco mil e quinhentos e quarenta e                   
quatro) presos e o déficit de vagas saltaria para                 
728.235 (setecentos e vinte e oito mil duzentos e trinta                   
e cinco). 
Estes números revelam um cenário preocupante a             
respeito do sistema prisional brasileiro, sobretudo no             
que se refere ao percentual de presos provisórios, que                 
corresponderiam a 227.668 (duzentos e vinte e sete               
mil seiscentos e sessenta e oito) pessoas privadas de                 
liberdade sem sentenças condenatórias confirmadas. 
Assim, é de salutar importância questionar as razões               
pelas quais tantas pessoas encontram-se privadas de             
sua liberdade sem, no entanto, terem sido             
condenadas, de modo a despertar especial interesse             
na análise da problemática apresentada a partir da               
perspectiva da possível influência do clamor popular             
e da mídia por medidas de maior rigor punitivo, além                   
33 
 
 
 
do seu impacto na realidade processual e no sistema                 
prisional brasileiro. 
De antemão, é possível constatar empiricamente que             
de uma forma geral a população brasileira desperta               
especial interesse por notícias vinculadas na mídia             
relativas à criminalidade, violência e especialmente à             
atividade persecutória policial. 
Acrescenta-se ainda que muito do que a população               
conhece ou julga conhecer sobre o sistema de justiça                 
criminal e circunstâncias relacionadas à legislação           
criminal é transmitido pelos meios de comunicação,             
os quais, por não possuírem conhecimentos técnicos             
específicos ou por tendenciosamente buscarem         
interferir na opinião pública, na maioria das vezes,               
divulgam (des) informações que se afastam da             
realidade. 
Desse modo, ainda que sem a pretensão de exaurir as                   
discussões sobre a temática abordada, acredita-se que             
o presente estudo tem como contribuição a             
possibilidade de fomentar o debate, bem como             
provocar reflexões para possíveis propostas de           
contenção do discurso punitivista e conhecimento           
vulgarizado da questão criminal, a partir de uma               
abordagem crítica do sistema de justiça criminal,             
sobretudo no que se refere à influência da mídia nas                   
questões criminais. 
 
34 
 
 
 
1. A PRISÃO PREVENTIVA: UMA ANÁLISE À LUZ DA                 
GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE         
INOCÊNCIA 
 
A partir da Constituição de 1988, o princípio da                 
presunção de inocência foi alçado no ordenamento             
jurídico brasileiro como norma fundamental,         
passando a compor o catálogo das cláusulas pétreas,               
insuscetível, portanto, de supressão, por força do             
disposto no art. 60 §4º, IV, inclusive por meio de                   
emenda ao texto constitucional. 
Desse modo, a ordem constitucional vigente,           
diferentemente da constituição anterior (1967),         
passou a assegurar de maneira expressa – que antes                 
sequer existia – como direito fundamental, a             
presunção da inocência dos indivíduos submetidos a             
processos de qualquer natureza, estabelecendo, como           
corolário lógico de tal presunção, a vedação de               
privação de liberdade antes de sentença condenatória             
transitada em julgado, excetuando as hipóteses de             
flagrância e aquelas determinadas por juiz           
competente e mediante decisão devidamente         
fundamentada. 
Assim, é certo que a prisão antes do trânsito em                   
julgado de sentença penal condenatória deve ser             
sempre vista como exceção, sendo a liberdade a regra                 
e apenas se justificando a sua utilização nas hipóteses                 
em que ela (liberdade) se apresente como situação               
35 
 
 
 
absolutamente inviável e prejudicial à instrução           
processual e aplicação da lei penal. 
Em relação ao princípio da presunção de inocência,               
BADARÓ afirma a possibilidade de extrair de seu               23
conteúdo três significados, a saber: a) garantia             
política; b) regra de tratamento do acusado e c) regra                   
probatória. 
Em relação ao significado da garantia política, afirma               
o referido autor que é inconcebível um Estado               
Democrático de Direito que não adote o sistema               
processual penal de natureza acusatória e como             
reflexo direto deste o ​in dubio pro reo, ​de modo que a               
presunção de inocência é um princípio básico de um                 
modelo de processo penal dedicado a respeitar a               
dignidade da pessoa humana e os direitos dela               
decorrentes. 
Quanto ao significado da regra de tratamento,             
assevera que, em decorrência do princípio da             
presunção de inocência, é vedado atribuir ao acusado               
no processo penal a qualidade de culpado e a clara                   
visualização deste sentido está na impossibilidade de             
serem realizadas prisões processuais automáticas ou           
obrigatórias, baseadas tão somente na existência de             
um processo criminal ondese busca a apuração da                 
autoria e materialidade de determinado fato           
delituoso. 
Quanto ao significado da regra probatória, decorre a               
exigência de que a garantia de presunção de               
inocência seja utilizada como regra de julgamento.             
23 BADARÓ. ​Processo penal​…, ​pp. 57-58. 
36 
 
 
 
Logo, na existência de dúvida quanto a             
responsabilidade penal do acusado, o melhor           
caminho a percorrer é a absolvição. Ou seja, para que                   
se afirme uma condenação, é imperioso a presença de                 
provas relevantes quanto a autoria e materialidade             
delitiva, sem as quais, impera a regra do ​in dubio pro                
reo​. 
Portanto, dentro de um sistema normativo           
constitucional que se assenta sob a égide de um                 
Estado Democrático de Direito, outra visão senão a de                 
que a situação de inocência é garantia fundamental e                 
sua prevalência é inafastável seria inadmissível,           
posto que estaria em confronto com o núcleo               
principal do sistema garantidor que a Constituição,             
ao menos formalmente, se propõe a estabelecer. 
Em sentido semelhante, enaltecendo a importância           
do sistema processual penal de estrutura acusatória e               
alocando o estudo da presunção de inocência no               
campo da culpabilidade, LOPES JÚNIOR chama a             24
atenção para que a formação da culpa seja               
determinada por meio do contraditório, onde o             
magistrado deva manter-se alheado do movimento           
probatório. Com isso, busca-se atribuir às partes             
(acusação e defesa) a atividade probatória, sendo que,               
na hipótese de dúvida quanto à culpabilidade e em                 
observância ao princípio da presunção de inocência,             
deverá o magistrado absolver ao acusado. 
O princípio da presunção de inocência, quando             
analisado a partir de um dever de tratamento ao                 
24 LOPES JR. ​Direito processual penal​…,​ p. 92. 
37 
 
 
 
acusado e sob a perspectiva do estudo da               
culpabilidade, impõe limitações ao poder punitivo,           
tanto dentro do processo quanto fora dele, de modo                 
que a prevalência da inocência seja um verdadeiro               
obstáculo à discricionariedade punitiva estatal. 
Nesse sentido, LOPES JÚNIOR destaca que 25
 
Na dimensão interna, é um dever de tratamento               
imposto – inicialmente – ao juiz, determinando             
que a carga de prova seja inteiramente do               
acusador (pois, se o réu é inocente, não precisa                 
provar nada) e que a dúvida conduza             
inexoravelmente à absolvição; ainda na         
dimensão interna, implica severas restrições ao           
(ab)uso das prisões cautelares (como prender           
alguém que não foi definitivamente         
condenado?). 
 
Externamente ao processo, a presunção de inocência             
exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a                 
estigmatização (precoce) do réu. Significa dizer que a               
presunção de inocência (e também as garantias             
constitucionais da imagem, dignidade e privacidade)           
deve ser utilizada como verdadeiros limites           
democráticos à abusiva exploração midiática em           
torno do fato criminoso e do próprio processo               
judicial. O bizarro espetáculo montado pelo           
julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia             
da presunção de inocência. 
25 LOPES JR. ​Direito processual penal​…,​ p. 93. 
38 
 
 
 
À luz da presunção de inocência, resta evidente que                 
não há medida cautelar mais aflitiva e causadora de                 
danos ao indivíduo do que a prisão preventiva, posto                 
que é naturalmente degradadora socialmente e           
estigmatizante, uma vez que ao indivíduo privado de               
liberdade preventivamente, ainda que após o           
processo reste provado sua inocência, terá, em             
decorrência da sua passagem pelo cárcere, a etiqueta               
de criminoso conferida pela sociedade, afetando           
diretamente a sua imagem perante seus pares. 
Em que pese as considerações feitas em relação ao                 
princípio da excepcionalidade da prisão preventiva, a             
realidade brasileira tem se mostrado distante do             
postulado ora comentado, uma vez que na prática               
forense é comum o uso indiscriminado da prisão               
preventiva, mesmo quando outras medidas seriam           
suficientes para a preservação da instrumentalidade           
processual. 
Tecendo severas críticas ao atual cenário das prisões               
preventivas na realidade brasileira, LOPES JÚNIOR           26
assevera que 
 
No Brasil, as prisões cautelares estão           
excessivamente banalizadas, a ponto de         
primeiro se prender, para depois ir atrás do               
suporte probatório que legitime a medida.           
Ademais, está consagrado o absurdo primado           
das hipóteses sobre os fatos, pois se prende para                 
investigar, quando, na verdade, primeiro se           
26 LOPES JR. ​Direito processual penal​…,​ p. 602. 
39 
 
 
 
deveria investigar, diligenciar, para somente         
após prender, uma vez suficientemente         
demonstrados o ​fumus commisssi delicti e o         
periculum libertatis. 
 
Em se tratando de medidas cautelares, dentre elas a                 
prisão preventiva, há ainda de ser destacado o               
princípio do contraditório ou “contraditoriedade” . 27
A lei 12.403/2011 inovou positivamente ao           
acrescentar no ordenamento processual a exigência           
prevista no § 3º do artigo 282 de que, “ressalvados os                     
casos de urgência ou de perigo de ineficácia da                 
medida, o juiz, ao receber o pedido de medida                 
cautelar, determinará a intimação da parte contrária,             
acompanhada de cópia do requerimento e das peças               
necessárias, permanecendo os autos em juízo”. 
Desse modo, em se tratando de medidas cautelares, a                 
regra a ser observada, quando inexistente o prejuízo               
da ineficácia da medida, é a abertura do contraditório                 
ao acusado para que se manifeste sobre eventual               
necessidade da medida cautelar, e após           
manifestação, ao magistrado, verificando a         
necessidade da medida, será possível decretar a sua               
incidência no caso concreto, desde que observando             
sempre a instrumentalidade das medidas cautelares,           
em especial a prisão preventiva. 
Oportuno destacar ainda que as audiências de             
custódias , hoje uma realidade na prática processual             28
27 BADARÓ. ​Processo penal​…, ​p. 959. 
28 A resolução nº 2013/2015 do Conselho Nacional de Justiça 
(CNJ) regulamenta as Audiências de Custódia. 
40 
 
 
 
brasileira, veio em boa hora reforçar a garantia do                 
contraditório no sistema das medidas cautelares,           
surtindo especial efeito positivo no que se refere às                 
prisões preventivas, posto que, por meio de tais               
audiências, ao magistrado é conferida a possibilidade             
de averiguar no caso concreto a necessidade da               
manutenção da segregação da liberdade do acusado             
preso em flagrante delito, evitando assim a prisão de                 
indivíduos indistinta e indevidamente. 
A prisão preventiva deverá, portanto, ser excepcional             
e se justificará temporalmente enquanto subsistir a             
situação que lhe justificou inicialmente, edesde que,               
decretada para resguardar a eficácia do provimento             
judicial final do processo. 
Tecidas essas considerações gerais a respeito das             
prisões preventivas e a necessidade de observância do               
princípio da presunção de inocência, importa-nos           
apresentar e analisar a relação existente entre mídia               
e a questão criminal. 
 
2 A QUESTÃO CRIMINAL E SUA RELAÇÃO COM A                 
MÍDIA: A CONTRIBUIÇÃO DA CRIMINOLOGIA         
CRÍTICA 
 
A exploração pela mídia de casos criminais desperta               
especial atenção na população em geral, além de se                 
apresentar como um elemento sempre presente nos             
informativos diariamente consumidos, muitas vezes         
41 
 
 
 
como principal forma de informação de um número               
imenso de pessoas. 
Essa relação entre a mídia e as questões criminais                 
desperta interesse para fins de discussões e pesquisas               
de cunho científico-acadêmico a partir do momento             
que se verifica que parte da mídia extrapola o limite,                   
saindo da sua função comunicativa para uma função               
política na cobertura das questões criminais,           
passando, portanto, a interferir diretamente no           
sistema penal. 
Nesse aspecto, Batista afirma que a relação acima               29
destacada é “característica dos sistemas penais do             
capitalismo tardio”, tendo como uma das principais             
funções dos mecanismos midiáticos a legitimação do             
sistema penal, mediante uma espécie de parceria             
entre o sistema punitivo e os operadores midiáticos. 
O renomado autor ainda afirma que 
 
[...] quando o jornalismo deixa de ser uma               
narrativa com pretensão de fidedignidade sobre           
a investigação de um crime ou sobre um               
processo em curso, e assume diretamente a             
função investigatória ou promove uma         
reconstrução dramatizada do caso – de alcance             
e repercussão fantasticamente superiores à         
reconstrução processual -, passou a atuar           
politicamente.  30
 
29 BATISTA. ​Discursos sediciosos​..., p. 271. 
30 ​BATISTA. ​Discursos sediciosos​..., p. 276. 
42 
 
 
 
Empiricamente é possível perceber que a mídia “[...]               
legitimou [quase sempre] intensamente o poder           
punitivo exercido pela ordem burguesa, assumindo           
um discurso defensista-social [...]” , sobretudo em           31
face dos setores sociais marginalizados e das             
minorias afastadas dos setores hegemônicos da           
sociedade. Ocupou-se, portanto, no papel de           
legitimação do sistema punitivo. 
O discurso comum e dominante da mídia em relação                 
à questão criminal é voltado para afirmação da               
crença punitiva, firmado na ideia de que a pena e                   
decretos de prisões, ainda que antes do trânsito em                 
julgado da sentença condenatória, são o remédio de               
resultado instantâneo para os problemas sociais que             
estão intimamente relacionados aos atos criminosos. 
Nesse cenário, verifica-se que o discurso midiático             
em torno da questão criminal impede o surgimento e                 
desenvolvimento de um ambiente argumentativo         
democrático, pois inviabiliza a possibilidade de o             
receptor da informação conhecer pontos de vista             
diversos a respeito daquela notícia veiculada. 
Ademais, quanto ao credo da pena como solução               
imediata para os conflitos sociais decorrentes da             
questão criminal, a aceitação da ideia de que a                 
ascensão de um Estado Penal, mediante o aumento da                 
utilização das prisões preventivas, bem como o             
recrudescimento da legislação é a melhor saída a ser                 
adotada. Batista , em tom de crítica, assevera 32
31 ​ ​BATISTA. ​Discursos sediciosos​..., p. 272. 
32 ​ ​BATISTA. ​Discursos sediciosos​..., p. 27​4. 
43 
 
 
 
 
[...] alguém se recorda da última vez em que a                   
promulgação de uma lei criminalizante foi           
objeto de crítica pela imprensa? Também aqui             
pouco importa que a criminalização provedora           
seja uma falácia, uma inócua resposta           
simbólica (com efeitos reais) atirada a um             
problema real (com efeitos simbólicos) 
 
No mesmo sentido, é perfeitamente aceitável a             
afirmação de Cardoso , no sentido de que 33
 
[...] o discurso criminológico dominante nos           
meios de comunicação se presta a reivindicar e               
aplaudir a criminalização de condutas como           
solução milagrosa dos problemas sociais, sem           
que haja uma maior ponderação crítica diante             
da tendência de inchaço contínuo do poder             
punitivo do Estado. 
 
Tendo em vista a constatação de que a relação da                   
mídia e o sistema penal apresenta contornos que               
extrapolam o campo da dogmática jurídica e             
avançam no campo da sociologia política,           
aparenta-se como possível a adoção do discurso             
próprio da criminologia crítica para permitir a             
superação do paradigma clássico a respeito do             
sistema penal e avançarmos dialeticamente em           
direção a reflexões que apresentem hipóteses que             
33 CARDOSO. ​Discurso criminológico “acientífico”​...,​ p. 418. 
44 
 
 
 
possam contribuir para a construção de um discurso               
alternativo ao atual discurso acrítico e punitivo             
perpetrado através da mídia. 
Relevante destacar que a adoção da criminologia,             
sobretudo aquela de viés crítico, será adotada como               
“[...] recurso interpretativo dos sintomas         
contemporâneos e não como método ou técnica para               
estudo [...]”. Desse modo, valemo-nos da criminologia             
crítica “[...] no sentido de pensar ​com ​a criminologia e                 
não restar limitado à sua descrição histórica e/ou ao                 
desenvolvimento de suas principais teorias”.   34
Portanto, com a adoção desse discurso criminológico             
crítico, é possível superar as funções declaradas do               
sistema penal e possibilitará adentrar no terreno             
obscuro do direito pe nal clássico, para expor as suas                   
reais funções, e a partir daí verificar em que medida a                     
questão criminal sofre interferência do discurso           
midiático, sobretudo, naquilo que se refere às prisões               
preventivas, fundamentadas na garantia da ordem           
pública. 
 
2.1 O CONHECIMENTO VULGARIZADO DA         
QUESTÃO CRIMINAL: “CRIMINOLOGIA MIDIÁTICA”       
E O POPULISMO PENAL 
A violência, a criminalidade, o sistema penal, bem               
como seus desdobramentos são constantemente         
objeto de estudo e discussões no âmbito acadêmico,               
donde se extrai grande conteúdo científico em             
34 ​CARVALHO. ​Antimanual de criminologia​…, p. 45. 
45 
 
 
 
relação à questão criminal. Trata-se, pois da             
“criminologia acadêmica”.  35
O discurso criminológico produzido no interior da             
academia é construído paulatinamente, após longos           
debates e confronto dialético de pensamentos           
diversos, fundando-se empiricamente em pesquisas e           
contribuições doutrinárias de autores consagrados e           
detentores de respeitável confiabilidade, posto que           
construídas com afinco e em observância de             
irretocável rigor científico. 
Entretanto, em contraponto ao conhecimento         
científico e o discurso criminológico acadêmico,há             
um conhecimento vulgarizado da questão criminal,           
que se manifesta por meio dos meios de comunicação                 
de massa. Trata-se do que Zaffaroni convencionou             36
chamar de “criminologia midiática”. 
Muito, ou quase tudo do que a população conhece – ou                     
acredita conhecer - a respeito da questão criminal               
decorre desse discurso criminológico midiático que           
possui como principal característica a capacidade de             
“[...] criação de uma realidade através de informação,               
subinformação e desinformação em convergência         
com preconceitos e crenças baseada em uma etiologia               
criminal simplista [...]”.  37
35 ZAFFARONI. ​A questão criminal​…, p. 193. 
36 ​ ​ZAFFARONI. ​A questão criminal​…, p. 193. 
37 ​ ​ZAFFARONI. ​A questão criminal​…, p. 193. 
46 
 
 
 
Assim, no que toca ao conhecimento da população em                 
geral a respeito da questão criminal, Zaffaroni             38
assevera que 
 
[...] as pessoas que todos os dias caminham               
pelas ruas e tomam o ônibus e o metrô junto a                     
nós têm a visão da questão criminal que é                 
construída pelos meios de comunicação, ou           
seja, se nutrem – ou padecem – de uma                 
criminologia midiática. 
 
A narrativa midiática sobre a questão criminal é               
desprovida de sustentação empírica e funda-se           
essencialmente em um discurso pautado no senso             
comum que corrobora para a construção de uma               
imagem distorcida sobre os problemas relativos à             
criminalidade, violência e conflitos sociais         
decorrentes do cometimento do ilícito penal. Ou seja,               
trata-se de um mecanismo argumentativo         
descompromissado com o conhecimento e que           
necessita ser produzido e reproduzido         
imediatamente, sob pena de tornar-se ultrapassado. 
A respeito do discurso midiático em relação a questão                 
criminal, é relevante considerar também o fato de               
que o tempo da mídia não corresponde ao tempo da                   
produção do conhecimento e discurso acadêmico,           
uma vez que, em razão da natureza comercial voltada                 
para o lucro financeiro, e da satisfação imediata dos                 
espectadores pelo produto oferecido, ali não há             
38 ​ ​ZAFFARONI. ​A questão criminal​…, p. 194. 
47 
 
 
 
espaço ou condições democráticas para o           
desenvolvimento de um raciocínio construído através           
da dialeticidade argumentativa, de modo que o             
discurso único se torna o discurso verdadeiro. 
Assim, a abordagem midiática da questão criminal,             
assentado em seu discurso solipsista e recheado de               
senso comum presta um verdadeiro desserviço, posto             
que contribui para o crescimento de uma             
mentalidade coletiva punitiva e pautada na           
causalidade simplória da questão criminal, pois           
inviabiliza a análise crítica do contexto estrutural em               
que se desenvolve os conflitos sociais decorrentes do               
cometimento de ilícitos penais. 
Assim, verifica-se que 
 
[...] na criminologia midiática, de uma maneira             
geral, se percebe a constante necessidade de             
que os discursos sejam dirigidos ao público de               
modo a fazer com que a sociedade deposite               
esperança no sistema penal e tenham nele a               
principal ferramenta de combate à violência e a               
criminalidade.  39
 
Demonstrando preocupação em relação ao discurso           
da criminologia midiática e seu poder de dissuasão               
junto à população, Zaffaroni em sua obra “A questão                 
Criminal”, assevera a necessidade de uma           
“criminologia militante” , no sentido de que o             40
39 BERMUDES; SILVA. ​Criminologia midiática​…, p. 7. 
40 ​ZAFFARONI. ​A questão criminal​…, p. 296. 
48 
 
 
 
discurso criminológico acadêmico ecoe além dos           
muros da academia. Ou seja, é preciso que o                 
criminólogo e o cientista acadêmico desça de sua               
torre de marfim e que se faça presente junto à                   
população, de modo a demonstrar que o discurso               
midiático não é o único existente, e assim expor a                   
falácia e insubsistência de suas funções declaradas             
para expor sua real função. 
Nesse sentido, assevera o referido autor que 
 
[...] cabe um papel importante ao mundo             
acadêmico latino-americano se, em lugar de se             
fechar em seus cubículos universitários,         
olhando para o próprio umbigo, opta por uma               
atitude militante, de comunicação com as           
pessoas; se é capaz de ir aos meios de                 
comunicação e aos bairros, de comunicar o que               
se sabe e de organizar a neutralização da pulsão                 
vingativa.  41
 
Em sentido análogo à proposta de Zaffaroni, Baratta               42
assevera que no atual contexto de prevalência do               
discurso midiático e do conhecimento vulgarizado e             
acientífico da questão criminal, para que possamos             
influenciar dentro da opinião pública e fazer frente               
ao discurso midiático, é fundamental o entrave de               
uma “[...] batalha cultural e ideológica para o               
desenvolvimento de uma consciência alternativa no           
campo do desvio e da criminalidade” e acrescenta               
41 ​ ZAFFARONI. ​A questão criminal​…, p. 297. 
42 ​ BARATTA. ​Criminologia crítica​…, p. 205. 
49 
 
 
 
ainda que “para este fim é necessário promover sobre                 
a questão criminal uma discussão de massa no seio                 
da sociedade e da classe operária”. 
É essencial, portanto, para a superação ao discurso da                 
criminologia midiática e a apresentação de uma via               
alternativa de conhecimento, que proporcionará o           
acesso da população ao discurso acadêmico, que os               
criminólogos críticos assumam o dever cívico de se               
engajar na divulgação do discurso crítico além dos               
quatro muros da academia. É necessário, portanto 
 
[...] democratizar o discurso sobre o crime e a                 
criminalidade e contrapor as ponderações da           
criminologia crítica no espaço público. Neste           
ponto, o acesso aos meios de comunicação é               
crucial.   43
 
No mesmo alinhave à proposta de Zaffaroni,             
encontra-se a ideia desenvolvida por Gregg Barak,             
denominada “newsmakingcriminology”, que, em       
resumo, consistiria na intervenção midiática sobre as             
questões criminais pelos criminólogos, possibilitando         
o compartilhamento do conhecimento acadêmico         
com a população. 
Nesse sentido, Barack assevera que 44
 
43 ​CARDOSO. ​Discurso criminológico “acientífico”​..., p. 421. 
44 ​CARDOSO. ​Discurso criminológico “acientífico”​..., p. 422. 
50 
 
 
 
Dentro das contradições da sociedade burguesa           
avançada, o sucesso ou o fracasso na             
newsmakingcriminology dependerá das     
inclinações ou habilidades dos criminólogos e           
outros de desenvolver relacionamentos com o           
pessoal e os processos internos à produção             
noticiosa. Ganhar acesso a redes de           
comunicação em massa, local ou nacional, é             
problemático, mas sem acesso direto,         
criminólogos não serão capazes de participar da             
construção em massa do crime ‘sério’ e do               
controle criminal. 
 
Portanto, em face do discurso criminológico           
midiático e de seu enorme

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