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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-3176-4 Geografia Humana e Econômica Geografia Humana e Econômica Ge og ra fia H um an a e Ec on ôm ic a Rafael Lacerda Martins Rafael Lacerda Martins Geografia Humana e Econômica IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012 Edição revisada © 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ __________________________________________________________________________________ M341g Martins, Rafael Lacerda. Geografia humana e econômica / Rafael Lacerda Martins. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 120p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-3176-4 1. Geografia humana. 2. População - Estatísticas. 3. Globalização. 4. Geografia da população. I. Título. 12-7191. CDD: 304.2 CDU: 911.3 03.10.12 18.10.12 039630 __________________________________________________________________________________ Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Shutterstock IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. Sumário Introdução à Geografia | 7 Geografia | 7 Geografia Humana e Econômica | 9 Espaço geográfico | 11 Escala geográfica | 12 Conceitos fundamentais | 15 Níveis de análise em Geografia | 15 Região | 16 Lugar | 18 Território | 20 Geografia Cultural | 25 Introdução à Geografia Cultural | 25 Temas da Geografia Cultural | 26 A noção de gênero de vida | 28 Geografia Cultural: reflexos da globalização | 28 Geografia Política | 33 Introdução à Geografia Política | 33 Geopolítica | 35 Geopolítica e nova ordem mundial | 37 Globalização | 41 Processo de globalização | 41 Blocos econômicos: o caso do Mercosul | 42 Economias mundiais | 44 Implicações espaciais das atividades econômicas sob a visão do capitalismo | 45 Abordagens do espaço agrário | 49 Organização do espaço agrário | 49 Caracterização geográfica como propósito de indicações de procedência | 50 Geografia Agrícola: o caso da produção do arroz | 52 Abordagens sobre o meio técnico | 59 O meio técnico-científico-informacional | 59 Constituição dos espaços econômicos | 61 Integração territorial | 62 O espaço regional | 67 Dinâmica regional brasileira | 67 Organização econômica: o espaço regional em transformação | 69 Urbanização brasileira | 71 Temas em Geografia da População | 75 Demografia na análise geográfica | 75 Estudos populacionais e fontes de dados | 76 Distribuição e estrutura da população | 79 Crescimento populacional | 81 Abordagens no estudo da população | 87 Políticas de população | 87 Ferramentas do demógrafo | 88 Teorias de população: o pensamento Neomalthusiano | 90 Teoria de Marx acerca da população | 91 Concepções sobre populações: as migrações | 91 Elementos da dinâmica populacional | 95 Dinâmica populacional brasileira | 95 Desenvolvimento populacional | 98 Algumas considerações sobre o Índice de Desenvolvimento Humano | 99 Abordagem socioambiental em Geografia Humana | 105 Questão ambiental | 105 Conceito de gestão ambiental e planejamento ambiental | 106 Sustentabilidade ambiental no contexto da Geografia Humana | 108 Reflexões socioambientais: recursos hídricos | 109 Referências | 115 Apresentação Prezados alunos, Ao iniciarmos a disciplina de Geografia Humana e Econômica, quero desejar as boas-vindas e convidá-los para iniciar os estudos dessa disciplina imbuídos de curiosidade, disponibilidade e responsabilidade crítica em torno das temáticas apresentadas. A disciplina tem como objetivo central o desenvolvimento de uma análise a respeito das diferentes abordagens em Geografia Humana e Econômica. A estrutura e construção dos textos expressam conceitos, pensamentos e interpretações do espaço geográfico e suas categorias. Procurei enfocar a evolução das dinâmicas ambientais, culturais e socioterritoriais, em conjunto com as características e os estágios do processo histórico-geográfico. Dessa maneira, a realização e o desenvolvimento dessa disciplina pretendem ser um processo desencadeante de alterações objetivas e subjetivas em nossa forma de inserção e futura intervenção na realidade social e ambiental. Este livro está estruturando em 12 aulas, no qual irei abordar uma breve introdução da Geografia como ciência e seus conceitos fundamentais na análise das relações entre a sociedade e natureza. Apresento a Geografia Cultural, procurando enfocar os estudos das relações humanas. Abordo a Geografia Política, como um conhecimento importante para interdisciplinaridades das ciências humanas. Apresento considerações sobre o processo de globalização e suas implicações culturais e geoeconômicas no mundo e no Brasil. Trato também da organização do espaço agrário, como o espaço de interesse nas relações do território e nas funções de integração territorial. Por fim, relaciono um quadro-síntese e o objetivo dos estudos populacionais, concentrado na geografia da população, identificando os conceitos e as definições importantes para os cientistas sociais, numa análise e uma interpretação nas diferentes abordagens de estudo. O conteúdo do livro busca acrescentar uma leitura informativa, crítica e interpretativa sobre os diferentes estudos nas distintas áreas da Geografia Humana e Econômica. Apresenta uma abordagem socioambiental capaz de produzir uma visão critica e fundamental nos dias de hoje. Bem, convido a todos para a leitura deste livro e que ele auxilie na construção do conhecimento. Boa leitura! Introdução à Geografia Rafael Lacerda Martins* Geografia O termo Geografia vem do grego e significa, simplesmente, grafia da Terra. Num primeiro momento, o termo completa uma simples e mera explicação da superfície terrestre, mas imaginem o trabalho exaustivo que representa “grafar” todo nosso mundo conhecido hoje. Essa primeira análise remete a algumas questões e reflexões: Onde seria o início dessa grafia no mundo? O que deveríamos grafar? Muito bem! Digamos que deveríamos grafar a cidade de Curitiba. Imaginem agora a complexidade que qualquer cidade apresenta em função de inúmeras variáveis, ou seja, grafar necessariamente implica em analisar, entender, descrever, representar e explicar a cidade nesse caso. Essas questões iniciais remetem que a atividade de grafar e por sua vez explicar o mundo por meio da Geografia não é tão simples, mas nada impossível para um mundo representado por trocas de informações e conhecimentos. Para grafar um lugar (uma rua, uma cidade, um estado, um país) devemos transitar por diversas áreas do conhecimento e das ciências. Isso, em primeira análise, permitirá entender a cidade de Curitiba. Podemos analisar a população, a economia relacionada à cidade, a política atual e seu modelo de gestão, a história do território enquanto formação e sua povoação, o relevo presente no espaço da cidade, o clima e suas relações com as pessoas e os modos de produção, entre outras inúmeras condições de ordem física, social e cultural. Somente assim entenderíamos completamente a cidade de Curitiba. Talvez, após essa primeira etapa de conhecimento exaustivo, mas importante, poderíamos ligar todas essas variáveis e estabelecer uma Geografia capaz de identificar as relações e marcar as interpretações sobre os temas reconhecidos e estudados da cidade. A Geografia organiza esse reconhecimento e a identificação dos diferentes lugares a partir da representação cartográfica, ou seja, o uso da Cartografia. Em muitos momentos buscamos entender a Geografia na representação cartográfica de um mapa, e nem percebemos a complexidade das variáveis * Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grandedo Sul (UFRGS). Mestre em Geografia pela UFRGS. Bacharel em Geografia pela UFRGS. 8 | Introdução à Geografia que estão inseridas e contidas no mapa. Poderíamos imaginar, usando o exemplo anterior, um mapa da cidade de Curitiba. O que seria um mapa de Curitiba? Poderíamos ter uma representação em forma de mapa para cada fenômeno e tema referido anteriormente, por exemplo, um mapa de relevo da região e da cidade, um da organização dos bairros, um das principais ruas, um das atividades econômicas e suas relações na produção. Por outro lado, a Geografia procura não somente cartografar, mas sim, entender as relações entre todos os elementos constituintes do espaço geográfico, contidos ou não, em repre- sentações cartográficas. Com esse objetivo, como seria um mapa de Curitiba que buscasse essa integração e interação dos elementos e temas? Podemos analisar em partes os elementos da cidade, e também os elementos que se integram e se diferenciam no espaço, por exemplo, a economia, as áreas naturais, a população, ou variáveis que se destacam sobre as outras. Essa é uma atividade dos gestores e administradores da cidade, ou seja, das instâncias de planeja- mento e de governo que devem compreender e identificar as divisões e fragmentações de uma cidade. Esses órgãos municipais se utilizam da Geografia, para estabelecer “os estudos das divisões e fragmen- tações”, ou seja, as divisões do “espaço geográfico de Curitiba”, de acordo com o exemplo apresentado. A Geografia, então, analisará e buscará integrar elementos humanos, naturais, econômicos e políticos, cujas diferenças espaciais (divisões e fragmentos), dentro do espaço geográfico de Curitiba poderão ser representadas, planejadas e administradas. Podemos associar, então, que a Geografia se preocupa com as divisões, buscando espaços específicos dentro de outros espaços (os países do mundo, os estados dos países, os municípios dos estados, os “setores” ou bairros ou regiões dentro de um município, entre outras divisões possíveis). A Geografia preocupa-se também com a identificação dos lugares, suas diferenças, suas áreas e tamanhos, suas características presentes e relacionáveis. Para isso encontramos lugares de diferentes tamanhos e podemos trabalhar e analisar esse critério com o auxílio da noção de escala. Por outro lado, a Geografia não só divide e fragmenta o espaço geográfico como também analisa suas dinâmicas dentro desse espaço, ou seja, como essas divisões, regiões ou lugares se relacionam entre si. Uma dimensão real e contemporânea é que o espaço está cada vez mais “fluído” (conectado por vias de transporte e comunicações). Nesse sentido, os espaços urbanos influenciam a produção e a vida dos espaços rurais, assim como países do mundo influenciam outros países, por exemplo: como o Brasil influencia os países da América Latina? Como algumas cidades influenciam outras cidades (Curitiba influenciando as cidades vizinhas) e os bairros influenciam outros bairros? (O centro das cidades determinando a organização de bairros distantes, pela presença dos órgãos públicos municipais no centro, determinando a organização das ruas, dos transportes, de bairros de periferia). Esses exemplos, na verdade, mostram que independente da escala global, regional e local os lugares não estão mais separados, eles influenciam uns aos outros, porque todos estão conectados pelos transportes, seja por estradas, ferrovias, portos, aeroportos ou pelas comunicações, como o telefone, jornais, televisão, internet e fax. As tecnologias da comunicação e dos transportes produzem espaços fluídos, conectados e interligados, atrelados a diferentes lugares e produzindo “canais” de comunicação como as estradas e os cabos de energia, que cruzam diferentes territórios. 9|Introdução à Geografia Geografia Humana e Econômica A Geografia Humana pode ser compreendida como o estudo e a descrição da interação entre a sociedade e o espaço. Ela ajuda a sociedade a entender o espaço em que vive. Pode-se afirmar que o objeto da Geografia Humana, enquanto analista dos aspectos e mudanças sociais, deve refletir uma leitura crítica das percepções e transformações humanas sobre o espaço geográfico. O objeto busca também analisar a sociedade no transcorrer do tempo, estudando a incidência do tempo no espaço e na sociedade. Talvez, durante muito tempo, a Geografia tenha se enganado em produzir estudos separados dos elementos meramente naturais e físicos do espaço dos elementos meramente humanos dele. Por um lado, estudava-se o relevo, o clima, a vegetação, e, por outro, a economia, a política, a população etc. Com esses estudos “dicotomizados” (separados), organizava-se uma grande monografia descritiva de uma região. Parece que a Geografia era um conjunto mal-acabado de diferentes outras ciências (Geologia, Climatologia, Economia, Política etc). De um lado estava a Geografia Física, estudando o relevo, o clima e os elementos da fauna e da flora, de outro, a Geografia Humana, estudando a sociedade. Mas, no decorrer do tempo, percebeu-se que isso era insatisfatório e incompleto para pretensões de entendimento da Geografia. Essas insuficiências nos estudos da Geografia chegam ao final do século XX, com a evidência dos problemas da humanidade e de sua relação com o planeta Terra. A degradação da natureza, a poluição de rios e cidades, os desastres naturais (enchentes, pragas, por exemplo), fizeram o mundo atentar para os desequilíbrios das atividades humanas em relação às dinâmicas da natureza. Observou-se que tudo está interligado e que o homem não se encontra isolado, à parte, da natureza. Qualquer atividade humana, de toda uma população, ou somente de um indivíduo, irá trazer consequências à dinâmica do ar e das águas. O homem também é natureza, mas durante muito tempo, devido a sua capacidade de produzir trabalho e técnica, ele construiu outro espaço que não é mais totalmente natural, é “humanizado” ou “tecnificado” – como o espaço das grandes cidades, por exemplo, no qual somente observam-se prédios e estradas (concreto e estruturas). O homem, afastando-se da natureza, modificou e alterou seus ritmos e seu tempo de transformação. Muitos desses ritmos alterados desequilibraram e transformaram os processos naturais (chuvas, ventos, dinâmicas fluviais, qualidade das águas para consumo humano) e provocaram danos à própria humanidade (racionamento de água, degradação dos solos e menor produtividade na agricultura, poluição do ar e doenças respiratórias, alteração das dinâmicas dos rios, enchentes, degradação da camada de ozônio e aumento dos raios ultravioletas). Hoje, os novos estudos da Geografia procuram observar como as atividades humanas produzem alterações nas dinâmicas naturais e, consequentemente, alteram também a vida da sociedade que vive num determinado lugar. Muitos desses estudos aparecem no próprio meio urbano, onde a ocupação desordenada destrói a vegetação das encostas dos morros e causa muitos acidentes como desabamentos e soterramentos. As constantes enchentes também são consequências do aumento da ocupação do solo, tanto na cidade (pela moradia) quanto no campo (pela agricultura). Esses processos são provocados pela retirada da vegetação e a tendência da incidência das chuvas, já também em níveis e constâncias desequilibradas, produzindo uma maior mobilização e o acúmulo de sedimentos (partículas de solo) 10 | Introdução à Geografia no leito dos rios. Esse acúmulo faz com que os rios transbordem facilmente, ocasionando, assim, as enchentes que danificam as habitações na cidade e a agricultura no campo. Isso mostra que está tudo interligado e que as ações humanas descontrolam e promovem um ciclo com muitos problemas. Nesse sentido, cada vez mais se procura, na Geografia, o estudo da complexa conexão entre elementos físicos e humanos do espaço, dando qualidade ao que seria o “espaço geográfico”, não somente ao espaço natural ou espaço humano, qualificado como social, mas “espaço geográfico”, no quala ciência Geografia é a qualidade dessa integração e interação. O geógrafo Manuel Correa de Andrade esclarece que os estudos geográficos, marcados pela Geografia Econômica, podem ser entendidos como o estudo da localização, manifestação, distribuição e organi- zação espacial das atividades econômicas por todo o planeta. Também é possível identificar na obra tópicos acerca dos estudos da Geografia Econômica, os quais apresentam relações com a localização das indústrias e serviços no território, dos padrões das indústrias e das suas representações no espaço geográfico e também da Geografia dos fluxos de transporte. A área de estudo nomeada Geografia Econômica contempla temas amplos e interliga os objetos natureza e sociedade. Para exemplificar as temáticas centrais, podemos citar os estudos sobre o transporte urbano e inter-regional: análises da distância da produção agrícola às cidades, da localização industrial diante das necessidades energéticas e da força de trabalho para a indústria, do comércio internacional e suas especialidades, bem como a organização espacial em função das atividades de negócios e serviços de um determinado espaço geográfico. A economia de uma área geográfica pode ser influenciada pelo clima, pelo relevo e pelos aspectos político-sociais. O relevo pode afetar a disponibilidade dos recursos, o custo de transporte e as decisões sobre o uso e ocupação do solo. O clima pode influenciar a disponibilidade dos recursos naturais, particularmente os produtos agrícolas e florestais, e as condições de trabalho e produtividade numa determinada área agrícola. A literatura especializada na Geografia Econômica foca a análise geográfica nos aspectos e características espaciais das atividades e funções econômicas. A análise espacial apresenta relacionamentos e interpretações em diferentes escalas, como a escala global ou a escala regional. A escala do local também fornece subsídios espaciais importantes no que consiste a análise das relações econômicas e o desenvolvimento local. Para marcar essa possibilidade de interpretação entre diferentes escalas, podemos desenvolver o pensamento em torno da localização e do distanciamento entre as cidades do interior e os grandes centros de negócios e serviços. Nesse caso, são determinadas demandas e funções de cidades maiores e centrais, que condicionam de forma de dependência e de ligação numa escala regional-local. Tal dependência é visível e tem um papel significativo nas decisões econômicas das cidades do interior. Ao mesmo tempo que os condicionantes do local não expressam nenhuma relação exterior aos limites da cidade, sendo relacionados particularmente ao cotidiano da própria cidade, apresentando aspectos do modo e condições de vida da população e suas funções com o meio. Para uma escala global, alguns fatores devem ser considerados, no que diz respeito à possibilidade de leitura do espaço geográfico. Citamos a viabilidade logística de transporte entre diferentes espaços produtivos e de consumo, localização dos pontos de exportação e importação (portos marítimos e aeroportos) e presença de matéria-prima e recursos naturais. Os elementos citados afetam as condições econômicas de determinados países ou região econômica. 11|Introdução à Geografia Sem dúvida, no mundo conhecido pelas práticas econômicas, a simples localização e distribuição das zonas de produção industrial e serviços marcam e identificam as características das atividades econômicas que, em grande parte, são influenciadas pela globalização dos mercados e da economia. Nessa análise, exemplificamos a ideia dos países e suas fronteiras, que não representam mais papéis significativos, já que muitos países tendem a eliminar os efeitos das divisões territoriais e estreitar acordos de cooperação e integração mútua com outros países em regiões de proximidades de interesse econômico. Um exemplo conhecido é a concentração de países em torno de uma grande área territorial, mostrando relações comuns e acordos políticos e econômicos. A união europeia cristaliza a ideia de uma grande região de países sem fronteiras ou limites econômicos. A Geografia Econômica pode ser dividida em três partes: a primeira enfatiza a construção de teo- rias sobre arranjos espaciais e distribuição das atividades econômicas; a segunda parte examina a história e o desenvolvimento espacial das estruturas econômicas; e uma terceira parte caracterizada por uma Geografia Econômica regional que examina as condições econômicas de determinadas regiões ou países, ligada também com os processos de regionalização e globalização da economia. Espaço geográfico O espaço geográfico, conforme Milton Santos, é configurado por dois componentes que interagem simultaneamente e de forma contínua. Primeiro o espaço é caracterizado pela figura territorial dos elementos e formas da natureza modificada (prédios, estradas, pontes etc.) ou não modificada/transformada (rios, depressões, montanhas etc.) pelo homem (relação homem-natureza). O segundo expressa o espaço geográfico diante da dinâmica social ou como um conjunto de relações que definem certo tempo histórico. Em síntese, o espaço geográfico é o espaço ocupado e organizado pelo homem em sociedades humanas. Deve ser entendido como um espaço poligênico, capaz de reunir necessariamente o estudo do processo histórico, da formação do território natural e das transformações sociais. O espaço geográfico, de forma sintética, é tudo aquilo que as sociedades constroem e consomem, mas lembramos que tal transformação (relação sociedade-natureza) passa por um processo de incorporação, de apropriação e “retransformação”. Assim é gerado de forma contínua o espaço geográfico. Para muitos autores da ciência geográfica, o espaço geográfico é entendido como o principal objeto da Geografia. Ele varia tanto no tempo quanto no espaço. Os fatos e os acontecimentos que marcam e registram o espaço geográfico são acumulados por momentos histórico-sociais e fenômenos naturais. A variação do tempo marca uma “rugosidade” provocando acúmulos e conferindo, assim, particularidade a esse espaço. Por exemplo: é possível interpretar o relevo terrestre presente, diante dos elementos geológicos do passado. Também é possível realizar uma leitura espacial do plano urbanístico, onde as ruínas da arquitetura de um tempo distante podem ser encontradas, hoje, na forma de uma fração, que ajuda a grafar um novo espaço urbano ou rural. O espaço seria um conjunto de objetos e de relações que se realizam sobre esses objetos; não entre esses especificamente, mas para as quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos, naturais e artificiais. (SANTOS, 1997, p. 71) 12 | Introdução à Geografia Escala geográfica A escala indica a proporção entre o objeto real (o mundo ou uma parte dele) e sua representação cartográfica, ou seja, quantas vezes o tamanho real teve de ser reduzido para poder ser representado. Podemos considerar o seguinte exemplo: um mapa na escala 1:10.000.000 indica que o espaço representado foi reduzido de forma que 1 centímetro no mapa corresponde a 10 milhões de centímetros ou 100 quilômetros do tamanho real. Deve-se estabelecer a escala de um mapa antes de sua elaboração, levando-se em conta os obje- tivos de sua utilização. Podemos exemplificar o uso da escala geográfica por meio da representação dos objetos geográficos. Os objetos contidos num espaço ou numa área muito grande serão representados de forma genérica, sem detalhes de representação. Ao contrário disso, os objetos num espaço ou numa área pequena ou reduzida, serão representados com as particularidades dos objetos geográficos contidos nesse espaço ou área. Mapas em diferentes escalas servem para diferentes tipos de necessidades: mapas em pequena escala (como 1:25.000.000) proporcionam uma visão geral de um grande :::: espaço, comoum país ou um continente; mapas em grande escala (como 1:10.000) fornecem detalhes de um espaço geográfico de :::: dimensões regionais ou locais. Por exemplo: em um mapa do Brasil na escala 1:25.000.000, qualquer capital de estado será representada apenas por um ponto, ao passo que num mapa 1:10.000 aparecerá detalhes do sítio urbano de qualquer cidade. Os tipos de escala podem ser definidos por categoria e finalidade do mapa, por exemplo, uma escala grande: 1:50 a 1:100, usadas para plantas arquitetônicas e de engenharia; escalas ainda grandes: 1:500 a 1:20.000, para plantas urbanas e projetos de engenharia; já as escalas de categoria média apresentam valores entre 1:25.000 a 1:250.000 e são utilizadas para mapas topográficos. Para finalizar os exemplos cita-se as escalas de categoria pequena, com valores acima de 1:250.000, utilizadas nas representações dos Atlas geográficos e de globos terrestres. Texto complementar Do senso comum à Geografia Científica (SILVA, 2004, p. 12-13) [...] trabalho com os temas clássicos da Geografia, eles compõem sua estrutura sistematizada, assim entendo. As “novidades pós-modernas” não cabem na minha apreciação, elas estão “na moda” e modismo é senso comum, afirmam inúmeros filósofos. Sempre quis compreender por que a Geografia é tão somente informativa. Será que a abundância de informações que a caracteriza informa mesmo ou a deforma como ciência? No primeiro capítulo repenso espaço/tempo como categorias universais, abstraindo-as, também, ao interesse de noções mais conhecidas na Geografia, 13|Introdução à Geografia apoiada em filósofos que tratam do assunto de forma divergente como Kant e Hegel, ou Hannah Arendt e Derrida, por exemplo. Faço uma construção teórica da materialidade do tempo pelo trabalho na multiplicidade de lugares no lugar, e do espaço abstrato na pluralidade de relações das realidades espacializadas ou não. As lições que me foram passadas por Hegel em sua dialética da negatividade me encorajaram na confecção desse texto. Hegel trabalha com figuras abstratas da consciência e me arvorei a transmutar o movimento daquelas figuras para o movimento de “figuras” da realidade social, como espaço, tempo, trabalho, lugar, paisagem, nos quais a mediação é a negação neles mesmos para se constituírem no outro, ou, segundo a linguagem hegeliana, para suprassumirem e serem. O segundo capítulo faz um paralelo entre o senso comum e a Ciência Geográfica. O contraponto entre Descartes, Kant e Hegel é mais uma vez sublinhado para aportar nossas ideias. Bachelar afirma o senso comum como não ciência, Derrida vem ao encontro da não espacialidade geográfica e Heidegger substantiva nossas alusões à região geográfica como macromarco de endereços terrestres e, por aí, desmancha-se sua cientificidade representativa para a Geografia. A Vontade de Potência nietzschiana é o braço novo, de que lanço mão, para identificar o processo de territorialização na territorialidade contraditória. A dialética materialista do coletivo político é anelada à dialética psicológica do indivíduo social, com a finalidade de mostrar a identidade conflituosa dos chamados fenômenos geográficos, na relação cidade-campo e na arrumação geométrica dos lugares urbanos e agrários, nos quais a população constitui a relação desigual, pluralizada pelas deformações para mais ou para menos dos sujeitos sociais, que valem pelo que equivalem, por meio do dinheiro, seja para consumirem ou para aguardarem sua multiplicação fictícia (mas real) no mundo do fetiche financeiro. No resultado do universo do trabalho estão não só momentos da vida orgânica dos trabalhadores, como instantes dos seus sonhos mais secretos derramados no que formam e criam. No terceiro capítulo, faço uma chamada metodológica mais detida sobre descrição e reflexão, teoria e empirismo, paisagem e relação homem X meio, [...] Atividades 1. Segundo os exemplos e definições colocados no texto, responda: o que a Geografia estuda? 2. Como se pode definir o termo espaço humanizado ou tecnificado? 14 | Introdução à Geografia 3. O que é escala geográfica? Gabarito 1. Estuda as divisões do espaço geográfico e as diferenças das distintas áreas, caracterizando-as e procurando grafar e identificar os lugares e os elementos constituintes do espaço geográfico. 2. É o espaço das transformações, construções e possibilidades por meio das diferentes atividades do homem e suas sociedades. 3. É a proporção entre o objeto real e sua representação cartográfica. Conceitos fundamentais Níveis de análise em Geografia Nessa etapa do estudo, vamos trabalhar com os níveis de análise em Geografia1. Para demarcar essa análise vamos propor a apresentação e a reflexão em torno de três conceitos fundamentais para Geografia, que assumem categoriais espaciais delimitadoras de escala2 e relações de análise. Num primeiro momento vamos abordar o conceito de região, que tem uma importância nas leituras geográ- ficas, indicando a organização do espaço geográfico e suas fragmentações. O conceito de lugar na análise da Geografia aparece num instante importante para abordagem de investigação geográfica, valorizando um papel fundamental das relações entre sociedade e natureza, caracterizando um espaço singular, produto das experiências e atitudes humanas no mundo. Para agregar ao método de análise geográfica, destacamos como terceiro conceito fundamental o território, o qual se apresenta como uma categoria essencial para o entendimento da configuração das relações sociais, das forças produtivas e correlações de poder político. O território destaca-se como análise diante do processo histórico, na configuração dos atores e suas relações espaciais. O objeto da Geografia, independentemente da categoria espacial relacionada para análise, é definido como o estudo da sociedade e suas relações com o meio geográfico. Cabe salientar que o termo meio geográfico é mais abrangente que o meio físico, pois engloba não somente as influências naturais, mas também influências totalizantes que colaboram para formar o meio geográfico. Para exemplificar essas outras influências, podemos citar o mundo contemporâneo onde as ações das sociedades sobre a natureza estão ampliando-se cada vez mais em razão da capacidade técnica que a ciência lhe possibilita e também pelo domínio que os transportes e velocidade da informação asseguram sobre as distâncias. Junto a isso podemos incorporar também as ações humanas, como a forte urbanização, a expansão agrícola, a transformação das florestas que contribuem para formar o meio geográfico e para configurar a vida dos homens. 1 De acordo com Pierre George, geógrafo francês, a Geografia, definida como “ciência humana”, tem por objeto o estudo global e diferencial de tudo o que interessa à vida das diversas coletividades humanas que constituem a população do globo. A Geografia, em tempos passados, limitava-se à “descrição da Terra”, e só recentemente, no século XIX, tornou-se uma ciência, passando a ter um caráter analítico e interpretativo (ROBBS FILHO, 2007). 2 Escala de Análise: representa a unidade de tamanho na qual o fenômeno é analisado, isto é, mostra se a dimensão do fenômeno estudado é, por exemplo, local, regional ou global (ROBBS FILHO, 2007). 16 | Conceitos fundamentais Essas reflexões e construções acerca do objeto da Geografia Humana permitem-nos concentrar de maneira correta e precisa a determinação da categoria espacial e seus limites. Então, em síntese, os níveis de análise em Geografia criam e definem categorias, nas quais a compreensão necessariamente busca o auxílio nas relações das sociedades humanas com o meio geográfico. A análise em Geografia concentra-se em dois momentos distintos: um que procura valorizar as ações das sociedades humanas sobre os recursos que a natureza fornece e outro que ressalta os recursos da natureza em relação à sociedade3. Podem ser destacados alguns exemplos como os modos de vida, que procuram identificar os modelos diantedas grandes zonas naturais do planeta. Podemos citar ainda, a vida humana nas diferentes regiões climáticas do planeta, como a vida nas regiões temperadas ou áridas do globo, entre outras. A comparação de cada uma dessas zonas, com o seu contingente e potencial natural, condiciona um entendimento da biodiversidade geográfica acerca da história e do processo de transformação humana sobre a natureza e vice-versa. A progressiva transformação e dependência da sociedade através do tempo e do espaço, e pelos diferentes procedimentos pelos quais as sociedades têm transformado os recursos naturais, desde os mais elementares até os mais complexos recursos, tem justificado a leitura da valorização da sociedade sobre a natureza. Nesse sentido, analisamos a evolução dos grupos sociais e suas concentrações no globo, a distribuição dos homens e dos grupos sociais em função das condições da natureza e dos recursos inventados para sua exploração e transformação. Região A discussão e a reflexão frente ao local e ao global ganham um destaque e uma importância nas análises geográficas, de acordo com o processo de globalização. A homogeneização social e a fragmentação regional do espaço tornaram-se exemplos fundamentais para a compreensão dos espa- ços e modelos regionais e inter-regionais. A diversidade regional perpassa a cartografia, com as repre- sentações e expressões temáticas, nas pesquisas e nos estudos geográficos. Isso revela a valorização do espaço em termos da regionalização e acerca do conceito e definição da categoria de região. Para iniciarmos a definição de região, podemos buscar a associação do conceito com a simples localização de uma área. Podemos exemplificar isso com a localização de uma área qualquer de uma cidade, que inicialmente é identificada e informada como sendo uma região pertencente à cidade, como o caso das regiões das indústrias ou da região central dessa cidade. Para uma conceitualização mais formal e precisa, como é o caso da análise geográfica, se faz necessário uma distinção principalmente das especificidades espaciais de cada área, respeitando as individualidades e singularidades. Essa situação pode ser exemplificada em mapas oficiais, como os políticos e os geoeconômicos, que procuram representar a diversidade e qualidade de uma região, de um país ou de um continente. Então, nesse exemplo, a região pode instituir-se pela diferenciação dos interesses econômicos, desenvolvimento e processos históricos, que produzem a singularidade dos espaços regionais, segundo as diferentes práticas socioeconômicas e culturais. 3 Conjunto relativamente complexo de indivíduos de ambos os sexos e de todas as idades, permanentemente associados e equipados de padrões culturais comuns, próprios para garantir a continuidade do todo e a realização de seus ideais (ROBBS FILHO, 2007). 17|Conceitos fundamentais De acordo com Paulo César da Costa Gomes, podem-se chegar a três grandes conclusões acerca do conceito de região: primeiro que o avanço em torno do conceito permitiu, em grande parte, o surgi- mento das discussões políticas sobre a dinâmica do Estado4, a organização da cultura e o estatuto da diversidade espacial; em segundo que o conceito atingiu um debate que permitiu a incorporação da dimensão espacial nas discussões relativas à política, antes inexistente em análise, da cultura, da econo- mia, e no que se refere às noções de autonomia, soberania e direitos. Por fim, foi na ciência geográfica que as discussões atingiram maior importância, já que região é um conceito-chave da ciência geográfica, no que diz respeito à proposta de análise do espaço. Também é possível distinguir pelo menos três grandes domínios segundo Paulo César da Costa Gomes, no qual o conceito de região está presente: O sentido da “linguagem cotidiana do senso comum”, ela expressa localização e extensão :::: da ocorrência analisada. Percebe-se que os critérios de análise são os mais diversos, não há verdadeira precisão nos limites geográficos nem na escala espacial, que aparecem com uma enorme variação. O sentido administrativo, esse domínio da região é observado e analisado como uma unidade :::: administrativa. As diferentes divisões regionais servem para a base e para a definição de controle da administração dos estados ou organizações não governamentais, como instituições político-religiosas que procuram delimitar e hierarquizar suas funções administrativas. O sentido das “ciências em geral” no qual o emprego do conceito-chave de região associa-se :::: também a ideia de localização de determinados fenômenos. Nesse sentido o uso abriga a etimologia do conceito, pois o conceito de região é visto como “área sob certo domínio ou área definida por uma regularidade de propriedades que a definem”.5 Já para Roberto Lobato Corrêa, “a região pode ser definida como um conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses lugares são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento de outro conjunto de lugares” (CORRÊA, 1991, p. 32). Corrêa acrescenta que em seu reconhecimento e mensuração o conceito de região deve introduzir técnicas de estatísticas, o que pressupõe mais obje- tividade em torno da unidade de análise. Para ilustrar a categoria de análise, o mapa da região metropolitana de Porto Alegre, conforme representado na figura 1, mostra a área caracterizada por um processo de metropolização (crescimento desmesurado de uma cidade ou aglomeração, em relação ao sistema urbano a que pertence), eviden- ciando assim um crescimento das chamadas regiões metropolitanas. Na ilustração é possível também observar a diferenciação dos municípios que pertencem à chamada região metropolitana, com as devidas localizações dos limites municipais dentro de um conjunto maior delimitado pela região. 4 Estado: corresponde a um grupo de pessoas organizadas politicamente em torno de um poder soberano representado pelos governantes. O Estado é um país politicamente organizado. Para que ele exista são necessários um território, um povo e um governo (ROBBS FILHO, 2007). 5 (CUNHA, 2007). 18 | Conceitos fundamentais Mapa dos municípios da região metropolitana de Porto Alegre Te m át ic a Ca rt og ra fia . Viamão Porto Alegre Guaíba Eldorado do Sul Arroio dos Ratos São Jerônimo Charqueadas Triunfo Montenegro Capela de Santana Portão Estância Velha Ivoti Dois Irmãos Sapiranga Nova Hartz Parobé Taquara Glorinha Santo Antonio da PatrulhaGravataí Novo HamburgoSão Leopoldo Sapucaia do SulEsteio Nova Santa Rita Canoas Cachoeirinha Alvorada Lugar Para compreensão e leitura da categoria de lugar podem-se estruturar as seguintes considera- ções: o lugar aparece como um conceito balizador para análise da Geografia e tem sido alvo de algumas interpretações diante das mais diversas áreas do conhecimento. No campo filosófico, podemos definir que o lugar foi apresentado por Aristóteles na sua obra intitulada Física, na qual o lugar é explicado como o limite que circunda o corpo. O aprimoramento em torno do conceito surgiu séculos mais tarde por Descartes que definiu que, além do limite, deve-se levar em consideração a posição de um corpo em relação aos outros corpos. Para a Geografia, a categoria lugar representa um dos seus conceitos- -chave, apesar das diferentes e amplas reflexões já referenciadas nas mais diversas áreas do saber, acerca do seu significado e da sua definição. De acordo com os teóricos da Geografia é possível identificar dois significados principais, sendo esses considerados e relacionados aos distintos eixos epistemológicos. As diversas correntes do pensamento apresentam fundamentações filosóficas diferenciadas, mas buscam sempre reações contrárias ao positivismo vigente. Positivismo este fundamentado numa afirmação social das ciências experimentais e no pensamento que expõe a existência humana a valores estritamente humanos, afastando-se radicalmente da teologia, por exemplo. Definido também como um método queconsiste na observação dos fenômenos, subordinando a imaginação à observação. Área caracterizada pelo processo de metropolização. 19|Conceitos fundamentais A primeira corrente do pensamento está no campo da Geografia Humanística, que apresenta uma consolidação a partir do início da década de 1970. Esse campo caracteriza-se, sobretudo, pela valorização das relações da afetividade, desenvolvidas pelos indivíduos em relação ao seu ambiente. Para tanto, houve uma relação aos estudos da Filosofia do significado como a fenomenologia6, o existencialismo7, o idealismo8 e a hermenêutica9, que particularmente encontram na subjetividade humana explicações para suas atitudes diante do mundo. Nessa interpretação, o conceito de lugar é entendido como um produto da experiência humana, significando muito mais do que o simples sentido de localização geográfica, enfim, não corresponde a atributos e a informações de localização, e sim, a experiências e ao envolvimento com aquilo que está representada nas ações do mundo. Em suma, podemos dizer que o lugar é um centro de significados, construído pela experiência, e cristalizados por referenciais afetivos das nossas ações e das nossas vidas, marcando fortemente as sensações emotivas, transmitindo lembranças do lar, e sendo o resultado da somas das dimensões biológicas, políticas, culturais e emocionais. A segunda leitura pode ser entendida no campo da dialética marxista, que trata o lugar enquanto compreensão da expressão geográfica da singularidade caracterizado como descentrado, universalista, objetivo, sendo associado ao positivismo e/ou ao marxismo. Aborda uma visão na qual o lugar é considerado como produto de uma dinâmica que é única, ou no caso, resultante de características históricas e culturais inerente ao seu processo de formação. Sobre o conceito de lugar, podemos destacar que a categoria está participando e contribuindo nos estudos espaciais e vem recuperando sua importância científica, resgatando o estudo do espaço para a análise das necessidades e das desigualdades sociais e ambientais. Segundo Milton Santos, o espaço é indispensável para a compreensão da sociedade e fica cada vez mais evidente, no conjunto das ciências sociais, a importância fundamental que está em torno das categorias espaciais. Milton Santos acrescenta que o “lugar” é a categoria espacial que oferece as maiores possibilidades para a análise dos problemas decorrentes da interação entre o plano individual e o plano sistêmico. Quanto mais os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e específicos, isto é, “únicos”. Isso se deve à espe- cialização desenfreada dos elementos do espaço - homens, firmas, instituições, meio ambiente -, à dissociação sempre crescente dos processos e subprocessos necessários a uma maior acumulação de capital, à multiplicação das ações que fazem do espaço um campo de forças multidirecionais e multicomplexas, onde cada lugar é extremamente distinto do outro, mas também claramente ligado a todos os demais por um nexo único, dado pelas forças motrizes do modo de acumulação hegemonicamente universal. (SANTOS, 1997, p. 34) O autor ressalta ainda uma verdadeira necessidade de compreensão dos processos de produção e reprodução espacial, identificando as características essenciais a esses processos, diante do modo de viver das pessoas, que os absorvem, com diferentes velocidades de tempo. 6 Tem por objetivo valorizar a percepção. Em uma dada análise, deve abandonar as concepções prévias que se tem acerca de determinado lugar. Ao utilizar a subjetividade e abstração, é possível compreender o mundo (ROBBS FILHO, 2007). 7 Concepção segundo a qual o homem – ser único e isolado em universo hostil e indiferente – é responsável por suas próprias ações e livre para escolher seu destino (LUFT, 1999). 8 Modo de pensar e de agir baseado em certos ideais como princípios de ação. Aspiração e atitude dos que buscam em forma ideal, a perfeição. LUFT, C. P. Minidicionário Luft. São Paulo: Editora Àtica. (LUFT, 1999). 9 A arte de interpretar o sentido das palavras em leis, textos. (LUFT, 1999). 20 | Conceitos fundamentais Território O conceito de território não deve ser confundido com outras categorias nem com o espaço. Isso significa que os conceitos não apresentam equivalência. É muito importante compreender que o espaço é anterior ao território. Nesse caso, o território forma-se e configura-se a partir do espaço, sendo resultado de ações humanas. O território10 abrange um conjunto de relações entre atores, dominadas em diversas categorias, tais como Estado, nação11, mercado, circulação, trocas, hábitos, tradição etc. Milton Santos, na sua obra Por uma Geografia Nova, destaca as seguintes considerações sobre espaço e território: Um Estado-Nação é essencialmente formado por três elementos: 1. o território, 2. um povo; 3. a soberania. A utilização do território pelo povo cria o espaço. As relações entre o povo e seu espaço e as relações entre os diversos territórios nacionais são reguladas pela função da soberania. O território é imutável em seus limites, uma linha traçada de comum acordo ou pela força. Esse território não tem forçosamente a mesma extensão através da história de situações de ocupação efetiva por um povo – inclusive a situação atual – como resultado da ação de um povo, do trabalho de um povo, do trabalho realizado segundo as regras fundamentadas do modo de produção adotado e que o poder que, de resto, determina os tipos de relações entre as classes sociais e as formas de ocupação do território. Retomamos aqui o argumento desenvolvido antes. A ação das sociedades territoriais é condicionada no interior de um dado território por: a) o modo de produção dominante à escala do sistema internacional, sejam quais forem as combinações concretas: b) o sistema político, responsável pelas formas particulares de impacto do modo de produção; c) mas também pelos impactos dos modos de produção precedentes e dos momentos precedentes ao modo de produção atual. (SANTOS, 2002, p. 232-233) A contribuição de Claude Raffestin na sua obra Por uma Geografia do Poder, destaca e esclarece uma abordagem do território com caráter político. Compreende e estabelece o espaço como substrato, necessário e já existente antes do território. Nessa sua obra, fica evidente a ideia do território marcado pelo poder relacional, sendo assim uma categoria essencial para estabelecer uma análise sobre o mesmo. Poder esse, exemplificado por pessoas e grupos de forma intrínseca entre as relações sociais- -políticas-econômicas-culturais. Lembra ainda que o Estado organizado tem a função e poder de legitimar os limites e os recortes territoriais. Tais limites territoriais são o resultado de um certo tipo de “estabelecimento de limites” e, na maioria dos casos, essa definição de limites está condicionada à melhor forma de delimitar, ou ainda, a uma certa ação realizada por um movimento estratégico de projeto expansionista. Portanto, [...] são os processos sociais, o grau e modalidade do desenvolvimento das forças produtivas, o sistema político, a correlação das forças sociais e as teias de interesses mercantis e as mentalidades que dão sentidos e alcance a um determinado território” [...] então o “conceito de território não expressa o espaço geográfico nem é apenas expressão de um domínio geográfico de uma entidade estatal. (ESPINDOLA, H. S., 2007, p. 2) Uma breve leitura sobre as tendências e perspectivas atuais do território brasileiro indicam que ele está passando por inúmeras transformações, muitas irreversíveis. No sentido de uma nova forma e 10 É o local dos acontecimentos, das trocas de experiências de vida das pessoas com o meio. Nele estão presentes os elementos que definem a identidade nacional, como língua, religião, história comum, composição fenotípica. O território está sempre atrelado à ideia de poder, pois quando alguém se apossa de algum lugar, este se torna território e, então, passa a haver poder (ROBBS FILHO,2007). 11 Termo designativo para um conjunto de pessoas que possuem língua e tradições comuns. Nesse caso, tem o mesmo sentido de povo (ROBBS FILHO, 2007). 21|Conceitos fundamentais funcionalidade espacial, o contexto é internacional e fundamentado no rápido processo de globalização em conjunto ao desenvolvimento econômico e tecnológico. Historicamente, o território brasileiro foi considerado como um “espaço” desarticulado e sem integração nacional, processos políticos acentua- ram a ideia permanente e necessária de alteração desse quadro. A integração econômica e política do território nacional é fortemente inserida em modelos e estratégias de planos políticos, ocasionando um certo planejamento que visa consolidar, a priori, ações entre as regiões brasileiras e atender às necessidades de interesse, muitas vezes, não locais. As transformações e alterações do contexto urbano ficam evidentes no extremo processo da urbanização das médias e grandes cidades. Para exemplificar a tendência atual do território, podemos citar a movimentação e a transformação da fronteira agrícola. Os espaços que são marcados por um forte sentimento de ligação com a terra, por meio das raízes culturais, salientadas por intensas relações ecológicas e ambientais, modificam-se e acabam apresentando uma nova dinâmica territorial. Uma nova territorialização12 é exercida, por meio de um modelo associado a um interesse da agricultura comercial e exportadora, eliminando um conjunto político-ecológico presente naquele contexto local. O autor Rogério Haesbart (2004) analisa o território com diferentes enfoques e elabora uma classificação em que se verificam três vertentes básicas: 1) Jurídico-política, segundo a qual o território é visto como um espaço delimitado e controlado sobre o qual se exerce determinado poder, especialmente de caráter estatal. 2) Cultural(ista), que prioriza dimensões simbólicas e mais subjetivas, o território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita através do imaginário e/ou identidade social sobre o espaço. 3) Econômica, que destaca a desterritorialização em sua perspectiva material, como produto espacial do embate entre classes sociais e da relação capital-trabalho. Texto complementar 12 Territorialização: conceito explicativo da luta pela terra (MITIDIERO JUNIOR, 2007). Alguns importantes antecedentes (CASTRO; GOMES; CORREA, 1995, p. 50-52) A palavra região deriva do latim regere, palavra composta pelo radical reg, que deu origem a outras palavras como regente, regência, regra etc. Regione nos tempos do Império Romano era a denominação utilizada para designar áreas que, ainda que dispusessem de uma administração local, estavam subordinadas às regras hegemônicas das magistraturas sediadas em Roma. Alguns filósofos interpretam a emergência desse conceito como uma necessidade de um momento histórico em que, pela primeira vez, surge, de forma ampla, a relação entre a centralização do poder em um local e a extensão dele sobre uma área de grande diversidade social, cultural e espacial. A contribuir com essa interpretação existe também o fato de que outros conceitos de natureza espacial tenham sido enumerados nessa mesma época, como o conceito mesmo de espaço (spatium), visto como “contínuo” ou como intervalo, no qual estão dispostos os corpos seguindo uma certa ordem neste vazio, ou ainda o conceito de província (provincere), áreas atribuídas aos controles daqueles que a haviam submetido à ordem hegemônica romana. Dessa forma, os mapas que representam o Império Romano são 22 | Conceitos fundamentais preenchidos pela nomenclatura dessas regiões que representam a extensão espacial do poder central hegemônico, onde os governantes locais dispunham de alguma autonomia, em função mesmo da diversidade de situações sociais e culturais, mas deviam obediência e impostos à cidade de Roma. O esfacelamento do Império Romano seguiu, a princípio, essas linhas de fraturas regionais e a subdivisão dessas áreas foi a origem espacial do poder autônomo dos feudos, predominantes na Idade Média. À mesma época, a Igreja reforçou esse tipo de divisão do espaço, utilizando o tecido dessas unidades regionais como base para o estabelecimento de sua hierarquia administrativa. Também nesse caso a rede hierarquizada dos recortes espaciais exprimia a relação entre a centra- lização do poder, as várias competências e os níveis diversos de autonomia de cada unidade da complexa burocracia administrativa dessa instituição. O surgimento do estado moderno na Europa recolocou o problema dessas unidades espaciais regionais. Um dos discursos predominantes na afirmação da legitimidade do Estado no século XVIII é o da união regional face a um inimigo comercial, cultural ou militar exterior. Nos diversos relatos históricos referentes à constituição dos Estados europeus, podemos observar com clareza a complexidade das negociações e dos conflitos que envolvem a redefinição da autonomia do poder, da cultura, das atividades produtivas e de seus limites territoriais. Fundamentalmente, a questão que se recoloca é a mesma que deu origem ao conceito de região na Antiguidade Clássica, ou seja, a questão da relação entre a centralização, a uniformização administrativa e a diversidade espacial, física, cultural, econômica e política, sobre a qual esse poder centralizado deve ser exercido. Esse período da formação dos Estados Modernos assistiu, pois, ao renascimento das discussões em torno dos conceitos de região, nação, comunidade territoriais, diferenças espaciais etc. Foi também nesse momento que um campo disciplinar especificamente geográfico começou a tomar forma, aí incluído exatamente este tipo de questão e de conceitos. Por meio dessa reconstituição histórica podemos perceber três principais consequências: a primeira é que o conceito de região tem implicações fundadoras no campo da discussão política, da dinâmica do Estado, da Organização da cultura e do estatuto da diversidade espacial; percebemos também que esse debate sobre região (ou sobre seus correlatos como nação), possui um inequívoco componente espacial, ou seja, vemos que o viés na discussão desses temas, da política, da cultura, das atividades econômicas, está relacionado especificamente às projeções no espaço das noções de autonomia, soberania, direito etc., e de suas representações; finalmente, em terceiro lugar, percebemos que a geografia foi o campo privilegiado dessas discussões ao abrigar a região como um dos seus conceitos-chave e tomar a si a tarefa de produzir uma reflexão sistemática sobre esse tema. Atividades 1. Qual o exemplo que podemos citar para relacionar as influências do mundo contemporâneo nas relações da sociedade sobre a natureza? 23|Conceitos fundamentais 2. O que mostra a figura 1, apresentada na aula? 3. Cite alguma contribuição de Milton Santos acerca da categoria de lugar para análise da Geografia. Gabarito 1. O domínio da sociedade no âmbito dos transportes e na velocidade das informações, em um mundo global regido por uma razão altamente tecnológica. 2. Mostra o mapa da região metropolitana de Porto Alegre, um mapa político onde é possível observar a diferenciação dos municípios que pertencem à chamada Região Metropolitana, com as devidas localizações dos limites municipais dentro de um conjunto maior delimitado. 3. Que a categoria é indispensável para a compreensão da sociedade; que oferece as maiores possibilidades para a análise dos problemas decorrentes da interação entre o plano individual e o plano sistêmico; a categoria apresenta uma referência acerca da compreensão dos processos de produção e reprodução espacial, identificando as características essenciais. 24 | Conceitos fundamentais Geografia Cultural Introdução à Geografia Cultural A primeira noção de Geografia Cultural pode ser introduzida a partir do entendimento e conceituação em torno do termo. A Geografia Cultural é uma ramificação da Geografia e pode ser caracterizada pelo estudoe pela compreensão da distribuição espacial das manifestações culturais. Podemos citar alguns exemplos, como as manifestações das religiões, as crenças, os rituais, as artes, as formas de trabalho. Em conjunto a essa primeira definição, podemos agregar que a Geografia Cultural também é aquela que considera os sentimentos e as ideias de um grupo social ou povo sobre o espaço geográfico a partir da experiência e momentos já vivenciados. A Geografia Cultural, como todas as subdivisões da Geografia, deve estar “ligada à Terra”. Os aspectos da Terra, em particular aqueles produzidos ou modificados pela ação humana, são de grande significado. O estudo desses aspectos geográficos resultantes da ação do homem considera as diferenças entre as comunidades humanas que as criam ou criaram e se referem aos modos especiais de vida de cada uma como culturas. A Geografia Cultural compara a distribuição variável das áreas culturais com a distribuição de outros aspectos da superfície da Terra, visando identificar aspectos ambientais característicos de uma determinada cultura e, se possível, descobrir que papel a ação humana desempenha ou desempenhou na criação e manutenção de determinados aspectos geográficos. (WAGNER ; MIKESELL, 2003, p. 27-28) A partir do século XX, essa área do conhecimento e abordagem de estudo espacial na ciência geográfica, vem trabalhando determinados temas, tais como: gêneros de vida, paisagem cultural, áreas culturais, história da cultura no espaço e ecologia cultural. A realização de trabalhos nessa área do conhecimento, por profissionais da Geografia foi extensa e importante, colocando marcos fundamentais em diferentes metodologias e tornando os estudos excelentes referenciais teóricos, sendo ressaltados e utilizados no desenvolvimento desse campo de estudo da Geografia. Como exemplo, temos a produção da Escola de Berkeley, na qual o pesquisador Carl Sauer tornou-se nome fundamental nos estudos culturais. As razões da incorporação tardia da Geografia Cultural entre os geógrafos brasileiros são várias. Entre elas estão a força da tradição empiricista, profundamente presa a uma pretensa leitura objetiva da realidade, e, a partir do final da década de 1970, da perspectiva crítica, calcada em um materialismo histórico mal assimilado. A cultura foi, ou negligen- ciada, ou entendida segundo o senso comum, passando a ser vista como sendo dotada de poder explicativo. (CORRÊA; ROSENDAHL, 2003, p. 9) 26 | Geografia Cultural Algumas mudanças na Geografia Cultural ocorreram a partir da segunda metade dos anos 1970, entre essas, as mais significativas estiveram preocupadas em ampliar e inserir novos referenciais teórico- -metodológicos, como a vida cotidiana, a linguagem e religião, as formas de expressão, dos significados comuns de grupos sociais, enfim uma abordagem própria dos estudos da Geografia Cultural, permitindo assim ampliar as possibilidades de análise e investigação em torno do objeto de estudo. As releituras da Geografia Cultural incorporaram e agregaram novos valores e discussões aos temas mais tradicionais da Geografia, abrindo assim uma área cada vez mais presente nas análises e estudos geográficos. Para Paul Claval, o principal objetivo dos estudos da Geografia Cultural, ou da abordagem cultural nas ciências geográficas é entender a experiência dos homens (sociedade) no meio (social/ ambiental), além de incorporar os significados e compreender tais estudos no meio e relacionar o nosso conhecimento e as nossas vidas. Claval lista as principais mudanças de ordem epistemológica e teórica da Geografia Cultural, sendo mudanças significativas na base da epistemologia científica. A base epis- temológica pode ser entendida como o alicerce do conhecimento filosófico, que engloba uma reflexão geral da natureza e os limites do conhecimento. A epistemologia enfoca sua análise entre o sujeito e o objeto, apresentando os postulados e as conclusões dos métodos científicos, traçando seu caminho científico, sua história e evolução. O mesmo autor descreve ainda os novos rumos das relações homens/ meio ambiente, enfocam as relações sociais e os problemas morais do mundo contemporâneo. Uma possível definição dessa “nova” Geografia Cultural seria: contemporânea e histórica (mas sempre contextualizada e apoiada na teoria); social e espacial (mas não reduzida a aspectos da paisagem definidos de forma restrita); urbana e rural; atenta à natureza contingente da cultura, às ideologias dominantes e às formas de resistência. Para essa “nova” geografia a cultura não é uma categoria residual, mas o meio pelo qual a mudança social é experienciada, contestada e constituída. Para desenvolver essa questão de forma mais detalhada, será necessário retornar às raízes americanas da Geografia Cultural contemporânea. (CASGROVE ; JACKSON, 2003, p. 136) Temas da Geografia Cultural Os geógrafos Wagner e Mikesell abordam vários temas da Geografia Cultural, entre os quais se destacam: cultura, área cultural, paisagem cultural, história da cultura, ecologia cultural e o geógrafo cultural. Tais temas marcam de forma sintética a conexão e a compreensão dos estudos da Geografia Cultural e constituem a aplicação e apresentação do núcleo desse conhecimento. A Cultura, segundo os autores citados, representa as atividades de entendimento de um grupo, considerada também um conjunto de símbolos usados nessas atividades de comunicação e entendi- mentos. O entendimento entre as pessoas do grupo acontece pela similaridade dos pensamentos, pelas simbologias usadas e ações atribuídas a valores e qualidades. Podemos afirmar que a cultura é interna- mente produzida em uma base geográfica, sendo que a base geográfica também é algo do reconheci- mento cultural e, por sua vez, um resultado da própria produção cultural. Em outras palavras, o conceito de cultura oferece um meio para classificar os seres humanos em grupos bem definidos, de acordo com características comuns verificáveis, e também um meio para classificar áreas de acordo com as características dos grupos humanos que as ocupam. (WAGNER ; MIKESELL, 2003, p. 28) 27|Geografia Cultural Para Wagner e Mikesell, a área cultural pode ser entendida como o limite da cultura, ou seja, é a área que mantém as atividades e os atributos de uma determinada cultura1. Podemos verificar alguns conjuntos espaciais da cultura, como os pontos centrais da cultura, as linhas em que ocorre a transmissão ou a transferência da abrangência cultural, as áreas que representam a abrangência geográfica de determinados tipos ou elementos de cultura. Uma área cultural pode definir uma determinada região ou um determinado território associando a relação do homem com o meio, suas condições com os recursos humanos e naturais, a qualidade das relações entre sociedade e natureza. Dada a dependência da homogeneidade cultural face à comunicação imediata e à dependência da comunicação, face à contiguidade geográfica ou substitutos técnicos para isso, a “área cultural” implica uma uniformidade relativa em vez de absoluta. A similaridade cultural relativa aparece em diferentes graus, desde identidade virtual de atitudes e aptidões num pequeno território, até semelhanças gerais ou ampla disseminação de características individuais ou elementos da cultura em grandes áreas. (WAGNER ; MIKESELL, 2003, p. 32) A paisagem cultural é o resultado concreto e visível de um grupo cultural que, por sua vez, produz marcas no espaço geográfico através do tempo. A paisagem cultural segundo os autores Wagner e Mikesell, refere-se ao conteúdo geográfico de uma determinada área ou a um complexo geográfico de certo tipo, no qual são manifestadas as escolhas feitas e as mudanças realizadas pelo homem enquanto membro de uma comunidade cultural2. Outro tema da Geografia Cultural é a composição da história da cultura, na qual se apresentam a evolução dos “modos de vida” no transcorrer do tempo, com o desenvolvimento tecnológico e dos diferentes grupos sociais estruturadosem diferentes períodos. Para exemplificar esse tema da Geografia Cultural, podemos citar o conhecimento e a evolução na produção de artefatos, que são registrados nos estudos arqueológicos. A ecologia cultural é o resultado do trabalho de entendimento da produção de uma cultura, da sua área cultural e da sua paisagem cultural, o que ultrapassa a análise simples sobre os atores culturais e suas ações. As ações dos diferentes atores culturais, inseridos em uma cultura e num campo de rela- ções específicas de um “modo de vida”, produzem sucessivos eventos históricos que promovem a quali- dade da cultura em distintos tempos. De fato a importância deve-se à análise da relação entre todos os elementos do sistema cultural e seus determinantes históricos, como as práticas culturais que se dão num determinado ambiente. O geógrafo cultural, conforme Wagner e Mikesell, pode ser entendido da seguinte forma: [...] para os geógrafos culturais, qualquer sinal de ação humana numa paisagem implica uma cultura, demanda uma história e exige uma interpretação ecológica; a história de seu povo evoca sua fixação na paisagem, seus problemas ecológicos e concomitantes culturais, e o reconhecimento da cultura exige a descoberta de traços que a mesma deixou na superfície da terra. (WAGNER, P. L.; MIKESELL, 2003. p. 50) 1 WAGNER, P. L.; MIKESELL. Os temas da Geografia Cultural. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 32. 2 WAGNER, P. L.; MIKESELL. Os temas da Geografia Cultural. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 36. 28 | Geografia Cultural A noção de gênero de vida A noção de gênero de vida marca uma corrente do pensamento geográfico chamada de possi- bilismo, a qual percebe o papel das atividades, das técnicas e da cultura humana na alteração do meio natural. O desenvolvimento da cultura e dos costumes é visto como consequências do meio natural, do tipo de clima, do tipo de relevo, do potencial hídrico. Para exemplificar a corrente do pensamento geográfico ligado ao possibilismo, podemos citar Paul Vidal de la Blache que estabeleceu um rompimento com o pensamento dominante da segunda metade do século XIX, apresentando um estudo da força da relação da natureza e suas influências sobre o homem. Indicou também que o homem apresentava possibilidades reais e concretas de modificá-las e alterá-las. Neste processo, de trocas mútuas com a natureza, o homem transforma a matéria natural, cria formas sobre a superfície terrestre: para Vidal, é aí que começa a “obra geográfica do homem”. Assim, na perspectiva vidalina, a natureza passou a ser vista como possibilidades para a ação humana; daí o nome de Possibilismo, [...] Vidal denominou “gênero de vida”, o qual exprimiria uma relação entre a população e os recursos, uma situação de equilíbrio, construída historicamente pelas sociedades. A diversidade dos meios explicaria a diversidade dos gêneros de vida. (MORAIS, 1993, p. 68-69) Esse conceito desenvolve o pensamento de que o homem, em suas inúmeras atividades de sobrevivência, necessita se relacionar em grupo, criando a possibilidade de conhecer o ambiente natural em que vive, sentindo sua dificuldade na transformação da natureza. Estabelece também um conjunto de técnicas que facilitam o trabalho e que possibilitam melhor conforto e adequada produção científica. O processo de desenvolvimento do conhecimento e o aprimoramento das técnicas de manipulação e criação de ferramentas foram capazes de transformar a natureza, permitindo o surgimento de rituais específicos que mantiveram o sentido de explicação e entendimento sobre os processos que eram observados em seu meio. Aos poucos foram surgindo e acumulando-se no tempo e no espaço determinadas crenças, rituais, danças e figuras divinas que asseguravam a explicação sobre os fenômenos naturais e humanos. Surgiram assim os gêneros de vida, que de acordo com Max Sorre “é o conjunto de técnicas e rituais de uma comunidade em envolvimento com as dificuldades de seu meio físico” (SORRE, 2002). De acordo com Max Sorre, existem elementos formadores dos gêneros de vida: primeiro, os cria- dores ou organizadores que são as técnicas fundamentais; segundo, os fixadores que definem o tipo de habitat, estrutura agrária; terceiro, os antagônicos (limitadores) que reúnem as prescrições religiosas que atrapalham a evolução econômica; e por fim, os relictuais que são os adornos, os cânticos, os ritos funerários, por exemplo. Os gêneros de vida existem justamente por sua permanência e estabilidade no tempo. Por outro lado, eles não são estáticos e podem evoluir. A evolução dos gêneros de vida apresenta- -se pelo acúmulo do saber técnico e pelo máximo dinamismo das atividades econômicas. Geografia Cultural: reflexos da globalização Para ampliar a discussão acerca dessa temática devemos lembrar alguns efeitos e algumas consequências diante do contexto da globalização nos dias de hoje. Sem dúvida já é comum o termo de “comunidade global”, “aldeia global”, ou simplesmente “mundo globalizado”. Talvez esses termos provo- quem uma interpretação rápida e direta, no que se refere à velocidade da informação ou movimentação e transporte de pessoas e recursos, ou seja, em qualquer parte do planeta é possível ter ligação do global como o local, seja por comunicação ou por relações de ordem econômica, por exemplo. 29|Geografia Cultural A globalização derruba fronteiras e aproxima limites; tais premissas são colocadas de forma exagerada na nossa sociedade. Grande parte dos processos relacionados à globalização, como modelos de consumo e adaptação a tecnologias traz certa padronização cultural, ocorrendo efeitos negativos na cultura local e regional de determinadas áreas culturais, pois permite a redução de práticas e rituais presentes na diversidade cultural do planeta. A fixação de novos espaços econômicos mundiais facilita a integração cultural entre os povos e as comunidades. Por outro lado, carrega um sentido de desenvolvimento, muitas vezes não desejado para certas comunidades locais. O agravamento dessa situação amplia-se significativamente na dependência de um domínio global. Citamos as dependências do sistema financeiro nas relações internacionais de grupos privados. Fica claro que os efeitos e as consequências sobre a cultura de muitos países e regiões ficam comprometidos, salientando as diferenças e exclusões sociais e alterando as relações fundamentais do cotidiano das pessoas. Outra análise das reflexões da globalização sobre a cultura diz respeito ao conformismo e à adaptação rápida das pessoas em torno da qualidade e quantidade de exigências sociais, que traduzidas, significam uma competitividade e uma irresponsabilidade ambiental, sob a ótica econômica e política. Nesse contexto, também podemos falar das relações do trabalho que aprofundam as dependências globais para atender a um padrão internacional de consumo crescente de muitos países. As adaptações e os conformismos da nossa sociedade encontram-se ligados à globalização da economia, que por intermédio da forte industrialização de produtos ou pela utilização de determinados serviços em escala mundial, trazem consequências negativas e perversas para a população. Podemos citar o consumo de alimentos industrializados na escala global, que contribui para alterações na dinâmica de consumo em comunidades menores, constituindo uma mudança cultural e no padrão de alimentação das pessoas. A consequência dessa mudança é o consumo de um valor energético diferenciado para aquelas pessoas, até então desconhecido ou não utilizado, sendo resultado de uma intensa divulgação de mídia e incorporação de novos valores na sociedade. Esse exemplo classifica um rompimento em “hábitos” e “modos de vida” estabelecidos por um longo tempo no cotidiano de certas comunidades, interferindo e/ ou modificando relações culturais e sociais presentes. Textocomplementar (MORAES, 1981) O principal livro de Ratzel, publicado em 1882, denomina-se Antropogeografia – fundamentos da aplicação da Geografia à História; pode-se dizer que essa obra funda a Geografia Humana. Nela, Ratzel definiu o objeto geográfico como o estudo da influência que as condições naturais exercem sobre a humanidade. Essas influências atuariam, primeiro na fisiologia (somatismo) e na psicologia (caráter) dos indivíduos, e, através destes, na sociedade. Em segundo lugar, a natureza influenciaria a própria constituição social, pela riqueza que propicia, através dos recursos do meio em que está localizada a sociedade. A natureza também atuaria na possibilidade de expansão de um povo, obstaculizando-a ou acelerando-a. E ainda nas possibilidades de contato com outros povos, gerando 30 | Geografia Cultural assim o isolamento e a mestiçagem. Ratzel realizou extensa revisão bibliográfica, sobre o tema das influências da natureza sobre o homem, e concluiu criticando as duas posições mais correntes: a que nega tal influência, e a que visa estabelecê-la de imediato. Diz ele que essas influências vão se exercer mediatizadas, por meio das condições econômicas e sociais. Para ele, a sociedade é um organismo que mantém relações duráveis com o solo, manifestas, por exemplo, nas necessidades de moradia e alimentação. O homem precisaria utilizar os recursos da natureza, para conquistar sua liberdade, que, em suas palavras, “é um dom conquistado a duras penas”. O progresso significaria um maior uso dos recursos do meio, logo, uma relação mais íntima com a natureza. Quanto maior o vínculo com o solo, maior seria para a sociedade a necessidade de manter sua posse. É por essa razão que a sociedade cria o Estado, nas palavras de Ratzel: “Quando a sociedade se organiza para defender o território, transforma-se em Estado”. A análise das relações entre o Estado e o espaço foi um dos pontos privilegiados da Antropogeografia. Para Ratzel, o território representa as condições de trabalho e existência de uma sociedade. A perda de território seria a maior prova de decadência de uma sociedade. Por outro lado, o progresso implicaria a necessidade de aumentar o território, logo, de conquistar novas áreas. Justificando essas colocações, Ratzel elabora o conceito de “espaço vital”; este representaria uma proporção de equilíbrio, entre a população de uma dada sociedade e os recursos disponíveis para suprir suas necessidades, definindo assim suas potencialidades de progredir e suas premências territoriais. E fácil observar a íntima vinculação entre essas formulações de Ratzel, sua época e o projeto imperial alemão. Essa ligação se expressa na justificativa do expansionismo como algo natural e inevitável, numa sociedade que progride, gerando uma teoria que legitima o imperialismo bismarckiano. Também sua visão do Estado como um protetor acima da sociedade, vem no sentido de legitimar o Estado prussiano, onipresente e militarizado. A Geografia proposta por Ratzel privilegiou o elemento humano e abriu várias frentes de estudo, valorizando questões referentes à História e ao espaço, como: a formação dos territórios, a difusão dos homens no globo (migrações, colonizações etc.), a distribuição dos povos e das raças na superfície terrestre, o isolamento e suas consequências, além de estudos monográficos das áreas habitadas. Tudo tendo em vista o objeto central que seria o estudo das influências, que as condições naturais exercem sobre a evolução das sociedades. Em termos de método, a obra de Ratzel não realizou grandes avanços. Manteve a ideia da Geografia como ciência empírica, cujos procedimentos de análise seriam a observação e a descrição. Porém, proponha ir além da descrição, buscar a síntese das influências na escala planetária, ou, em suas palavras, “ver o lugar como objeto em si, e como elemento de uma cadeia”. De resto, Ratzel manteve a visão naturalista: reduziu o homem a um animal, ao não diferenciar as suas qualidades específicas; assim, propunha o método geográfico como análogo ao das demais ciências da natureza; e concebia a causalidade dos fenômenos humanos como idêntica a dos naturais. Daí, o mecanicismo de suas afirmações. Ratzel, ao propor uma Geografia do Homem, entendeu-a como uma ciência natural. 31|Geografia Cultural Atividades 1. O que significa gênero de vida? 2. Qual a definição do objeto da Geografia segundo Ratzel? 3. Como podemos definir área cultural? Gabarito 1. É o conjunto de técnicas e costumes, associado ao passado social. O termo exprime também uma relação entre a população e os recursos existentes, ideia e situação de equilíbrio, construída historicamente pelas sociedades humanas. 2. O estudo da influência das condições naturais exercidas sobre a humanidade. 3. É o limite da cultura, é a área onde se mantém as atividades e os atributos de uma cultura. 32 | Geografia Cultural Geografia Política Introdução à Geografia Política A Geografia Política, no contexto dos estudos contemporâneos, está marcada pela velocidade das informações globalizadas, apresenta-se como um campo1 do conhecimento capaz de reconhecer as relações fundamentais da política e das relações do território sobre a sociedade. O mundo hoje se insere em conflitos de diferentes escalas, como as regionais e as mundiais, ocasionando interferências e conflitos de ordem econômica, política, ambiental e social. As ocorrências desses eventos têm refletido na população mundial, como nas situações de controle de circulação de pessoas e produtos/tecnologia, nas políticas externas e internas dos países, nas medidas de segurança etc. Para analisar esse quadro atual e significante, a Geografia Política e a Geopolítica devem inserir-se num contexto histórico e a partir de referenciais teóricos do território, do poder e da política. Outra necessidade notável é a conceituação e determinação dos termos da Geografia Política e da Geopolítica, ao passo que existe uma certa confusão nos seus empregos e nos seus usos teórico-práticos. A Geografia Política2 é um campo de estudo da Geografia, considerado como uma área de estudo fundamental e imensamente importante. O objeto de estudo da Geografia Política, num primeiro momento, é visto de forma simplificada, carregado de descrições das fronteiras3 e dos limites dos países, relatando suas capitais e suas correlações espaciais. Mas a Geografia Política no contexto moderno abrange a ideia dos estudos das bases territoriais, sob a ótica das relações humanas e políticas. Os estudos da Geografia Política buscam agregar informações das bases territoriais, num conjunto do desenvolvimento histórico de ocupação e formação. Para exemplificar esse desenvolvimento, podemos citar o caso do Estado de Israel, que foi criado no ano de 1948, por meio de um projeto da Organização das Nações Unidas (ONU). A figura a seguir representa o estado de Israel, no contexto da configuração de 1948. 1 Conjunto estruturado de noções que indicam a área de ação ou de extensão de um fenômeno ou de um processo que caracteriza uma área do conhecimento (CASTRO, 2006). 2 Geografia Política: Expressão muito empregada no passado (nos séculos XVI, XVII e XVIII), a acepção do termo mudou por intermédio de Ratzel, no final do século XIX. Atualmente, ao falar em Geografia Política, estamos nos referindo ao estudo geográfico ou espacial da política e ao estudo das relações entre espaço e poder (ROBBS FILHO, 2007). 3 Parte externa de um país, província ou região; limite; confins (LUFT, 1999). 34 | Geografia Política Te m át ic a Ca rt og ra fia . EGITO ISRAEL JORDÂNIA SÍRIA LÍBANO Galileia CISJORDÂNIA Jerusalém Negrev Golan LLAC TIBERIADES M A R M O RT O PE N ÍN SU LA D O S IN A I G AZ A Territórios ocupados por Israel durante 1967. Na figura a seguir estão as diferentes áreas ocupadas (Cisjordânia, Península do Sinai, Colinas de Golan e Faixa de Gaza) por Israel na região da Palestina em 1967, pela chamada Guerra dos
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