Buscar

Elizabeth Elliott - Remmington 1 - O Senhor da Guerra

Prévia do material em texto

EElliizzaabbeetthh EElllliiootttt 
 OO SSeennhhoorr ddaa GGuueerrrraa 
RReemmmmiinnggttoonn 11 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tradução/Pesquisa: GRH 
Revisão Inicial: Kelly/Cléria 
Revisão Final: Célia /Ana Paula G. 
Formatação: Ana Paula G. 
 
 
 
 
 
 
2 
 
RReessuummoo 
Bela e inocente... 
Lady Tess desejava trazer novamente a paz ao seu amado Castelo de Remmington - 
mas ela nunca pensou que o preço a pagar seria o casamento com guerreiro mais 
famoso de toda a Inglaterra. 
 
Feroz e destemido, Kenric de Montague nunca admitiu a derrota, e agora exigia a 
lealdade de Tess - e sua entrega total. Mas como ela poderia dar-se a um homem que 
se comprometeu a mantê-la segura, mas fez aflorar suas paixões mais perigosas? 
Marcado pela guerra e pelo segredo de seu nascimento, Kenric de Montague não 
pensava em se unir a nenhuma mulher... até que pôs os olhos em Tess de Remmington. 
A bela mulher prometeu ser sua noiva. 
No entanto, mesmo quando ele cedeu a sua sede de possuí-la, prometeu a si mesmo 
que Tess jamais domaria seu coração selvagem. Mas quando uma trama traiçoeira 
ameaça separá-los, Kenric encontra-se embainhando a espada - e arriscando sua vida - 
para salvar a única mulher capaz de capturar sua alma... 
 
CCoommeennttáárriioo ddaa RReevviissoorraa KKeellllyy 
Livro lindo, com uma história linda, com um casal de mocinhos maravilhosos e com 
tudo o que um bom espadão tem que ter:amor,aventura e momentos bem hot. 
 
CCoommeennttáárriioo ddaa rreevviissoorraa CClléérriiaa JJaanniiccee 
A história é muito bonita e o casal de mocinhos nos propicia um rol de diferentes 
tipos de sentimentos. Em alguns momentos são encantadores e em outros se 
transformam em turrões e obstinados. Do inicio ao fim temos amor, desventura, aventura 
e momentos calientes, bem hots. 
Foi um prazer revisar “O Senhor da Guerra” e acredito que terão um prazer, maior 
ainda, ao desvendar o emaranhado de sentimentos e ações que culminam com o 
inebriante final. 
 
 
 
 
 
 
3 
 
CCoommeennttáárriioo ddaa RReevviissoorraa AAnnaa PPaauullaa GG 
Este foi um dos PRIMEIROS livros que li em tradução mecânica quando descobri os 
grupos e nunca mais esqueci. Eu acho esta história linda!!!! 
Sabe aqueles livros que a gente sonha acordada??Pois então, é este! 
A mocinha é uma beldade, curandeira, tem visões do futuro...aliás, uma destas 
‘visões’ a Tess tem logo no começo do livro,quando está doente e começa a delirar 
conversando com o nosso herói...ele, claro,não entende nada...nem eu vou contar pra 
vocês.Somente vou dar a dica que no final do livro vocês vão entender! 
O Kenric é um dos barões mais temidos da Inglaterra.O homem é o cão chupando 
manga...huahha...Pelo menos, ele se considera assim. Tem uma imensa cicatriz no rosto 
e inúmeras pelo corpo(se bem que,pela descrição da autora, com todo aquele imenso 
playground...quem ia olhar para algumas cicatrizes,ne??haua).Além disso, é o filho 
bastardo do rei inglês, criado por um padrasto que se ressentiu a vida toda e descontou 
nele o fato de ter tido que se casar com a amante grávida do monarca.Diferente dos 
mocinhos que estamos acostumadas a ler nos livros, o Kenric não é um 
conquistador...pelo contrário: as mulheres se apavoram com a aparência e a fama 
dele.Só para vocês terem uma ideia ele é conhecido como o Açougueiro de Gales(mas, 
calma...nem tudo é o que parece!). 
Quando a Tess e o Kenric se encontram, ela está fugindo do noivo, um homem 
interessado apenas nas terras que ela herdou do pai.Para protegê-la eles se casam. 
Bom, a história é quase uma versão romanceada de A Bela e a Fera...Tess morre 
de medo do homem no inicio e depois...sabe o famoso T???Pois é, bate na 
mocinha..huahahha..e claro que o Kenric desconfia de uma mulher tão linda 
apaixonada por ele...ele desconfiou de tudo e todos a vida toda e a Tess tem atitudes 
que a gente até compreende pela lealdade dela a seu povo, mas o mocinho não... 
Bom, gente, antes que conte o livro todo, somente vou dizer que é uma história 
que merece ser lida! Romântica e até certo ponto, quase inocente, como não leio há 
muito tempo, com aventura, momentos de amor lindos mesmo e trechos engraçados 
também!Como disse, é romance MESMO com R maiúsculo! Recomendadíssimo!!! 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
Prólogo 
Terra Santa, 1278 
Restava pouquíssimo da antiga cidade. A obra de incontáveis gerações ficou reduzida a escombros 
em uma batalha que durou pouco mais de três dias. Os esqueletos das muralhas e edifícios que tinham 
estado em pé desde os tempos de Cristo se elevavam como uma sombra de sua glória passada, 
desenhados contra o céu do amanhecer no deserto. Os rescaldos liberavam finas colunas de fumaça que 
serpenteavam até unir-se ao nebuloso manto que cobria a cidade como um sudário. 
Um cavalheiro solitário cavalgou através do que restava de um arco, passando por cima das portas 
em pedaços que tinham fechado o passo aos inimigos durante aproximadamente mil anos. Dispersa entre 
as pedras caídas e as vigas queimadas, estavam às pessoas que viveram ali. Seus cadáveres davam o mudo 
testemunho da feroz luta que tinha sido travada na cidade no dia anterior. 
Com as imagens e sons da batalha ainda frescos na memória, o cavalheiro não parecia afetado pela 
visão dos corpos retalhados que o rodeava. Seu corcel ia escolhendo cuidadosamente o caminho através 
dos escombros, atento ao lugar onde pisava com a cabeça inclinada pelo esgotamento. O sombrio rosto de 
Kenric de Montague permanecia inexpressivo. O cavalheiro se sentia tão pouco comovido por aquelas 
mortes como pelas muitas outras presenciadas ao longo dos três anos que em que passara de Cruzada em 
Cruzada na Terra Santa. 
A população De’Abar tinha se negado a render-se e a cidade permaneceu sitiada até não restar 
nada de suas muralhas, nem um só edifício inteiro que pudesse prover alguma proteção. Todos morreram. 
Sucessos idênticos se repetiram muitas vezes com o passar dos anos, para que Kenric sentisse algo mais 
que não fosse o cansaço até os ossos que se seguia a uma longa batalha. 
 Assim como seu cavalo, a armadura de Kenric estava coberta de uma casca de cinza, de suor, e o 
couro estava rígido pelo sangue seco. Outra túnica arruinada pensou, distraidamente, baixando os olhos à 
vestimenta que uma vez foi branca com a cruz escarlate no peito. Só as costuras que delineavam a cruz 
diferenciavam o emblema sagrado do resto do tecido rasgado. Por sorte, naquela ocasião o sangue não era 
o dele. Com um irritado suspiro, conduziu o cavalo para que seguisse adiante quando este, fatigado, 
deteve-se. 
O que viu primeiro foi o escudo, três leões dourados sobre um campo vermelho aceso. Estava 
abandonado frente às ruínas do que poderia ter sido o lar de um próspero comerciante. O corpo, 
semidesnudo, de uma mulher estava junto ao escudo. O guerreiro que Kenric estava procurando, se 
 
 
 
 
 
5 
 
achava de barriga para baixo, a menos de um passo da mulher, coberto quase por completo pelo cadáver 
de um moço árabe. 
Kenric examinou a cena com a lógica fria de alguém que já não se via impressionado pelas 
atrocidades da guerra. O menino provavelmente era o filho ou o irmão da mulher. Ao que parecia, tinha-a 
salvado do primeiro assaltante, mas outros terminaram o que o primeiro começou. 
Kenric desmontou e empurrou o corpo do cavalheiro, com a ponta de sua bota, fazendo rolar o 
cadáver até que ficou de costas. Colocou a mão sob a cota de malha do guerreiro e arrancou uma corrente 
de ouro com um puxão. Depois tirou um anel da mão do morto e guardou os objetos juntos sob sua 
armadura, antes de voltar a montar e dirigir seu cavalo para os subúrbios da cidade. 
 Normalmente Kenric não se incomodaria por tais bagatelas, mas o rei Edward veria com desagrado 
que o anel de selo de seu sobrinho, ou seu crucifixo caísse em mãos dos infiéis. Os pertences também 
provariam ao rei que seu familiarmorrerá na batalha, em vez de em uma morte inglória, sob alguma das 
muitas torturas imposta aos cristãos por seus captores árabes. Sabia que os trovadores comporiam versos 
desolados sobre o jovem, repletos de glória e feitos valorosos, sem mencionar que tinha morrido tentando 
violar a uma mulher. Kenric duvidava que os poemas que falassem dele fossem tão generosos se caísse em 
batalha. Não haveria muitas baladas sobre Kenric de Montague e, nenhuma delas poderia dizer-se que 
fosse elogiosa. 
Um dos cavalheiros do pequeno grupo que se reuniu nos subúrbios da cidade, assinalou para Kenric 
quando emergiu das ruínas. Os homens se voltaram em uníssono para vê-lo aproximar-se de seu líder, 
tentando adivinhar seu estado de espírito enquanto cavalgava para eles da cidade. Com certeza, o rei, se 
sentiria triste pela morte de seu sobrinho favorito, mas Kenric não tinha mostrado mais preocupação por 
sua morte que pela de um simples peão de tropa. Alguns se perguntavam o que era necessário para que 
alguma emoção cruzasse o semblante do cruzado. 
Um jovem escudeiro se apressou a conter o cavalo de Kenric e, quando este desmontou, um 
cavalheiro chamado Roger FitzAllan se afastou do grupo para saudá-lo. Um jovem sacerdote o imitou e 
também tentou aproximar-se de Kenric, ambos perceberam presença do outro ao mesmo tempo e 
apressaram seus passos tentando ser o primeiro a alcançar o guerreiro. 
— Sir Kenric — chamou o sacerdote, fazendo gestos com sua roliça mão. — Conceda-me um 
momento. 
Kenric ignorou ao sacerdote entregando as rédeas do cavalo a seu escudeiro. 
 
 
 
 
 
6 
 
— Assegure de que beba água em abundância, Evard. E lhe dê uma boa escovada. Dá-te pressa em 
fazê-lo, sairemos dentro de uma hora. — Sim, milorde. — Murmurou o escudeiro, levando o cavalo. 
— Já sabe dos irmãos de Gravelle — Disse FitzAllan , assinalando ao sacerdote com um movimento 
de cabeça. 
Kenric se deu por informado com um leve assentimento. 
— Envia o Simon para se assegurar de que as carretas de fornecimentos estejam carregadas e 
prontas para partir. Os rastreadores voltaram ao amanhecer com notícias de que o exército de Rashid está 
a menos de dois dias de marcha daqui, os homens estão muito esgotados para enfrentar a esse diabo 
agora mesmo. Com sorte, não teremos mais que alguns combates antes de chegar ao mar. 
 FitzAllan fez uma pequena reverência e foi em busca de Simon para levar a cabo a ordem de 
Kenric. 
— Sir Kenric! — Chamou o sacerdote outra vez. Deteve-se perto do cotovelo de Kenric e se ergueu, 
mas nem sequer seu metro setenta de estatura lhe fez parecer menor e insignificante ao lado da 
imponente figura do guerreiro. Seu rosto estava ruborizado pelo calor da manhã quente e o suor se 
acumulava nas dobras de seu pálido pescoço. — Não podem estar falando a sério sobre castigar aos de 
Gravelle da maneira que ouvi. Não importa qual tenha sido seu crime, nenhum cristão merece semelhante 
morte. 
— Parta sacerdote. — Kenric despediu o padre Vachel com um indolente gesto da mão, como se 
sacudisse ao sacerdote de cima abaixo. Avançou com passo resolvido para o grupo de homens, deixando-o 
para trás. Os cavalheiros estavam reunidos em torno de dois homens que estavam um ao lado do outro, na 
areia, despojados de suas roupas e atados a estacas com os braços e as pernas estendidas. Deteve seus 
pés, olhando atentamente a ambos. As expressões de seus rostos refletiam seu medo. Kenric cruzou os 
braços sobre seu largo peito e pronunciou sua sentença. 
— Ranulf e Dominic de Gravelle, hão provado que conspiraram para me assassinar e não 
conseguiram levar a cabo seu objetivo, no entanto, seu vinho envenenado matou quatro de meus homens. 
Morrerão por isso. 
Kenric concedeu aos irmãos de Gravelle um momento para compreender seu destino. Olhou ao sol 
que se elevava rapidamente no horizonte e logo seu olhar abrangeu as ruínas da cidade. 
— Sim, morrerão pelo calor do sol ou nas mãos de alguns infiéis que virão de todos os pontos do 
deserto, atraídos pela fumaça que ainda surge de De’Abar. 
 
 
 
 
 
7 
 
Ranulf de Gravelle apertou os dentes com bravura, mas Dominic se derrubou e começou a soluçar, 
emitindo súplicas de piedade quase incompreensíveis. Kenric desembainhou lentamente sua espada sem 
que seus escuros olhos denotassem emoção alguma. 
— Ou podem ter uma morte mais honrosa que a que planejaram para mim. — continuou. 
Dominic seguiu choramingando, mas Ranulf entreabriu os olhos, analisando ao seu senhor. 
— Querem saber quem nos contratou — afirmou sinceramente. Elevou os ombros, lutando contra 
suas amarras para olhar o rosto sulcado de lagrimas de seu irmão. Depois de um breve olhar, sua cabeça 
voltou a cair na areia, vencida. Uma morte rápida era a única compaixão que podiam esperar; morrer às 
mãos de um homem que deveria estar morto. 
Ranulf amaldiçoou em voz baixa, recusando revelar a identidade do homem que tinha tramado a 
conjuração. 
— Fomos abordados na corte — soltou Dominic. — Fizemos saber que somos mercenários e que 
nossas espadas tinham preço. Meu irmão e eu não tínhamos intenção de nos converter em assassinos, mas 
a recompensa por sua morte era muito tentadora, milord. Ouro, um bom castelo e terras prósperas. 
Prometeram para o Ranulf, também, o dote que acompanha o matrimônio com a sua irmã. 
 — Meu pai — disse Kenric com calma, sem parecer surpreso. Sabia, sem que o dissessem, que o 
velho barão dirigia os fios da conjuração. Mas queria estar seguro. 
Dominic assentiu vacilante. 
— O Barão de Montague diz que é um bastardo. Um feto do diabo. Está ficando velho e está 
doente, mas está resolvido que seu irmão mais novo, Guy, herde seu título e terras. Tinha a esperança de 
que morresse aqui na Terra Santa, como tantos outros. De fato, sabe-se que os infiéis o buscam no campo 
de batalha para ganhar a gloria de matá-lo. Até eles puseram preço à sua cabeça. E, entretanto, não 
morreste. Quando soube que o rei tinha a intenção de lhes enviar de volta para casa, o Barão de Montague 
arrumou tudo para que viajássemos até aqui e nos uníssemos a seu exército. 
— Meu irmão Guy é cúmplice nesta traição? 
— Não saberia dizê-lo — admitiu Dominic. O menino não esteve presente em nenhuma de nossas 
reuniões. 
— Havia mais alguém comprometido? 
— Não, só Ranulf e eu. Mas têm que saber que a ideia de envenenar o vinho foi de Ranulf, não 
minha — confessou Dominic. Suplico-lhe isso milord, tenha piedade. Não desejava participar desta 
vingança familiar e assim o disse ao Ranulf. 
 
 
 
 
 
8 
 
— Mas não me disse isso, verdade, Dominic? — perguntou Kenric com suavidade. —Conhecia o 
plano, mas permaneceu calado, provocando assim a morte de quatro homens. Pagará o mesmo preço por 
sua traição. 
— Esbanjou seu fôlego, querido irmão — disse Ranulf com sarcasmo, embora seus olhos 
relampejassem com ódio para Kenric de Montague. —Deveria ter morrido. — afirmou dirigindo-se a 
Kenric. Sua voz tão somente era um áspero sussurro derrotado. —O que é o que lhe mantém com vida? 
— A vontade de Deus — mentiu Kenric. Seu inexpressivo olhar se moveu devagar de um homem a 
outro. Os olhos aterrorizados de Dominic se abriram de par em par enquanto a espada do guerreiro se 
movia para seu pescoço. Preso ao chão, Dominic não pôde evitar seu destino, nem dizer nada que 
dissuadisse seu verdugo. O grito de Ranulf para que confrontasse a morte com valentia foi abafado pelos 
gritos de seu irmão. 
Com ânimo sombrio, Kenric retrocedeu e afastou-se a grandes passadas dos Gravelle. Quatro 
homens tinham morrido pela traição. Dois mais tinham seguido o mesmo caminho por sua mão. E, as suas 
costas, as ruínas da cidade transbordavam de cadáveres. Kenric calculou suas perdas mentalmente, já 
planejando qual dos cavalheiros que iria promover para homens de armas em substituição àqueles que 
nunca sairiam De’Abar. Sua mente evocou as imagens dos mortos, homens que tinham sorrido, bebido e 
alardeado de sua destrezaaté que foram silenciados para sempre sob o implacável sol daquele lugar 
infernal. Mas sempre havia outros para ocupar seu lugar. Cavalheiros e peões, todos eles ansiosos por ouro 
e glória. E todos eles achariam a mesma morte daqueles que os precederam. 
E Ranulf de Gravelle se perguntava como podia sobreviver Kenric entre tanta destruição. A resposta 
era tão singela que lhe dava vontade de rir em voz alta: já não restava nenhum temor à morte. Enfrentou 
aos Quatro Cavaleiros todos os dias de sua vida durante os últimos três anos e se acostumou a constante 
presença do espectro. O que mantinha com vida Kenric era, junto com sua habilidade com a espada, a 
aceitação da morte. Um guerreiro que luta sem medo comete poucos enganos, com sua mente livre para 
concentrar-se unicamente na estratégia e as táticas. 
Sim, Kenric conhecia sua valia para seu rei e o reinado. Tinha todas as características do guerreiro 
perfeito: um corpo moldado desde a infância para a arte do combate, uma mente educada nas estratégias 
militares de um milhar de anos e incontáveis culturas, e um coração despojado de sua alma, longo tempo 
atrás. Um guerreiro semelhante não deixava mais que violência e destruição a seu rastro, sendo um 
instrumento da morte. Para um guerreiro, assim, não havia pensamentos de glória e honra, nem mesmo 
prazer, tão somente uma impassível resignação. Outra batalha ganha. Outra aconteceria muito em breve. 
 
 
 
 
 
9 
 
Kenric se dirigiu para uma tenda de franjas azuis e brancas, a única que restava do acampamento 
que se levantou junto à cidade durante quase uma quinzena. Depois de comer uma rápida refeição e 
trocar de roupa, daria ordens ao exército para avançar rumo ao mar, para a Inglaterra. E para outra guerra. 
Sim, na verdade o Barão de Montague tinha motivos para temer sua volta. O velho sabia que o 
poder de Kenric cresceria enormemente quando o rei lhe enviasse à participar da guerra em Gales. 
Assassinar o tenente favorito do rei não seria tarefa fácil na Inglaterra. Nem sequer nos brumosos bosques 
de Gales. Poderia ser que até vivesse o suficiente para herdar as terras pelas quais o Barão de Montague 
lutava tão desesperadamente, tentado evitar que caíssem em suas mãos. 
— Sir Kenric! —gritou o sacerdote, puxando pela manga o cruzado em uma tentativa de fazer com 
que parasse. Kenric se limitou a sacudir seu braço do aperto e continuou sem mudar o passo. 
— Começa a me aporrinhar, sacerdote. Será melhor que jogue suas bênçãos sobre De’Abar e que 
encontre seu burro. Não nos demoraremos aqui. 
— Não deram aos de Gravelle uma oportunidade de confessar seus pecados para que pudessem 
encontrassem o Criador com a consciência tranquila — disse o padre Vachel em tom desafiante, embora 
parecesse aplacado pela execução dos traidores. — Abandoná-los vivos ali teria sido o maior dos pecados. 
— Eu escutei sua confissão — respondeu Kenric, com indiferença. 
— Não blasfeme! 
Kenric deu de ombros, com a atenção posta nos preparativos para a marcha de seu exército. 
— Dê um passeio pelas ruas da cidade, sacerdote. Conte quantos estão mortos ali. Nenhum deles 
teve o benefício de uma confissão com um sacerdote quando encontraram a morte. 
— Não é o mesmo. Os poucos cavalheiros pertencentes a seu exército que deram suas vidas 
corajosamente na batalha, não tinham necessidade de confissão — disse o padre Vachel, tentando 
raciocinar. — E os infiéis da cidade não tinham direito a ela. Morreram pela vontade de Deus. 
— Não. — disse Kenric devagar, voltando-se por fim para encarar o sacerdote. 
O padre Vachel retrocedeu ante o frio olhar dos olhos que não piscavam. Levou a mão ao peito, 
benzendo-se para proteger-se do que viu neles. 
— Morreram pela minha. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
 
Capítulo 1 
 
Cinco anos mais tarde 
Norte da Inglaterra 
 
A invernal noite não era o bastante escura para a missão de Kenric. Seu olhar varreu a negra 
silhueta da torre de Langston, explorando as sombras das muralhas, procurando algum movimento fora do 
normal enquanto amaldiçoava, em silêncio, o céu espaçoso. A brilhante meia lua tingia o terreno coberto 
de neve de um matiz azul prateado, fazendo de qualquer um que se aventurasse a descoberto fosse um 
alvo fácil para os guardas postados nas muralhas da fortaleza. 
— Pode ser que isto seja uma armadilha, depois de tudo. — sussurrou FitzAllan . 
Kenric assentiu, reconhecendo que era provável. Pôde ver o vapor de sua respiração, sob a débil luz 
da lua, se agitando inquieto, tentando se livrar do gélido ar noturno e de seus próprios receios. Os bosques 
atrás deles lhe proporcionavam proteção. Seriam presas fáceis, se lhes estendessem uma emboscada. O 
mesmo fato de que seu plano estivesse sujeito a que um escocês traísse a outro, quase garantia uma 
armadilha. Mas Kenric estava decidido a conseguir seu objetivo e FitzAllan não ousaria opor-se a sua 
decisão. Não quando o próprio rei participava da complexa trama. 
— O plano parece muito singelo. — acautelou-lhe FitzAllan em voz baixa. — Deveríamos ter 
trazido alguns homens para nos dar retaguarda. 
Kenric não respondeu. Estava olhando fixamente um grupo de grandes arbustos que cortavam uma 
ravina que levava até o castelo. As vagas silhuetas de duas figuras envoltas em capas foram definindo-se à 
medida que emergiam dos arbustos. Sua aproximação era anunciada pelo suave ranger da neve sob seus 
pés. Apesar do perigo em que se achavam, Kenric teve que conter-se para não rir quando avistou suas 
presas. Uma era alta e de grande envergadura, a outra, baixa e surpreendentemente volumosa. Os 
soldados de Kenric não poderiam evitar gargalhar quando vissem seus prisioneiros. Um urso e uma bola de 
manteiga não eram troféus apropriados para dois dos cavalheiros mais ferozes da Inglaterra. Cinco anos 
em Gales, sofrendo todas as penalidades que pudesse conhecer um guerreiro, e esta seria sua 
recompensa? 
— Talvez seu rosto não seja tão desagradável de contemplar como sua pessoa — sussurrou 
FitzAllan , rindo na escuridão. É a mulher de formas mais estranhas que jamais vi. 
 
 
 
 
 
11 
 
O homem que se aproximava levantou a cabeça como se tivesse farejado o perigo. Kenric se moveu 
silenciosamente para os arbustos, desaparecendo entre as negras sombras do bosque. FitzAllan se 
agachou próximo ao chão, observando às duas estranhas silhuetas enquanto caminhavam com cautela 
procurando se ocultar. 
Detiveram-se a menos de dez passos de distância. — Isto poderia ser uma armadilha, tio lan. 
A suave voz feminina pertencia à bola de manteiga. Suas palavras agradaram a Kenric 
grandemente. Que sua presa compartilhasse sua preocupação era um bom sinal. 
A mulher jogou para trás seu capuz para poder olhar ao redor da pequena clareira, escrutinando o 
escuro bosque enquanto sussurrava sua advertência. 
— Acredito que seria melhor que escapássemos por nossa conta enquanto possamos. Posso cobrir 
suas costas se nos encontrarmos com bandidos. É óbvio que não virá ninguém. Saiamos daqui. 
A mulher soltou um grito afogado no mesmo instante em que seu tio se voltou com sua espada 
desembainhada. 
— Ponha sua espada no chão, laird Duncan. Devagar. — ordenou Kenric. 
Ian Duncan não se moveu. A lua proporcionava suficiente luz para que Kenric pudesse distinguir a 
forma do lorde escocês, mas sua expressão permanecia oculta pelas sombras da noite. 
— Faça o que lhe digo! — avisou Kenric, tocando ligeiramente com a ponta de sua espada o vulto 
que formava a mulher. — Sim, nos obedeça ou afundarei minha espada entre suas costelas. 
Ian obedeceu à ordem e logo atraiu a sua sobrinha ao seu lado, afastando-a da espada do guerreiro. 
Olhava para o Kenric, mas fez um aceno com a cabeça assinalando FitzAllan . 
— Tinha que vir sozinho. 
— Meu homem é leal — respondeu, encolhendo os ombros. — Traz os cavalos, FitzAllan . 
— Lady Remmington cavalgará comigo — disse o Laird, mantendo um braço protetor sobre a 
jovem. Deixei meucavalo a menos de um quilômetro daqui. 
— Temos seu cavalo. — disse Kenric. Recolheu a espada do laird e embainhou a sua, 
estranhamente decepcionado pelo fato de que a dama caísse em suas mãos com tanta facilidade. Não 
tinha o menor desejo de olhar de mais perto a sua cativa. Não importava quão bonita fosse seu rosto, não 
poderia compensar o resto de sua pessoa. Sem dúvida alguma era tão atraente como seu cavalo. 
— Também se têm feito os preparativos na abadia de Kelso. — Estão seguro de levar isto a cabo e 
fazer o que lhes pedem? — perguntou Ian. Aguardou uma resposta durante um longo e silencioso 
momento. 
 
 
 
 
 
12 
 
— Sim. — A resposta de Kenric foi firme. Podem ficar na abadia de Kelso até que os grupos de 
busca sejam chamados de volta, ou se dirigirem a sua fortaleza imediatamente depois. 
— Cavalgarei para a Escócia esta mesma noite — interrompeu Ian. 
— Por que vamos à abadia de Kelso? — perguntou lady Remmington em um sussurro apenas 
audível, por causa do pesado capuz da capa. — Cale-se, Tess — repreendeu-a o laird. Aqui estão os 
cavalos. Seja uma boa garota e tudo irá bem. Vamos, devemos nos apressar. 
— Sim, tio — respondeu Tess, calmamente. 
 FitzAllan retornou com os cavalos e os dois guerreiros montaram. O laird colocou à roliça jovem 
em seu cavalo e montou atrás dela. Os animais se moveram quase em silêncio através do bosque, com 
seus cascos envoltos em trapos para amortecer o ruído. Naquela hora tão tardia da noite não teriam que 
preocupar-se com patrulhas provenientes do castelo de Langston, mas os bosques eram o refúgio de 
proscritos: ladrões e assassinos que controlavam os caminhos do rei e faziam prisioneiros aos viajantes 
desprotegidos. Kenric sabia que podiam encarregar-se desse perigo, mas não tinham tempo que perder 
em uma distração semelhante. A metade da noite já tinha transcorrido e cada hora contava. 
Tess de Remmington não pensava nos ladrões. Sua preocupação se centrava na partida de soldados 
que poderiam sair da fortaleza a qualquer momento. Seu padrasto ficaria furioso quando descobrisse sua 
fuga. Só pensar em Dunmore MacLeithque seu sangue gelava. Na aparência, não havia nada que 
desagradasse no escocês. Alto e musculoso as têmporas prateadas em seu cabelo escuro que lhe davam 
um ar distinto. Mas Tess, mais que nenhuma outra pessoa, conhecia a maldade escondida sob a enganosa 
fachada, capaz de assassinar a sangue frio. A besta casou-se com sua mãe tão somente uma semana 
depois da suspeita morte de seu pai. O estranho conjunto de circunstâncias que se deram para que 
Dunmore MacLeith estivesse na fortaleza, justo naquele momento, pareciam muito convenientes. Um mês 
mais tarde sua mãe tinha recebido sepultura no cemitério dos Remmington, depois de uma “queda” pelas 
escadas da torre. Todo mundo sabia que a baronesa planejava fazer uma petição de nulidade à Igreja e ao 
rei Edward. Alguns, inclusive Dunmore MacLeith, acreditavam que poderia obtê-la. 
Tess se perguntou uma vez mais como o rei Edward podia ter olhado para outro lado, ignorando as 
atrocidades cometidas pelo MacLeith durante os últimos anos. Acaso a guerra em Gales, os problemas com 
a Igreja e as intermináveis disputas entre seus barões tinham mantido ao rei muito ocupado para 
preocupar-se com uma baronia tão remota? Sim, se esqueceu de tudo, deixando Tess sem meios para 
apresentar sua causa ante ele. Dunmore MacLeith se sentava na poltrona de cerimônias como senhor do 
 
 
 
 
 
13 
 
castelo de Remmington, enquanto que Tess, a legítima herdeira, tinha ficado encerrada na distante torre 
de Langston mais de cinco anos. 
O único de bom que lhe tinha ocorrido, ultimamente, era a recente descoberta de uma passagem 
secreta que começava em seu quarto e que conduzia à uma ravina fora das muralhas. Esses tipos de 
passadiços eram construídos para proporcionar à família um meio de fuga se a torre caísse ante um 
exército invasor, não estavam acostumados a ser habituais nos feudos fronteiriços tão antigos como 
Langston. Agora, tinha proporcionado a Tess um tipo diferente de fuga. Escapava dos planos que Dunmore 
MacLeith tinha para ela. 
Duas horas mais tarde, o grupo desmontou em frente a porta principal da abadia de Kelso. 
Uma pequena porta lateral se abriu, como se estivessem aguardando sua chegada, um monge 
encapuzado tirou uma lamparina da soleira. Tess observou como o mais alto dos dois homens, com os 
quais se encontraram no bosque, se aproximava para mostrar seu rosto. O monge assentiu e se voltou 
para assinalar, sem dizer uma palavra, a entrada a um escuro corredor. 
Tess apertou a capa ainda mais a seu redor, tentando proteger-se do súbito frio que se propagou 
em seu interior. O monge parecia um ímpio espectro da morte, com suas negras roupagens e seu longo e 
ossudo dedo lhes indicando que avançassem. Agarrou-se a parte de atrás da capa de seu tio e caminhou 
tão junto a ele como permitia a estreita passagem. 
O estreito corredor conduzia até as portas de uma grande capela, e o grupo entrou nela. Tess 
afastou seu capuz, mas só o suficiente para poder ver melhor o lugar. Manteve a precaução de manter seu 
rosto oculto, tal e como seu tio lan lhe tinha ordenado. Ele não estava seguro do tipo de homens com os 
quais se encontrariam essa noite, e quanto menos eles soubessem de Tess, melhor. Apesar de sua 
advertência, uma vez dentro da capela, não pôde evitar ficar assombrada ao olhar maravilhada, com os 
olhos muito abertos, a elegante arquitetura gótica e o artesanato normando que convertia a abadia de 
Kelso em uma das joias mais apreciadas da Igreja. Tess estava segura de não ter visto nunca nada tão 
magnífico. Belas pinturas sacras cobriam as paredes e tetos, e a maioria das estátuas tinha pó de ouro. O 
suave brilho de um incontável número de valiosas velas de cera de abelha conferia à capela uma aparência 
de castelo de conto de fadas. Um sacerdote ancião os esperava em pé perto do púlpito, adornado de cetim 
vermelho com ricos brocados e, vestimentas orladas de linho de ouro. Sua presença dotava à cena um ar 
majestoso. Os anos tinham deixado seu rastro no rosto do sacerdote, sulcando-o de rugas, mas seus olhos 
brilhavam com um sorriso que ampliava à medida que o pequeno grupo se aproximava, deixando atrás as 
filas dos genuflexórios. 
 
 
 
 
 
14 
 
— Bem-vindo seja, meu filho. — O sacerdote caminhou com rigidez para Kenric, com passos 
vacilantes pela idade, e agarrou as mãos fortes do guerreiro entre as suas, que eram magras e frágeis. 
Passaram muitos anos e cresceste até se converter em um grande homem. 
— Obrigado, Padre Olwen. É agradável ver um rosto familiar, como o seu, nesta noite. — Kenric 
sorriu ternamente ao sacerdote. — Estou seguro de que se recorda do meu amigo Roger FitzAllan . Este 
outro cavalheiro é o Laird Duncan. 
Kenric se virou então para poder ver bem pela primeira vez ao gigante escocês. Embora ele medisse 
mais de um metro noventa, Ian Duncan quase o superava em altura. O rosto do Laird escocês mostrava os 
sinais de sua idade, e as pronunciadas rugas nos cantos, de seus olhos azuis, indicavam que era um homem 
que sorria frequentemente. Inclusive nesse momento, dirigia um sorriso em direção a Kenric. 
O motivo do bom humor do escocês logo ficou a descoberto. Sua capa descansava sobre seus 
ombros para revelar, não só o tartán azul e branco do clã Duncan, mas também o punho de uma enorme 
espada claymore, típica dos escoceses, que estava presa firmemente por correias a suas costas. 
E eu que acreditei que o havia desarmado. Kenric reconheceu seu descuido com um leve 
assentimento, e depois seus olhos desceram para o lado do escocês para inspecionar lady Remmington. 
Dava-lhe as costas e parecia absorta contemplando as pinturas sobre o Julgamento Final em um muro da 
capela. Tentou imaginar uma versão corpulenta e baixa de Ian Duncan, e imediatamente se sentiu aliviado 
de que tivesse o bom gosto de permanecer tampada. Quem querque diga ao rei Edward que aquela moça 
era um deleite para a visão tinha um estranho senso de humor. 
O sacerdote interrompeu os pensamentos e Kenric esclarecendo a garganta, lhe indicando com 
sutileza que esperava que se fizessem as apresentações. 
Kenric disse simplesmente: 
— Padre Olwen, esta é lady Remmington. 
A moça deu um coice. Baixou a cabeça e se voltou para olhar ao sacerdote. 
— Agrada-me lhe conhecer, minha querida. — O padre Olwen deu um passo adiante e segurou as 
mãos da jovem, lhes dando um firme apertão. — Estas circunstâncias não são muito habituais, mas estou 
seguro de que podemos... 
— Desculpe-me, padre. —interrompeu Ian. Ignorou o olhar de surpresa do sacerdote e atraiu Tess 
de volta a seu lado. — Há algum lugar onde possa falar com Lady Remmington em particular? 
— Para que? Acredito que há uma… 
 
 
 
 
 
15 
 
— O que tenha que dizer à dama, pode fazê-lo aqui mesmo. — Desta vez foi Kenric, com expressão 
ameaçadora, quem interrompeu ao sacerdote. 
— Não estou tão seguro disso. — disse Ian, dúbio. Minha sobrinha sabe muito pouco deste plano. 
Pensei que fosse melhor explicar a situação uma vez que estivéssemos a salvo longe de Langston. 
— Não sabe nada do matrimônio? — pergunto Kenric com dureza. 
— Matrimônio? — grasnou o volumoso vulto. 
— Espere pequena, não se zangue antes que eu tenha ocasião de lhe explicar isso—rogou lan, 
obrigando Tess a dar a volta para poder lhe agarrar as mãos. 
— Matrimônio! — Repetiu, em voz mais alta. Arrancou com um puxão suas mãos das de seu tio e 
tentou pô-las em seus quadris. 
Os cavalheiros e o sacerdote observaram com assombro como a ampla cintura de lady Remmington 
caía ao chão de repente, formando uma massa avultada a seus pés. Continuavam olhando assombrados e 
em silêncio, quando Tess deu uns passos aproximando-se de Ian, arrastando sua capa e revelando a seu 
passo dois grandes sacos de linho caídos no chão. Só lhes levou um momento dar-se conta de que os vultos 
tinham sido pendurados em seus ombros, sob a capa, com a intenção de manter seus braços cobertos por 
eles e proteger-se assim contra o frio. 
— Não disse nada sobre um matrimônio! 
Os homens deixaram de olhar ao chão e centraram sua atenção em Lady Remmington, quase ao 
mesmo tempo. 
— Não é gorda depois de tudo. — Sussurrou FitzAllan . 
Lady Remmington ainda estava de costas aos homens, mas Kenric sorriu quando a recém-
emagrecida figura cravou um dedo no estômago do Laird Duncan. O capuz de sua capa caiu sobre seus 
ombros quando ergueu a cabeça para olhar ferozmente o rosto do alto escocês, proporcionando uma 
agradável amostra de seu cabelo, loiro como o mel. 
— Não estava seguro de como tomaria a notícia. — começou lan. 
— Soube condenadamente bem como me tomaria! E agora me tem feito amaldiçoar diante de um 
sacerdote! — Voltou-se toda apressada para dirigir-se ao padre Olwen, com as mãos entrelaçadas com 
recato e seus olhos fixos no chão. — Perdoe-me, padre. Disse uma palavra ímpia levada pela ira. Rogo a 
Deus que seja consciente de que estes são tempos difíceis para mim, e possa me perdoar por esta 
transgressão. Ao que parece, os planos de meu tio para esta noite, e meus próprios, são completamente 
diferentes. 
 
 
 
 
 
16 
 
Kenric não se deu conta de que estava contendo o fôlego, até que a mulher se voltou de novo para 
seu tio. Um só olhar aos deslumbrantes olhos violetas bastou para que lhe fraquejassem os joelhos. Agora 
estava seguro de que o rei zombara dele. Só um cego descreveria aquela mulher como “bonita”. Tess de 
Remmington era magnífica. 
— Exijo uma explicação! — ordenou Tess a seu tio, assentindo bruscamente para dar maior ênfase 
a suas palavras. Desabotoou sua capa e a tirou, dobrando o objeto cuidadosamente sobre um braço como 
se tivesse todo o dia para ouvir a explicação. — E mais te vale que seja boa. 
— Ia dizer-lhe isso. — disse lan. Falou em gaélico, baixando a voz. — Mas tinha a ideia do convento 
tão metida na cabeça, que não estava seguro de que quisesse partir se soubesse que iria casar-se com um 
homem ao qual nunca viu. 
— Este plano não tem sentido, tio. Tess respondeu também em gaélico, olhando de soslaio aos dois 
mercenários que os tinham escoltado até ali. — Entrar em um convento pode explicar-se como vocação 
religiosa. Mas, um matrimônio com um conhecido teu? Não é provável que nem seu rei nem o meu, 
acreditem que não esteja envolvido. Arrisca sua vida com este plano. 
— Acalme-se pequena. — Ian pôs suas grandes mãos nos ombros de Tess. Sabe que só penso no 
que é melhor para ti. Seu próprio rei Edward escolheu o seu prometido. 
— O que? — Tess pareceu esperançosa por um momento, logo sua expressão se tornou suspicaz. 
—Mas, o rei deu sua aprovação à escolha do marido que fez meu padrasto. Como pode mudar de opinião 
quando deu sua palavra a MacLeith? 
— Essa é a parte mais difícil de explicar. — admitiu lan, esfregando-a queixo. — As ações de 
MacLeith, desde que tomou o controle de Remmington, preocuparam muito ao rei Edward. Na aparência, 
foi um súdito leal nestes últimos cinco anos, mas Edward sabe que seu padrasto não é mais que um 
traidor. Já não resta nenhum inglês, como Laird, em nenhum dos feudos de Remmington e há guerreiros 
com o tartán dos MacLeith nas muralhas de todo o castelo. Seu padrasto sabia que seu matrimônio era a 
peça chave que determinaria o futuro da fronteira. Se o rei tivesse se oposto a sua decisão, MacLeith teria 
tido a desculpa perfeita para desobedecer a seu suserano e começar as hostilidades. E uma guerra tão 
perto da fronteira e em que estivesse envolto o rei da Inglaterra, logo implicaria também ao rei de Escócia. 
Quando aprovou a escolha, Edward evitou uma guerra, mas virtualmente entregou Remmington em 
bandeja a MacLeith. 
— Então, o rei não tem intenção de cumprir sua palavra? — perguntou Tess, franzindo o cenho, 
perplexa. — Não dará este plano outra desculpa a MacLeith para desafiá-lo? 
 
 
 
 
 
17 
 
— Não se Edward fingir ignorância sobre o matrimônio. — lan sorriu ante a inteligência do plano. 
Ainda seguia surpreso pelo fato de que um inglês pudesse ser tão ardiloso. — Tudo fica entre seu marido e 
seu padrasto. Seu rei pode proporcionar ajuda a seu marido, mas sempre evitando implicar-se 
diretamente, o rei Alexander não terá nenhum motivo para interferir. 
— A quem pensa o rei enfrentar contra MacLeith? 
— Seu prometido é um dos barões mais distinguidos do rei — explicou com entusiasmo. — Não 
esperava que tivesse uma baronia, verdade? 
— Não. — admitiu Tess devagar. — Antes que aprovasse a escolha de MacLeith, pensei que o rei 
prometeria minha mão a um dos cavalheiros sem terra que competem em seus torneios para obter 
prêmios parecidos. É pouco habitual oferecer um dote tão grande a um homem que já tem terras. 
— Assim, é. Seu prometido não é um mendigo. Inclusive é possível que seu patrimônio não só se 
iguale ao teu, mas também o supere. De fato, é um homem conhecido por proteger aquilo que é dele. O 
rei Edward prometeu sua mão ao único guerreiro capaz de expulsar Dunmore MacLeith da fronteira. Vai 
casar-se com o Barão de Montague. — anunciou com cautela. — O Barão é… 
— O Açougueiro? — Soou como se a estivessem estrangulando. Levou as mãos à garganta, com a 
voz rouca pelo medo. — Pensa me casar com o Açougueiro de Gales? 
— Vigia sua língua, moça. — lan ergueu a voz. O amável tio se transformou instantaneamente no 
poderoso Laird. — Não penso escutar como injúria ao homem com o que vai se casar. Ouviste muitos 
falatórios. O Barão de Montague é um homem temido por seus inimigos e respeitado por aqueles que 
lutam por seu país. Nem eu mesmo poderia ter feito melhor escolha de ter tido a oportunidade. Dormirei 
mais tranquilo tendo o Barão de Montague em minha fronteira, em vez desse chacal de MacLeith que só 
deseja apoderar-se de meus castelos. Acaso tivesse preferido a escolha de teu padrasto? 
— Sabe muito bem o destino que me esperava.— Sim, escolheu ao Gordon, seu próprio filho. Embora tenha minhas dúvidas sobre se Gordon 
MacLeith é um homem de verdade. 
— Acaso é melhor este outro destino? — sussurro Tess. 
Deu-se conta de que ainda tinha suas mãos sobre a garganta e rapidamente, desceu-as à sua 
cintura apertando com força, perguntando-se o que tinha feito ela a seu rei para merecer o que lhe 
ocorria. Todo mundo, desde Escócia até a Normandia, tinha ouvido falar do Barão de Montague. Primeiro, 
ganhou a reputação de ser invencível nos torneios. Mais tarde, foi às cruzadas do rei, onde cresceu sua 
fama de intrépido guerreiro. Seu nome se converteu em uma lenda na guerra contra Gales. Mas as 
 
 
 
 
 
18 
 
histórias de suas façanhas nunca estavam envoltas em galhardia ou heroísmo. Ao contrário. Os relatos 
sobre o Açougueiro de Gales estavam banhados em sangue. Tess pensava no Barão de Montague mais 
como em um demônio, que como em um homem que, de verdade, caminhasse pela terra igual ao resto 
dos mortais. Até os homens de MacLeith sussurravam seu nome com reverência, como se só sua menção 
fosse razão suficiente para benzer-se, e dessa forma proteger-se contra o mal. Tess sabia a razão de seu 
apelido se estremecia somente de pensá-lo. O Açougueiro de Gales não fazia prisioneiros. Dizia-se que 
havia zonas em Gales onde não era possível encontrar a ninguém de sangue galês até onde alcançasse a 
vista, porque os tinha massacrado a todos. 
 É obvio que algumas das histórias não eram mais que exageros, mas devia haver algum fragmento 
de verdade nos horríveis relatos. Tess não sentia nenhum desejo de comprová-los por si mesma. Sabia, por 
sua forma de permanecer ereto e o firme tom de sua voz que a decisão de seu tio estava tomada e que 
seria perda de tempo qualquer protesto de sua parte. Decidiu que escutaria o que o Laird tinha que dizer e 
logo pediria ao sacerdote para ser acolhida ao amparo da Igreja. Certamente um homem de Deus não 
desejaria ver uma gentil donzela forçada a casar-se com semelhante monstro. Quando o Barão chegasse, 
estaria sob o amparo da Igreja, a salvo e fora do alcance de qualquer fome. 
— Seu rei escolheu o Barão de Montague faz algum tempo — continuou Ian. — O padre Olwen, 
aqui presente, foi seu confessor quando era mais jovem. Celebrará a cerimônia e enviará uma cópia da ata 
de matrimônio a Londres. Os MacLeith têm que acreditar que escapou por sua conta. Dirá que o Barão de 
Montague te apanhou pensando em cobrar uma recompensa, mas que em vez disso decidiu casar-se 
contigo. 
— MacLeith fará algo para me recuperar. Se o conseguir, o matrimônio poderá ser anulado. Até os 
barões ingleses teriam que respeitar esse direito. O que passaria então com o plano do rei? 
Ian franziu o cenho ante sua lógica, mas seguiu tentando fazê-la usar de bom senso. 
Kenric entendia o gaélico muito bem para continuar a conversa, mas na realidade não estava 
escutando. Deixou que seus olhos percorressem a longitude da grossa trança loira, passando por uma 
cintura incrivelmente pequena e uns quadris voluptuosamente arredondados. Seus dedos ansiaram tocar 
esse sedoso cordão, desfazendo os cachos tão bem entrelaçados e encher suas mãos com seu ouro. 
Essa ideia manteve a atenção de Kenric até que começou a perguntar-se se tinha imaginado a cor 
de seus olhos. Algumas joias podiam refletir esse intrigante e hipnótico tom de azul violeta, mas nunca o 
tinha visto nos olhos de uma mulher. Enquanto Kenric pensava naquela insólita cor, lady Remmington 
voltou sua cabeça ligeiramente lhe dando a oportunidade de poder espiar seu rosto. Os fascinantes olhos 
 
 
 
 
 
19 
 
se achavam velados por grossos cílios entrecerrados, lhe permitindo examinar seus traços sem distração. 
Sua expressão era tranquila, serena, quase majestosa. Mas notou a forma em que os cantos de sua boca se 
torciam para baixo cada vez que seu tio mencionava a palavra matrimônio. O gesto não diminuía a 
exuberância de sua boca. O lábio superior formava um arco delicioso e o inferior estava deliciosamente 
cheio. Não podia esperar para sentir esses deliciosos lábios sob os seus. Desejava tocá-la, seguro de que 
sua pele seria tão suave como parecia. Seus lábios se entreabriram ligeiramente para revelar a ponta de 
sua língua quando umedeceu os lábios. O gesto foi tão inconscientemente inocente e, entretanto, tão 
docemente sedutor, que Kenric se encontrou contendo o fôlego de novo. Não lhe levou muito tempo para 
dar-se conta de que sua incrível beleza não necessitava uns olhos deslumbrantes para distrair a atenção de 
um homem. Por si só, sua curvilínea silhueta conseguia pô-lo rígido até o ponto da dor. 
Forçou-se a afastar o olhar, tentando controlar sua louca imaginação. Não podia recordar quando 
foi à última vez que reagiu fisicamente ante uma mulher sem nem sequer tocá-la. Diabos, nem sequer a 
conhecia. O que lhe passava? Seu olhar se dirigiu até FitzAllan e se sentiu agradado ao advertir que seu 
vassalo estava tão aturdido como ele pela aparência de lady Remmington. FitzAllan tinha a boca aberta de 
uma forma quase ridícula. 
— Está babando. — sussurrou-lhe Kenric ao ouvido. 
A boca de FitzAllan se fechou de repente, mas não tirou os olhos da moça. 
— Tinha razão depois de tudo. — contínuo Kenric, com certa presunção em sua voz. — Não me 
desgosta contemplar seu rosto. 
— É um anjo. — sussurrou FitzAllan , assombrado. 
Sorrindo, Kenric olhou para lady Remmington de novo. Estava discutindo com fúria com seu tio. 
Devia tratar-se de um anjo com caráter. O sorriso desapareceu por completo quando ouviu suas seguintes 
palavras. 
— A única solução é ingressar em um convento. Tomarei os votos. 
— Os únicos votos que tomará serão os do matrimônio. — grunhiu Kenric das costas de Tess, em 
um gaélico quase perfeito. 
— Eu... 
Suas palavras se apagaram no momento em que girou sobre si mesma e olhou atentamente aos 
dois mercenários contratados para ajudá-la a escapar de Dunmore MacLeith. Deu-se conta nesse momento 
de várias coisas desagradáveis. 
Não eram mercenários. 
 
 
 
 
 
20 
 
Os mercenários não eram conhecidos por possuir roupas de tão boa qualidade como as que 
levavam os homens que permaneciam de pé ante ela. Também, ficou consciente do trabalho artesanal em 
suas armaduras, por tão valiosas que deviam ser. Não, não poderia acolher-se ao amparo da Igreja antes 
da chegada do noivo, porque já se achava frente a ela. Mas qual deles era? 
Seu olhar se dirigiu ao homem da direita e não encontrou nada que objetar em sua aparência. De 
fato, era francamente arrumado. Tinha o cabelo de uma cor castanho avermelhado e profundos olhos 
marrons que provavelmente tinham feito trinca no coração de mais de uma donzela. O atrevido sorriso do 
cavalheiro revelava que tinha consciência de que era atraente, mas seus lábios deixaram de sorrir e 
pareceu envergonhado, como se lhe tivessem descoberto fazendo algo que não devia. Tess sentiu que seu 
coração se afundava junto com suas esperanças. Deveria ter imaginado que o Barão de Montague não 
teria um aspecto tão agradável. Não, sem dúvida se tratava do outro, que se parecia com o diabo. 
O diabo ultrapassava em altura a seu amigo e a seu tio lan, e sua corpulência lhe conferia um 
aspecto muito mais temível. Sua capa estava arremessada para trás e Tess pôde percorrer lentamente seu 
corpo com o olhar, estudando-o com franca curiosidade. Levava uma cota de malha de intrincados anéis, 
coberta por uma sobreveste azul e branca. Sua armadura ocultava sua poderosa constituição e a 
desmedida amplitude de seu tórax. Seu olhar se atrasou em um dos enormes braços cruzados sobre seu 
peito. Ela seria incapaz de abranger esses poderosos músculos com as duas mãos. O homem era um 
gigante, embora tivesse que admitir que não houvesse nele nada descomunal ou tosco. Cada parte de seu 
corpo parecia em perfeita proporção com seu tamanho. Recordava-lhe à esbelta e perigosa pantera que 
Dunmore MacLeith tinha comomascote. O poder contido era tão fascinante como letal. Seu olhar 
continuou para cima até chegar ao capuz, que nesse momento estava jogado para trás, revelando um 
cabelo tão escuro como seu feroz e perigoso olhar. Uns olhos ainda mais escuros a olhavam com chamas 
ardentes de um rosto marcado por uma cicatriz de aspecto maligno que percorria uma de suas bochechas. 
Mas havia algo desconcertante em sua expressão. 
Os lábios de Tess se entreabriram levemente pela surpresa quando se deu conta de que havia algo 
naquele homem que parecia intensamente familiar. Tratava-se de uma lembrança que escapava a sua 
memória. E, entretanto, a realidade diferia da lembrança de uma maneira que não conseguia definir. Para 
começar, seus olhos eram muito escuros, pensou Tess, franzindo os olhos de forma pensativa. E os traços 
de seu rosto eram muito duros,muito marcantes. Voltou a lhe contemplar da cabeça aos pés, tentando 
recordar onde tinha visto aquele homem com antecedência. 
 
 
 
 
 
21 
 
Kenric sabia que sua expressão era bastante sombria para inquietar tanto a amigos como inimigos. 
Mas comprovou que seu gesto não tinha nenhum efeito em lady Remmington. A forma em que o percorria 
com o olhar, como um cozinheiro inspecionando um lombo de boi, era insultante. Estava a ponto de 
redobrar seus esforços para pôr em seu lugar à descarada moça quando seus olhos se encontraram. 
— É você! — sussurrou ela, parecendo a ponto de gritar. 
— É obvio que sou eu. — respondeu com voz sarcástica. Por um momento teria jurado que seus 
olhos o tinham reconhecido. Tratava-se do mesmo olhar que uma mulher usaria para saudar um amigo 
querido ou um amante. Mas,o brilho em seus olhos desapareceu tão repentinamente, que se perguntou se 
o tinha imaginado. A atual expressão de aturdida incredulidade da moça adaptava-se mais à reação normal 
de uma donzela. Acabavam-lhe de apresentar ao Açougueiro de Gales. Um homem que levava o nome que 
as mães usavam para assustar as crianças que se comportavam mal. 
Ao menos não desmaiou. 
— Se casará comigo tanto se você gostar ou não. — disse em inglês. Não gostava da difícil 
pronúncia do gaélico escocês com seus marcadores, e queria que a dama entendesse todas e cada uma de 
suas palavras. Não importava que ela preferisse casar-se com uma cabra de três cabeças. O rei da 
Inglaterra lhe tinha prometido Tess de Remmington e Kenric estava decidido a ficar com ela. Deteve-se 
para lhe dedicar um breve e arrepiante sorriso de triunfo. 
— Acaso se atreve a desafiar a ordem de nosso rei? 
Tess lutou por recuperar a serenidade sob o gelado olhar do Barão. Um esforço quase impossível, 
pois a tinha pego despreparada por completo. Mas, quem não se surpreenderia ao ver uma imagem saída 
de seus sonhos transformada em realidade? Era muito incrível. Essa era a razão, sem dúvida, de que lhe 
tivesse formado um nó no estômago. De repente, sentiu que ia desmaiar. 
Não seja covarde, repreendeu-se a si mesmo, sacudindo a cabeça para livrar-se dessa tola ideia. De 
acordo, tinha visto a imagem de um homem de cabelo escuro enquanto dormia um homem cujo rosto lhe 
tinha aparecido em sonhos tão frequentemente, que acreditou reconhecê-lo ao ver o imponente 
cavalheiro que se erguia ante ela. Sim, tinha tido o mesmo sonho todas as noites durante a semana 
anterior. Uma coincidência. Tratava-se disso, uma simples e singela coincidência. Arriscou-se a olhar de 
novo ao rosto do Barão, só para assegurar-se. 
Uma energia, arrepiante e desumana, emanava do homem que estava em frente a ela. Um homem 
que poderia matar sem emoção nem remorso. Não havia nenhum rastro de bondade nos frios e negros 
olhos que a contemplavam, nem o menor indício de gentileza em sua tensa mandíbula. Seus olhares 
 
 
 
 
 
22 
 
voltaram a encontrar-se e naquela ocasião, não lhe passou despercebido o propósito de sua feroz 
expressão. 
Tá. Tentava intimidá-la! E o estava conseguindo. 
Sentiu um calafrio percorrer suas costas e que a pele lhe arrepiava. Estava tão apanhada por esses 
olhos como uma presa agarrada em uma armadilha. Cativavam-na. O poder que sentia nesses olhos era 
absoluto e capaz de forçar qualquer pessoa a se submeter a sua vontade. Para sua surpresa, as emoções 
que a afligiam eram completamente opostas ao temor ou horror que deveria experimentar. Era do mais 
estranho, porque sentia um impulso quase irresistível de aproximar-se mais ao guerreiro. . . De tocá-lo. . . 
De... 
— Vai responder lady Remmington? — A voz do Barão de Montague gotejava sarcasmo. — Ou terei 
que repetir a pergunta? Parece confusa. 
Tess se indignou, deixando ver seu temperamento. 
— Não é de boa educação olhar dessa forma a uma gentil dama. — voltou-se para o padre Olwen, 
perdendo a expressão de incredulidade no rosto de Kenric. — Talvez possa ajudar a este homem a 
encontrar a razão, padre. Eu gostaria de lhe explicar a situação. Quando o fizer, estou segura de que verão 
o judicioso de minha decisão e aconselhará aos presentes em consequência. 
— Farei o melhor que possa. —disse o padre Olwen com insegurança. — Mas, deveria saber que foi 
o próprio rei Edward que me informou do motivo deste matrimônio, lady Remmington. 
Tess assentiu. Logo jogou sua trança sobre um ombro e começou a retorcer a ponta. 
— Tessss. — protestou Ian, alongando seu nome, soando quase como o vaio de uma serpente ou 
como uma advertência. 
— Não desejo me casar. —Tess observou que seu tio se aproximava e se apressou a lhe dar ao 
sacerdote suas razões. — Meu desejo é me fazer monja. Como é costume, minhas terras podem ser 
repartidas quando fizer os votos. Será como se tivesse morrido. 
— Está muito longe de estar morta, milady. 
— Remmington reverteria ao rei Edward. — continuou Tess, ignorando a interrupção do Barão. 
Tentou não pensar em sua profunda voz, em como enchia o ambiente sem esforço, no penetrante que era. 
Quase podia sentir o som vibrando através de seu corpo. Santo Deus, o que está se passando comigo? 
Perguntou-se, sentindo pânico. Esforçou-se em continuar com sua argumentação. — Se entrar em um 
convento, Remmington continuará em mãos inglesas sem derramamento de sangue. Meu padrasto e o rei 
Alexander não poderão protestar, porque as leis canônicas são as mesmas em ambos os reinos e não se 
 
 
 
 
 
23 
 
atreveriam a enfrentar a Igreja neste assunto. Se me casar com alguém, haverá guerra. — Finalizou seu 
pequeno discurso inclinando a cabeça, incapaz de continuar olhando nos olhos do padre Olwen nem um 
momento mais. Tinha mentido descaradamente a um sacerdote! — Vê o acertado de meu plano, padre 
Olwen? 
O sacerdote franziu os lábios, olhando ao chão enquanto se balançava para adiante e para trás 
sobre seus calcanhares. Tess advertiu por fim que a ponta de sua trança estava desfeita e alisou a ponta 
desfiada antes de deixar que caísse de lado. Estava segura de que seu tio sabia que mentia. Ele sempre 
podia dar-se conta de suas argúcias. Mas, o que aconteceria com o Barão de Montague? Também 
suspeitaria? Que o Senhor a ajudasse, sentia um enorme impulso de casar-se com o selvagem cavalheiro! 
— O que diz da história da dama? — perguntou o sacerdote a Kenric. 
— Tudo isso eu sei e é certo. — disse, mostrando-se de acordo afavelmente. — Exceto uma parte. 
Tess sentiu que seu coração deixava de pulsar. Esperou contendo o fôlego a que o Barão 
descobrisse seu engano. 
— Haverá guerra sem importar o que ela faça com sua vida. 
Fechou os olhos e suspirou aliviada. Sua mentira estava a salvo do Barão de Montague. Não o ouviu 
mover-se em silêncio através do ambiente, nem percebeu que se aproximava, até que as cálidas pontas de 
seus dedos levantaram seu queixo, fazendo que suas pálpebras se abrissem de repente pela surpresa. 
Olhou-a fixamente nos olhos com expressão insondável. Tess podia assegurar que o tempo se deteve. 
Olharam-se, o um ao outro, sem dizer uma palavra. Como se alguma mensagem passasse entre eles nesse 
intercâmbio silencioso.Uma advertência, sim, mas possivelmente algo mais. 
— Se casará comigo. — afirmou arrogante, sem tirar os olhos dos seus. Elevou sua mão e deslizou o 
polegar pelo lábio inferior de Tess, fazendo que outro estranho calafrio percorresse suas costas. 
Certamente já suspeitava isto quando estávamos no bosque, lady Remmington. 
Não lhe deu tempo de responder. Sua mão caiu repentinamente, como se não pudesse suportar 
continuar tocando-a nem um momento mais. 
— Não se faça de difícil, milady. Não sou um homem conhecido por ter paciência com os ardis 
femininos. 
Tess franziu o cenho ante sua arrogância, mas permaneceu em silêncio. Não ia explicar-lhe que 
tinha pensado que eram mercenários, espadas de aluguel contratadas para escoltá-la até um convento. Se 
o fizesse, ele pensaria com toda segurança que estava tratando com uma estúpida. 
 
 
 
 
 
24 
 
— Melhor que façamos isto de uma vez. — apressou Kenric ao sacerdote. Tomou a mão de Tess e a 
arrastou para o altar. — Já perdemos bastante tempo. 
Isso foi tudo o que Tess necessitou para entrar em ação. Tentou soltar-se da mão do Barão e, 
quando isso não funcionou, voltou-se para enfrentá-lo 
— Ainda tenho que ouvira opinião do padre Olwen. — Tomou a mão do sacerdote com a sua que 
estava livre, e seguiu falando em voz suplicante. — Estes homens são guerreiros, padre. Só pensam em 
combater. Estou certa que pode ver a sabedoria de meu plano, e que é melhor me acolher na Igreja. 
Tess quase fez uma careta de dor ante o forte apertão da mão do Barão em seus dedos, mas 
manteve seus olhos no sacerdote, esperançosa ao ver que o padre Olwen parecia analisar suas palavras. O 
homem de Deus era sua única esperança. 
— A Igreja é para aqueles que sentem autêntica vocação. — disse o padre Olwen finalmente. —
Deve obedecer aos desejos de seu rei. — Mas... —Tess emitiu um estranho som afogado quando Kenric 
apertou sua mão com tanta força, que pensou que quebraria seus ossos. 
— Faz-se tarde. — disse Kenric em tom seco. — Seu tio tem que estar muito longe quando sua 
ausência seja descoberta. 
— Tudo está acontecendo muito depressa! — Tess olhou a seu tio lhe pedindo apoio. Ian elevou as 
mãos, sugerindo que devia seguir adiante com o assunto. Ela baixou a cabeça e sussurrou brandamente 
suas objeções. — Tenho tão pouco tempo para pensar sobre este novo plano... 
— Melhor que pense depressa, ou seu padrasto estará aqui para presenciar a cerimônia. Kenric 
suspirou com impaciência. — Pode escolher milady. MacLeith ou eu. 
Considerou seriamente a ideia de casar-se com MacLeith, mas só por um momento. A seu modo de 
ver, o Açougueiro de Gales não era nem de longe uma boa escolha. Estava fora do alcance de seu padrasto 
pela primeira vez em cinco anos e não tinha pressa em renunciar a essa liberdade. Mas, o matrimônio? 
Com esse homem? O preço de sua liberdade era muito alto. Entretanto, se fosse o bastante preparada, 
poderia escapar do Barão tal como tinha escapado de MacLeith. Se pudesse chegar até o rei Edward e lhe 
explicar seu plano de ingressar em um convento, ele veria o certo de suas ações e a anularia o precipitado 
matrimônio. Seu olhar foi lentamente das pontas das botas do Barão de Montague até os poderosos 
braços, de novo cruzados sobre o peito. Quase sorriu ante a ironia da situação, pois o Barão de Montague 
era o único homem em toda a Inglaterra cuja reputação como homem perigoso ultrapassava a de 
MacLeith. Não importava quanto durasse seu matrimônio, daria qualquer coisa para estar presente no 
salão do castelo quando Dunmore MacLeith se inteirasse de que se casou com o Açougueiro de Gales. 
 
 
 
 
 
25 
 
 
Capítulo 2 
 
Demoraram uma hora para assinar as atas do matrimônio e serem conduzidos até seus cavalos. A 
cerimônia foi um borrão confuso para Tess de tão aturdida que estava. As palavras de bons desejos, 
provenientes de seu tio, soaram longínquas em seus ouvidos quando a teve nos braços ao final da 
cerimônia, conduzindo-a para fora da capela. 
 — Cumpra com seu dever. — ordenou lan bruscamente à sua sobrinha. Detiveram-se fora das 
portas da abadia, onde rodeou a jovem com seus braços e, abraçou-a apertado. — Faça com que sua 
família se sinta orgulhosa, lady. 
— Farei. —Tess baixou os olhos sentindo-se culpada. Possivelmente fosse seu próprio plano que 
fizesse sua família sentir-se orgulhosa, raciocinou. Face ao muito que o desejava, sabia que não podia ir 
para a Escócia com seu tio. O rei Alexander era aliado de Dunmore MacLeith e ordenaria a lan que a 
devolvesse a seu padrasto. Não podia permitir que seu tio caísse em desgraça com o rei. Abraçou seu tio 
com força, perguntando-se como a receberia se voltasse a vê-lo alguma vez.— Deus te guarde. 
— Trate de não preocupar-se. — disse Ian rapidamente. Sua angustiada expressão desmentia suas 
palavras. — Se não deixar de franzir o cenho, os Montague pensarão que está aparentada com ursos. 
Tess tentou lhe oferecer um sorriso de ânimo, mas não conseguiu. Soube que acabava o tempo 
quando seu tio lhe deu um rápido e tranquilizador apertão em sua mão. Apressando seu cavalo, o Barão de 
Montague se aproximou, inclinou-se e a elevou sem esforço para sentá-la em seu colo. 
Era estranho estar tão perto do desconhecido que era seu marido. Sua cabeça mal chegava a seus 
ombros, e seus braços a rodeavam com facilidade para sustentar as rédeas. Estava apertada contra a 
solidez de seu corpo da cabeça aos pés e seu calor a rodeava por toda parte. Decidiu que, depois de tudo, 
gostava da sensação de estar protegida por tanto poder. Repreendendo-se por esse pensamento, 
recordou-se de que sua força poderia ser utilizada contra ela algum dia. 
 — Sei que a tratará bem, Barão. — disse lan a suas costas. Houve uma clara nota de advertência 
em sua voz. 
— Vou mantê-la a salvo. — replicou o Barão com arrogância, como se tivesse se ofendido pela 
insinuação de que não fosse fazê-lo. 
A salvo. Essas eram as palavras que Tess estava procurando. Não tinha se sentido segura em anos. 
Não era estranho que um homem conhecido por toda a Inglaterra por sua crueldade, proporcionasse-lhe 
 
 
 
 
 
26 
 
essa sensação com tanta facilidade? Seu corpo se relaxou um pouco e apoiou a cabeça nos largos ombros 
do Barão. 
Kenric elevou uma mão em sinal de despedida e obrigou a seu cavalo a dar a volta, ansioso por 
aproximar-se de sua fortaleza. O céu começava a tingir-se de vermelho no horizonte. Sabia que o 
desaparecimento de Tess seria descoberto em pouco mais de uma hora. Por sorte, não tinham que cruzar 
as terras dos Remmingtons como Laird Ian se veria obrigado a fazer. O escocês seria condenadamente 
afortunado se conseguisse cavalgar pela fronteira até seu próprio castelo, sem encontrar-se com uma das 
patrulhas de MacLeith. Quanto a eles, tinham adiante uma dura cavalgada de dois dias, mas chegariam à 
primeira de suas próprias patrulhas em poucas horas. Tinha levado consigo mais de duzentos homens que 
se achavam dispersos ao longo do caminho, prevendo que era menos provável que os alcançassem no 
começo da fuga. Queria que seus homens e seus cavalos estivessem frescos e descansados se fossem 
obrigados a enfrentar tropas de MacLeith em campo aberto. Levou um momento para envolver sua esposa 
com as bordas de sua capa e logo esporeou o corcel. 
Com o plano já em marcha, não tinha que preocupar-se com a viagem. Em vez disso, os 
pensamentos de Kenric se voltaram para sua nova esposa e a surpresa tão agradável que tinha sido. Um 
momento depois, sentiu quando sua cabeça se apoiou contra seu peito enquanto se abandonava ao sono. 
Cada uma de suas suaves curvas parecia fundir-se contra seu duro corpo, causando uma inesperada e 
calorosa reação em suas vísceras. De novo, ficou surpreso pelo profundo desejo que a jovem despertava 
nele. Não pôde conter um grunhido quando ela moveu os quadris e se apertou contra ele procurando seu 
calor. Estava-o levando a um ponto de excitação tal, que fazia com que cavalgarfosse algo doloroso. Puxou 
as rédeas para que o cavalo trotasse, e respirou profunda e tranquilamente na tentativa de aliviar seu 
desconforto. 
— Há algum problema? — perguntou FitzAllan , aproximando-se do seu lado. 
— Não. — respondeu Kenric, com mais brutalidade do que pretendia. 
— Já chegamos? — perguntou Tess, sonolenta. 
— Os cavalos precisam caminhar durante um momento. — mentiu Kenric com voz cortante. — 
Volte a dormir. 
Kenric segurou Tess mais estreitamente e apertou-a contra seu peito. Só desejava levá-la entre as 
árvores, no mais fundo do bosque, e aliviar a incrível luxúria que despertava nele. O lado razoável de sua 
mente lhe dizia que a ideia era uma temeridade. O sol já era visível e poderiam se encontrar com os 
 
 
 
 
 
27 
 
homens de MacLeitha qualquer momento. Além disso, fazia um frio de mil demônios. Contudo, a ideia não 
deixava de distraí-lo. 
— Não pensei que pudesse adormecer tão facilmente. — esticou-se e tentou colocar-se melhor até 
que Kenric pôs uma mão firme em seu quadril, detendo o enlouquecedor movimento. 
— Seu corpo desprende um incrível calor, milord. — Tess não pôde ver a careta de Kenric até que 
se virou levemente na sela. — É um mau momento agora para fazer uma pergunta? — Arqueou as 
sobrancelhas, esperançosa, mas a severa expressão do Barão não alterou. Tampouco respondeu. A rudeza 
parecia ser seu traço predominante. Incapaz de enfrentar seu intimidante olhar um momento mais, voltou 
sua atenção ao caminho, ignorando seu silêncio. — Perguntava-me como devo lhe chamar. 
— Sou seu amo e senhor, milady. Pode se dirigir a mim como “milord”, “Barão”, ou... “marido”. 
Sua incrível arrogância deixou Tess sem fala. Pensou em lhe agradecer por permitir falar, mas 
pensou melhor. Iria se comportar educadamente enquanto durasse a farsa, embora ele não o fizesse. 
— O que queria perguntar é seu nome próprio, marido. Conheço seus títulos, Barão de Montague, 
mas não sei qual é seu nome de batismo. 
Ele teve o descaramento de lhe sorrir. Tess baixou rapidamente seu olhar de volta ao caminho, um 
tanto temerosa de esquecer seu aborrecimento e lhe devolver o sorriso. 
— Meu nome é Kenric. 
Embora seu capuz se interpusesse entre eles, Tess quase podia sentir seus lábios contra sua orelha 
e seu fôlego na bochecha. Maravilhou-se da forma em que sua profunda voz parecia lhe roubar a vontade. 
— Pode me chamar assim quando estivermos sozinhos, esposa. — Depois de um momento de 
silêncio, ele afastou seu capuz. — Acha meu nome gracioso? 
— Hnm? — inquiriu ela, distraída. 
— Por que está sorrindo? 
— Sua voz. — respondeu Tess sonhadoramente. — Posso senti-la. Justo aqui. — Pôs sua palma 
entre seus seios, rindo brandamente. — Faz-me cócegas. 
Kenric contemplou sua pequena mão até que seu corpo lhe disse que já era hora de voltar a 
respirar e teve que afastar a vista. Fechou os olhos e um milhão de imagens passaram ante eles. A maioria 
delas era de sua esposa, nua por completo. Abriu os olhos de repente e franziu o cenho, aborrecido 
consigo mesmo e com sua falta de controle. A jovem era uma sedutora experiente, ou a mais doce 
inocente que jamais viveu. Mas estava resolvido a estar a salvo dentro do castelo de Montague antes de 
descobrir a verdade sobre seus encantos. 
 
 
 
 
 
28 
 
— Parece que você gosta muito de minha companhia para ser uma mulher que pretendia ser 
monja. — A expressão culpada no rosto de sua esposa lhe recordou sua falta de colaboração ante o altar. 
Isso lhe ajudou a esfriar seu desejo. 
— Tenho que fazer uma confissão. — sussurrou. Sua voz soava arrependida. — Pensei muito nisso e 
acredito que é melhor informá-lo de meu pecado. 
A declaração pegou Kenric despreparado. Quase podia sentir como o sangue de suas veias se 
convertia em gelo. Teve um amante, pensou sombrio. Que delicadeza de sua parte descarregar as culpas 
de sua devota alma antes que descobrisse a verdade por si mesmo. Endureceu sua expressão 
intencionadamente, preparando-a para a cólera que viria. Se ela pensava que tomaria sua confissão como 
um ato de nobreza, equivocava-se. Embora estivesse obrigado a ficar com ela mesmo que tivesse tido mais 
de vinte amantes, não tinha por que lhe gostar. Puxou as rédeas do cavalo e fez gestos a FitzAllan para 
que se adiantasse, permanecendo calado até que esteve seguro da privacidade de sua conversa. 
— Escuto-lhe. — disse em tom sarcástico, arrastando as palavras. 
— Disse uma mentira ao sacerdote. — Falou em voz tão baixa que Kenric teve que inclinar-se para 
ouvi-la. Franziu o cenho, desejando que continuasse. — Disse-lhe que não queria me casar. 
— Conte-me isso tudo, Tess. — A voz de Kenric era tranquila, mas a fúria sob a superfície não podia 
passar inadvertida. 
— Não estou acostumada a mentir, milord, e jamais até agora tinha mentido a um sacerdote. — 
Apressou-se a explicar-se. — Não o culpo se pensar que sou uma pecadora, mas desejava tanto que não 
houvesse derramamento de sangue... 
— E bem? — grunhiu ele. 
— Quando nos encontramos na capela não me desagradou à ideia de me casar com você. Mas 
mesmo assim, minha obrigação era tentar evitar a guerra. O plano do convento parecia tão bom... Por 
outro lado, por isso que estava dizendo que queria ser monja, fui incapaz de admitir ante o padre Olwen 
que me senti atraída por você desde que o vi, e que a ideia de ser sua esposa me parecia bastante 
atraente. As monjas não têm semelhantes pensamentos carnais. OH!... Quero dizer... Na realidade não tive 
muito tempo para pensar em ser sua esposa, mas estava bastante intrigada com a ideia, embora meus 
desejos fossem os de vestir os hábitos e não me casar nunca. OH, Senhor! — Tess sentiu como suas 
bochechas se acendiam, surpreendida de todas as confissões que de alguma forma tinham saído de sua 
boca. Maldita fosse sua língua e quem dera se apodrecesse e caísse! Por que não admitir abertamente que 
tinha sentido luxúria por ele, certo? Seu pobre marido parecia assombrado. Com toda segurança, estaria se 
 
 
 
 
 
29 
 
perguntando sobre a classe de mulher com a que se casou. Tess afastou a vista. Ganhar sua confiança 
admitindo sua mentira era a ideia mais estúpida que lhe poderia ter ocorrido. 
— Olhe-me, Tess. — exigiu severamente. Ela elevou o olhar, com os olhos cheios de lágrimas de 
vergonha. Kenric pôs uma mão em sua bochecha e acariciou a cremosa pele com o polegar. — Está me 
dizendo a verdade agora? 
— Assim é — admitiu. Seu olhar desceu a sua boca, incapaz de continuar olhando-o nos olhos nem 
um momento mais. — Embora não pensasse dizer tanto. 
O sorriso que curvou sua boca deixou Tess atônita. Elevou o rosto para ver o resto de seus traços, e 
contemplou assombrada como seus olhos mudavam de uma cor escura a um suave matiz de cinza. 
É ele, disse-se entre incrédula e aturdida. Kenric de Montague era o homem que tinha visto em 
seus sonhos! A imagem que repentinamente se fez realidade ante seus olhos fez que aflorassem outras 
lembranças. Seu tio lhe contou em certa ocasião que sua avó tinha a capacidade de ver pequenos 
fragmentos do futuro. Até esse momento, Tess desconhecia que também ela possuía esse talento 
estranho. 
Precisava meditar sobre uma revelação tão importante, mas naquele momento parecia que não 
podia pensar em outra coisa exceto no cativante olhar de seu marido. Elevou uma mão até sua bochecha, 
fascinada pela áspera sombra que delatava que tinha passado mais de um dia sem barbear-se. O sorriso de 
Kenric desapareceu no momento em que sua mão tocou seu rosto. 
— Seus olhos são cinzas — sussurrou quando se encontraram seus olhares. 
— Alegra-me que diga isso. 
— Não sabia que seus olhos eram de cor cinza? — perguntou ela, deixando cair sua mão sobre seu 
ombro. 
Kenric levou um momento para ordenar seus pensamentos e para poder continuar a conversa. Os 
olhos de sua esposa bastavam para seduzir a um santo. De fato, mudavam de cor segundo seu estado de 
espírito. Safiras num momento,ametistas no seguinte. 
— Isso eu sabia. — respondeu. Levantou a mão de Tess e lhe deu um beijo na palma, sorrindo ante 
o calafrio que sentiu que a percorria. — Estou contente de que me tenha dito o que sentiu quando nos 
vimos pela primeira vez. Não é pecado apreciar a escolha de nosso rei. 
Ela ruborizou e tentou virar-se de novo, mas Kenric capturou com facilidade seu queixo, curioso por 
ver sua reação na cor de seus olhos. Azul escuro, quase negro, pensou enquanto seus lábios se curvavam 
em um sorriso. 
 
 
 
 
 
30 
 
— Está zangado porque menti ao padre Olwen? — perguntou vacilante. 
— Não, Tess. — Kenric não pôde resistir a lhe dar um suave beijo na testa. Gostou de seu tato sob 
seus lábios, mas se forçou a si mesmo a afastar-se. Sua tímida confissão seria recompensada resolvendo de 
uma vez por todas a ideia de levar-lhe ao bosque. 
— A mentira foi pecado, mas disse impulsionada por um motivo nobre e agiu certo. — De novo, sua 
atitude se tornou arrogante, e, sua expressão, impenetrável. — As mulheres nem sempre são responsáveis 
por seus atos. 
Tess mordeu o lábio, tentando conter as cortantes palavras que lutavam por sair de sua boca. Não 
era o momento de começar uma discussão. Em especial, quando não se encontrava precisamente armada 
com provas suficientes para refutar sua opinião sobre as mulheres. Em vez disso, assentiu rigidamente e 
lhe deu as costas, esperando que o desgraçado fosse o bastante sensível para dar-se conta da razão 
porque estava zangada. Havia cem perguntas que queria lhe fazer para descobrir algo que facilitasse sua 
fuga. Mas aquele homem necessitava uma boa dose de silêncio para meditar sobre seu grosseiro 
comentário. 
De verdade tinha imaginado que o Barão de Montague era o homem adequado para julgar seu 
pecado? Pensa que não sou responsável por meus atos. Qualquer ideia agradável que podia ter sobre ele 
foi deixada de lado. Estava convencido de que ela era um ser inferior, uma menina que não podia ser 
castigada porque era incapaz de distinguir o bem do mal. Isso se fosse boa. Como se o Açougueiro de Gales 
pudesse distinguir um do outro. 
Kenric sorriu por cima da cabeça de sua mulher, satisfeito ao dar-se conta pela rigidez de seus 
ombros que suas palavras lhe tinham afetado. Esporeou ao cavalo, mais ansioso de alcançar o castelo de 
Montague do que tinha estado em toda sua vida. 
O primeiro sinal de problemas chegou menos de uma hora depois. Uma patrulha de doze homens 
vestindo tartáns dos MacLeith cavalgava direitamente para eles. Rapidamente, Kenric e FitzAllan 
avaliaram a situação e decidiram que havia muitas possibilidades de que a patrulha não soubesse do 
desaparecimento de Tess. O grupo cavalgava para o norte, retornando provavelmente de alguma missão 
de correio a Londres. Kenric guiou seus cavalos para a margem do caminho e freou até pararem. Tinha 
envolvido Tess com sua capa para defendê-la do cortante vento, mas jogou rapidamente as bordas por 
cima de seus ombros, de modo que o objeto não pudesse estorvar o manejo de sua espada. 
— Desperte Tess. 
 
 
 
 
 
31 
 
As palavras foram pronunciadas com suavidade, mas Tess reagiu à obrigação na voz de seu marido 
e à súbita tensão de seu corpo. Rapidamente se limpou de sua letargia, sabendo de forma instintiva que 
algo ia mal. 
Kenric se inclinou para sussurrar em seu ouvido: 
— Aproxima-se uma patrulha de MacLeith, mas duvido que saibam que desapareceste. Vêm do sul. 
Cubra o rosto mantenha-se presa a mim aconteça o que acontecer. 
Antes sequer de poder assentir em sinal de que tinha entendido Kenric a levantou de seu colo, 
elevando-a no ar para sentá-la a suas costas. Tess baixou o capuz, rodeou a cintura de seu marido com 
braços trêmulos e começou a rezar. 
Os guerreiros se aproximaram rápido, mas frearam ao encontrar-se com os viajantes. O som dos 
cascos, o tinido dos arreios e o rangido do couro foram diminuindo até que se reinou o silêncio, 
interrompido pelo bufo de um cavalo que foi respondido por outro. 
— Saudações! — disse seu chefe. Tratava-se de um homem de aspecto tosco e insolente com uma 
espessa barba que parecia uma tentativa de compensar o que seu cabelo já rareava. Seu olhar ia de um 
cavalheiro ao outro, com evidente curiosidade. — O que faz sair a homens honrados em um dia tão 
penosamente frio? 
— Viajamos de Revensforth a Montague — mentiu FitzAllan , tentando enganá-los com um olhar 
de total sinceridade em seus quentes olhos marrons, enquanto esfregava sua própria barba incipiente. — 
O Barão de Montague retornou logo que a guerra de Gales terminou e dizem que busca guerreiros para 
substituir os que perdeu na batalha. Meu primo e eu cumprimos nosso serviço com o Barão de 
Revensforth, e esperamos emprestar nossos serviços ao Montague. 
Os pequenos olhos do chefe examinaram devagar aos dois cavalheiros mercenários. Seu cavalo 
chutava nervosamente o chão, como se aguardasse uma decisão. Não era bom sinal. Um cavalo inquieto 
era frequentemente o reflexo do nervosismo de seu amo. O homem grunhiu e assinalou o caminho com a 
cabeça. 
— Vamos a Remmington. Está o caminho limpo para lá? 
—Sim— respondeu FitzAllan . — Não tivemos nenhum problema. 
— Então vos desejo um bom dia. — O guerreiro começou a mover seu cavalo para o lado e então se 
deteve. Inclinou-se na sela, tentando olhar Tess mais de perto. Como não conseguiu, voltou sua atenção a 
Kenric. 
 
 
 
 
 
32 
 
— Não acredito que Montague aceite sua espada se vai junto com uma serva. Acaso é o bastante 
valiosa para arriscar seu salário? 
— É minha esposa — replicou Kenric, encolhendo os ombros. — Ganhará seu sustento. 
O guerreiro assentiu, mas não fez nenhum movimento para partir. Seu olhar foi de Kenric a 
FitzAllan . Logo depois de volta a Kenric. Ambos reconheceram o que revelava o gesto. Estava avaliando a 
seus adversários. 
— Meus homens e eu tivemos uma fria e longa cavalgada de Londres. – O cavaleiro não tirou os 
olhos de Kenric, mas sua mão se flexionou no punho de sua espada. — Passou mais de uma semana desde 
que qualquer de nós tenha tido uma mulher para esquentar-se. — O chefe fez um sinal quase 
imperceptível e seus homens tiraram suas espadas. Cruzando os braços sobre o apoio de sua sela, inclinou-
se para frente, sorrindo desagradavelmente a Kenric. — Talvez sua mulher possa ganhar também o 
sustento no caminho do rei. 
O sorriso do homem foi maligno, mas acabou desvanecendo-se quando nenhum dos dois homens 
moveu um só músculo. Kenric e FitzAllan simplesmente ficaram olhando. 
— Claro que lhes pagaríamos por seus serviços. — Seu cavalo começou a pisotear o chão, inquieto, 
e ele se ergueu na sela. 
Kenric desembainhou sua espada tão velozmente, que a cabeça do homem não teve um piscar de 
tempo antes que o fio encontrasse seu pescoço. Seus companheiros olharam sem poder acreditar no que 
viam quando seu capitão caiu do cavalo. Esses instantes perdidos custaram a vida de mais dois. Os 
guerreiros logo despertaram para o ardor do combate e dividiram suas forças para atacar em separado aos 
dois cavalheiros. Entretanto, não demoraram em lamentar o precipitado desafio de seu capitão morto. 
Kenric e seu cavalo lutavam como se fossem um só corpo, mas Tess sentia como se tentasse se 
agarrar a um relâmpago. Manter-se colada em torno da cintura de Kenric era uma tarefa quase impossível 
que requeria toda sua atenção. Cada vez que sua espada dava uma cortada, o golpe repercutia em seus 
ossos com tanta força que quase a atirava do cavalo. Não podia nem imaginar como seria receber 
semelhantes golpes. Kenric e FitzAllan se dedicaram a tarefa com a metódica precisão de lutadores 
experientes. Um denso bosque lhes guardava as costas e, mantinham seus cavalos o bastante perto para 
proporcionar amparo por trás, uma vez que procuravam um amplo espaço para brandir suas espadas. 
Embora os dois guerreiros viajassem sem seus pesados escudos, compensavam essa desvantagem 
esgrimindo

Continue navegando