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h l i t e r a t u r a CURSO 8 Vera Lúcia Albuquerque de Moraes e Anderson Sousa Literatura e Artes Plásticas Grupos Clã e Scap Realização c e a r e n s e 1. NO MESMO CALDEIRÃO studante de letras, ouvia profes- sores falarem sobre o “grupo CLÔ e pensava: “Mas isso não é um pleonasmo?” Nessa época, já existia uma revista para as publicações desse grupo eclético, múltiplo e bem re- presentativo da intelectualidade cearense: a Revista Clã. Poucos, entretanto, a conhe- ciam. Com números escassos na biblioteca, os próprios professores/autores não levavam os exemplares para as salas de aula, nem fa- lavam de seu conteúdo para os alunos. Então, anos mais tarde, ao cursar o mes- trado em Teoria da Literatura na Universi- dade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), meu orientador, Mário Camarinha da Silva, fez com que eu mudasse meu projeto origi- nal para estudar uma revista do moder- nismo cearense, convencendo-me de que eu estaria prestando uma contribuição mui- to maior ao meu campo de estudos e ao Ce- ará, desvendando aos leitores essa revista de grande qualidade estética que precisava de uma chance para vir à tona e projetar-se. E o que havia de especial em seu conteúdo? Voltamos a 1942, em plena Segunda Grande Guerra Mundial. Muitos eram contrá- rios a festividades e celebrações, como con- gressos de escritores, congressos da poesia, entre outros, pela situação dramática que o mundo estava passando naquele momento. Contudo, no Ceará havia um grupo de jovens intelectuais representantes de vá- rias áreas – literatura, teatro, cinema, artes plásticas – que se reunia, frequentemente, nos cafés da cidade, nos bancos de praça, para falar de seus projetos artísticos e de- fender seus pontos de vista a respeito de qualquer coisa. Não se limitavam à políti- ca ou a ideologias, mas, principalmente, voltavam-se às artes. Embora jovens, eram pessoas reconhecidas nos meios acadêmi- cos, teatrais, informativos, sociais, existin- do grande amizade entre eles. Dito isso, como estivéssemos também pegando um ventinho sentados em banco de praça, vamos conhecer um pouco do vasto território e legado dessa geração, não apenas de escritores, mas de artistas plásticos – ou ambos – em um Ceará há mais de 70 anos. Vera Lúcia de Moraes 114 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE 2. CLAM OU CLÃ? “CLA”, como sairia na experimental e primeira Revista CLÃ, a de número “0”, de dezembro de 1946, significava “Clube de Literatura e Arte”, como queria Antônio Girão Barroso, daí “CLA”, sem o til. Otacílio Colares explica que, sobre a ideia original de Barroso, pensou-se em “Clube de Literatura e Arte Moderna”, ou seja, “CLAM”, ficando então “CLÔ, fato confirmado por Mozart Soriano Aderaldo. Raymundo Netto, em Centro: um coração malamado. formação do CLÃ, segun- do Sânzio de Azevedo, é interessante: “O grupo CLà se foi formando tão es- pontaneamente que seus componentes não tinham claramente consciência do grupo. Isso me parece claro se folhearmos o livro de Abdias Lima Falam os intelectuais do Ceará, publicado em 1946 com entrevistas feitas de julho de 1944 a fe- vereiro de 1945, onde se encontram depoi- mentos de quatro membros do CLà (Braga Montenegro, Joaquim Alves, Artur Eduardo Benevides e Eduardo Campos) e não há a menor referência ao grupo CLÔ. São, entretanto, considerados sócios- -fundadores do CLÃ, de acordo com o ar- tigo 9º de seu estatuto: Aluízio Medeiros, An- tônio Girão Barroso, Antônio Martins Filho, Artur Eduardo Benevides, Braga Montenegro, Eduardo Campos, Fran Martins, João Clíma- co Bezerra, José Stênio Lopes, Lúcia Fernan- des Martins, Milton Dias, Moreira Campos, Mozart Soriano Aderaldo e Otacílio Colares. Azevedo diz que, embora aparente ser uma agremiação longeva, considerando o período de publicação de sua revista, não consta registros que o “grupo” se reunisse, pelo menos não enquanto grupo CLÃ, “apenas cada um se dizia membro daquele grêmio, que nunca chegou oficialmente a se dissolver”. Quando do surgimento do CLà e durante a publicação de sua revista, além de uma visita pessoalmente de Orígenes Lessa (durante o I Congresso Cearense de Escritores, em 1947), diversas personalidades escreveram artigos elogiando a Clã. Entre elas: Guilherme Figueiredo, Sérgio Milliet, José Lins do Rego, Otto Maria Carpeaux e R. Magalhães Jr. MALACA CHETAS BOLACHINHAS CURSO literatura cearense 115 Sem dúvida, um dos motivos da razoável longevidade da Clã se deu pelo apoio recebido de seus “patrocinadores”, entre eles: o Instituto do Ceará (1 ao 14 e 20 e 21), a Universidade Federal do Ceará (do 15 ao 29, com exceção do 20, 21 e 28) e da Secretaria da Cultura e do Desporto do Ceará (nº 28), além de diversos anunciantes ao longo de sua trajetória. 3. ABRINDO A REVISTA Revista CLÃ, periódico que divulgou, reuniu e movimen- tou as ideias da época, teve o seu número ZERO compos- to e impresso pela Coope- rativa Edições CLà Ltda., em caráter experimental, em 1946, tendo como dire- tores os poetas Antônio Girão Barroso, Aluízio Medeiros e o ro- mancista João Clímaco Bezerra, e, em 1948, lançou, oficialmente, o seu primeiro número, desta vez, sob a direção perpétua de Fran Martins e, como secretário, Aluízio Medeiros. O objetivo era se manter aberta à colaboração de escritores de talento que não encontravam um veículo de propa- gação de suas ideias, de sua arte. Além de literatura, cinema, teatro, música, política (e não “partidarismo”, como diziam), entre outros, destinava-se a apresentar os pintores cearenses, como Aldemir Martins, Antônio Bandeira, Barbosa Leite, Zenon Barreto, Barrica e o maranhense Floriano Teixeira, o que carac- terizaria o movimento não simplesmente como literário, mas cultural, como defende Mozart Soriano Aderaldo, também do CLÃ. Eram revistas volumosas – com exceção da número zero –, beirando 120 páginas, embora algumas chegassem a quase 250. Sua periodicidade foi semestral, anual e bi- mestral, dependendo da ajuda dos colabo- radores (entidades culturais, sociais, comer- ciais etc). Por diversas vezes, houve grandes hiatos nessa periodicidade. Na década de 1980, contudo, surgiram três novos números, sendo o último, o nº 29, em 1988. Este número homenageava o cronista Milton Dias, falecido em 1983. Chamaram essa revista de “Milton não mor- reu”, profetizando que, em breve, sairia o 30° número da Clã, o que de fato, não acon- teceu. Ou seja, ao todo, foram 30 edições, considerando a de número zero. BOLACHINHAS 116 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Entre a Clã nº 0 e a Clã nº 1 houve um jornalzinho literário Clã, que “apareceu, perdoem-nos desta vez o trocadilho, de maneira quase clandestina”. Ambos, revista e jornal, tiveram alguma repercussão, mas que morreram, “como tudo o que é bom tem morrido aqui no Ceará”. (seção “Vento Sul, Vento Norte...”, Clã nº 1, 1948) O I Congresso de Poesia do Ceará teve início em 1º de agosto de 1942, no Theatro José de Alencar, com o discurso de abertura do poeta Filgueiras Lima, representando os “modernistas de 28”, a “geração Maracajá” (a revista publica- da em 1929). O autor do “Manifesto do Congresso”, a ser lido por Eduardo Cam- pos, seria o veterano Mário Sobreira de Andrade (o Mário de Andrade do Norte). Entretanto, período de guerra, o Congresso não pôde ser finalizado, pois, em 18 de agosto se deu uma grande passeata realizada por estudantes do curso de Direito contra os países aliados do Eixo: Itália, Alemanha e Japão. A ma- nifestação, a princípio pacífica, resultou num selvagem “quebra-quebra”, na qual manifestantes exaltados incendiaram, depredaram e mesmo saquearam os estabelecimentos comerciais e residen- ciais pertencentes a pessoas originá- rias dos países envolvidos no conflito. Todavia, como resultado do Congresso: a fundação da Cooperativa de Letras e Artes, a iniciativa de realização do I Congresso Cearense de Escritorese a formação do CLÃ. Aliás, o CLà e a Scap teriam uma parceria que seria definitiva para o desenvolvimento de ambos. Chamou-nos a atenção a repetição do slogan, em todos os números, que repro- duzia o objetivo da revista e sintetizava a proposta primordial do grupo: CLÃ: revista de cultura – e, na quarta capa dos números 11 ao 25, CLÃ: uma revista do Ceará para o Brasil. Como podemos ver, o slogan retrata- va, fielmente, o pensamento de seus reda- tores e organizadores: exportar a cultura cearense aos outros estados do Brasil e, até mesmo, ao exterior. Na Clã n° 1, Fran Martins (1913-1996) de- clara: “De uma coisa, estávamos certos: não tínhamos intenção nenhuma de criar um gru- po, como a Padaria Espiritual ou a chamada Academia Francesa ou o Centro Literário. Não éramos na verdade criadores de movimento, éramos movimento, isto é, agíamos espon- taneamente, inconformados, com ou sem razão, rebeldes, mesmo sem uma causa apa- rente para a rebeldia, sobretudo libertos de preconceitos, ideológicos ou literários: cada um trabalhando em seu ofício”. A organização da revista era muito elo- giada pelos recortes, como eram desenvol- vidas suas ideias. Também, porque a Clã foi, aos poucos, abrindo mão dos espaços sobre cinema, política, música e passando a ser uma revista essencialmente literária (a partir da nº 10). A sua seção de abertura, “O li- vro de CLÔ, mostrava sempre um fragmento da literatura cearense: poemas, novelas, con- tos, ensaios etc. É a seção de maior espaço da revista e sempre vem em primeiro lugar. Há uma seção final, “Vento Sul, Vento Norte...”, que tece comentários sobre os mo- vimentos do complexo mundo dos livros – eventos, lançamento, congressos, seminá- rios –, principalmente se atentarmos que o vento soprava do Sul para o Norte, trazendo informações, apresentando novos escrito- res e discutindo muitas novidades. A partir do seu 3º número, a Clã manteve representantes de diversos estados brasi- leiros, como Amazonas (Aldo Moraes e Se- bastião Norões), Pará (Haroldo Maranhão), Maranhão (Bandeira Tribuzi), Pernambuco (Mauro Mota), Bahia (Wilson Rocha), São Paulo (Domingos Carvalho da Silva), Minas Gerais (Bueno de Rivera), Paraná (Dalton Trevisan), Rio Grande do Norte (Veríssimo de Melo), Espírito Santo (F. Gomes da Silva). SABATINABOLACHINHAS CURSO literatura cearense 117 Sãnzio de Azevedo afirma, em Literatura Cearense (1976, p.429), que “O Clube de Literatura e Arte [que no nº 0 da revista é mencionado não como CLÃ, mas como C.L.A.], fundado por Antônio Girão Barroso, não é porém, a rigor, o que viria ser conhecido como grupo CLÃ, embora seus componentes dele fizessem parte”. 4. NASCE A CLà FILHA DO CLà Revista Clã foi uma conse- quência do I Congresso Cearense de Escritores, cuja pretensão era lutar em favor da autonomia de intelectuais e artistas lo- cais. Para tanto, tornava-se necessário reunir esforços no sentido de projetar a cultura cearense no cenário nacional e, quem sabe, internacional. Inegavelmen- te, tratava-se de uma aspiração arrojada e otimista. Os ânimos da época encontra- vam-se bastante inflamados, especialmen- te depois da repercussão lograda com o mencionado congresso e com o I Congres- so de Poesia, também realizado, embora não encerrado, em Fortaleza. Todos esses movimentos e manifes- tações acirraram o empenho de um gru- po de intelectuais, cuja tendência natu- ral sempre foi a de reunir-se em grupos, culminando, assim, com a formação do grupo CLÃ. Sem sede definida, os escritores reu- niam-se em cafés, em bancos de praças ou no ateliê do pintor Mário Baratta, uma vez que existia grande afinidade entre o CLà e os pintores da Sociedade Cearense de Artes Plásticas, a Scap. Esse fato pode ser comprovado por meio da leitura de atas que registraram as sessões preparatórias do I Congresso de Poesia, redigidas pelo poeta Aluízio Medeiros e publicadas, posteriormente, nas páginas da Revista Clã, em formato de deliciosas crônicas bem-humoradas. O pessoal do CLà estava disseminado em várias instituições, como na universidade, na Academia Cearense de Letras, no Instituto do Ceará, na Casa de Juvenal Galeno, na Casa de José de Alencar, entre outras, constituin- do um grupo de prestígio cultural e social. O conselho de redatores foi composto, inicialmente, por Joaquim Alves, Stênio Lo- pes, Antônio Girão Barroso, Mozart Soriano Aderaldo e João Clímaco Bezerra. A partir do número 6, iniciaram sua colaboração na Clã os seguintes escritores: Artur Eduardo Bene- vides, Braga Montenegro, Eduardo Campos, Moreira Campos e Otacílio Colares. Stênio Lo- pes esteve ausente a partir do quinto número, reaparecendo no número 11, quando Eduar- do Campos foi eleito diretor comercial da Clã. Estreou nas páginas de Clã uma nova escritora de contos e novelas: Lúcia Fer- nandes Martins, a única voz feminina do grupo – que também escreveu sob pseu- dônimo “Sandra Lacerda” – esposa de Fran Martins. No número 16, o cronista Milton Dias também passou a integrar o quadro de colaboradores, sendo considerado o úl- timo dos “antigos” escritores do grupo – o mais velho seria Joaquim Alves, razão pelo qual era denominado, “guardadas as pro- porções”, por Sânzio de Azevedo de “o Gra- ça Aranha do CLÔ –, observando-se que, a partir do número 23, a revista começou a promover e divulgar a geração dos “novíssi- mos” escritores do Ceará. Entre eles: Horá- cio Dídimo, Sânzio de Azevedo, Linhares Fi- lho, Pedro Lyra, entre outros. Na década de MALACA CHETAS 118 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Um dos objetivos da rapaziada no I Congresso de Poesia do Ceará seria criar, além de outras coisas, um ateliê. E por quê? Explica Fran Martins: “o ateliê seria um lugar onde os artistas pudessem trabalhar mais à vontade, pois no momento o ponto de encontro maior de todos era o acanhado ateliê do pintor Mário Baratta, localizado nos altos de um cinema, depois numa esquina familiar, causando incômodos morais às famílias da vizinhança, porque lá, pela primeira vez nesta terra, [...] havia modelos vivos que [...] posavam nuas para os outros artistas – modelos que eram, diziam-se, mulheres da vida”. Na revista Clã número zero, encontramos a informação de que no ano seguinte (1947) o CLÃ, juntamente com a Scap, realizaria o III Salão de Abril em Fortaleza. 1980, depois da publicação dos primeiros 25 números da Clã, aderiram ao grupo os escritores Pedro Paulo Montenegro, Cláudio Martins e Durval Aires. Durante sua formação, o grupo CLà recebeu influência direta da geração de 1930, de certa forma antecipando-se à produção literária de escritores que apareceriam com a geração de 45. Podemos observar que, na ficção, o grupo se afinou mais com as carac- terísticas temáticas e estilísticas de 30 e, na poesia, com a estética de 45. A geração cearense reunida em torno do grupo CLà surgiu quando o Moder- nismo consolidava suas diretrizes, daí porque sua função não foi tanto de re- novação, mas de afirmação de valo- res já vigentes em seu tempo. Sem preocupação de renovação es- tética ou manifestações de protesto à geração anterior, o CLà procurou enfa- tizar uma integração entre a arte e a vida, consolidando de forma definitiva a implantação do Modernismo no Ceará, conforme nos afirma Sânzio de Azevedo. SABATINA BOLACHINHAS CURSO literatura cearense 119 expressões formais, vigiando a emoção por um esforço de objetivismo e inte- lectualismo. Essa característica não se restringe aos elementos da geração de 45, mas se revela, também, entre os poetas da geração anterior, a exemplo de Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo e Jorge de Lima. Abrir caminho para o re- encontro com a essência, possibilitando a transmissão de uma mensagem de sólido humanismo ao leitor, constitui o compro- misso do escritor com seu espaço vital. Os poetas do CLà procuram fugir à ideia da desumanização, à ideia do homem exilado no interiorde uma solidão coletiva, perdido entre semelhantes, afastado pelo individualis- mo da concorrência pela vida, principalmente nas grandes cidades. Entre os poetas do gru- po, o único a cultivar o soneto, na linha apu- rada dos neoclássicos, foi o escritor Otacílio Colares. Por sua formação humanista, conti- nuou a assumir as normas fixas do verso, com grande segurança, registrando, de modo sen- sível, sua realidade interior, sem limitar as pos- sibilidades expressivas do poema. Toda sua produção poética é de um lirismo fortemente marcado pela confidência, pela plenitude dos sentidos, pela visão familiar do mundo. De acordo com o livro Poesia cearense e realidade atual do escritor Pedro Lyra, a primeira fase de Otacílio Colares como po- eta, contém vinte sonetos líricos, quase to- dos de amor, oscilando entre a serenidade do “Soneto em tons menores” e a exalta- ção do “Estudo em nu”, sintetizadas essas atitudes no ideal amoroso do belo “Soneto de Nove de Outubro”: Vai longe o tempo? Nem sei bem, só vejo que, quanto mais e mais se faz distante a hora do amor nascente, mais desejo estar junto de ti, amigo e amante. Otacílio continuou a escrever seus belos sonetos, compondo o que chamou de “Co- roa de Sonetos”. Isso aconteceu no número 26 da revista, sendo antecedido por uma análise crítica do professor, historiador e crítico literário Sânzio de Azevedo. Antônio Girão Barroso destacou-se como autêntico líder dos empreendimen- tos levados a efeito no Ceará, em favor das letras e das artes. Sua participação ativa no I Congresso Cearense de Escritores e na publicação da Revista Clã evidencia o es- critor voltado para as renovações que se processavam no mundo artístico. É um dos autores, de Os hóspedes, obra que reuniria Artur Eduardo Benevides, Aluízio Medeiros e Otacílio Colares. Segundo Pedro Lyra, a escassa poe- sia de Antônio Girão Barroso é o legado cearense mais identificado com o mo- vimento renovador de 22, apesar da de- fasagem sofrida: seu livro de estreia é de 1938, quando o Modernismo já superara a fase localista e consolidava a reconstrução empreendida pela geração de 30. Sua lin- guagem se apresenta como literatização da linguagem popular, de expressões coloquiais, singularizando-se por constru- ções como as que transcrevemos de seu livro Alguns poemas, publicado em 1938: “O trem passa pinicando sordades” “Vem danado pra chegá” “Um bando de colegiais tão fazendo sururu na rua” “Minha noiva foi simbora” Em todos esses casos, observamos uma fixação do autor à tradição oral do portu- guês do Brasil, através da incorporação dos vulgarismos mais usuais à lingua- gem literária, procurando sintonizar a 5. O GRUPO CLà EM VERSOS Como as árvores, que já andam carregadas de frutos, os meus bolsos estão carregados de poemas. Antônio Girão Barroso, em “O poeta” (1950) mesmo Sânzio, em sua Lite- ratura Cearense, conta que “essa agremiação surgiu, portanto, quando já havia passado a fase primitivista do Modernismo e os poe- tas entravam em outra fase chamada por alguns de construtivista. Despontava, portanto, a geração de 45, quando o CLÃ, já com alguns livros publicados, começou a pro- jetar-se”, o que é ratificado pelo depoimento do poeta Antônio Girão Barroso: Depois, muito tempo depois, falou-se numa geração de 45. Se ela existiu, se- gundo os justos desejos de um Lêdo Ivo e de Domingos Carvalho da Silva, não soubemos na época, o que não deixa de ser lamentável. A verdade é que, pelo me- nos alguns de nós – estreados em livro na década de 30 ou um pouco depois de 40 – funcionamos aqui como uma espécie de ponte entre o modernismo e algo que talvez só esteja surgindo agora. Essa geração representa uma volta da poesia à sua depuração formal e à res- tauração de certos gêneros fixos como o soneto e a ode. Existe uma certa preocu- pação no sentido de selecionar temas e 120 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Muitos são os poemas sobre Fortaleza, exaltando as jangadas, a praia de Iracema, os bairros, as serestas, os mistérios da noite [...] Até mesmo artistas plásticos, como Antônio Bandeira, escreveram seus poemas sobre Fortaleza na revista [Clã]. (Moraes, revista Clã., 2008) prática poética com o gosto popular. A sátira é um dos pontos fortes de sua po- ética: satiriza o versejar empolado e o tom oratório de alguns poetas com suas frases de efeito e expressões bombásticas. Esse tributo a 22 se manifesta claramente na afi- nidade de Antônio Girão Barroso com Ma- nuel Bandeira – o poema “Estação de ferro” é uma paródia do famoso “Trem de ferro”. Sânzio de Azevedo afirma sobre Barroso: “começou ainda influenciado pelo poema- -piada dos primeiros tempos do Modernis- mo; depois, evoluiu para os versos livres lon- gos, novos, mas com uma cosmovisão mais ou menos romântica”. (MORAES, 2008, p.30) Aluízio Medeiros, apesar de ter partici- pado de antologias do conto, não se destaca exatamente por sua condição de contista, mas de poeta. Trata-se de um escritor essen- cialmente lírico, de uma extraordinária fineza e de pura expressão artística. Seu lirismo está ligado à vida cotidiana e suas manifestações, daí o porquê da insistência da temática so- cial em seus versos. Não sucumbiu às ideias de um lirismo decadente e sem perspecti- va, antes fixou-se na realidade circundante como motivação de sua criatividade literária. Seu livro de poemas Os objetos coloca o autor em posição singular dentro do grupo. Aprofunda-se em pesquisas de temática fe- nomenológica, chegando, algumas vezes, ao hermetismo profundo. Assume posi- ção de vanguarda na Literatura Cearense, sem, contudo, desligar-se de suas contin- gências culturais. No primeiro poema do re- ferido livro, o autor procura tornar explícitos seus procedimentos poéticos, procurando efetuar uma decifragem do homem: Poderia dizer que sou um Deus; que as estrelas aureolam a minha cabeça imaginativa; que a todo instante posso criar tantos mundos ao sabor dos meus desejos. Mas sou, como os outros, telúrico e humano, uso o silêncio de galocha, grito, trabalho e sinto fome, oceânico e lúbrico, ando com a barba por fazer. Do grupo dos poetas do CLÃ, Aluízio foi o que chegou mais perto da estética mo- derna, tanto no que se refere à conteudísti- ca, quanto à parte formal. Artur Eduardo Benevides tem vasta obra publicada e premiada, quase toda no âmbito da poesia, embora tenha escrito en- saios. Benevides se classifica como um po- eta “essencialista”, que percebe a poesia como “algo de substancial, universal, subjeti- vo e intemporal, uma atitude de espírito, um valor supremo”. Seus poemas refletem acen- tuada influência do poeta Augusto Frederico Schmidt e do simbolismo de Mallarmé. Por que não jazermos o que nos torna plenos? Por que não realizarmos o que mais amamos? Por que sermos indigentes de nós mesmos e sentirmos a penúria da alma despojada de seus próprios sonhos? Observamos que os poetas do CLà re- velaram-se abertos a várias tendências po- éticas: ora continuaram a apresentar um lirismo clássico com características ne- oparnasianas e simbolistas, através da versificação em forma de soneto – como é o caso do escritor Otacílio Colares –, ora viajaram em voos metafísicos e trans- cendentes, como na poesia de Artur Edu- ardo Benevides. Também expressaram- -se de forma mais popular, próxima à oralidade, com Antônio Girão Barroso e, por vezes, ousaram romper com a tradição acadêmica, instaurando novos procedi- mentos temáticos e escriturais, como no poema de Aluízio Medeiros. Hermetismo Saber oculto, esotérico, reservado a poucos; aquilo que é difícil de compreender e/ou interpretar. SABATINA CURSO literatura cearense 121 SABATINAO mais representativo romancista do grupo CLà é, sem dúvida o escritor Fran Mar- tins, o diretor perpétuo da revista Clã, pela natural liderança que possuía nos meios inte- lectuais brasileiros. A sua importância para a longeva duração do movimento era tanta, queArtur Eduardo Benevides dizia “o Clã é Fran”. No romance Dois de ouros (1966), que versa sobre uma perseguição da polícia a um cangaceiro, o autor desce às profunde- zas de uma consciência desesperada, ofe- recendo-nos um dos mais autênticos tipos da moderna ficção brasileira. Na opinião de Moreira Campos, é a mais amadurecida e equilibrada obra literária de Fran Martins. O repisar dos mesmos sentimentos, das mes- mas memórias, formando uma “narrativa circular”, constitui outro procedimento lite- rário a que o autor recorre continuamente. E por falar em Moreira Campos, é ele o mais notável contista do grupo. Os críticos consideram que a prosa de fic- ção caracteriza mais a rigor a geração do gru- po CLà do que a poesia, merecendo alguns contistas citações em várias antologias de contos brasileiros. Moreira, em seu livro de estreia, Vidas marginais (1949), caracteriza-se por conter uma notável dose de sentimento humano, sem fazer literatura engajada, preo- cupa-se em criar um conto novo, que não se resuma numa só leitura, mas que convoque o leitor para um processo de recriação da obra. Em Puxador de terço (1969), a lingua- gem é, sem dúvida, o elemento de maior sig- nificação da obra: límpida, correta, espontâ- nea, em períodos curtos e incisivos. Merecem destaque outros escritores: Milton Dias, por excelência, na crônica (Cunhãs e Ilha do homem só), Lúcia Mar- tins (Nada de novo sob o sol), João Clí- maco Bezerra – no conto, no romance e também na novela (Não há estrelas no céu, Longa é a noite, A vinha dos esquecidos). Na crítica literária, Braga Montenegro é a maior referência, acompanhado de Mozart Soriano Aderaldo e José Stênio Lopes. Fran Martins assumiu a presidência da Associação Brasileira de Escritores seção Ceará. Uma de suas primeiras ações foi criar uma editora-distribuidora denominada “edições CLÔ, cujo livro inaugural seria uma plaqueta intitulada Três discursos, de autoria de Mário Sobreira de Andrade, Eduardo Campos e Antônio Girão Barroso. O teatro seria devidamente contem- plado pelo teatrólogo, contista e folclo- rista Eduardo Campos (1923-2007), que escreveu e encenou o “Morro do Ouro”, na qual retrata as dificuldades da vida dos habitantes de uma favela nordestina. Obra premiada em Barcelona. “A rosa do lagamar”, “O demônio e a rosa” e muitas outras peças obtiveram sucesso. O autodidata Braga Montenegro, nascido em Maranguape, iniciou-se nas letras no Amazonas, sob o pseudônimo “Léo Silva”, como nos informa Sânzio de Azevedo, que também o considera um dos expoentes da crítica literária brasileira, tendo colaborado, entre outros, com o suplemento literário d’O Estado de S. Paulo. Embora seja mais citado como crítico, seu livro de estreia, Uma chama ao vento, é de contos, ganhador do Prêmio Aequitas (1945) e Prêmio Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras (1947). Edigar de Alencar o considera parte, juntamente com Rocha Lima e Araripe Jr., da tríade maior da crítica. 6. O CLà TODO PROSA “Clã não é, apenas, uma revista de literatura. É, antes, uma revista de todo o Ceará mental. Aqui, na medida do possível, recolheremos o trabalho dos nossos homens de letras e de pensamento, pois a pretensão que nos anima é sermos porta de saída da melhor produção intelectual da gente cearense, de tal modo que ela possa aparecer lá fora, nítida na sua pureza, numa demonstração convincente de que a gloriosa província de Alencar continua a viver, a se agitar, na procura sempre insatisfeita de rumos novos para a cultura brasileira”. (Revista Clã, nº Zero, 1946) destaque dos romancistas do CLà revelou-se, antes de tudo, na tendência de fun- dir e conciliar o universa- lismo e o regionalismo: a valorização da cultura bra- sileira – nossa terra, nossa gente –, uma grande dose de nativismo, a abordagem de temas folclóricos, o estudo da fala popular etc. Importante destacar que os regionalis- tas nordestinos diferem bastante uns dos outros, quanto ao estilo e à multiplicidade de suas experiências e suas áreas de origem. Iremos perceber que os escritores do CLà ainda baseiam sua obra na estrutura- ção tradicional do romance e a sua lingua- gem, também distinta, é pessoal, social, portadora da história da sociedade, suas regras e suas crenças. MALACA CHETAS 122 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE SABATINA O autodidata pintor Otacílio de Azevedo era também poeta e foi membro da Academia Cearense de Letras. Sua obra é composta de livros de poesia e de um livro de crônicas, Fortaleza Descalça, referência nos estudos historiográficos no estado. É pai do poeta, historiador e pesquisador Sânzio de Azevedo, do astrônomo, quadrinista, pintor e escritor Rubens de Azevedo e do historiador, musicólogo e colecionista Miguel Ângelo de Azevedo, o “Nirez”. CONFEITOS 7. DOS LIVROS PARA OS ATELIÊS E ESTÚDIOS DE FOTOGRAFIA Descobrimos todo um inquieto número de pintores e desenhistas que se escondia numa suja e pequena sala do último andar de um velho prédio ali da Praça do Ferreira. Mas que embora escondido, trabalhava sem interrupção. Aos pintores nos juntamos. Eles vieram também para o Congresso [de Poesia]. Aluízio Medeiros, em Crítica 2ª série (1946-1948). té aqui abordamos sobre os escritores do grupo CLà e da revista homônima. Como já sabemos, os escritores do CLà tinham uma relação muito próxima com os artis- tas plásticos da época, daí nos preocuparmos em tra- tar um pouco das ações em conjunto desenvolvidas por esses dois gru- pos: o CLà e a Scap. O início das atividades da Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap) data do ano de 1944. No entanto, consideramos necessário discorrer sobre o movimento artístico que antecede à sua criação, pois a sociabilidade entre os artistas plásticos e os intelectuais da literatura já era vivenciada nos anos e nas décadas anteriores. Nesse contexto, destacamos a importância dos estúdios de fotografia e dos ateliês. Barbosa Leite (1920 – 1996) foi desenhista, pintor, escritor e um dos fundadores do Centro Cultural de Belas Artes (CCBA), em 1941, e da Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap), em 1944. Escreveu o livro Esquema da pintura no Ceará em 1949. Participou e foi premiado em diversas edições do Salão de Abril, em Fortaleza (MONTEZUMA, 2003, p.21). Barrica (1908 – 1993) foi desenhista, pintor e ceramista. Iniciou nas artes plásticas nos anos de 1920, tendo aulas de pintura com Gérson Faria. Foi também um dos fundadores do CCBA e da SCAP. Em Fortaleza, participou e foi premiado em diversas edições do Salão de Abril. Inaugurou, com uma mostra individual, o Centro de Artes Visuais Casa Raimundo Cela, em 1967. No cenário nacional, figurou em exposições de outras regiões do Brasil, especialmente em galerias de São Paulo e do Rio de Janeiro (MONTEZUMA, 2003, p.21). Os estúdios de fotografia surgidos na segunda metade do século XIX, mas prolife- rados nas primeiras décadas do século XX, foram espaços de aprendizagem e de atua- ção profissional dos pintores de Fortaleza, em razão da crescente prática da técnica do retratismo (PONTE, 2014). Entre esses estúdios, mencionamos o Foto Walter e o Photo Ribeiro, pertencentes, respectiva- mente, a Walter Severiano e a J. Ribeiro, onde predominavam a tradição dos retratos a óleo ou a crayon (MARQUES, 2007, p.38- 39). Os artistas cearenses Barbosa Leite e Clidenor Capibaribe, o "Barrica", traba- lharam nesses estúdios de fotografia. Para saber mais sobre a história do Minimuseu Firmeza, legado do artistas Estrigas e Nice Firmeza, conhecer o seu acervo e as suas salas de exposições, confira: minimuseufirmeza.org BOLACHINHAS CURSO literatura cearense 123 SABATINA MALACA CHETAS Estrigas (1919 – 2014) foi artista plástico e memorialista das artes plásticas no Ceará. Iniciou nas artes plásticas como aluno do Curso livre de Desenho da Scap, em 1950. Além de ter participado em diversos salões e mostrasde arte, deu importante contribuição ao publicar diversas obras sobre a história e a memória das artes cearenses. Juntamente com sua esposa, a artista Nice Firmeza, criaram o Minimuseu Firmeza, em 1969. Deste então, o Minimuseu abriga um importante acervo e documentação sobre as artes plásticas no Ceará. (MONTEZUMA, 2003, p.34). O carioca Mário Baratta (1914 – 1983) mudou-se para Fortaleza em 1932 quando ainda era estudante de Direito. Aproximou-se dos grupos de artistas plásticos e intelectuais da literatura, tendo exercido papel de liderança na criação do CCBA e da Scap. Como artista, figurou em diversas mostras e salões de arte de Fortaleza, especialmente o Salão de Abril (MONTEZUMA, 2003, p.71) Estrigas menciona, no fragmento ao lado, o Salon Regional como a primeira mostra de arte com maior expressão em Fortaleza. Dos cinco artistas exposi- tores, a maioria frequentava o Ateliê de Clóvis Costa. Este foi um espaço de apren- dizado, no qual os artistas produziam suas obras e as submetiam à apreciação e co- mentários dos outros frequentadores. Em sua maioria, reuniam-se no mencionado ateliê, os artistas e escritores: Rubens de Azevedo, Otacílio de Azevedo, Gérson Fa- ria, Pretextato Bezerra (o “TX”), Barrica e Milton Rodrigues. O grupo se reunia, geral- mente, aos domingos para praticar e deba- ter sobre arte. Recebiam visitas de outros artistas já estabelecidos, entre eles, Rai- mundo Cela (AZEVEDO, 1996, p.141-143). Segundo Rubens de Azevedo, na obra Memórias de um caçador de estrelas, outro ateliê importante foi o de Delfino Silva, que funcionou no decorrer dos anos de 1930 ao início da década de 1940. Antes da criação de espaços mais específi- cos para exposições de artes, os artistas fa- ziam uso das vitrines das lojas para expor seus trabalhos (ESTRIGAS, 2009, p.23). Devido à atuação dos pintores nos estú- dios, estes foram incentivados a organizar exposições com os seus trabalhos. Dessas mostras, ao que parece, a primeira a realizar-se com maior grau de interesse e ex- pressão foi a que se denominou Salon Re- gional, de 1924, da qual participaram cinco artistas: Otacílio de Azevedo, Clóvis Costa, Walter Severiano, J. Queiroz e Eme Guilher- me. Teve como local a foto Walter, na rua Ba- rão do Rio Branco, de propriedade de Walter Severiano, e ali estiveram expostos mais de cinquenta trabalhos. (ESTRIGAS, 2009, p. 23) Acreditamos que esse movimento, em torno dos estúdios de fotografia e dos ate- liês, tenha contribuído para a estrutura- ção do campo das artes plásticas no Cea- rá. Desse modo, no ano de 1941, foi criado o Centro Cultural de Belas Artes (CCBA). Vários nomes da história das artes plásticas estiveram envolvidos com a sua fundação, entre eles: Gérson Faria, Barrica, Barbosa Lei- te, Afonso Bruno, Raimundo Campos, Otacílio de Azevedo, Rubens de Azevedo (LEITE, 1949, p.8). Contudo, Mário Baratta foi um dos principais responsáveis pela iniciativa em se criar o CCBA (ESTRIGAS, 2004, p.21). 124 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE SABATINA BOLACHINHAS 8. A SOCIEDADE CEARENSE DE ARTES PLÁSTICAS (SCAP) A 27 de agosto de 1944, funda-se a Scap, que representou a mais forte contribuição ao nosso desenvolvimento artístico. A Scap mantinha uma Escola de Arte da qual fizemos parte, lecionando perspectiva de anatomia. Ensinara nela os escultores Honor e Angélica Torres, formados pela Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, Chabloz, Mário Baratta e outros. Os intelectuais da terra aderiram e podiam lá ser vistos, como os escritores Artur Eduardo Benevides, Otacílio Colares, Mozart Soriano Aderaldo, João Clímaco Bezerra, Eduardo Campos, Aluízio Medeiros, Antônio Girão Barroso e Fran Martins. (AZEVEDO, 1996, p. 148) citação acima é bastante elu- cidativa no que diz respeito ao estreitamento das re- lações entre artistas plás- ticos e escritores, através da formação da Scap. Os es- critores mencionados, como você já deve ter percebido, faziam parte do CLÃ, cuja tra- jetória já foi destacada neste fascículo. De acordo com o Diário Oficial do Estado do Ceará, de 6 de dezembro de 1944, as principais finalidades da Scap, segundo os seus estatutos, foram: (1) Realização perió- dica de Salões de artes plásticas; (2) Manter uma Galeria de arte; (3) Concursos de moti- vos e (4) Criação de uma Escola de arte. Os estatutos da Scap também indica- vam como funcionaria a associação, a sua composição hierárquica, as funções entre os membros associados, sendo que “a co- missão elaboradora dos estatutos foi com- posta por: Raimundo Cela, Mário Baratta, Raimundo Vieira Cunha, Melo Machado e Fran Martins” (SILVA, 2015, p.52). Entre as principais atividades desenvol- vidas pela Scap, mencionamos o tradicional Salão de Abril de Fortaleza. Entre os anos de 1946 e 1958 a entidade realizou, anual- mente, o Salão. Por se tratar de uma mostra competitiva, em cada edição alguns artistas eram premiados e recebiam menções hon- rosas da comissão julgadora, formada, majo- ritariamente, por membros da própria Scap. O artista visual e pesquisador Roberto Galvão em A escola invisível: artes plásticas em Fortaleza (1928 – 1958) analisa a Scap como uma escola (invisível) para os artistas, pois não havia em Fortaleza nenhuma es- cola formal de arte no período. Nesse sen- tido, as atividades desenvolvidas pela Scap proporcionaram uma formação em arte. A primeira edição do Salão de Abril foi realizada pela Secretaria de Arte da União Estadual dos Estudantes (UEE), em 1943. Em seguida, houve o primeiro intervalo na história do Salão. Entre 1946 e 1958, a Scap realizou o Salão. Após um segundo intervalo em sua história, o Salão de Abril ressurge no cenário artístico de Fortaleza em 1964, passando a ser de responsabilidade da Prefeitura de Fortaleza a sua realização. Quem estiver interessado em conhecer mais sobre a história do Salão de Abril, confira: O Salão de Abril em dois momentos: Sociedade Cearense de Artes Plásticas e Prefeitura Municipal de Fortaleza (1944-1970), de SILVA, Anderson de Sousa, dissertação (mestrado em História), pela Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015, em nossa Biblioteca Virtual do AVA. A seguir, destacamos, a partir de matérias de jornais, algumas iniciativas da Scap em relação à organização de escolas e cursos de arte, especificamente em 1955 e 1956: O Correio do Ceará, em 29 de janeiro de 1955, trata do Curso Livre de Desenho e Pintura da Scap, realizado no início da década de 1950. Esse curso revelou impor- tantes nomes da história das artes plásticas cearenses, como Estrigas, Heloísa Juaçaba e Nice Firmeza (SILVA, 2015, p. 67). A mesma matéria destaca que este curso passou a ser chamado, anos depois, de Curso de Dese- nho e Pintura Vicente Leite e, em seguida, de Escola de Belas Artes do Ceará (Ebac). O Gazeta de Notícias, de 6 de maio de 1956, divulgou que a Escola de Belas Artes do Ceará (Ebac) ofertava um curso de arte com extensa grade curricular e nomeava seus professores: Francisco Matos (Desenho Artístico), Angélica Torres (Modelagem), Car- los Ribeiro Pamplona (Anatomia e Fisiologia Artística), José Eduardo Pamplona (Geome- tria Descritiva), Roberto Vilar (Arquitetura Analítica), J. Leopoldino (Perspectiva), Mário Baratta (Pintura), Honor Torres (Escultura). A Ebac tencionava ainda acrescentar História da Arte, que seria ministrada por Araken Car- neiro; Estética, por Artur Eduardo Benevides; Psicologia aplicada, por João Vasconcelos César; Filosofia da Arte, por Lauro Oliveira, e Didática, por Hipólito Oliveira. O Salão de Abril, em sua trajetória, passou por algumas mudanças e permanece vivo até os dias atuais. Configura-se como uma das mais importantes mostras de artes visuais do país, sendo que neste ano (2020) ocorrerá sua 71º edição. A Prefeitura de Fortaleza alimenta um site, no qual estão disponíveis a maioria dos catálogos das edições do Salão de Abril, entre outras informaçõesacerca da tradicional mostra de arte. Confira: salaodeabril.com.br. CURSO literatura cearense 125 9. A CRÍTICA DE ARTE NA CLà Acho que o ponto alto da Clã, no tocante às artes plásticas, foi a possibilidade de registrar, com muito zelo, eventos importantes das nossas artes, principalmente o movimento conhecido como escapiano de artistas integrantes da Scap. Descartes Gadelha, para Clã: revista de cultura, 2008. os primeiros tópicos des- te fascículo, o(a) cursista teve acesso a um pouco da história do grupo CLà e da sua revista com ên- fase na produção de pro- sa, poesia e teatro desses escritores. Entretanto, a Clã era uma revista de cultura, como anunciava, e seus redato- res tratavam de diversas linguagens. Aqui, nos deteremos a algumas contribuições para as artes plásticas cearenses, enten- dendo ser notória a parceria entre os escritores do CLà e os artistas da Scap que, inclusive, ilustravam o periódico. Nas suas primeiras edições, os textos sobre artes plásticas encontravam-se na seção denominada “Artes Plásticas”. Em ou- tras edições, na seção denominada “Vento Sul, Vento Norte...” e/ou no “Caderno de Ar- tes Plásticas” (SILVA, 2015, p.68). É tão estranha a força que caracteriza as obras de BARRICA que, se não o tivésse- mos acompanhado na evolução porque acaba de passar, difícil nos seria acredi- tar que o autor de certo quadro de nossa coleção, - de época mais remota, fosse o mesmo que, hoje, assina “Vila suburbana”, menção honrosa no Salão de Abril 1947, “Casebres”, da Coleção do Dr. Aderbal Freire e outros mais que se encontram na posse de colecionadores como o Dr. Jonas de Miranda e o Sr. Alcides Santos. Como pintor, consideramos Barrica o maior no Ceará, dentro da escola para a qual se in- clinou, a expressionista. (Barbosa Leite. Clidenor Capibaribe – Barrica. Revista Clã, n. 4, agosto de 1948, p. 101 e 102). O fragmento acima é um bom exemplo do formato dos textos que eram escritos sobre os artistas plásticos. Nesse sentido, defendemos a ideia de que a revista Clã con- tribuiu para a formação de um campo para a crítica de arte no Ceará. A trajetória dos artistas era acompanhada por esses in- telectuais do CLÃ, que pontuavam a “evolu- ção” do artista. Também era uma forma de divulgar as obras expostas no Salão de Abril, assim como a prática do colecionismo. “Barrica” não estudou pintura, não frequen- tou cursos de desenho. Nisto aliás não leva vantagem a qualquer outro dos nossos pinto- res ora em evidência, esses jovens que come- çaram a aparecer nos Salões de Abril, desde Antônio Bandeira a Aldemir Martins, desde Carmélio a Barbosa Leite. A atual geração de pintores do Ceará, para honra sua e sua gló- ria maior no futuro, não fez pintura porque o papai quis e a mamãe achou interessante. Foi para pintura por tendência e seu primeiro contato com a arte caracterizou-se logo pelo manejo do pincel e o uso das tintas. A pintura para eles foi fenômeno que se verificou de fora para dentro, se assim podemos dizer. (Otacílio Colares. Considerações em torno de Barrica. Revista Clã, n. 7, fevereiro de 1949, p. 143). O nome de Barrica apareceu mais uma vez, agora num texto de autoria do escritor Otacílio Colares. Percebemos o formato semelhante ao do texto de Barbosa Leite destacado anteriormente. A crítica de arte na Clã apontava elementos como o autodi- datismo, a visibilidade a partir do Salão de Abril, além de atribuir certa aura de “heroís- mo”, dando a entender que, de algum modo, os artistas estavam “predestinados” a per- tencerem e se firmarem no campo da arte. BOLACHINHAS O artista Barbosa Leite, além de cola- borar na escrita da Revista Clã, também publicou um livro pelo selo Edições Clã, Esquema da pintura no Ceará, lançado na quinta edição do Salão de Abril, em 1949. 126 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE 10. FECHANDO A REVISTA alar da Scap como um dos capítu- los que compõem a historiografia da Literatura Cearense é reconhe- cer que as linguagens artísticas trabalham mais próximas do que distantes umas das outras e isso vem a contribuir com o fortaleci- mento da arte, dos artistas e, no âmbito geral, da cultura. A Revista Clã é um bom exemplo, como vi- mos. Os escritores tinham a oportunidade de apresentar seus trabalhos no campo da lite- ratura e, em paralelo, também atuavam como críticos de arte através dos textos que divul- gavam, além de promover nossos artistas e refletir sobre a sua trajetória e renovação. O poeta Francisco Carvalho, na revista Clã de nº 30 – na verdade, uma homenagem ao grupo CLà realizada em 2008 –, nos diz: “Não há exagero em afirmar que o grupo CLà revi- talizou gradativamente o status da produção intelectual no Ceará, ao longo das últimas cinco décadas do século XX. [...] na esteira de suas realizações e iniciativas, foi abrindo ca- minho para o acesso das novas gerações, se- dentas de espaço e de liberdade para as suas criações nos domínios das letras e das artes”. Assim, para encerrar o nosso módulo, propomos as seguintes reflexões e questio- namentos: quais são os intelectuais que es- crevem sobre arte no Ceará, atualmente? Isso vale também para você, em qualquer outro estado do país. E como se configura o diálogo e as fronteiras entre a literatura e as artes vi- suais na produção artística contemporânea? No próximo módulo, fique de olhos bem abertos: literatura em encruzilhadas! REFERÊNCIAS ALENCAR, Edigar de. Variações em tom menor: letras cearenses. Fortaleza: edições UFC/Proed, 1984. AZEVEDO, Sânzio de. Literatura Cearense. Fortaleza: ACL, 1976. AZEVEDO, Rubens de. Memórias de um caçador de estrelas. Fortaleza: Editora UFC, 1996. ESTRIGAS. Nilo Firmeza. Arte Ceará: Mário Baratta: o líder da renovação. Fortaleza: Secult-CE (Museu do Ceará), 2004. ______________. O Salão de Abril: 1943 – 2009. 2° Edição. Fortaleza: La Barca Editora, 2009. LEITE, Barbosa. Esquema da pintura no Ceará. Fortaleza: Edições CLÃ, 1949. LIMA, Roberto Galvão. A Escola Invisível: Artes Plásticas em Fortaleza 1928 – 1958. Fortaleza: Quadricolor Editora, 2008. MARQUES, Kadma. Autonomização do campo artístico e singularização da experiência estética: A instituição do lugar social da arte e do artista em Fortaleza. In: Revista de Ciências Sociais (Universidade Federal do Ceará), vol. 38, n. 1. Fortaleza, 2007. MEDEIROS, Aluízio. Crítica 2ª série (1946- 1948). Fortaleza: Edições Clã, 1956. MONTEZUMA, Luciano. Dicionário de artes plásticas do Ceará. Fortaleza: Centro Cultural Oboé, 2003. MORAES, Vera Lúcia A. de. Clã: trajetórias do modernismo em revista. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004. MORAES, V.L.A de; GUTIERREZ, A. e REMÍGIO, A. (org) Clã: revista de cultura – homenagem aos 6º anos. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará – UFC. PONTE. Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: reforma urbana e controle social 1860-1930. 5. ed. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2014. SILVA. Anderson de Sousa. O Salão de Abril em dois momentos: Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP) e Prefeitura Municipal de Fortaleza (1944- 1970). 2015. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015. CURSO literatura cearense 127 Realização Apoio Patrocínio FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) João Dummar Neto Presidente André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Marcos Tardin Gerente Geral Raymundo Netto Gerente Editorial e de Projetos Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis Analistas de Projetos UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Viviane Pereira Gerente Pedagógica Marisa Ferreira Coordenadora de Cursos Joel Bruno Designer Educacional CURSO LITERATURA CEARENSE Raymundo Netto Coordenador Geral, Editorial e Estabelecimento de Texto Lílian Martins Coordenadora de Conteúdo Emanuela Fernandes Assistente Editorial Amaurício Cortez Editor de Design e Projeto Gráfico Miqueias Mesquita Diagramador Carlus Campos Ilustrador LuísaDuavy Produtora ISBN: 978-65-86094-22-0 (Coleção) ISBN: 978-65-86094-19-0 (Fascículo 8) Este curso é parte integrante do programa Circuito de Artes e Juventudes 2019, Pronac nº 190198, processo nº 01400.000464/2019-94, em parceria com a Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania. Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora CEP: 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br AUTORES Vera Lúcia Albuquerque de Moraes É graduada em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado em Letras (Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e pós-doutorado em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP). Atuou como professora da Universidade Federal do Ceará. É autora de Clã: trajetórias do modernismo em revista (EDR), além de outras obras de ensaios e de poemas. Anderson Sousa É mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com a dissertação sobre o Salão de Abril e a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap). Doutorando em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UPFE). Atualmente, atua como pesquisador em projeto, desenvolvido pela Galeria Multiarte, sobre a História das Exposições de Arte e dos Espaços Expositivos de Fortaleza. É também professor do curso de bacharelado em Direito da Faculdade Princesa do Oeste (FPO), em Crateús-CE. ILUSTRADOR Carlus Campos Artista gráfico, pintor e gravador, começou a carreira em 1987 como ilustrador no jornal O POVO. Na construção do seu trabalho, aborda várias técnicas como: xilogravura, pintura, infogravura, aquarelas e desenho. Ilustrou revistas nacionais importantes como a Caros Amigos e a Bravo. Dentro da produção gráfica ganhou prêmios em salões de Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.